Fatores associados ao abandono do tratamento da hanseníase em João Pessoa, estado da Paraíba* Factors associated with non-adherence to leprosy treatment in João Pessoa, Paraíba state (Brazil) Luciana Cavalcante Trindade1, Astrid Rodrigues N. Zamora2, Micheline da Silveira Mendes3, Geísa Pereira Campos4, Josefa Ângela Pontes de Aquino5, Melina Maia Cantídio6, Jorg Heukelbach7 Resumo O abandono do tratamento contra a hanseníase sempre gerou preocupações, já que pode implicar em manutenção da cadeia de transmissão, surgimento de incapacidades físicas e resistência à poliquimioterapia (PQT). O presente estudo objetivou identificar os fatores associados ao abandono, em João Pessoa, capital da Paraíba, no Nordeste brasileiro. Investigamos também deficiências nos sistemas de informação e o surgimento de alterações clínicas após o abandono do tratamento. A população-alvo foram todos os pacientes (n=57) residentes no município de João Pessoa/PB em abandono do tratamento da hanseníase em 2005 e 2006. Para comparação, foram incluídos 28 pacientes que terminaram o tratamento de forma regular. Foram realizadas entrevistas com questionários estruturados e coletados dados em prontuários e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), além de avaliação clínica. Após avaliação dos prontuários, busca em domicílio e avaliação clínica, foram incluídos apenas 13 indivíduos em comprovado abandono, dos 57 encontrados no SINAN. Uso regular de álcool (54% vs. 0%; p=0,0001) mostrou associação significativa com o abandono de tratamento. Nenhuma variável clínica mostrou associação estatisticamente significativa. A renda foi mais baixa nos pacientes que abandonaram o tratamento (R$ 380,00 vs. R$ 700,00; p=0,11). Doze (92.3%) dos usuários em abandono tiveram atraso e/ou faltas entre a primeira e a sexta dose supervisionada. Houve incoerência entre os dados do SINAN e dos prontuários, principalmente nos resultados da baciloscopia e do grau de incapacidades. Observou-se uma melhora clínica considerável na maioria dos pacientes em abandono no momento da pesquisa (2007), em comparação com o momento do diagnóstico. O presente estudo mostra que alcoolismo está associado de forma significativa com abandono de tratamento no estado da Paraíba. Concluímos que para reduzir o número de pacientes em abandono, precisase, claramente, uma boa interação entre o paciente, o serviço e o gestor. Sugerimos uma melhor integração dos profissionais com os usuários, valorizando-se o lado psicológico e uma adequada motivação e educação sobre a doença. * Elaboração do projeto de pesquisa e acompanhamento pelo orientador com apoio financeiro do CNPq e LRA – Saúde em Ação. 1 Hansenóloga. Complexo Hospitalar Clementino Fraga, João Pessoa – PB. End: Rua Josias Lopes Braga, n° 254 – Bancários, João Pessoa – PB. CEP: 58051- 800 E-mail: [email protected] 2 Mestre. Coordenadora-médica da LRA – Saúde em Ação, João Pessoa – PB. 3 Especialista. Enfermeira do Complexo Hospitalar Clementino Fraga, João Pessoa – PB. 4 Fisioterapeuta da Secretaria Estadual de Saúde, João Pessoa – PB. 5 Farmacêutica e Sanitarista da Secretaria Estadual da Saúde, João Pessoa – PB. 6 Fisioterapeuta do Complexo Hospitalar Clementino Fraga, João Pessoa – PB. 7 Doutor em Farmacologia. Professor-adjunto do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza – CE. E-mail: [email protected] Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 – 51 Luciana Cavalcante Trindade, Astrid Rodrigues N. Zamora, Micheline da Silveira Mendes, Geísa Pereira Campos, Josefa Ângela Pontes de Aquino, Melina Maia Cantídio, Jorg Heukelbach Palavras-chave Hanseníase, tratamento, saúde pública, serviços de saúde Abstract Abandonment of leprosy treatment has always generated concerns, as it may contribute to the increase of transmission rates, disability and development of resistance against multi-drug therapy (MDT). The objective of the present study was to identify factors associated with non-adherence to treatment in João Pessoa, capital of the Paraíba State in Northeast Brazil. We also investigated deficiencies in the health information systems and clinical alterations after abandonment of treatment. The target population consisted of all patients (n=57) residing in the municipality of João Pessoa and who did not adhere to leprosy treatment between 2005 and 2006. We also included as a control group 28 patients who completed regular treatment. Interviews were carried out using structured questionnaires. Data were also collected from medical records and from the National Notifiable Disease Information System (SINAN), and a clinical examination was also performed. After the assessment of medical records, home visits and clinical evaluation, we included only 13 individuals who were confirmed to have withdrawn treatment from the 57 detected on the SINAN database. Regular use of alcohol (54% vs. 0%; p=0.0001) was significantly associated with abandonment, but no such result was found amongst the clinical variables. The monthly income of patients who completed treatment was almost twice as high as compared to those who did not (R$ 380.00 vs. R$ 700.00; p=0.11). Twelve (92.3%) of the participants in abandonment delayed or missed treatment between first and sixth supervised medication. Data from the SINAN database did not match with medical records, mainly regarding the results of slit skin smear and disability grading. A considerable clinical improvement was observed in most patients in abandonment at the moment of the evaluation (2007), as compared to the one of diagnosis. The present study shows that alcoholism is significantly associated with non-adherence to leprosy treatment in the Paraíba State. We concluded that a good interaction involving patients, health services and policy makers is needed to reduce the number of patients abandoning treatment. We suggest a better integration of health professionals with their patients, emphasizing psychological aspects, motivation, and health education. Key words Leprosy, treatment, public health, health services 1. Introdução O Ministério da Saúde preconiza indicadores epidemiológicos e operacionais para o adequado acompanhamento dos programas de controle da hanseníase, entre eles o “abandono do tratamento” que foi incluído no Pacto de Atenção Básica entre o Ministério da Saúde, estados e municípios (Brasil, 2001; 2002). Define como abandono “paciente que não completou o número de doses no prazo previsto e que não compareceu ao serviço de saúde nos últimos 12 meses” (Brasil, 2008, p. 93). Calculava-se o percentual de abandono na prevalência somando-se os casos residentes e em registro ativo não atendidos às Altas Estatísticas no ano de avaliação e dividindo-se pelo total de casos residentes e em registro ativo em 31 de dezembro do ano da avaliação somados ao total de saídas do registro ativo (Brasil, 2001; 2002). 52 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 Fatores a ss o c i a d o s a o a b a n d o n o d o t r a t a m e n t o d a h a n s e n í a s e em J o ã o P e ss o a , estado da Paraíba Em João Pessoa, capital do estado da Paraíba no Nordeste brasileiro, o coeficiente de prevalência da hanseníase em 2005 foi de 2,04/10.000 habitantes e em 2006 de 1,65/10.000 habitantes (Paraíba, 2006b). A taxa de abandono de 2000 a 2006 neste município variou de 15%, em 2000, a 60% em 2003 (Paraíba, 2006a). Em 2004 e 2005, com base nos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2002), a taxa de abandono em João Pessoa foi considerada Precária e, em 2006, regular. Isto provavelmente é resultado de problemas operacionais do sistema de notificação, já que houve coincidências entre os períodos de ocorrência dos percentuais mais elevados e a implantação de modificações anteriores da plataforma do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN (Zamora, 2004). A identificação de fatores associados com abandono é importante para definir grupos de alto risco que possam ser acompanhados de forma mais cuidadosa durante a poliquimioterapia (PQT). Isso não somente contribui na redução da taxa de abandono com todas suas implicações, mas também reduz o risco do desenvolvimento de resistência à PQT. Neste sentido, o presente estudo teve o objetivo de identificar os fatores associados ao abandono do tratamento da hanseníase, em João Pessoa/PB, nos anos de 2005 e 2006. Além disso, investigar possíveis deficiências nos sistemas de informação e avaliar a situação clínica após o abandono do tratamento. 2. Metodologia População de estudo A população-alvo foi de pacientes portadores de hanseníase, residentes no município de João Pessoa/PB, que estavam em abandono do tratamento, utilizando-se o critério de “abandono na prevalência”, nos dias 29 de dezembro de 2005 e de 2006 (n = 57). Foram considerados como critérios de exclusão: pacientes que não residiam em João Pessoa/PB; pacientes constando como caso de abandono no SINAN, mas que, pelo prontuário ou algum tipo de registro (livros de registro, cartões de acompanhamento), foi possível concluir pelo término do tratamento; pacientes cuja história clínica associada ao exame físico sugeria erro diagnóstico ou término não registrado de tratamento; pacientes que não concordaram em participar do estudo. Para comparação, foram incluídos 28 pacientes recrutados de forma aleatória entre aqueles residentes em João Pessoa e que tenham concluído seu tratamento com regularidade em 2005 e 2006 e iniciado o tratamento no mesmo período que os casos de abandono. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 – 53 Luciana Cavalcante Trindade, Astrid Rodrigues N. Zamora, Micheline da Silveira Mendes, Geísa Pereira Campos, Josefa Ângela Pontes de Aquino, Melina Maia Cantídio, Jorg Heukelbach Desenho de estudo Os participantes foram entrevistados por assistentes de pesquisas, utilizandose questionário estruturado pré-testado. Foram coletados dados socioeconômicos e demográficos, além de informações do decorrer do tratamento, como orientações recebidas sobre a doença, dificuldades no emprego, faltas às doses supervisionadas, uso de álcool, reações hansênicas e efeitos colaterais medicamentosos. Foram ainda coletados dados em prontuário e no SINAN e feita avaliação clínica dos usuários. A fase de coleta dos dados foi realizada entre julho e dezembro de 2007. Análise de dados Os dados foram digitados, checados por erros de digitação e analisados utilizando-se o programa EpiInfo™ (versão 6.04d, CDC, Atlanta, USA). A análise estatística foi realizada com o programa STATA (versão 8.0, Stata Corporation, College Station, USA). Para comparação de frequências relativas foi aplicado o teste exato de Fisher. Medianas entre grupos foram comparadas com o teste de Wilcoxon. Aspectos éticos O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde/PB. Somente foram incluídos no estudo pacientes que deram o consentimento escrito, livre e esclarecido. 3. Resultados Das 57 pessoas residentes no município encontradas a partir da base do SINAN, 35 encontravam-se em abandono de tratamento e houve 22 candidatos à Alta Estatística. Após avaliação dos prontuários, busca em domicílio e avaliação clínica dos pacientes, foram incluídos apenas 13 usuários em comprovado abandono de tratamento e que deram consentimento (Figura 1), além de 28 pacientes que concluíram o tratamento de forma regular, para fins de comparação. Em relação à ocorrência de faltas ou atrasos nas doses supervisionadas durante o tratamento, foi observado que 12 (92,3%) dos usuários que abandonaram o tratamento tiveram relato de atraso e/ou faltas, todos eles entre a primeira e a sexta doses supervisionadas, mais frequentemente entre a segunda e a quinta doses. No grupo do tratamento regular, a ocorrência de faltas ou atrasos foi de 8% (2 casos). 54 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 Fatores a ss o c i a d o s a o a b a n d o n o d o t r a t a m e n t o d a h a n s e n í a s e em J o ã o P e ss o a , estado da Paraíba *Pacientes que constituíram a população de estudo denominada “em abandono” Figura 1 Fluxograma da população de estudo As características sociodemográficas, econômicas, clínicas e comportamentais dos participantes do estudo (pacientes em abandono comparados aos pacientes em tratamento regular com as respectivas razões de chance) são apresentadas na Tabela 1. De forma interessante, o uso regular de álcool foi significativamente associado ao abandono, mas nenhuma variável clínica mostrou associação. A mediana da renda nos pacientes que abandonaram o tratamento foi um pouco mais do que a metade daquela observada no grupo dos que concluíram o tratamento, porém, devido ao pequeno número de observações, a diferença não foi estatisticamente significativa. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 – 55 Luciana Cavalcante Trindade, Astrid Rodrigues N. Zamora, Micheline da Silveira Mendes, Geísa Pereira Campos, Josefa Ângela Pontes de Aquino, Melina Maia Cantídio, Jorg Heukelbach Tabela 1 Frequência de variáveis sociodemográficas, econômicas, clínicas e comportamentais Paciente em abandono (n= 13) n (%) Variável Sexo Masculino 7 (53,9) Feminino 6 (46,2) Idade (anos) Mediana 30 Amplitude interquartil 21-44 Estado civil Solteiro, viúvo ou divorciado 9 (69,2) Casado 4 (30,8) Renda familiar mensal (R$) Mediana 380,00 Amplitude interquartil 200,00-650,00 Dificuldades com emprego Sim 2 (15,4) Não 11 (84,6) Uso regular de álcool Sim 7 (53,9) Não 6 (46,2) Efeitos colaterais da PQT durante o tratamento Sim 5 (38,5) Não 8 (61,5) Reações durante o tratamento Sim 1 (7,7) Não 12 (92,3) Recebeu informações suficientes sobre hanseníase durante o tratamento Sim 8 (61,5) Não 5 (38,5) Familiares cientes do diagnóstico Sim 10 (76,9) Não 3 (23,1) Falta de blister durante o tratamento Sim 1 (7,7) Não 12 (92,3) Forma clínica no diagnóstico Tuberculoide 5 (38,5) Dimorfa 6 (46,2) Indeterminada 2 (15,4) Virchowiana 0 (0) Classificação operacional: Paucibacilar 7 (53,9) Multibacilar 6 (46,2) Grau de incapacidade no diagnóstico 0 11 (84,0) 1 1 (8,0) Não consta*** 1 (8,0) Baciloscopia no diagnóstico Positiva 0 (0,0) Negativa 6 (46,0) Não realizada*** 7 (54,0) * Teste de Wilcoxon ** não pode ser calculado 56 – Cad. Saúde Colet., Rio de Pacientes em Razão de chance tratamento regular (intervalo de (n= 28) confiança de 95%) n (%) p 11 (39,3) 17 (60,7) 1,80 (0,40-8,39) . 0,50 38 25-52 — — 0,30* 15 (53,6) 13 (46,4) . 0,51 (0,09-2,45) 700,00 380,00-760,00 — — 0,11* 2 (7,1) 26 (92,9) 2,36 (0,15-35,70) 0,58 0 (0) 28 (100) — . 16 (57,2) 12 (42,8) 0,47 (0,10-2,16) . 0,33 2 (7,1) 26 (92,9) 1,08 (0,17-22,72) . 1,0 20 (71,4) 8 (28,6) 0,53 (0,11-2,84) . 0,47 22 (78,6) 6 (21,4) 0,91 (0,15-6,78) . 1,0 2 (7,1) 26 (92,9) 1,08 (0,17-22,70) . 1,0 9 (32,1) 9 (32,1) 8 (28,6) 2 (7,1) . 1,20 (0,21-7,03) 0,45 (0,35-3,92) 0 (0-4,47) 1,0 0,65 1,0 17 (60,7) 11 (39,3) 0,88 (0,19-4,08) 1,0 26 (93,0) 2 (7,0) 0 (0,0) . 0,85 (0,04-54,40) — 1,0 2 (8,0) ** 19 (76,0) 4 (16,0) — *** excluído da análise Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 0,50 0,0001 1,0 — Fatores a ss o c i a d o s a o a b a n d o n o d o t r a t a m e n t o d a h a n s e n í a s e em J o ã o P e ss o a , estado da Paraíba Na Tabela 2, são apresentados e comparados os dados referentes às características clínicas dos pacientes no diagnóstico e a comparação dos prontuários com o SINAN. Houve incoerência entre os dados do SINAN e dos prontuários, principalmente nos resultados da baciloscopia e do grau de incapacidades, e também nas formas clínicas. Essas incoerências foram encontradas nos dois grupos analisados (abandono e tratamento regular). Tabela 2 Diferenças entre as informações sobre características clínicas dos pacientes no momento do diagnóstico, nos prontuários e no SINAN Fonte de dados Prontuário Fonte de dados SINAN abandono (n= 13) n (%) tratamento regular (n= 25) n (%) abandono real (n = 13) n (%) tratamento regular (n = 28) n (%) Tuberculoide 4 (31) 10 (40) 5 (38) 9 (32,1) Dimorfa 4 (31) 6 (24) 6 (46) 9 (32,1) Indeterminada 3 (23) 6 (24) 2 (15) 8 (28,6) Virchowiana — 2 (8) — 2 (7,1) Não consta 2 (15) 1 (4) — — Paucibacilar 7 (54) 16 (64) 7 (54) 16 (57) Multibacilar 6 (46 9 (36) 6 (46) 12 (43) Zero 5 (38) 19 (76) 11 (84) 26 (93) Um 2 (15) 2 (8) 1 (8) 2 (7) Dois — 1 (4) — — 6 (46) 3 (12) 1 (8) — Positiva 0 (0) 2 (8) 1 (7,7) 3 (11) Negativa 6 (46) 19 (76) 0 (0) 0 (0) Não realizada 7 (54) 4 (16) 12 (92,3) 25 (89) Variável Forma clínica no diagnóstico Classificação operacional Grau de Incapacidade Não consta Baciloscopia Na Tabela 3, podem ser observados os dados relativos às características clínicas dos pacientes em abandono, comparando-se a avaliação clínica no momento da pesquisa (em 2007) e ao diagnóstico (em 2005 ou 2006). Em geral, observa-se uma melhora considerável na maioria dos pacientes. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 – 57 Luciana Cavalcante Trindade, Astrid Rodrigues N. Zamora, Micheline da Silveira Mendes, Geísa Pereira Campos, Josefa Ângela Pontes de Aquino, Melina Maia Cantídio, Jorg Heukelbach Tabela 3 Comparação entre a avaliação clínica atual e no momento do diagnóstico dos usuários em abandono de tratamento Avaliação no diagnóstico (n = 13) n(%) Avaliação atual (n = 12) n (%) Presença de Lesões Cutâneas: Sim 13 (100,0) 6 (50,0) Não 0 (0,0) 6 (50,0) Classificação operacional: Paucibacilar 7 (53,9) 1 (8,4) Multibacilar 6 (46,2) 5 (41,6) Sem lesões 0 (0,0) 6 (50,0) Zero 5 (38,5) 10 (83,4) Um 2 (15,4) 1 (8,3) Dois 0 (0,0) 0 (0,0) 6 (46,2) 1* (8,3) Grau de Incapacidade: Não avaliado * Usuário com sequela neurológica, impossibilitando a avaliação do grau de incapacidade. 4. Discussão O presente estudo mostra que o alcoolismo está associado com abandono de tratamento no estado da Paraíba, porém não variáveis clínicas, como forma clínica, ocorrência de reações hansênicas, efeitos colaterais da PQT ou grau de incapacidade. Mesmo que a baixa renda no nosso estudo não tenha sido associada significativamente ao abandono, a diferença da mediana foi impressionante e acreditamos que o pequeno número de pacientes em abandono incluídos tenha influenciado nesse achado. Isso significa que fatores que definem grupos de risco em geral também se aplicam aos pacientes em tratamento da hanseníase. O abandono e a irregularidade do tratamento contra a hanseníase sempre causaram preocupações, já que podem implicar manutenção da cadeia de transmissão e surgimento de sequelas e incapacidades, além de resistência à PQT (Claro et al., 1993; Bakirtzief, 1996; Honrado et al., 2008). No estado da Paraíba, apesar das estratégias padronizadas pelo Programa de Controle da Hanseníase, a doença ainda não foi eliminada e alguns indicadores operacionais, como o abandono do tratamento, precisam ser analisados. Até o presente momento, nenhum trabalho foi publicado no estado a esse respeito. 58 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 Fatores a ss o c i a d o s a o a b a n d o n o d o t r a t a m e n t o d a h a n s e n í a s e em J o ã o P e ss o a , estado da Paraíba No Brasil, o conceito e as formas de monitoramento do abandono de tratamento foram modificados em 2007, quando o Ministério da Saúde determinou que o sistema usado para a notificação e acompanhamento de agravos de notificação compulsória, o SINAN, deixaria de usar a plataforma Windows (SINAN-w) para utilizar a plataforma NET (SINAN-NET) (Brasil, 2007). Assim, aqueles pacientes que antes tinham como Tipo de Saída no SINAN-w a “Alta Estatística” (Brasil, 2002) passaram a ter como Tipo de Saída o “Abandono”. Da mesma forma, os pacientes em abandono de tratamento, que antes só saíam do banco de dados quando preenchiam critérios para Alta Estatística, passaram a sair ao completar um ano sem comparecer ao serviço de saúde (Brasil, 2007). Essa mudança veio acompanhada de alterações no conceito de abandono de tratamento que não foram seguidas nesta pesquisa, visto que não estavam em vigor por ocasião da elaboração do projeto e definição de nossa populaçãoalvo. Em nosso estudo, utilizamos o indicador “abandono na prevalência”, ou seja, todos os pacientes em registro ativo, que permaneceram um ano sem comparecer à unidade onde se tratavam, acrescido das saídas administrativas (Brasil, 2002). Honrado et al. (2008) dividiram as causas para abandono em diferentes grupos: 1. Causas relacionadas com o tratamento em si (eventos adversos, dificuldade na deglutição); 2. Causas associadas aos serviços de saúde; 3. Causas relacionadas ao paciente; 4. Uma combinação das causas dos itens 2 e 3. No presente estudo, somente fatores associados ao paciente foram detectados. Isto, pelo menos parcialmente, também é consequência do desenho de estudo, que não permitia perguntas abertas sobre motivos específicos do abandono e outras informações. Similarmente aos nossos dados, em estudo retrospectivo no Nepal, também não foram achados fatores de risco clínicos em magnitude que pudessem ser alvos de medidas de redução da taxa de abandono (Heynders et al., 2000). A correlação entre álcool e abandono de tratamento já é conhecida na tuberculose (Natal et al., 1999; Oliveira & Moreira Filho, 2000; Albuquerque et al., 2001), e o uso de bebida alcoólica foi apontado como uma das causas de abandono de tratamento na hanseníase em trabalho anterior (Rodrigues et al., 2005). O uso de álcool é reconhecido tradicionalmente pela população como proibitivo durante tratamentos médicos, o que faz com que algumas pessoas optem por não deixar de consumi-lo, em detrimento à terapêutica, seja por um nível social e educacional desfavorável (que dificulta o reconhecimento da importância do tratamento) ou por dependência química. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 – 59 Luciana Cavalcante Trindade, Astrid Rodrigues N. Zamora, Micheline da Silveira Mendes, Geísa Pereira Campos, Josefa Ângela Pontes de Aquino, Melina Maia Cantídio, Jorg Heukelbach Sabe-se que a hanseníase em si está associada com baixo nível socioeconômico (Kerr-Pontes et al., 2006), e estudo anterior do estado do Espírito Santo encontrou um percentual elevado de pacientes em abandono em uma população economicamente desfavorecida, morando em comunidades desestruturadas (Fogos et al., 2000). Em nosso estudo, dificuldades no emprego relacionadas ao tratamento da hanseníase, notadamente faltas ao trabalho, incidiram mais no grupo que abandonou o tratamento. Araújo e Oliveira referiram dificuldades com trabalho como causas de abandono (Araújo & Oliveira, 2003). Em estudo transversal baseado em entrevistas, realizado nas Filipinas (Honrado et al., 2008), não foram encontrados fatores socioeconômicos associados à probabilidade de abandono. A renda foi similar nos pacientes que abandonaram e naqueles que concluíram tratamento. Essa diferença dos nossos resultados pode ser oriunda dos diferentes ambientes sociais nas Filipinas e no Brasil. Nas Filipinas, a maior razão dada pelos pacientes em abandono foram efeitos colaterais à PQT (40%), e somente 9% relataram problemas de acesso aos medicamentos; 71% se consideraram curados, mesmo não tendo terminado o tratamento. A chance de abandono quase dobrou nas Filipinas em pacientes que não foram informados do nome da doença que tinham. Em nossa população de estudo, percebemos melhora clínica em 50% dos usuários em comprovado abandono examinados. Esse fato pode ter contribuído para o abandono do tratamento, pela crença na cura por parte desses pacientes, à semelhança do que ocorreu nas Filipinas. Isso leva a crer que o abandono é resultado de uma rede complexa de fatores, dentre os quais se destaca a educação em saúde. No nosso estudo, o número de usuários que declararam ter recebido informações suficientes sobre a hanseníase durante o tratamento foi ligeiramente maior no grupo que concluiu regularmente o tratamento. Ignotti e colaboradores não encontraram predominância de sexo para abandono (Ignotti et al., 2001), ao passo que outros autores encontraram predomínio no sexo masculino (Araújo & Oliveira, 2003; Rodrigues et al., 2005). No nosso estudo, encontramos predomínio do sexo masculino, entretanto, devido ao pequeno número de casos, a diferença não foi estatisticamente significante. Na população em abandono houve predomínio de solteiros, diferindo do que foi encontrado por Araújo e Oliveira (2003) em cujo estudo houve predomínio de pessoas casadas. Em relação à idade, nas nossas populações houve predomínio da faixa etária economicamente ativa, à semelhança do que foi encontrado por outros autores brasileiros (Ignotti et al., 2001; Araújo & Oliveira, 2003). Rodrigues et al. (2005) descreveram o perfil da população em situação irregular e em abandono de tratamento em Recife, demonstrando o alto custo social dessa 60 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 Fatores a ss o c i a d o s a o a b a n d o n o d o t r a t a m e n t o d a h a n s e n í a s e em J o ã o P e ss o a , estado da Paraíba situação sobre a população na faixa etária de maior capacidade produtiva. Os autores recomendaram a adequação dos programas de tratamento ao perfil da população como forma de evitar tanto a irregularidade do tratamento como o abandono propriamente dito (Rodrigues et al., 2005). Nossos resultados mostraram maior incidência de irregularidade no tratamento entre a segunda e a quinta doses supervisionadas. Um estudo baseado nos registros de tratamentos realizado nos anos 1990 no norte de Moçambique também revelou que a maioria dos pacientes abandonou o tratamento nos primeiros seis meses (Griffiths & Ready, 2001). Resultados similares foram encontrados no Nepal (Heynders et al., 2000). Os estudos do Nepal e de Moçambique não possibilitaram a detecção de fatores associados ao paciente, e não é conhecido se fatores similares aos encontrados no presente estudo possam estar associados ao abandono. Além disso, no norte de Moçambique, naquela época, havia barreiras geográficas importantes e problemas graves do sistema local de saúde, sendo a situação dificilmente comparável com o Nordeste brasileiro, atualmente com a maioria das áreas cobertas pelo Programa de Saúde da Família. Pode-se considerar que, em Moçambique, a conclusão do tratamento tenha sido mais provavelmente definida pelo serviço (ou pela sua ausência), enquanto no nosso estudo somente encontramos fatores associados ao paciente. Embora o receio do estigma, expresso pela recusa em contar aos familiares sobre a condição de portador de hanseníase, tenha sido identificado em torno de 23% na nossa população em abandono, dados semelhantes foram encontrados entre aqueles que concluíram o tratamento, não havendo, portanto, significância estatística. Alguns autores sugeriram que a má adesão ao tratamento possa ter relação com o efeito estigmatizante da doença (Aquino et al., 2003; Kerkatta et al., 2008). Foram detectadas, no presente estudo, falhas no uso do Sistema de Informação, destacando-se a falta de atualização dos dados, sendo identificados seis usuários que deveriam estar fora do sistema por apresentarem nos prontuários informações sobre conclusão do tratamento ou mudança de diagnóstico (retirados da população estudada). Foram percebidas também discordâncias entre os dados dos prontuários e o SINAN, no que se refere, principalmente, à avaliação do grau de incapacidade e resultados de baciloscopias, mas também às formas clínicas, o que sugere alimentação inadequada do banco de notificação. Ocorreram informações discordantes entre usuários e os serviços no que se refere à conclusão do tratamento e, ainda, houve impossibilidade de conclusão para os casos de prováveis erros diagnósticos. O achado atípico de quase 26% Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 – 61 Luciana Cavalcante Trindade, Astrid Rodrigues N. Zamora, Micheline da Silveira Mendes, Geísa Pereira Campos, Josefa Ângela Pontes de Aquino, Melina Maia Cantídio, Jorg Heukelbach de casos de possível erro diagnóstico em nossa população avaliada, usuários estes oriundos da mesma unidade de saúde, diagnosticados pela mesma médica, sugere um superdiagnóstico em relação aos critérios de definição de caso de hanseníase. Esse problema operacional foi identificado naquela época pela Coordenação Estadual do Programa de Controle da Hanseníase, não tendo sido, no entanto, completamente sanado. Problemas semelhantes foram descritos anteriormente no Estado do Ceará por outros autores (Campos et al., 2005). Estamos conscientes que o nosso estudo é suscetível de vieses. Contou com reduzido número de casos em abandono de tratamento, devido a dificuldades operacionais, como não-localização de prontuários e usuários (seja por mudança de endereço ou por endereço incompleto no SINAN e no prontuário) e a nãoaceitação em participar do estudo. Além disso, pelo caráter transversal do estudo, fatores causais não puderam ser estabelecidos. A esse respeito, recomendamos que sejam realizadas outras pesquisas, utilizando metodologia que permita obter outros possíveis casos de abandono. Claro et al. (1993) realizaram busca domiciliar ativa de pacientes em abandono como uma medida efetiva de reduzir as taxas de abandono. Com a implementação sucessiva do programa de saúde da família, nos anos posteriores, a estratégia da visita domiciliar recebeu um fundamento infraestrutural. Outro aspecto importante deve ser a prevenção de abandono através de educação em saúde, informação sobre a cura e melhor acesso aos serviços de saúde. Concluímos que para reduzir o número de pacientes em abandono, precisa-se, claramente, de uma boa interação entre o paciente, o serviço e o gestor. Sugerimos, similarmente a outros autores (Heynders et al., 2000; Claro et al., 1993), que visita domiciliar pela equipe de saúde da família seja realizada de imediato para os pacientes que não se apresentaram no serviço de saúde na data aprazada para receber a dose supervisionada. Em nosso estudo, quase 50% dos usuários em abandono não foram localizados, o que nos leva a ressaltar a importância de que seja seguida a orientação do Ministério da Saúde de busca precoce aos faltosos, antes que se tornem casos de abandono, não só pelas reconhecidas consequências de um tratamento irregular ou incompleto, mas também pela possibilidade de não-localização posterior do usuário faltoso. Independentemente das causas relacionadas ao abandono do tratamento, os autores convergem ao sugerirem uma melhor integração dos profissionais com os usuários, valorizando-se o lado psicológico (Claro et al., 1993; Bakirtzief, 1996; Fogos et al., 2000; Aquino et al., 2003) e uma adequada motivação e educação sobre a doença (Bakirtzief, 1996; Rao et al., 2008), a fim de obter-se uma melhor adesão ao tratamento e uma assistência eficaz aos pacientes com hanseníase. 62 – Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, 17 (1): 51 - 65, 2009 Fatores a ss o c i a d o s a o a b a n d o n o d o t r a t a m e n t o d a h a n s e n í a s e em J o ã o P e ss o a , estado da Paraíba Referências Albuquerque, M. F. M.; Leitão, C. C. S.; Campelo, A. R. L.; Souza, W. V.; Salustiano, A. Fatores prognósticos para o desfecho do tratamento da tuberculose pulmonar em Recife, Pernambuco, Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica. v. 9, n. 6, p. 368 - 375, 2001. Aquino, D. M. C.; Caldas, A. J. M.; Silva, A. A. 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