FATORES QUE INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS NA CIDADE DE MARANGUAPE, CEARÁ Factors that interfere in the use of regional foods at Maranguape city, Ceará, Brazil Mariana Cavalcante Martins1, Mirna Albuquerque Frota2 RESUMO Os alimentos regionais possuem alto valor nutritivo e sua utilização pode contribuir para a prevenção da desnutrição infantil. O objetivo do presente trabalho foi identificar os fatores que interferem na utilização dos alimentos regionais e nos hábitos alimentares de crianças de baixo peso e/ou desnutridas. Estudo do tipo pesquisa-ação, desenvolvido em uma Unidade Básica de Saúde da Família, no município de Maranguape, Ceará – Brasil. A coleta de dados ocorreu durante oficinas educativas nas quais 15 mães participaram, tendo sido utilizada observação participante e entrevistas semiestruturadas. Identificaram-se as seguintes categorias relacionadas à utilização de alimentos regionais: come o que tem, gosta de comer bagulho, alimentação de baixo custo e fácil acesso. Os resultados mostram que a situação econômica desfavorável da mãe compromete a alimentação dos filhos. A realização das oficinas educativas possibilitou práticas alternativas com a utilização de alimentos de baixo custo, alto valor nutritivo e fácil acesso para as famílias em situação de desigualdade social. Conclui-se que há necessidade dos profissionais de saúde de promover práticas alimentares saudáveis, enfatizando a importância dos alimentos regionais, com a finalidade de reduzir a desnutrição e, conseqüentemente, a mortalidade infantil. PALAVRAS-CHAVE Desnutrição infantil, segurança alimentar e nutricional, economia dos alimentos, educação alimentar e nutricional, educação em saúde ABSTRACT Regional foods have high nutritional value and its use tends to contribute to the prevention of childhood malnutrition. The objective of this study was to identify factors that affect the use of regional foods and the food habits of undernourished and/or low weight children. This is an “action research” type of study developed in a Primary Care Health Unit in the City of Maranguape - Ceará, involving 15 mothers. We used a semi-structured questionnaire and participant observation. Results showed the following categories related to the use of regional foods: eats what they have, likes to eat junk food, low cost food and easy access. We identified that unfavorable economic situation is related to inadequate feeding practices. The educational workshops made possible the use of alternatives practices with the display of low cost foods with high nutritional 1 Mestre em Saúde Coletiva. Endereço: Rua Desembargador Praxedes, 515 Bl. A Apto. 104, Montese. CEP: 60416-530 - Fortaleza - CE – E-mail: [email protected] 2 Doutora em Enfermagem. Professora do Curso de Enfermagem da Universidade de Fortaleza. C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 – 169 MARIANA CAVALCANTE MARTINS, MIRNA ALBUQUERQUE FROTA value and easy access for the families who live in a social unequal context. We conclude that health professionals need to engage in promoting healthier food practices, emphasizing the importance of regional foods, with the objective to reduce malnutrition and, consequently childhood mortality. KEY WORDS Child malnutrition, food security, food economics, food and nutrition education, health education 1. INTRODUÇÃO A desnutrição infantil é um problema grave de saúde pública, sendo considerada uma doença de origem multicausal, tendo como principal determinante as más condições de vida (Lopes & Vieira, 2005; UNICEF, 2003). De acordo com o documento base da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Brasil, 2007), a desnutrição infantil tem diminuído nos últimos anos, mas a fome e a desnutrição ainda subsistem e ocorrem essencialmente devido à desigualdade de acesso aos alimentos, apesar da produção suficiente para atender à população. É válido ressaltar que a pobreza aponta sinais de que as necessidades básicas para a sobrevivência não estão sendo atingidas. A renda insuficiente para cobrir condições mínimas de subsistência de uma família não deve ser considerada como o único indicativo da pobreza, mas também a saúde frágil, a baixa escolaridade, a discriminação e a marginalização (Ministério da Saúde, 2003; Betto, 2003). Portanto, a contagem do contingente de pobres no Brasil, mesmo que apoiada em indicadores sociais ou econômicos deve ser vista apenas como referência do esforço que toda sociedade brasileira deverá fazer, ao lado das instituições constituídas e do Estado, para dar dignidade, respeito e condições de trabalho e vida aos que não têm acesso aos padrões sociais mínimos de cidadania (PMN, 2002). Neste contexto, estudos verificam que as comunidades da zona rural têm cerca de um ou dois alimentos básicos principais, isto é, alimentos de baixo custo e de fácil acesso em uma determinada região, e que podem se configurar numa excelente base para o preparo das primeiras refeições por ocasião do desmame dos bebês, pois fornece a maioria dos carboidratos e, freqüentemente, traz outros nutrientes necessários ao crescimento (Carvalho, 1994). Precisa-se compreender, entretanto, como ocorrem os hábitos alimentares infantis no âmbito familiar, embasado nos fatores que podem comprometer essa alimentação, mesmo diante do fato que as crianças precisam de quantidades de alimentos menores do que os adultos. As normas e recomendações para a alimentação na infância, entretanto, não devem se restringir às necessidades nutricionais, sendo o alimento, nos primeiros anos de vida, também uma das 170 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 FATORES QUE INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS NA CIDADE DE MARANGUAPE, CEARÁ principais formas de contato com o mundo externo, devendo ser feitas orientações visando o bem-estar da criança (Spyrides et al., 2005; Lopez & Brasil, 2004). As práticas alimentares estão além do ato de comer, não podendo ser abordadas sob uma perspectiva unidirecional, devendo considerar que o ato de nutrir ultrapassa a simples ação de ingerir. Logo, as práticas educativas devem contemplar a elaboração compartilhada de saberes que fundamentam as visões de mundo das pessoas e dos sujeitos sociais. Assim, estratégias para educação em saúde necessitam estar fundamentadas em práticas baseadas no diálogo e na escuta ativa, visando o desenvolvimento da consciência crítica, promovendo troca de conhecimentos, entre profissionais e os usuários do serviço de saúde (Rotenberg & Vargas, 2004; Silva et al., 2004). Segundo a Carta de Ottawa, 1986, a Promoção da Saúde se refere às ações destinadas a melhorar e aprimorar a saúde das pessoas não doentes e, neste sentido, tem como enfoque uma visão holística do processo saúde-doença, mediante a capacitação da comunidade, atuando na melhoria da qualidade de vida e saúde. Logo, a Educação em Saúde precisa ser repensada sob a perspectiva da participação social, compreendendo as práticas educativas como estratégias para a constituição de sujeitos ativos (Czeresnia & Freitas, 2003). Sabe-se, porém, que a não utilização dos alimentos regionais em decorrência de tabus e/ou mau uso destes é um elemento central na alimentação de crianças, pois estes poderiam ser priorizados na prevenção de carências nutricionais, contribuindo para a redução nos índices de desnutrição infantil. A estratégia global preconiza a análise de políticas agrícolas quanto a seus efeitos na saúde, promovendo a disponibilidade e acessibilidade a alimentos saudáveis, assim como capacitando profissionais da saúde, especialmente da atenção básica, para a promoção de práticas alimentares saudáveis (Ministério da Saúde, 2004). Assim, torna-se importante o desenvolvimento de ações educativas com a participação efetiva da comunidade, enfatizando a utilização dos alimentos regionais como alternativa de uma alimentação mais saudável e nutritiva. Considerando esses aspectos, este estudo objetiva identificar os fatores que interferem na utilização dos alimentos regionais e nos hábitos alimentares de crianças de baixo peso e/ou desnutridas. 2. METODOLOGIA Trata-se de uma abordagem qualitativa relacionada à investigação realista das expressões humanas, sendo holística e naturalista (Polit & Hungler, 1995). É um estudo do tipo pesquisa-ação, o qual exige o envolvimento ativo do pesquisador e a ação por parte da clientela. Caracteriza-se como uma pesquisa social com base empírica, com princípio de processo educativo, no qual pesquisa C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 – 171 MARIANA CAVALCANTE MARTINS, MIRNA ALBUQUERQUE FROTA e ação podem e devem caminhar juntas na transformação da prática, para resolução de um problema coletivo (Polit & Hungler, 1995; Thiollent, 2003; Barbier, 2002; Franco, 2005). A investigação foi desenvolvida na comunidade assistida por uma UBASF (Unidade Básica de Saúde da Família), situada no Distrito de Tabatinga – zona rural, Município de Maranguape, aproximadamente a 30 quilômetros da capital, Fortaleza – Ceará, Brasil, abrangendo em torno de 900 famílias, que possuem precárias condições de vida, difícil acesso à alimentação e altos níveis de desemprego. A seleção envolveu 15 mães de crianças que têm ou que tiveram filhos em situação de risco nutricional (baixo peso e/ou desnutridas), as quais estavam no percentil menor do que 10 considerando o indicador peso/idade, segundo o padrão de referência do National Center for Health Statistic (NCHS), recomendado pelo Centro de Referência de Alimentação e Nutrição, vinculado ao Ministério da Saúde (Engstrom, 1998). A coleta dos dados ocorreu no período de fevereiro a maio de 2005, em três etapas. Inicialmente, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas, contendo dados de identificação e dos hábitos alimentares do dia-a-dia. Posteriormente, foi realizada explanação dos valores nutricionais de cada alimento que seria utilizado, comparando-os com a alimentação relatada pelas informantes e, em seguida, foram realizadas as oficinas educativas, nas quais as mães eram participantes ativas no desenvolvimento de receitas. As receitas, baseadas no livro Alimentos Regionais Brasileiros (Brasil, 2002) e no Manual de Nutrição, desenvolvido pelo Instituto de Prevenção da Desnutrição e da Excepcionalidade (IPREDE) (Fernandes, 1992), foram as seguintes: suco da folha da sirigüela, arroz enriquecido com casca do jerimum, baião-de-dois fortificado com casca de banana, “carne” de soja, “carne” de caju, batata doce frita, purê de jerimum, mingau com flocos de milho, dentre outros, havendo degustação e distribuição das receitas ao término de cada oficina. Na terceira e última fase, foram realizadas entrevistas (questões norteadoras), abordando a contribuição das oficinas para alimentação da criança. A análise dos dados iniciou-se pela descrição e documentação das falas dos informantes, seguida da identificação e categorização, posteriormente a saturação de idéias e, por último, a síntese do pensamento, interpretação dos achados e formulação criativa dos achados (Minayo, 2001). De acordo com a ética exigida em pesquisas com seres humanos, as mães participantes foram informadas sobre o consentimento e assinaram um termo, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde, com a finalidade de preservar o anonimato. Receberam um símbolo diferenciado para resguardar o sigilo de seus nomes. Foi-lhes esclarecido que poderiam ou não participar da 172 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 FATORES QUE INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS NA CIDADE DE MARANGUAPE, CEARÁ pesquisa, sem sofrerem qualquer prejuízo. Para descrição das falas, as mães foram designadas pelas letras do alfabeto português (até o nº 16). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), conforme Parecer de nº: 512/2004, de 20 de dezembro de 2004. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA AMOSTRA A faixa etária das mães variou entre 23 e 53 anos. Eram mulheres participantes de famílias nucleares e que residiam com o companheiro e familiares. Três dessas famílias tinham um quantitativo elevado (variando entre dez a dezoito) de pessoas no domicílio, e um número máximo de seis filhos. Enfocando o grau de instrução, somente uma tinha o ensino fundamental completo, oito com ensino médio, quatro escrevem somente o nome e duas são analfabetas. Quanto à ocupação, apenas uma realizava trabalho externo, havendo, portanto, predominância dos trabalhos domésticos, sendo evidenciado o cuidado com os filhos. A maioria das mães possuía renda familiar de um salário mínimo, chegando até dois, e duas não possuíam renda fixa, pois viviam como trabalhadoras autônomas. Os filhos das informantes (n=16), tinham idade variando de 1 a 5 anos e com baixo peso, todos se enquadrando abaixo do percentil 10. Em relação à gestação da mãe, não foi relatada nenhuma intercorrência; duas não realizaram pré-natal e metade apresentou baixo peso. Foi questionada a prática da amamentação, percebendo-se a interrupção precoce, antes do filho completar quatro meses, evidenciando, como justificativa, a necessidade de ausentar-se em busca de trabalho. 3.2. CATEGORIAS RELACIONADAS À UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS 3.2.1. COME O QUE TEM As mães viviam em condições subumanas de vida, com baixo nível socioeconômico, relacionando a alimentação do filho com a falta de renda. Neste sentido, o hábito alimentar do filho está interligado com o alimento disponível no domicílio, assim como está relacionado com a incerteza do que pode vir a surgir como alimento em seu cotidiano, já que as condições não proporcionam possibilidades quanto à oferta de uma alimentação saudável, muitas vezes comprometendo o estado nutricional da criança. “Meus filhos comem arroz, feijão, mas eles sabem que eu não tenho condição de comprar nada, frutas essas coisas, só quando o povo me dá, no almoço quando tem ovo eu dou e assim vai”. (A). C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 – 173 MARIANA CAVALCANTE MARTINS, MIRNA ALBUQUERQUE FROTA As associações entre fatores socioeconômicas e ambientais com estado nutricional de crianças menores de cinco anos são relatadas desde a década de 1970. A pobreza é expressa em situações insalubres de moradia, decorrentes das elevadas taxas de desemprego rural, em virtude da mecanização das atividades agrícolas, inadequação ou ausência de acesso às ações básicas de saúde e desconhecimento das práticas de promoção e proteção à saúde, condicionadas a taxas elevadas de morbidade nas populações de baixa renda, determinando a desnutrição (Carvalho, 1994; Neder & Silva, 2004). Outro aspecto apontado foi quanto à alimentação de maior consumo no âmbito familiar, salientando-se o pão com café e o mingau de “arrozina”, referindo seu uso em função do baixo custo e praticidade no preparo. “Eles comem de tudo quando tem mais come mesmo é pão com café que é mais barato, o mingau de arrozina. No almoço é o que aparece não tem muito que escolher”. (C). “Eles comem café com pão, bananada todo dia, pois tem muita e eu não posso dar outra coisa; tem que comer o que tem”. (E). A alimentação complementar da criança muitas vezes é inadequada, considerando o baixo teor energético dos farináceos na preparação do mingau, como o da marca “arrozina”. Não foi relatada a utilização de vegetais, tendo sido referido pouco consumo de frutas e alimentos regionais (característicos e de fácil acesso na zona rural), na alimentação diária dos filhos. O estímulo ao consumo dos alimentos regionais por parte dos profissionais de saúde se faz necessário, enfatizando o fácil acesso, o alto valor nutritivo e, principalmente, o baixo custo destes alimentos, muitas vezes não considerados prioritários pela população da zona rural, talvez relacionado ao próprio desconhecimento sobre sua utilização. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2004) enfatiza a importância dos alimentos regionais em virtude da riqueza do seu valor nutricional, revelando, portanto, uma alternativa no combate a desnutrição e a várias doenças ligadas a hábitos alimentares inadequados, como a obesidade, dentre outras. Mais acessíveis e de menor custo, compõem boa parte da segunda listagem de alimentos da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO). 3.2.2. GOSTA DE COMER BAGULHO O crescimento e desenvolvimento favorável da criança está proporcionalmente relacionado a uma alimentação adequada, rica em nutrientes. Entretanto, nem sempre esta escolha depende exclusivamente da família, haja vista as influências externas, como a propaganda televisiva, que influencia o gosto alimentar da 174 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 FATORES QUE INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS NA CIDADE DE MARANGUAPE, CEARÁ população, particularmente das crianças. Portanto, uma alimentação saudável não se caracteriza como uma alimentação de alto custo, mas rica em vitaminas, proteínas, dentre outras substâncias que possam satisfazer a criança, prevenindo patologias difíceis de reversão. Em relação ao tipo de alimentação, os relatos foram similares, evidenciando a preferência alimentar do filho pelos chamados “bagulhos”, que, segundo Ferreira (1997), é conceituado como objeto sem valor, que no estudo foram os “xilito”, biscoito, “miojo”. “Esse aqui adora bagulho mesmo como xilito, biscoito, refrigerante, miojo, eu pelejo para tirar isso dele mais ele sempre chora”. (B). “Os meninos comem mingau, de manhã, à tarde o que aparecer para eles almoçar e a tarde dou xilito, miojo, biscoito essas coisas, o que tiver”. (F). A incerteza do alimento insere-se como algo de rotina no cotidiano das mães que lutam por um destino para os filhos que não seja o da desnutrição infantil, que, segundo Lopez e Brasil (2004), é conceituada como uma deficiência da natureza predominantemente calórica, embora deficiências de minerais e vitamínicas estejam comumente associadas. Um dos diversos fatores que pode desencadear a desnutrição infantil é a introdução inadequada da alimentação complementar, particularmente uma alimentação com deficiências calóricas. Alguns alimentos considerados como de baixo valor nutritivo podem ser relativamente dispendiosos para uma família que tem condição econômica desfavorável, porém assim mesmo são consumidos, seja por influências da mídia ou por consciência imatura. Nos Estados Unidos, predominam os chamados junk food e fast food, o primeiro considerado como alimento sem valor nutritivo e o segundo como alimentação rápida, que são os conhecidos salgadinhos, sanduíches e outros que estão muitas vezes ligados à cultura, como também estimulados pelo marketing das indústrias, incentivando a compra dos iogurtes, leites em pó, macarrão instantâneo e os conhecidos “xilitos”, que conseguem se manter em boas vendas atualmente (Rotenberg & Vargas, 2004; Frota & Barroso, 2003). As mães identificam a importância dos alimentos e seus valores nutricionais, mas justificam a alimentação oferecida, relacionando com o choro da criança e o incômodo; logo, estas mães optam pela vontade do filho, não por sofrerem com a dor, mas objetivando a resolução do problema, externalizado pelo choro da criança. “O que ela mais gosta é de sorvete, de xilito, mortadela, refrigerante e aqueles miojos, Mais eu não gosto que eles comam não é por que eles ficam direto chorando ai para me ver livre eu dou”. (N). C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 – 175 MARIANA CAVALCANTE MARTINS, MIRNA ALBUQUERQUE FROTA “Esse aqui por ele passava o dia comendo besteira, eu não digo nada, eu dou xilito, biscoito, bombom, por que eu não quero vê ninguém chorando perto de mim”. (D). Algumas mães não evidenciaram a presença do “bagulho” na alimentação do filho, mas fizeram relação com a idade, estando em uma fase da infância em que ainda não desenvolveram uma autonomia de escolha em relação à alimentação. Ressalta-se que seis crianças compreenderam a faixa etária entre 1 e 2 anos e onze crianças na faixa entre 2 e 6 anos. “O que mais a minha filha gosta mesmo é de mingau, pois só dou isso para ela, porque ela é muito pequena ainda”. (M). “O que ela mais gosta é de sopinha de verdura e leite feito mingau, ainda não come outras coisas”. (P). É preciso haver políticas de saúde, estratégias e programas de governo que garantam a produção e comercialização de alimentos acessíveis para as classes sociais em geral, juntamente com empregos e remuneração adequada, assegurando a possibilidade de consumo suficiente de alimentos saudáveis. 3.2.3. ALIMENTAÇÃO DE BAIXO CUSTO E FÁCIL ACESSO A promoção de práticas alimentares saudáveis, inserida no contexto da adoção de estilo de vida adequado, é um componente importante para a melhoria da qualidade de vida, assim como o compartilhamento do conhecimento sobre os alimentos e seus valores nutritivos, como também acerca da prevenção dos problemas nutricionais, desde a desnutrição até a obesidade (Ministério da Saúde, 2004). As oficinas foram desenvolvidas com alimentos aos quais as mães possuíam fácil acesso, cujo custo financeiro era mínimo, evidenciando satisfação na participação pela adequação à realidade vivenciada no âmbito familiar. “Fiquei muito satisfeita em aprender estas receitas, pois os alimentos que foram usados a gente encontra fácil e é barato, pois lá em casa o dinheiro quase não tem.” (B). “Eu achei que valeu muito à pena, porque os meus filhos estão gostando da comida e para quem não tem dinheiro veio em boa hora e podemos encontrar em vários locais”. (F). Parcela significativa da população brasileira, particularmente das classes populares, está promovendo ou utilizando alimentação complementar – alimentos regionais em sua dieta cotidiana. Para muitos, trata-se de um resgate da alimentação 176 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 FATORES QUE INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS NA CIDADE DE MARANGUAPE, CEARÁ popular, compreendendo-a como solução para os problemas de saúde e nutrição, quando “o melhor do alimento é jogado fora” (Santos, 2001). Portanto, é notável a importância da inserção dos alimentos regionais na alimentação de crianças com déficits nutricionais, inseridas em uma parcela da sociedade que vive na miséria. De acordo com Santos (2002), a população da zona rural sofre o descaso do poder público devido à precariedade de estratégias voltadas para políticas públicas e, conseqüentemente, afeta a comunidade de maneira holística. Evidenciou-se a importância de uma alimentação saudável com alimentos regionais para a criança, a partir dos relatos das mães que desconhecem determinados alimentos que poderiam ser utilizados como fonte de nutrição. “As oficinas foram boas por que aprendemos coisas que não sabia que poderia usar, valeu à pena. Sem falar que a comida é bastante barata e rende, os meus filhos estão adorando”. (D). “Eles estão adorando, estas oficinas contribuiu para a alimentação do próprio filho por que tem coisas que a gente pensa que é certo e não é. E além de tudo é barato, e eles mesmos pedem para comer os alimentos”. (I). Após as oficinas educativas, as mães estão disseminando o conhecimento apreendido, mediante o repasse das informações para outras famílias da comunidade, despertando o processo de conscientização que muitas vezes torna-se mais significativo quando proveniente de relatos das companheiras do que dos profissionais de saúde. Sabe-se, portanto, que a influência ocorre em todas as classes sociais, porém, de maneira considerável nas classes desfavoráveis economicamente. Na maioria das vezes, as influências decorrem de características da região, fazendo-se necessária uma orientação com ênfase nos tabus, preservando a cultura individual, valores, crenças, viabilizando opções de alimentação decorrentes destes mitos. Logo, a promoção de práticas saudáveis por meio de estratégias educativas em saúde significa um investimento numa autonomia crítica absoluta, desde que em todos os processos de aprendizagem estejam implicados fatores de influências recíprocas entre o educador e o educando (Frota & Barroso, 2003; Santos, 2005). “Foi bom porque agora ele está comendo tudo que eu aprendi, e é tudo mais barato e fácil de encontrar, já estou ensinando para quem eu vejo, pois as minhas crianças estão adorando e eu também”. (N). “As crianças estão comendo tudo, e adorando, pois são comidas diferentes e gostosas e que podemos comprar porque é barato e fácil de encontrar, estou ensinando para toda a minha família”. (O). C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 – 177 MARIANA CAVALCANTE MARTINS, MIRNA ALBUQUERQUE FROTA Foi significativo o discurso das mães sobre a contribuição das oficinas para o conhecimento acerca do crescimento e desenvolvimento do filho, sendo considerada a justificativa relevante para sua ausência no trabalho. “Foi maravilhoso, valeu à pena faltar dois dias do meu trabalho porque estou adorando fazer essas comidas, como a doutora falou e mostrou é bastante nutritivo e é barato, as crianças agora engorda porque o farelo é muito forte e estou usando em toda alimentação; no meu trabalho todas querem aprender já ensinei e tiraram cópia das receitas”. (L). A consciência que a mãe adquiriu durante o desenvolvimento das oficinas possibilitou um aprendizado sobre novas sugestões de alimentação que podem favorecer o crescimento e desenvolvimento do filho, encontrando meios para suprir as dificuldades enfrentadas na busca do alimento diário da família. Os alimentos revelados como mais utilizados foi o farelo de trigo, tendo como propósito seu rico valor nutricional. Em seguida, foi mencionado o suco com a folha da sirigüela (fonte de vitaminas A, B e C), e, por último, o jerimum e sua casca. Constatamos, ainda, um índice satisfatório na utilização dos alimentos regionais pelas mães, observando os questionamentos emergidos quanto ao acesso e ao custo do alimento. As oficinas educativas despertaram nas informantes o interesse na utilização de receitas com alimentos regionais que, até então, eram desconhecidas; portanto, beneficiando toda a família, incluindo o principal alvo: a criança que possui déficit nutricional. É nesse contexto que emerge a importância de promover práticas alimentares saudáveis, podendo-se enfatizar a educação alimentar e nutricional como uma das estratégias para a promoção da saúde de crianças desnutridas da zona rural. 4. CONCLUSÃO Os achados deste estudo sustentam a relevância da utilização dos alimentos regionais como forma de uma nova alimentação saudável, principalmente para as famílias carentes que necessitam de alimentos, sendo esta uma ação básica indisponível de forma eqüitativa. Notamos que a alimentação utilizada pelas crianças antes das oficinas educativas era deficiente em nutrientes, por ser uma alimentação baseada em condimentos, portanto, relacionada à precária situação econômica em que estas estão inseridas. Ressaltamos, ainda, que os alimentos regionais são fontes de vários nutrientes necessários para o crescimento e desenvolvimento favoráveis das crianças, considerada uma alimentação acessível e de baixo custo, possibilitando o consumo por famílias que residem em zona rural. 178 – C A D . S A Ú D E C O L E T ., R I O DE J A N E I R O , 15 (2): 169 - 182, 2007 FATORES QUE INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DE ALIMENTOS REGIONAIS NA CIDADE DE MARANGUAPE, CEARÁ Por conseguinte, a realização das oficinas educativas direcionadas às mães de crianças com baixo peso e/ou desnutridas pode auxiliar na compreensão das necessidades individuais, revelando as dificuldades e complexidades no âmbito dessas famílias. A educação nutricional deve incluir em seus efeitos sociais uma meta, englobando três campos: a política, o ensino e a comunidade, visando à questão nutricional e de saúde, lembrando-se que racionalizar a dieta já é uma estratégia de sobrevivência adotada por famílias da zona rural. As equipes de saúde devem despertar sua criatividade e sensibilidade na busca de melhorias da qualidade de vida da comunidade, atuando na cura e reabilitação do indivíduo, mas, principalmente, na prevenção de doenças por meio de ações que evidenciem e reconheçam a capacidade de análise crítica e de mobilização popular. O estudo possibilitou uma reflexão ampliada sobre as famílias, como mães carentes, mas, também como clientes, com necessidades comuns a pessoas que vivem em igual situação desfavorável. Logo, promover mudanças, mediante a intervenção educativa, incorporando a utilização dos alimentos regionais, pode contribuir para as políticas de segurança alimentar e erradicação da fome em nosso país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: Plano Editorial, 2002. 156p. Tradução de Lucie Didio. BETTO, F. Cartilha popular de mobilização social. Vamos todos combater a fome: mutirão contra a fome. São Paulo: Globo e Maurício de Sousa Editora, 2003. 37p. BRASIL. 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