Simone Meireles Cembranel - IFRS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL À
EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
O ensino e a aprendizagem da
Matemática na EJA
SIMONE MEIRELES CEMBRANEL
Profª. Fernanda Zorzi
Bento Gonçalves
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
__________________________________________________________________
C394e Cembranel, Simone Meireles
O ensino e a aprendizagem de Matemática na EJA / Simone Meireles Cembranel. –
Bento Gonçalves, 2009.
13 f. : il.
Trabalho de conclusão (Especialização) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Curso de Especialização em Educação Profissional integrada à Educação Básica
na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, 2009, Porto Alegre, BR-RS.
1. Educação. 2. Educação de Jovens e Adultos. 3. EJA. 4. EJA – Matemática –
Processo de ensino e aprendizagem. I. Título
CDU 374.7:51
_____________________________________________________________________________
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.
(Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável - CRB10/979)
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NA EJA1
Simone Meireles Cembranel2
Fernanda Zorzi3
Resumo: A Educação de Jovens e Adultos, como uma modalidade da Educação Básica, têm
suas especificidades e por isso mesmo, necessita de um modelo pedagógico próprio. Nesse
sentido, é necessária uma reflexão sobre os princípios metodológicos que norteiam a prática
pedagógica do professor de Matemática da EJA.
Palavras chave: Processo de ensino e de aprendizagem, EJA, Matemática.
Introdução
A EJA (Educação de Jovens e Adultos) é uma modalidade de ensino que abrange a
formação tanto de jovens como de adultos, que não tiveram o privilégio de concluir os
estudos básicos na idade apropriada. Pensar na EJA é compreendê-la como direito de todos,
que se dá ao longo de toda a vida, e que tem por objetivo principal integrar esses cidadãos na
sociedade, garantindo o direito a educação e escolarização.
A Educação de Jovens e Adultos, devido a suas especificidades, exige dos educadores
uma busca ainda mais intensa de aprendizagem, o que se deve, sobretudo, ao fato de que a
formação inicial e/ou continuada tem sido insuficiente para atender as demandas do ensino
dessa modalidade.
Os professores que trabalham na EJA, em sua quase totalidade, não estão preparados
para o campo específico da educação de jovens e adultos, reproduzindo, muitas vezes o
ensino regular de maneira inadequada e facilitadora.
Ela se diferencia das outras modalidades de ensino, por apresentar um público
particular, que possui características que o diferencia dos estudantes do “ensino regular”. Esse
público da EJA possui especificidades que vão além da idade cronológica, uma vez que, esses
jovens e adultos têm interesses, motivações, experiências e expectativas que devem ser
consideradas no processo educacional.
1
Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
2
Licenciada em Matemática.
3
Professora do IFRS-BG, Doutoranda em Educação pela UFRGS, Orientadora.
O jovem e adulto que busca as salas de aula da EJA, tem uma experiência de vida
maior do que aqueles que freqüentam o ensino básico regular, e essa experiência os levam a
uma compreensão maior do processo educacional.
Compreender que os sujeitos jovens e adultos trabalhadores trazem consigo
conhecimentos que vão além daqueles reconhecidos como científicos, produzidos no
ambiente escolar, significa valorizar outros saberes que são constituídos e constituintes nestes
sujeitos.
O ensino e a aprendizagem da matemática na EJA
Diversas variáveis intervêm no ensino de Matemática para jovens e adultos: um
público especial, um curso com limitação de tempo, a falta de materiais específicos para esse
publico e um professor geralmente sem formação especifica para essa atuação.
Tendo sido o educando adulto um “excluído” da escola regular e tendo o ensino da
matemática formal contribuído parcialmente nesse processo de exclusão, uma das metas da
educação de jovens e adultos passaria a ser a reversão dessa situação.
Estudos têm nos revelado que essa disciplina tem contribuído para o fracasso escolar,
na medida em que seu ensino, de maneira geral, está descolado das questões do cotidiano dos
alunos, provocando um sentimento aversivo a seu respeito e o pensamento de que só alguns
indivíduos têm condições de aprender matemática, ou seja, esta disciplina é uma ciência dos
privilegiados.
Uma crença que envolve o ensino da matemática é a de que basta ‘saber matemática’
para ensiná-la, deixando de lado a forma através da qual se constroem as noções no
pensamento do aluno. Observam-se, no cotidiano da escola, que poucos são os alunos que de
fato “aprendem matemática” e, pelos depoimentos de antigos alunos, verifica-se que pouco
resta dessa ‘aprendizagem’. Raramente se busca investigar os reais motivos do fracasso no
ensino da matemática, principalmente no que diz respeito à própria metodologia utilizada para
seu ensino. O objetivo deste texto é refletir sobre o ensino da matemática à luz do
interacionismo genético piagetiano.
Piaget anuncia que a matemática
(...) nada mais é do que uma lógica, que prolonga da forma mais natural a
lógica habitual e constitui a lógica de todas as formas um pouco evoluídas
do pensamento científico. Um revés na matemática significaria assim uma
deficiência nos próprios mecanismos do desenvolvimento do raciocínio
(PIAGET; GRÉCO, 1974, p.63).
Uma explicação encontrada para o ‘fracasso’ na matemática é que o aluno já recebe a
matéria pronta, organizada, ao passo que, segundo Piaget e Gréco (1974, p.65), num contexto
de autonomia, o aluno “é solicitado a descobrir por si mesmo as correlações e as noções e
assim recriá-las até o momento em que experimentará a satisfação ao ser guiado e
informado.” A insuficiente dissociação entre as questões lógicas e as numéricas ou métricas é
outra justificativa para o fracasso: “uma lei de evolução é muito clara, todas as noções de
matemática principiam por uma construção qualitativa antes de adquirirem um caráter
métrico” (PIAGET; GRÉCO, 1974, p.67) Através de um trabalho autônomo, espontâneo, a
partir de seu saber e de sua lógica o aluno chega à necessidade de construir os conceitos de
forma a tornar a matemática algo significativo para sua vida.
O sujeito de saber não pode ser compreendido sem que se o apreenda
sob esta forma específica de relação com o mundo. Em outras
palavras, não se poderia, para definir a relação com o saber, a partir do
sujeito do saber (da razão); pois, para entender o sujeito de saber, é
preciso apreender a sua relação com o saber. (CHARLOT, 2000, p.
61)
O conhecimento lógico-matemático, segundo Kamii e Devries (1992, p. 25), “é um
domínio intrigante”, que tem várias características. A primeira é que ele não é diretamente
ensinável, porque é construído a partir das relações que a própria criança criou entre os
objetos e as relações subseqüentes que ela cria a partir das anteriores, via abstração; a segunda
é do fato de que se a deixarmos desenvolver-se sozinha e a criança estiver encorajada a estar
alerta e curiosa, então o caminho para o desenvolvimento se dará através da coerência: não há
nada arbitrário no conhecimento lógico-matemático, tudo o que a criança constrói se dá de
forma cada vez mais coerente; a terceira é que, uma vez construído, o conhecimento jamais
será esquecido, ao passo que o conhecimento construído a partir da verificação empírica é
supérfluo.
Um dos conceitos fundamentais para a formação do pensamento lógico-matemático é
o da relação: troca com o outro. A inteligência progride na medida em que o sujeito se torna
capaz de criar relacionamentos entre sabres e coordená-los em sua mente. A possibilidade do
ser humano estabelecer relações lógicas é que lhe dá condições de construir o seu
conhecimento.
Defende-se aqui uma proposta pedagógica comprometida com a construção do
conhecimento matemático que paute a preocupação com a atividade do jovem e do adulto
através das questões que envolvem não somente os saberes escolares, mas a relação destes
saberes com o mundo do trabalho (saberes da experiência) trazidos das vivências do aluno.
Trata-se de uma educação e formação que desenvolvam habilidades básicas no
plano do conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo competências
para a gestão da qualidade, para a produtividade e competitividade e,
conseqüentemente, para a “empregabilidade”. (FRIGOTTO, 1998, p. 45).
Neste contexto, a construção coletiva é uma estratégia, isto é, cooperar não é fazer
pelo outro, nem torná-lo dependente, mas dar condições para que o outro possa chegar a
soluções próprias para as situações-problemas através das trocas, de sugestões e novos saberes
discutidos no grupo, correndo o risco que este tipo de atividade engendra: a possibilidade do
erro.
Ao expor o seu ponto de vista, o aluno tem a oportunidade de confrontar e de testar
suas hipóteses num clima de liberdade e aceitação, dando-se conta de seus ‘erros’,
contradições e incoerências para formular novas coordenações a fim de atingir o objetivo
proposto: a nova aprendizagem. Este tipo de estratégia pedagógica busca um sujeito
autônomo e ativo. O aluno cujos pontos de vista não são confrontados, que não se dá conta de
que a aprendizagem se dá por meio de um esforço pessoal e individual, torna-se um sujeito
passivo, dependente, pouco criativo, reprodutor de verdades ditadas pelo outro e alienado no
mundo do trabalho.
Kamii e Declark (1994, p. 72) ampliam o conceito de autonomia proposto por Piaget
no sentido de buscar a autonomia como finalidade da educação.
A essência da autonomia é que os sujeitos se tornem capazes de tomar
decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade
completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes
para decidir qual é o melhor caminho da ação. Não pode haver moralidade
quando alguém considera somente o seu ponto de vista. Se também
consideramos o ponto de vista das outras pessoas, veremos que não somos
livres para mentir, quebrar promessas ou agir irrefletidamente.
Desta forma, Kamii e Joseph associam a construção do conhecimento e a formação do
sujeito cidadão ao desenvolvimento de personalidades autônomas: sujeitos ativos, capazes de
produzirem o seu saber, inventivos, descobridores, capazes de dinamizarem o conhecimento e
contribuírem com o fortalecimento das relações interpessoais sustentadas no conhecimento e
no afeto recíprocos, no serviço e respeito mútuos, nas vivências solidárias e nas cooperações
efetivas. Neste sentido é que, para Kamii e Joseph (1995, p.188),
Autonomia é ao mesmo tempo moral e intelectual, e esse objetivo guia o
professor na decisão de como interagir com seus alunos durante cada
momento do trabalho de matemática. Quando interagimos com crianças de
maneira que correspondem a seus pensamentos e necessidades, nós as
ajudamos a se desenvolverem moral e intelectualmente. Quando
interagimos com elas a partir da imposição de parâmetros adultos, ao
contrário, nós apenas lhes ensinamos a concordar conosco em cada
momento.
A memorização é uma crença muito divulgada no meio estudantil, principalmente no
que diz respeito à matemática. Kamii e Joseph (1995) demonstraram que as crianças
aprendem os fatos numéricos sem os procedimentos de memorização mecânica. A
memorização antes da construção do conceito desencoraja a compreensão.
No ensino da matemática e na concepção de alguns professores que atuam na EJA, o
conhecimento matemático é algo pronto e acabado, que não sofre influências da sociedade, e
que deve ser transmitido igualmente para todos sem considerar as diferenças entre os sujeitos
que aprendem. A matemática para muitos educandos, é somente aquilo que se aprende na
escola, ou os conhecimentos que outros, mais estudados, dominam; que se oferece o que se
sabe e o aluno recebe as instruções passivamente imitando os passos do professor,
predominando assim, a memorização e repetição.
A construção é um critério necessário para uma instrução bem sucedida. As
oportunidades para que elas ocorram são essenciais. Citando Piaget (1973 a, p.98-99):
(...) todo estudante normal é capaz de um bom raciocínio matemático se sua
atenção está concentrada sobre os assuntos de seu interesse, e se por esse
método as inibições emocionais, que com freqüência fazem-no sentir-se
inferior nessa área, são removidas. Na maioria das aulas de matemática,
toda a diferença está no fato de que se pede ao estudante para aceitar uma
disciplina intelectual já totalmente organizada fora dele mesmo, ao passo
que, no contexto de uma atividade autônoma, ele é chamado a descobrir as
relações e idéias por si mesmo, a recriá-las até que chegue o momento de
ser ensinado e guiado.
Os erros constituem uma parte inevitável do processo de construção. Na matemática,
os erros geralmente refletem o raciocínio da criança. O erro deve ser visto como fonte de
informação sobre esse raciocínio e como fonte para a compreensão da natureza dos esquemas
nos quais se baseiam. As crianças não erram por acaso ou por falta de atenção quando são
deixadas com liberdade para pensar e opinar. Há sempre um bom motivo sustentando o erro
infantil. Os professores deveriam estar mais atentos a esses motivos e tê-los como base de
pesquisa para fundamentar sua prática pedagógica, problematizando suas intervenções, a fim
de favorecer o desenvolvimento infantil.
De uma forma geral, o ensino da matemática está centrado nos procedimentos de
cálculo e não sobre os métodos que encorajam a construção espontânea e autônoma dos
saberes matemáticos. Infelizmente, a forma de ensino mais utilizada consiste na tentativa de
memorização de conceitos matemáticos que instrumentalizam o cálculo (memorização de
fórmulas, repetição, listas infindáveis de exercícios repetitivos). O que acontece é que a
tendência natural para a compreensão é negligenciada em prol do condicionamento à
memorização em todos os níveis de ensino.
O processo de ensino e de aprendizagem da matemática, segundo os pressupostos
psicogenéticos, defende a construção progressiva das estruturas operatórias pela atividade do
sujeito. Desta forma, a matemática passa a gerar situações-problemas que possibilitem o
desenvolvimento e o aprimoramento das estruturas da inteligência. A construção da
inteligência e a reinvenção da matemática não podem ser reduzidas a atividades dentro e fora
da escola:
(...) a aprendizagem das estruturas cognitivas não consiste nem em colocar
simplesmente em jogo condutas operatórias previamente adquiridas, nem
em transformá-las totalmente. Aprender é proceder a uma síntese
indefinidamente renovada entre a continuidade e a novidade (INHELDER
et al., 1977, p. 262).
A vida fora da escola é o ponto de partida para o desencadeamento das conquistas na
sala de aula, na medida em que privilegia a atividade autônoma e espontânea do sujeito, da
mesma forma o trabalho realizado na escola refletirá na realidade do aluno, transformando e
potencializando-a. Como afirma Piaget (1973b, p.32): “O ideal da educação é, antes de tudo,
aprender a aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver
depois da escola”.
Desta forma, o papel do professor, especialmente nas aulas de matemática, é organizar
um ambiente favorável à ação, à experimentação e ao intercâmbio entre as crianças, criando
situações que solicitem da criança o estabelecimento de relações, a quantificação e a
construção de operações. Os jogos, segundo Kamii e Declark (1994), podem contribuir para a
organização deste ambiente, na medida em que forem vistos pelo professor como uma arte
que requer reflexão e experimentação para maximizar seu potencial.
Os jogos estimulam a descoberta e a reflexão sobre as ações realizadas, desenvolvem
atitudes, habilidades e conhecimentos, contribuindo para que os indivíduos saibam conviver
num grupo social e respeitar regras.
Trabalhar com outros recursos didático nas aulas de matemática como: jogos,
televisão, réguas, encartes de propagandas, computador, calculadora e outros facilitam a ação
educativa, propicia condições para que o aluno da EJA possa competir com igualdade com
outros sujeitos e contribui para a formação do aluno trabalhador, que requer o saber e utilizar
os diversos recursos tecnológicos.
Outra estratégia de ensino é o trabalho com projetos que contribui para o
desenvolvimento da pesquisa em sala de aula, o estudo de diversos conteúdos integrado com
outras áreas do conhecimento, possibilitar a troca de experiências, a integração entre os
indivíduos, a compreensão e a transformação da sociedade na qual vivem.
Quando se implementa mudanças na aula de matemática, o ensino terá um resultado
satisfatório, o educando perceberá o quanto ela é útil para a sociedade e ela deixará de ser
uma disciplina cheia de regras e disciplinas decorativas que reprova, passando a contribuir na
formação de pessoas dinâmicas participantes da sociedade.
Pensar o processo de ensino e de aprendizagem da matemática sob a perspectiva da
epistemologia genética piagetiana, por intermédio da ação, implica compreender que a
qualidade da inteligência se modifica, dá saltos qualitativos, dependendo da solicitação do
meio e do teor da interação do sujeito com o objeto de conhecimento, de acordo com o estágio
de desenvolvimento em que este sujeito se encontra. Levando em consideração que a
aprendizagem é um processo gradual, individual e próprio de cada sujeito, faz sentido afirmar
que a ação está presente na vida do sujeito desde o seu nascimento e se manifesta de forma
qualitativamente diferente durante a sua vida.
De acordo com a epistemologia genética de Jean Piaget, conhecer significa mudar os
esquemas para a interpretação da realidade conhecida. Essa mudança não é fruto da simples
leitura da realidade, nem cópia da experiência, mas é o resultado de um processo de
modificações e reorganizações dos próprios esquemas de ação do sujeito, provocadas pela
interação do sujeito com o meio e com o objeto de conhecimento.
O sujeito constrói a si mesmo através da ação e constrói seu conhecimento apoiandose na realidade e não a reproduzindo. A ação é a transformação material da realidade quando
o sujeito lida materialmente sobre ela através de suas capacidades motoras, mas também é
ação mental quando lida com enunciados, conceitos e proposições.
(...) a capacidade de agir em situações previstas e não previstas, com
rapidez e eficiência, articulando conhecimentos tácitos e científicos a
experiência de vida e laborais vivenciadas ao longo das histórias de vida...
vinculada à idéia de solucionar problemas, mobilizando conhecimentos de
forma transdisciplinar a comportamentos e habilidades psicofísicas, e
transferindo-os para novas situações; supõe, portanto, a capacidade de atuar
mobilizando conhecimentos. (KUNZLER, 2004, p. 81).
Quando falamos em Educação de Jovens e Adultos, não podemos esquecer que esse
público já percorreu um bom caminho de sua vida e que dominam noções matemáticas que
foram aprendidas de maneira informal ou intuitiva.
Esse conhecimento que o aluno da EJA traz para o espaço escolar, esse mundo da vida
cotidiana que parece estar tão afastado do mundo da escola é de grande importância e
deveriam ser considerados como ponto de partida para a aprendizagem das representações
simbólicas convencionais.
Educar pessoas jovens e adultas é educar para compreender, isto é, é educar para o vira-ser, buscando a superação do treino, do exercício e da transmissão de informações para
privilegiar a ação reflexiva do sujeito com o mundo através das trocas interindividuais. Essa
educação está comprometida com o conhecimento e não somente com a sua aprendizagem.
Educar para o conhecimento compromete-se com a formação de sujeitos autônomos,
conscientes da importância da troca com o outro para o seu crescimento pessoal e para a
possibilidade de transformar não somente a si mesmo, mas a realidade em que se está
inserido. Trata-se de formar sujeitos capazes de crítica e autocrítica, de pensamento criativo e
transformador, com objetividade de idéias e poder síntese ao produzir seus conhecimentos.
“as escolas até hoje não descobriram ou não utilizam todo o seu potencial de
mobilização social e sua capacidade criadora. Falta-lhes talvez uma dose de
rebeldia, essencial ao ato pedagógico, para se transformarem em escolas
radicalmente democráticas” (GADOTTI, 2003, p.2).
Nessa perspectiva, o ensino da matemática na escola deve contribuir para a formação
de alunos capazes de posicionar-se diante da realidade, defendendo seus pontos de vista,
enfrentando de forma positiva os seus conflitos e as contradições em busca da sua superação,
alunos pesquisadores capazes de contribuir com a construção do seu conhecimento e da
ciência como um todo.
Os pressupostos teóricos de Piaget são essenciais para pensar os processos escolares
de ensino e de aprendizagem dessa escola. Compartilhar com os alunos e com o professor
horas de trabalho com o ensino e aprendizagem da matemática na escola significou um
momento único de relacionamento entre a teoria e a prática, indo além da denúncia dos erros
cometidos ou da elaboração de uma fórmula única de funcionamento para a matemática,
contemplando a práxis em construção, permitindo antecipar os efeitos das ações, formular
hipóteses sobre a aprendizagem individual de cada aluno, prever e avaliar as intervenções do
professor diante das respostas dos alunos, imaginar argumentações possíveis às situações que
se apresentaram em sala de aula, delinear formas para orientar as discussões dos alunos e,
acima de tudo, uma oportunidade de refletir e fazer uma crítica sobre os próprios erros e
acertos da caminhada acadêmica e docente.
Pesquisa de campo
Nesta análise apresentaremos os resultados da pesquisa de campo realizada no CEFET
em Bento Gonçalves. O objetivo da aplicação do questionário foi observar se os alunos do
PROEJA percebem relação dos assuntos abordados na sala de aula com o seu dia a dia e se
fazem uso deles.
Questionário aplicado aos educandos:
- Você percebe a relação dos assuntos abordados nas aulas de matemática no PROEJA
e o seu dia a dia? E no seu trabalho?
- Em caso positivo, quais são esses assuntos?
- Relate brevemente uma situação em que você fez uso dos saberes da matemática com
seu dia a dia:
Como nos mostra o depoimento de alguns alunos do PROEJA observamos que a
grande maioria percebe a relação entre os assuntos abordados nas aulas com seu dia a dia:
“No dia a dia de uma dona de casa, tem que calcular muitas vezes, onde posso
diminuir as despesas, ali não posso ter erros, pois a situação complica. Na escola se eu errar
posso apagar e acertar com a ajuda do professor”.
“Eu uso muito a matemática, pois trabalho em almoxarifado e controlo tudo o que
entra e sai se no final do mês dá lucro ou prejuízo na empresa, nos acertos de estoque tenho
que transformar muitas coisas em metros quadrados, em quilogramas. Enfim a matemática é
fundamental no meu trabalho”.
Observa-se nos comentários acima que o conhecimento matemático é aplicado tanto
no cotidiano de uma dona de casa como no dia-a-dia do trabalho de um funcionário de
empresa.
“Trabalho no comércio é preciso sempre estar atenta nos descontos e na porcentagem
e outros assuntos também”.
“Quando vou ao mercado fazer compras, todos os dias eu uso a matemática, quando
vou fazer as contas que gasto, de luz, telefone, água todos os dias faço contas é preciso saber a
matemática”.
É possível observar que as pessoas estão percebendo cada vez mais a utilização da
matemática nas atividades diárias, por mais simples que sejam a matemática está presente no
cotidiano de todos.
“Em tudo se utiliza a matemática, mas a matemática da vida é mais complicada
devemos ser ligeiros nos pensamentos para não sermos passados para trás.”
“Tipo livro ponto (chegada a hora do trabalho, saída), horas trabalhadas, salário, tudo
isso envolve números”.
“Para saber as quantidades exemplo: para fazer uma determinada mistura eu tenho
tantos ingredientes, para fazer um número maior, o quanto vou precisar”.
Esses relatos demonstram que os alunos apesar de não possuírem uma formação
escolar, utilizam a matemática diariamente no trabalho e em casa, criando uma linguagem
própria e diferente daquela aprendida em sala de aula, apesar disso julgam a matemática
escolar importante para sua formação.
A maior parte das pessoas vêem o ensino da matemática como uma das matérias mais
difíceis e menos atraentes. Mas se dão conta de que todos fazem uso dela, no dia-a-dia, em
casa, no trabalho, no supermercado, no esporte.
“Para os alunos, a principal razão do insucesso na disciplina de Matemática
resulta desta ser extremamente difícil de compreender. No seu entender, os
professores não a explicam muito bem nem a tornam interessante. Não
percebem para que serve nem porque são obrigados a estudá-la. Alguns
alunos interiorizam mesmo desde cedo uma auto-imagem de incapacidade
em relação à disciplina. Dum modo geral, culpam-se a si próprios, aos
professores, ou às características específicas da Matemática”. (PONTE,
1994, p. 2)
Ser professor de matemática na educação de jovens e adultos não é uma tarefa fácil,
exige comprometimento e que estejamos atentos às necessidades deste público,
proporcionando a estes alunos aulas interessantes e enriquecedoras, já que eles precisam de
motivação para continuar seus estudos após uma jornada de trabalho ou retornar depois de
anos longe da sala de aula. Precisamos buscar alternativas metodológicas que ampliem os
conhecimentos prévios desses alunos e que eles possam fazer uso dos saberes da matemática
no seu dia a dia.
Algumas considerações
No contexto escolar de EJA, o modelo de ensino e aprendizagem deve contribuir para
a formação de alunos com iniciativas próprias, estimulando-os a tentar superar por si mesmo
suas dificuldades, orientando-os na busca de soluções próprias e proporcionando sua
participação ativa no processo ensino-aprendizagem.
Considera-se fundamental a atuação do próprio aluno na tarefa de construir
significados sobre os conteúdos de aprendizagem, dando ênfase a relação de confiança e
respeito mutuo entre professor e aluno numa prática cooperativa e solidária.
Reconhecer os saberes gerados pelo indivíduo dentro do seu grupo cultural, como
ponto de partida para gerar novos conhecimentos e propor o compartilhamento de
responsabilidade sobre a aprendizagem, na busca de alternativas que auxiliem o aluno a
aprender a aprender.
Entende-se que a dinâmica da sala de aula deve oportunizar a participação efetiva dos
alunos, aliando a matemática à experiência prévia dos estudantes trabalhadores, de modo a
contribuir para o desenvolvimento da capacidade de os mesmos lidarem de forma criativa e
crítica com as informações que envolvam conteúdos matemáticos.
Referências Bibliográficas
CHARLOT, B. (2000). Da relação com o saber – Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Editora
Artmed.
FRIGOTTO, G. (org.) Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1998. - (Coleção estudos culturais em educação).
GADOTTI, Moacir e ROMÃO, José E. Educação de Jovens e Adultos. Teoria, prática e
proposta. 8ª Edição. Cortez Editora.
INHELDER, B; BOVET, M; SINCLAIR, H. Aprendizagem e estruturas do conhecimento.
São Paulo: Saraiva, 1977.
KAMII, Constance; DEVRIES, Rheta. Piaget para a educação pré-escolar. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992.
KAMII, Constance; DECLARK, Geórgia. Reinventando a aritmética: implicações da teoria
de Piaget. . São Paulo: Papirus, 1994.
KAMII, Constance; JOSEPH, Linda Leslie. Aritmética: Novas perspectivas. São Paulo:
Papirus, 1995.
PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973a.
___. Problemas de psicologia genética. Rio de Janeiro: Forense, 1973b.
PIAGET, Jean; GRÉCO, Pierre. Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1974.
PONTE, J. P. Matemática: uma disciplina condenada ao insucesso. NOESIS, n. 32, p. 24-26,
1994.
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