DETERMINANTES SOCIAIS – CONTRIBUIÇÕES DO

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DETERMINANTES SOCIAIS – CONTRIBUIÇÕES DO GRUPO
O grupo avaliou que o Informe da OMS deve ser analisado com base na luta pelo direito
à saúde e, nesta perspectiva, este relatório anuncia o interesse das agências
internacionais e faz uma convocatória asséptica do tema da injustiça social. Na verdade,
o relatório da OMS cumpre a pauta neoliberal. Este relatório despreza o pensamento e a
análise critica e isso é bastante ofensivo, até reducionista.
As relações entre desigualdade, iniqüidade e determinação social, na visão do grupo,
não podem ser reduzidas a uma análise circular, imobilizada. Os complexos problemas
de origem social não podem ser reduzidos a fatores sociais isolados e tampouco estas
situações não devem ser reduzidas a fatores de vulnerabilidade e risco de natureza
epidemiológica, como faz o relatório.
O perigo desta situação é a crença na possibilidade de que a atuação sobre estes fatores
de risco podem reduzir a determinação social, a situação que determina socialmente a
condição de saúde e da doença, sem mudar, entretanto, as concepções políticas de
sustentação da sociedade. É necessário criticar o discurso neoliberal que reforça uma
hegemonia que, de fato, não existe, não convém.
Este relatório denuncia situações importantes relacionadas às desigualdades no mundo,
mas as perspectivas de análise são absolutamente unilaterais e frágeis, não abordando a
complexidade dos problemas sociais que estão diretamente vinculados ao modelo de
desenvolvimento sócio econômico e às relações de mercado.
O predomínio de análises instrumentais e operacionais sobre o tema da DSS exige uma
retomada do debate e um aprofundamento teórico. Neste sentido, é necessário um
esforço no sentido da quebra da hegemonia teórica marxista, devendo-se acolher o
pensamento e a contribuição de novos autores que nos oferecem análise e perspectivas
múltiplas para a compreensão da complexidade do problema. Esses autores, sendo
citados Deleuze, Foucault, Nietsche e outros, devem ser revisitados no aprofundamento
destes cenários.
Essa nova discussão deve ter uma perspectiva acadêmica, mas deve incluir o que os
movimentos sociais vêm realizando e investindo. Lembrou-se, no grupo, que a teoria é
uma abstração que pretende ajudar na compreensão dos fenômenos, neste caso
relacionados à vida, individual e social, coletiva. Mas que esta abstração é impotente e
insuficiente, e não reflete a vida real.
O isolamento do Movimento Sanitário que determina cada um no seu espaço de poder
cria desvios de olhares e isso interfere diretamente no processo participativo, isso deve
ser abordado no documento também. Foi lembrado que no momento em que as pessoas
saem para ocupar espaços de gestão, o que se observa é uma intolerância, e isso foi
denunciado no grupo, uma intolerância à prática dos movimentos sociais sob a
argumentação de que são encrenqueiros e não tem uma contribuição real ao trabalho
institucional. Isso merece uma atenção maior por parte do CEBES.
Há uma necessidade, neste contexto, de uma aproximação maior dos acadêmicos aos
movimentos sociais. Os acadêmicos devem reconhecer que, por baixo de algumas
ONGs, alguns movimentos, alguns entidades de movimento social que aparecem no
cenário nacional, há de fato uma rede, por baixo destas organizações, de ativismo social
e essa rede está estruturada sob o sentimento da solidariedade e de ação política que não
são valorizados.
A tecnologia de relação com os movimentos sociais que é o objeto da educação popular
tem afetado pouco o movimento sanitário. Esta é uma forma de permitir que os espaços
de gestão e a academia sejam contaminados por outra lógica, a da vida cotidiana das
pessoas e das coletividades.
A luta social em todas as suas modalidades e dimensões traz elementos importantes ao
entendimento da determinação social. É necessário, desta forma, defender com
veemência a posição defendia pelo Vicente Navarro ao criticar o relatório da OMS e ao
apontar os aspectos positivos do relatório quando denuncia situações de desigualdades
em vários países, mas não correlaciona estas situações às causas. Reforça-se o aspecto
da denúncia do Navarro de que as iniqüidades que causam a morte têm sujeitos, têm
grupos sociais, têm interesses políticos e econômicos e estas são as iniqüidades que
matam as pessoas e devem ser identificadas e combatidas.
É necessário reconhecer que a participação social necessita ser revigorada e
especialmente politizada. Para isso, é necessário que o Movimento Sanitário tenha a
competência e capacidade para captar o que o imaginário coletivo associa à saúde e que
a associação feita à determinação social da doença nas suas novas concepções e
dinâmica tenha esta abordagem, sendo este um compromisso que devemos ter e
incorporar. Esta repolitização deve ter como eixo uma ação coletiva, mas também a
incidência sobre as decisões políticas, de interesses coletivos. Deve na visão de uma
parte do grupo, recuperar a Social Democracia com forte participação popular. Há
necessidade de identificar as representações sociais que são capazes de compor uma
nova hegemonia.
A bandeira da desmedicalização deve ser revigorada e devemos analisar o caráter
altamente intervencionista e medicalizador presentes na proposta em curso da promoção
da saúde.
Há um afastamento das universidades das práticas populares. Os diagnósticos de
situação de saúde abordam as doenças, assim como os Planos de saúde. É necessário
positivar a saúde nestes espaços de gestão. Para diagnosticar a situação de saúde e
construir planos para as comunidades é necessário dialogar com as pessoas, os grupos
sociais e entender as lógicas destes grupos de forma diferente, adentrando a linguagem e
os saberes populares.
Nesta perspectiva, reconhecer que as comunidades sabem dizer o que querem e o que
precisam e nós precisamos desenvolver uma porosidade de percepção tanto do ponto de
vista das instituições acadêmicas como dos serviços e sistemas de saúde. Esta
abordagem instrumentalizada da DSS deve considerar esta perspectiva.
Foi discutido o caráter múltiplo do Movimento Sanitário, que sempre associou produção
acadêmica e ativismo, reforçando que assim deve ser o movimento, e ressaltando que
devemos partir com uma agenda nesta perspectiva, tendo o CEBES um papel
fundamental. Ressalta a denúncia do fato de que a produção acadêmica é refém da
CAPES, pois direciona a produção para temas nem sempre necessários ou prioritários à
agenda política, como o caso da determinação social da doença. O CEBES tem que
denunciar e tentar reverter essa tendência. Por outro lado, a bandeira da democratização
na sua relação com a saúde e na perspectiva de todo o Estado é atual e sempre
necessária ser revigorada. Incorporar as novas critica é fundamental e é o que move a
renovação do pensamento e os avanços.
É grande o desafio nesta linha dos DSS de trabalhar na perspectiva de promoção da
saúde que tenha como referência o autocuidado e a autonomia crítica. As práxis atuais e
as dinâmicas de serviços no micro espaço das relações com usuários não reconhecem
isso.
É necessário analisar, por outro lado, a potência do discurso da determinação social e
das suas perspectivas de análises como motor da mobilização social e da politização. A
determinação social tem a faculdade de legitimar e conferir complexidade à
compreensão sobre os processos sociais.
O discurso da DSS construído sob a matriz marxista deve ser atualizado e incorporar
autores diversificados também desta matriz. Configurar o rompimento de dicotomias
que vêm contribuindo para uma ausência de sentidos da DSS. Alerta para uma
perspectiva de que a subjetivação do capitalismo submete todos a uma situação de
produção contínua do lucro, nas mínimas atividades cotidianas as pessoas estão
envolvidas com mercadorias e serviços.
Nossa direção de luta, a mobilização do CEBES deve articular não só na realidade
brasileira, mas internacionalmente, para que os países latino-americanos e o Brasil
incorporem as dimensões e orientações da determinação sociais da saúde nas suas
políticas e práticas de gestão. Isso necessariamente deve ter um efeito de transformação
da própria concepção de Estado, de políticas sociais universais e nos modelos de
desenvolvimento. Esse capitalismo não serve a estas mudanças e, portanto, revigorar o
combate ao capitalismo está na base desta possibilidade de mudança. A abordagem da
DSS requer que sejam identificados os verdadeiros autores das iniqüidades, reportando
a posição do Navarro como base desta reflexão.
É necessário que o ativismo em saúde coletiva priorize as relações entre comunicação e
saúde e atente especialmente à mídia como espaço central de produção desse imaginário
que associa saúde ao consumo individual de bens e serviços. Para além das concepções
instrumentais e tecnicistas de comunicação, é necessário não apenas compreender, mas
criar novas formas de comunicação cotidiana no âmbito da saúde e também participar
ativamente da formulação de políticas públicas relacionadas à comunicação. Estas
políticas devem contrapor a concentração dos meios de comunicação e à ausência de
espaços plurais de expressão.
Nesta perspectiva, o grupo defende que a questão da comunicação seja mais
aprofundada pelo CEBES, propondo a constituição de grupo temático sobre o tema da
comunicação. O Cebes deve ter uma dedicação a esse tema na próxima gestão,
contemplando, no seu plano de trabalho, aprofundamento do tema, disseminando
pensamento crítico sobre a comunicação.
Esta compreensão da comunicação como direito humano deve resultar no empenho
político do CEBES que deve se inserir no debate da sociedade civil que ocorre por
oportunidade de realização da I Conferência Nacional de Comunicação, convocada para
ser realizada em dezembro de 2009. O Cebes deve atuar no sentido de que esta
Conferência se constitua em espaço real e democrático de formulação de diretrizes para
políticas públicas em comunicação. Sugerimos que o CEBES produza um documento
sobre o tema para ampla divulgação nacional.
E, na mesma linha de demanda, aponta também esta perspectiva de constituição de
grupos temáticos para o tema dos trabalhadores. Propõem-se a constituição do grupo
temático de Saúde, Trabalho e Ambiente do Cebes, como estratégia de aglutinar os
militantes deste campo da Saúde do Trabalhador e disseminar o conhecimento e
reflexão política sobre saúde e sociedade, contribuindo para a resignificação do
referencial da Determinação Social da Saúde.
Desta forma, entende-se como fundamental aprofundar a proposição dois, no sentido de
conhecer quais são as necessidade e práticas de saúde que atendam as demandas dos
trabalhadores no cenário de mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho, capaz
de unificar os movimentos sociais, acadêmicos e dos gestores na luta pela saúde. No
sentido estratégico de transformar estas práticas em possíveis “bandeiras” de unificação
do movimento da saúde dos trabalhadores, inseridas no movimento da saúde.
A tese e a práxis do CEBES sobre a temática da determinação social deve ainda ser
fortalecida em dois campos: ampliar olhares teóricos ampliando a visão e incluindo as
diversas perspectivas marxistas; trazer, criar e fortalecer maior relação do CEBES com
movimentos sociais, promovendo uma pedagogia de duas mãos gerando novos olhares.
No entanto, é necessário, na mesma linha da análise da ALAMES e da crítica de
Navarro, agradecer a OMS por ter nos provocado ao reencontro com o tema da DSS, o
que ao mesmo tempo impulsiona uma critica substanciada a hegemonia dos
epidemiologistas, nossa elite do campo da saúde pública e nos provoca este
aprofundamento, essa ampliação do olhar.
Sem dúvida, os vários autores citados como Foucault, Deleuze, Guatarri, Illich abriram
nossas avenidas e hoje nossa concepção é de que não se trata de definir o que é a
determinação social e dar por terminado o debate. Devemos manter as múltiplas
possibilidades nesta construção admitindo a complexidade que o tema nos oferece. Da
mesma forma, não podemos reduzir o direito à saúde ao simples acesso a serviços. É
preciso forjar liberdades para visitar os vários pensadores e pensamentos fora das
amarras que nós mesmos criamos e alimentamos.
A Reforma Sanitária brasileira destaca-se das outras por ter valorizado dois núcleos: 1)
o que aborda a questão sanitária, que resultou na criação do SUS, e 2) o “núcleo
subversivo”, que se apoiava nas bases teóricas marxistas da determinação social. Esse
último foi abandonado e sua retomada atual exige que não tomemos a determinação
social como carências sociais. É necessário reconhecer os desejos, as vontades e as
necessidades das pessoas e das coletividades. Estas necessidades devem ser entendidas
de forma radical, ou seja, como possibilidade de que os grupos sociais possam explicitar
os seus desejos e direcionarem sua ação para a concretização destes desejos. Isso
naturalmente confronta com interesses hegemônicos do capitalismo vigente, mas é o
que terá a potencia de intervenção sobre a DSS.
Coordenção: Paulo Amarante
Relatoria: Ana Costa
DETERMINANTES SOCIAIS - PROPOSIÇÃO PARA O DEBATE
Considerações
O conceito de determinação social da saúde ocupou sempre um lugar de destaque entre
as formulações doutrinárias que orientaram o movimento sanitário brasileiro desde suas
origens na década de 1970. Tal conceito está assentado sobre o pressuposto de que a
saúde humana deve ser compreendida e analisada a partir das formas de organização da
sociedade, ou seja, de sua estrutura econômica e social, na medida em que esta
dimensão subordina ou subsume as dimensões naturais (atinentes ao ambiente físico e à
constituição genética e fisiológica dos indivíduos). Determinação social refere-se às
várias formas possíveis de conhecer, de modo mais concreto ou específico, estas
relações entre saúde e sociedade, abrangendo a noção de causalidade, mas sem se
restringir a ela.
Foi essa concepção que esteve presente nos trabalhos da Comissão Nacional de
Reforma Sanitária (1986-87) e que, em 1988, de forma alusiva, incorporou-se à
primeira parte do artigo 196 da Constituição, que diz que o direito à saúde deve ser
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos.
O relatório da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial
da Saúde (OMS) e o correspondente relatório nacional de iniciativa da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) ensejam uma boa oportunidade para retomar essa discussão,
que esteve praticamente abandonada nas duas últimas décadas. O relatório da OMS
afirma que reduzir as desigualdades de saúde é um imperativo ético, porque “a injustiça
social está matando as pessoas em grande escala”.
De onde e por qual motivo surgiu essa voz em defesa da justiça social em saúde?
Em 1998, a repartição europeia da OMS divulgou a versão originária desse relatório,
elaborada com base em pesquisas de epidemiologistas britânicos e dirigida aos países da
Comunidade Europeia.
A nova política internacional dos determinantes sociais nasceu em estreita relação com
o objetivo de obter nivelamento progressivo das condições econômicas e sociais dos
membros desse bloco de países, visto que grandes desigualdades são adversas à
formação de mercados transnacionais.
O relatório de 2008 da OMS dirige-se a todos os países do mundo que apresentam tais
disparidades nas condições de saúde de suas populações. A OMS passou a promover
uma política de cunho pósneoliberal, que se caracteriza pelo combate às desigualdades
sociais e pela ênfase em uma proteção social ampla. Não se trata de uma diretiva
que vise à contenção do gasto pelo Estado e a pacotes de proteção social mínima, como
aconteceu no período do neoliberalismo.
O que há de equivocado, então, com o relatório da OMS? Em primeiro lugar, do ponto
de vista do conceito de determinação social da saúde próprio ao movimento sanitário,
existe um equívoco teórico: os determinantes sociais aparecem unicamente na qualidade
de fatores causais de morbidade e mortalidade, seguindo o modelo da epidemiologia
tradicional. Essa é a ótica positivista dos determinantes sociais da saúde criticada pela
Associação Latino-americana de Medicina Social (Alames):
Os determinantes sociais, ao serem convertidos em
fatores, perdemsua dimensão de processos sóciohistóricos, expressão de formas específicas de relações
entre as pessoas e destas com a natureza, e facilita sua
simplificação ao serem entendidos e expressos como
fatores de risco, escolhas inadequadas de estilos de vida,
etc.
(Oliva,
Escudero
e
Moreno,
2008).
A teoria da saúde do relatório é a mesma da medicina e da epidemiologia tradicional:
saúde é equivalente à ausência de morbimortalidade e à sobrevivência física em longo
prazo. Com tal lógica, diversas variáveis abstratas são montadas e cruzadas para expor o
óbvio, como por exemplo, que os pobres têm pior saúde que os ricos. Não se encontra aí
qualquer teoria da sociedade de caráter crítico ou, pelo menos, explicativo.
O conceito estreito de determinantes sociais é puramente empírico e afasta a
possibilidade de compreensão da saúde como um fenômeno social e humano. ignora o
fato de que a saúde pública é um campo de políticas de estado que precisa ter em conta
a contribuição da sociologia, da antropologia e da fi losofi a; ignora também que a
causalidade é apenas uma das formas possíveis de determinação da saúde e que, no
âmbito do social, a existência de vínculos causais é algo bastante questionável.
O método de investigação copiado a partir da biomedicina e da epidemiologia traz o
pressuposto inaceitável de que o social se encontra nas populações, mas que, em si
mesma, a saúde do homem é algo natural. esta interpretação leva ao determinismo
social, já que a saúde e a sociedade são entendidas de forma positivista, ao excluir a
história e a práxis humana, isto é, os espaços de liberdade dos indivíduos e da
coletividade.
Finalmente, é preciso apontar um grave equívoco político do relatório. É profundamente
questionável que possa haver uma mobilização da sociedade que seja restrita à luta
contra as desigualdades em saúde. Mobilização social pela saúde ocorre, em geral, junto
da mobilização diante de outros problemas sociais e políticos da sociedade e em
articulação com movimentos que objetivam a conquista de um conjunto de importantes
direitos sociais e políticos, os quais se encontram historicamente negados. É uma
questão de empoderamento e manutenção do poder por parte de diversos mvimentos
sociais que pactuam, entre si, uma agenda de transformação social e política. Foi isso o
que aconteceu com o movimento de reforma sanitária nas conjunturas da
redemocratização da sociedade e da reformulação constitucional.
Proposições
1. O escopo da discussão sobre determinação social da saúde tem que ser amplo, ou
seja, não pode se limitar ao marco disciplinar da epidemiologia, mas deve abranger uma
ampla gama de questões sobre as relações entre saúde, sociedade, economia,
democracia e políticas públicas.
2. O conceito de determinação social da saúde deve abranger, por exemplo, o estudo de
como as necessidades e as práticas de saúde são socialmente criadas e reforçadas pelo
capitalismo avançado. atualmente, o mercado de saúde envolve um consumo crescente e
cada vez mais diversificado de bens e serviços, o qual não mais se limita aos
medicamentos e aos sofisticados recursos tecnológicos produzidos pelo chamado
complexo médico-industrial. a mercantilização da saúde se estende atualmente a todas
as dimensões do cotidiano, por meio da adoção maciça das regras de vida saudável: as
dietas, os exercícios físicos, os serviços de estética, os esportes, etc. o consumo de
saúde, com toda sua enorme diversidade, é, hoje, um dos sustentáculos fundamentais da
acumulação capitalista. o imaginário social da saúde no mundo contemporâneo, que
mescla a dimensão do saudável com o estético, impõe um novo padrão de consumo não
só aos jovens como também aos idosos – muitas vezes sob a égide oficial da promoção
da saúde. o que precisa ser estudado e entendido é como esse imaginário social faz da
saúde uma mania de consumo e, por sua vez, como este fenômeno contribui para manter
uma demanda econômica sempre aquecida, que não desaquece nem sequer durante os
períodos de crise. Em sentido amplo, a saúde está sendo determinada pela sociedade
para criar uma demanda econômica incessante, que instala uma igualdade diante do
mercado de bens e serviços de saúde. Mas, na verdade, esta é apenas uma
pseudoigualdade consumista.
3. Devemos ter em vista que a ideia de saúde como um bem de justiça distributiva induz
à visão do estado como o superjuiz das necessidades de saúde e como o supermédico
das doenças prevalentes na sociedade. Por mais importante que seja assegurar a saúde
como direito de todos e dever do estado, a saúde jamais deveria ser expropriada da sua
dimensão ética coletiva e individual – nem como expressão inerente à solidariedade
social espontânea.
4. Quando se pensa a saúde segundo a ótica de justiça social liberal toma-se qualquer
recurso de saúde como um bem – algo positivo, porque, supostamente, sempre faz bem
ao indivíduo e satisfaz uma necessidade. deixa-se de ver que, dialeticamente, tudo o que
pode levar à saúde pode levar também à doença e à invalidez. em todo o mundo, a
iatrogenia acompanha o crescente consumo de medicamentos, exames laboratoriais,
exercícios físicos abusivos, tratamentos de beleza determinados etc. se a ideologia
dominante quer fazer acreditar que tudo deve ser feito para obter saúde, é preciso
chamar atenção para o preço que é pago pela mania de saúde que acomete as sociedades
capitalistas avançadas. Por isso, a iatrogenia deve ser considerada uma importante
questão de determinação social da doença.
5. Toda a discussão internacional sobre determinação social da saúde considera o tema
sempre pelo lado negativo da saúde, tendo em vista as condições sociais que constituem
riscos de doenças ou, de modo geral, favorecem o aparecimento de doenças e de
agravos. Perde-se de vista, nessa abordagem, o lado positivo da determinação social da
saúde pela própria sociedade, ou seja, o fato de que a sociedade já contar com meios de
garantir e proteger sua saúde por inúmeras formas de solidariedade e de engajamento
coletivo de sua população. Quem são os atores dessa determinação social positiva da
saúde? as famílias, os sindicatos, as organizações comunitárias, as igrejas, os praticantes
da medicina popular etc.
A saúde está socialmente determinada por aquilo que a sociedade já faz por sua própria
saúde, independentemente de haver uma maior ou menor participação do estado. Uma
sociedade solidária é mais saudável do que uma marcada pelo conflito interno e anomia,
porque a solidariedade é, em si, o mais importante determinante social da saúde.
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