Diretrizes para meningoencefalites

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Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Diretrizes Clínicas para o Manejo de
Meningoencefalites
Gabriella Vanderlinde
Erika Ferraz de Gouvêaa
1. Introdução
Meningites e encefalites de etiologia infecciosa podem ser causadas por
grande número de agentes e ter curso variável. Destaca-se a meningite
bacteriana aguda, que exige pronto manejo clínico para minimizar sua alta
morbimortalidade.
A suspeita clínica de meningite deve ser levantada na presença de:
•
•
•
•
febre;
rigidez de nuca e/ou outros sinais de irritação meníngea;
alteração do nível de consciência;
cefaléia.
Apesar da variação clínica, estima-se que ao menos 2 dentre estes 4
sintomas estejam presentes em 95% dos casos; e a ausência de todos os 3
primeiros efetivamente elimina a hipótese de meningite (Mandell). Pode haver
ainda à apresentação: paresia de pares cranianos (III, IV, VI, VII), convulsões
ou sinais de hipertensão intracraniana.
A febre pode estar ausente em pacientes idosos, imunocomprometidos, ou
naqueles parcialmente tratados com antibióticos. Além disso, as apresentações
atípicas podem levar a atrasos na antibioticoterapia resultando em pior
prognóstico para o paciente. Por isso, é muito importante um alto nível de
suspeição diagnóstica.
Em todo o território nacional, a simples suspeita de meningite deve ser
notificada.
As encefalites se diferenciam das meningites por caracterizarem alteração
funcional do sistema nervoso central, isto é: alterações do nível de consciência;
alterações cognitivas tais como mudança de comportamento ou de
personalidade; distúrbios no movimento ou na fala; déficits motores ou
sensitivos. As crises convulsivas podem ocorrer nas meningites e não são
critério definitivo para a presença de encefalite. Apesar dessa diferenciação
teórica, as apresentações clínicas são freqüentemente mistas, sendo assim
muito utilizado o termo “meningoencefalite”.
As encefalites são geralmente de etiologia viral e devem ser suspeitadas na
presença de febre com alterações neurológicas e/ou cognitivas agudas, em
especial se houver pródromos virais recentes. A encefalite viral mais
proeminente é aquela causada pelo HSV, dada sua rica apresentação clínica
(amnésia, confusão mental, alteração de personalidade, alucinações), sua
elevada morbimortalidade e o seu potencial de tratamento específico.
Meningites assépticas são aquelas cujas culturas do líquor são negativas
apesar de evidência clínica e laboratorial de meningite. Um dos agentes
etiológicos mais freqüentes são os enterovírus, porém infecções
parameníngeas, sífilis, micobactérias e fungos, algumas doenças emergentes
(Lyme, febre do Nilo, vírus da coriomeningite linfocítica) e até mesmo
medicações e malignidades podem estar implicadas. As de etiologia viral são
geralmente auto-limitadas.
Dados clínicos podem auxiliar no diagnóstico das meningites e encefalites
virais:
- Enterovírus: meningite asséptica com rash, diarréia, náuseas, vômitos, e por
vezes sintomas respiratórios.
- HIV: meningite asséptica com história de exposição sexual desprotegida, e
acompanhada de linfadenopatia, rash e faringite (sd. de mononucleose).
Solicitar carga viral e ELISA para o HIV.
- HSV: meningite asséptica na priminfecção pelo HSV-2 (herpes genital). O
HSV-1 está mais comumente associado às encefalites. O HSV-2, mais do que
o HSV-1, também está associado à meningite recorrente de Mollaret, apesar de
essa enfermidade também ter por vezes origem não-infecciosa, como cistos
intracranianos. Todas (exceto cistos) podem ser tratadas com aciclovir.
- Caxumba: meningite asséptica é a complicação extra-salivar mais comum da
parotidite infecciosa.
- VZV: encefalite acompanhando episódio de herpes zoster cutâneo. No
entanto, a manifestação cutânea pode estar ausente.
- Vacinação recente ou infecção recente resolvida podem indicar encefalite
imunomediada.
2. Diagnóstico
Punção lombar
Fazer TC de crânio antes da punção lombar se houver na história ou no
quadro clínico indicativos de maior possibilidade de herniação, tais como:
rebaixamento de nível de consciência moderado a grave;
sinal neurológico focal;
convulsões;
papiledema ou outros sinais de hipertensão intracraniana
(Cushing: bradicardia, respiração irregular, hipertensão arterial).
pacientes imunocomprometidos, que tem maior probabilidade de
lesão de massa.
Em situações diferentes das citadas acima a probabilidade de alteração
à TC é muito baixa e sua realização é dispensável.
Caso opte-se por realizar TC antes da punção, não deixar o início de
antibioticoterapia empírica para depois da punção lombar – até porque os
sinais que indicam TC são, como o choque, indicativos de gravidade e de pior
prognóstico.
São outros indicativos de pior prognóstico: idade avançada, leucopenia,
trombocitopenia, hemocultura positiva, presença de osteíte ou sinusite,
ausência de rash.
Achados possíveis à TC de crânio:
(* indicam hipertensão intracraniana, sendo contra-indicação relativa à
punção lombar)
Edema cerebral difuso* (apagamento de sulcos e das cisternas
basais, ventrículos alargados, perda da diferenciação entre
substância branca e cinzenta)
Hidrocefalia*
Múltiplos infartos por vasculite (até 20%)
Trombose de seio venoso
Empiema ou abscesso*
Doença associada na base do crânio (fraturas, sinusite, otite,
mastoidite)
Encefalite necrosante assimétrica com predileção por áreas
temporais e frontais, na encefalite herpética.
Também deve haver cautela na indicação de punção lombar na presença
de coagulopatia ou trombocitopenia grave (denotadas por sangramento ativo;
plaquetas< 50.000; ou INR > 1,4). A punção poderá ser realizada após
correção das alterações.
Uma vez obtido líquor, analisar: proteína, glicose (relação soro/líquor),
celularidade com diferencial; além de bacterioscopia pelo Gram e cultura
com teste de sensibilidade antibiótica (TSA).
Infecção
Meningite
Bacteriana
Meningite
Viral
Meningite
Fúngica
Meningite
Tuberculosa
Abscesso
cerebral
Celularidade
Glicose
e diferencial
> 1000
céls/mL
Predomínio
PMN
Proteína
↑
↓
(< 0.4)
(100-500
mg/dL)
10 a 500
céls/mL
↑
N**
(até 150
mg/dL)
N ou ↓
↑
↓
↑
N
↑
↓
↑
Predomínio
LMN*
N ou até 500
céls/mL
Predomínio
LMN
N ou até
1000 céls/mL
Predomínio
LMN
N ou até 500
céls/mL
Variável
> 1000
céls/mL
Ventriculite
Predomínio
PMN
* Parcela significativa das amostras de LCR em casos de meningite viral
apresenta predomínio polimorfonuclear nas primeiras horas do início do
quadro. Nova punção lombar em 12-24h poderá revelar LCR de predomínio
linfomononuclear.
** Pode estar reduzida com HSV, enterovírus e caxumba.
Aglutinação pelo látex – apresenta a vantagem de permanecer positiva
mesmo após o uso de antibióticos. Está disponível para os principais
agentes (pneumococo, hemófilo e meningococo) e também para o
criptococo.
Hemoculturas (sensibilidade de 50%)
Hemograma, bioquímica, proteína C reativa (alto valor preditivo
negativo)
PCR para vírus suspeitos - é metodologia promissora, mas “PCR pra
tudo” identifica causa de menos de 20% das encefalites, e o resultado
freqüentemente não modifica a conduta terapêutica. Logo, o uso de PCR
ainda não é bem determinado e sua sensibilidade e especificidade varia
conforme a etiologia.
Testagens mais recomendadas: HSV-1 e -2 (em todas as encefalites),
enterovírus, CMV e EBV (imunocomprometidos), e VZV.
Sorologia pareada para o diagnóstico de algumas meningoencefalites
virais. Ex.: HSV-2, EBV (priminfecção), febre do Nilo (causa mais
comum de encefalite viral nos EUA), caxumba.
Outras considerações:
- Na encefalite por HSV, o LCR é frequentemente hemorrágico e o PCR
possui alta sensibilidade e especificidade (ambos > 95%). Caso o primeiro PCR
seja negativo para HSV, repetir os exames em nova amostra (nova punção
lombar) dentro de 1-3 dias. Espera-se que o PCR permaneça positivo durante
a primeira semana de tratamento específico.
- A apresentação e as evidências diagnósticas nas infecções de SNC
associadas a dispositivos ventriculares podem ser muito sutis. Os
microorganismos associados também não são os habituais.
3.
Tratamento
GERAL:
- Ressuscitação volêmica e equilíbrio hidroeletrolítico
- Manejo da hipertensão intracraniana: proteção de vias aéreas, cabeceira a
30º, agente hiperosmolar (manitol), corticóide (dexametasona), hiperventilação,
sedação etc.
- Controle de crises convulsivas
- Sintomáticos
VIRAL:
Nas meningites com líquor de características virais e bacterioscopia
negativa, antibióticos podem ser considerados em pacientes idosos,
imunocomprometidos ou que tenham recebido antibioticoterapia previamente à
punção lombar. Há variação importante nos achados do LCR em meningites
bacterianas, e dada sua morbimortalidade, deve-se manter alto nível de
suspeição para etiologia bacteriana. A suspensão poderá ser avaliada nos dias
subseqüentes, conforme a evolução clínica do paciente e o resultado das
culturas.
Dada a elevada morbidade (epilepsia e seqüelas neuropsiquiátricas) e
mortalidade da encefalite por HSV, mesmo com terapia precoce com aciclovir;
e uma vez que há melhora significativa do prognóstico com o tratamento
precoce, sempre deverá ser iniciado Aciclovir 10mg/Kg IV 8/8h em pacientes
com encefalite sem outra justificativa, e mantido até que haja exclusão desse
diagnóstico pelo PCR do líquor (que tem alta sensibilidade). Sabemos, porém,
que a suspeição clínica não se correlaciona com a etiologia real em cerca de
metade dos casos. O PCR negativo em uma segunda amostra de LCR
permitirá suspender a medicação. O tempo total de tratamento é de 14 a 21
dias.
O PCR negativo no líquor ao final do tratamento se correlaciona com
melhor prognóstico. Por isso, um novo PCR deverá ser feito em pacientes cuja
resposta clínica foi inapropriada com o tempo normal de tratamento, e caso o
resultado seja positivo, o tratamento deverá ser continuado.
Dado o potencial de nefropatia por cristalúria associada ao aciclovir,
recomenda-se manter hidratação venosa adequada durante o tratamento.
A associação de corticoterapia ao aciclovir na encefalite herpética esteve
independentemente associada a melhor prognóstico, em um estudo pequeno e
não randomizado de 2005. Ainda não há evidências suficientes para
recomendar o uso de corticóide na encefalite herpética.
Há tratamento específico para encefalites virais por HHV-6 (ganciclovir +
foscarnet), adenovírus (cidofovir ou ribavirina) e enterovírus (pleconaril), mas
há poucos estudos e de maneira geral ele só é utilizado em casos muito graves
(imunocomprometidos, por exemplo). Além disso, a identificação viral nos
quadros de encefalite é incomum em todo o mundo, bem como em nosso meio.
TRATAMENTO ESPECÍFICO DE
MENINGOENCEFALITES VIRAIS
Patógeno
Tratamento
Duração
HSV-1 e
HSV-2
Aciclovir 10 mg/Kg de
8/8h
14-21
dias
VZV
Aciclovir 10-15 mg/Kg
de 8/8h
10-14
dias
± corticoides
CMV
Ganciclovir*
*
HHV-6
Ganciclovir*
*
HIV
HAART*
*
BACTERIANA:
A rapidez no início de antibioticoterapia empírica está relacionada a melhor
prognóstico. O espectro da antibioticoterapia empírica leva em conta os
agentes mais prováveis, os quais dependem de características do paciente:
idade, estado imune, hospitalizado ou não, presença ou ausência de
dispositivos associados ou de comunicação do SNC com o meio externo.
Os antibióticos utilizados devem ser bactericidas e possuir boa penetração
através da barreira hematoencefálica. O tempo usual poderá ser prolongado na
presença de complicações, ou em casos de resposta clínica lenta.
As associações sinérgicas utilizadas incluem:
- Gentamicina com ampicilina, contra listeria. Há estudos que utilizaram com
sucesso o sinergismo do SMX-TMP com a ampicilina para essa etiologia.
- Gentamicina com cefalosporinas de 3ª ou 4ª geração ou com
carbapenêmicos, contra gram-negativos entéricos multirresistentes ou nãofermentadores.
- Rifampicina em associação com vancomicina quando a ação dessa última,
que tem má penetração no SNC, é essencial, i.e., contra MRSA e contra
pneumococo resistente a penicilina e/ou cefalosporinas de 3ª geração.
ANTIBIOTICOTERAPIA EMPÍRICA
Perfil do paciente
Agentes
prováveis
Esquema
preferencial
Esquema
alternativo
Moxifloxacino
400 mg 24/24h
ou
Ceftriaxone 2g
12/12h
S. pneumoniae
2-50 anos
N. meningitidis
H. influenzae
+
Vancomicina 1520 mg/Kg a cada
8-12h (30-60
mg/Kg/dia)
Cloranfenicol
50-100
mg/Kg/dia
divididos em 4
doses
+
Vancomicina
15-20 mg/Kg a
cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia)
Moxifloxacino
400 mg 24/24h
Ceftriaxone 2g
12/12h
> 50 anos
S. pneumoniae
+
L.
monocytogenes
Vancomicina 1520 mg/Kg a cada
8-12h (30-60
mg/Kg/dia)
N. meningitidis
+
Ampicilina 2g
4/4h
ou
Cloranfenicol
50-100
mg/Kg/dia
divididos em 4
doses
+
Vancomicina
15-20 mg/Kg a
cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia)
+
SMX-TMP 5
mg/Kg (TMP)
6/6h
Cefepime 2g
8/8h
Imunocomprometidos*
Trauma,
neurocirurgia,
dispositivos,
nosocomial
S. pneumoniae
+
L.
monocytogenes
N. meningitidis
Vancomicina 1520 mg/Kg a cada
8-12h (30-60
mg/Kg/dia)
Gram-negativos
+
Gram-negativos
Staphylococcus
spp.
S. pneumoniae
Meropenem 2g
8/8h
+
Vancomicina
15-20 mg/Kg a
cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia)
+
Ampicilina 2g
4/4h
SMX-TMP 5
mg/Kg (TMP)
6/6h
Cefepime 2g
8/8h
Meropenem 2g
8/8h
+
+
Vancomicina 1520 mg/Kg a cada
8-12h (30-60
mg/Kg/dia)
Vancomicina
15-20 mg/Kg a
cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia)
* Neoplasias, imudepressão medicamentosa, gestantes (Listeria)
Patógeno
Bacterioscopia pelo
Gram
S. pneumoniae
Cocos Gram +
N. meningitidis
Diplococos Gram -
S. aureus
Cocos Gram +
L. monocytogenes
Bacilos Gram +
Enterobacteriaceae;
P. aeruginosa;
Acinetobacter spp.
Bacilos Gram -
H. influenzae
Cocobacilos Gram -
ANTIBIOTICOTERAPIA GUIADA
Patógeno
S. pneumoniae
Penicilina ≤ 0,06
(S)
Esquema
preferencial
Esquema
alternativo
Duração
Penicilina G 4.000.000
ui 4/4h ou Ceftriaxone
2g 12/12h
S. pneumoniae
Penicilina ≥ 0,12
(R)
Ceftriaxone 2g 12/12h
Moxifloxacino 400 mg
24/24h
Ceftriaxone 2g 12/12h
(como segundo
agente no caso de
alergia a um dos
preferenciais)
+
ou
Penicilina > 2
(muito R)
Vancomicina 15-20
mg/Kg a cada 8-12h
(30-60 mg/Kg/dia)*
Cloranfenicol 1,5g
6/6h
Cef 3ª > 1 (MIC >
I)
±
Cef 3ª < 1 (MIC <
I)
S. pneumoniae
10-14
dias
Rifampicina 600 mg qd
ou 300-450 mg BID
Ceftriaxone 2g 12/12h
ou
N. meningitidis
Penicilina G 4.000.000
ui 4/4h
Cloranfenicol 1,5g
6/6h
7-10 dias
Vancomicina 25-30
mg/Kg (ataque) e 1520 mg/Kg/dose a
cada 8-12h
(manutenção)*
14 dias
(conforme perfil de
sensibilidade local)
S. aureus MSSA
Oxacilina 2g 4/4h
±
Rifampicina 600 mg
qd ou 300-450 mg
BID
S. aureus MRSA
Vancomicina 25-30
mg/Kg (ataque) e 1520 mg/Kg/dose a cada
8-12h (manutenção)*
±
Rifampicina 600
mg qd ou 300-450 mg
BID
H. influenzae
Ceftriaxone 2g
12/12h
Linezolida 600 mg
12/12h
ou
SMX-TMP 5
mg/Kg/dose a cada
8-12h
Cloranfenicol 1,5g
6/6h
7-10 dias
SMX-TMP 5 mg/Kg
(TMP) 6/6h
21 dias
Ceftriaxone 2g 12/12h
Meropenem 2g 8/8h
14-21
dias
Cefepime 2g 8/8h
Meropenem 2g 8/8h
±
±
Gentamicina 5
mg/Kg/dia (divididos
em 3 doses) ou
Ciprofloxacino 400 mg
8/8h
Gentamicina 5
mg/Kg/dia (divididos
em 3 doses) ou
Ciprofloxacino 400
mg 8/8h
Ampicilina 2g 4/4h
ou
L.
monocytogenes
Penicilina G 4.000.000
ui 4/4h
±
Gentamicina 5
mg/Kg/dia (divididos
em 3 doses)***
Enterobacteriace
ae
P. aeruginosa;
Acinetobacter
spp.
14-21
dias
* Vancomicina: Máximo de 2g/dose. Na dose > 1g, considerar infusão em
2h e associação de anti-histamínico.
*** Considerar em pacientes com resposta ruim ao tratamento. Manter por
pelo menos 1 semana e até que haja melhora (máximo de 3 semanas).
Está recomendado o início de dexametasona (0,15 mg/Kg 6/6h) antes ou
simultaneamente à administração da primeira dose de antibiótico, e ela deverá
ser mantida durante 4 dias a não ser que seja excluída etiologia por
pneumococo ou hemófilo - agentes em que o benefício na morbimortalidade se
comprovou. A dexametasona diminui a mortalidade por causas sistêmicas (mas
não por causas neurológicas), e também a morbidade, na meningite
pneumocóccica.
Ainda não há estudos que definam diferenças no desfecho com uso de
dexametasona na meningite por S. pneumoniae resistente a cefalosporinas, em
que há necessidade de associação de vancomicina – droga de baixa
penetração no SNC. Em modelo animal, a penetração da vancomicina fica de
fato mais reduzida com o uso prévio de corticóide.
Porém, um estudo em humanos mostrou concentrações liquóricas de
vancomicina bem acima do MIC usando altas doses do medicamento em
infusão contínua, mesmo com o uso adjuvante de dexametasona.
Especialistas recomendam manter o corticóide e administrar vancomicina
em doses altas.2 Uma vez que há relação direta entre a concentração liquórica
de vancomicina com a concentração sérica, a monitorização sérica da
concentração de vancomicina seria desejável. A dosagem sérica de
vancomicina deve ser realizada antes da 4ª ou 5ª dose, e a concentração
sérica alvo é de 15-20 µg/mL.
Outra proposta terapêutica aceitável é a associação de rifampicina ao
tratamento como terceira droga, uma vez que ela não perde penetração no
SNC mesmo com corticoterapia. A rifampicina pode ser iniciada empiricamente
junto com o esquema inicial (ceftriaxone + vancomicina) ou ser adicionada ao
esquema caso as culturas isolem pneumococo de susceptibilidade
intermediária (MIC ≥ 2 mcg/mL) às cefalosporinas de 3ª geração.
A vancomicina e também a rifampicina podem ser dispensadas do
esquema terapêutico quando o pneumococo isolado for sensível a
cefalosporinas de 3ª geração e não tiver alta resistência à penicilina (MIC > 2).
Embora os estudos de prevalência de resistência do Streptococcus
pneumoniae à penicilina e ceftriaxona, realizados no Brasil, mostrem resultados
menos dramáticos que os dados norte-americanos e europeus, há um
crescente aumento das taxas a partir de 1995. A prevalência de colonização
nasal com S. pneumoniae resistente à penicilina varia de 26% a 49%
dependente da população estudada. Esses valores foram menores quando
amostras de doenças invasivas foram avaliadas: de 9,9% a 29%.
A resistência às cefalosporinas de terceira geração de amostras isoladas do
LCR ainda se mostra baixa (0-1%) em grande parte dos estudos nos vários
centros brasileiros, entretanto taxas em torno de 5% foram encontradas na
Bahia e Minas Gerais, nos últimos anos.
Pela gravidade da doença pneumocócica no SNC e melhor prognóstico com
a esterilização mais rápida do LCR, é plausível o inicio de tratamento também
em nosso meio com a associação de vancomicina e ceftriaxona, corrigindo o
esquema após o resultado do antibiograma. A adição de rifampicina deve ser
considerada se for esperada uma resposta clinica retardada ou o MIC da
bactéria para ceftriaxona for maior que 4 µg/mL.
S. pneumoniae:
- testados para o LCR: penicilina, cefotaxime, ceftriaxone, meropenem,
vancomicina
- disco-difusão não é aceitável para o LCR (exceto vancomicina)
Pontos de corte CLSI 2011:
CLSI 2011
S
I
R
Penicilina
≤ 0,06
-
≥ 0,12
Cefepime
≤ 0,5
1
≥2
Cefotaxime/Ceftriaxone
≤1
2
≥4
Vancomicina
≤1
-
-*
*Resistência rara ou desconhecida. Testar novamente amostra caso
encontrada.
A punção lombar de controle não está indicada de rotina, uma vez que a
resposta clínica é melhor preditora de cura do que o líquor. Nova amostra de
líquor deverá ser obtida para cultura nos casos em que não houver resposta
clínica após 48h de antibioticoterapia apropriada. Tal recomendação é
especialmente importante na meningite por gram-negativos e na meningite
pneumocóccica e/ou em uso de dexametasona como adjuvante. A esterilização
do líquor poderá ser usada como parâmetro para definir o tempo de tratamento,
e antibioticoterapia intratecal ou intraventricular poderá ser considerada.
A presença de coleções como empiema subdural ou abscesso exige
drenagem cirúrgica para controle do foco. Os esquemas antibióticos no
empiema subdural são os mesmos que aqueles recomendados para as
meningites; porém no abscesso deverá ser acrescentado ao tratamento
metronidazol para cobertura de anaeróbios.
A continuidade de tratamento da meningite bacteriana fora do hospital está
autorizada após um tempo mínimo de 7 dias de tratamento internado, e desde
que haja infra-estrutura para continuidade de tratamento parenteral. O paciente
deve estar estável, afebril, sem alterações neurológicas significativas e haver
condições de seguimento próximo do mesmo por equipe de saúde.
Nas meningites após neurocirurgia, a profilaxia antibiótica pré-operatória
não modifica a incidência de meningite, porém os germes esperados têm seu
perfil modificado.
A ventriculite é uma infecção do SNC que impõe grande dificuldade de
tratamento devido à pequena inflamação meníngea associada, o que dificulta a
penetração de antibiótico pela barreira hemato-encefálica. Há alto índice de
falha no tratamento e pode ser necessária administração intraventricular e
intratecal, ainda que com uso freqüentemente “off-label”.
Antimicrobianos mais frequentes (utilizados até que a cultura do LCR seja
negativa, mais alguns dias):
- Vancomicina 10 a 20 mg/dia, para gram-positivos
- Gentamicina 5-10 mg/dia ou Amicacina 10-20 mg/dia, se gram-negativos
(piores resultados)
- Polimixina, se Acinetobacter spp. ou Pseudomonas spp.
Concentração do antibiótico no líquor ÷ MIC deve ser maior que 10-20.
Os efeitos colaterais incluem ototoxicidade, eosinofilia liquórica, convulsões,
alteração do nível de consciência e irritação tecidual. As formulações não
devem conter conservantes.
4. Profilaxia
Imunoprofilaxia:
a. Anti-Hib (tetravalente): aos 2, 4 e 6 meses pelo calendário básico
do MS; e nos CRIE para transplantados.
b. Meningocóccica C conjugada: aos 3, 5 e 15 meses pelo
calendário básico do MS; nos CRIE para casos de asplenia
anatômica ou funcional e no implante de cóclea.
c. Pneumocóccica 10-valente conjugada: aos 2, 4, 6 e 12 meses
pelo calendário básico do MS.
d. Pneumocóccica 23-valente: nos CRIE para os adultos
susceptíveis (incluem-se: HIV/AIDS, transplantados, asplenia
anatômica ou funcional, fístula liquórica, implante de cóclea etc).
Quimioprofilaxia:
Não há comprovação de benefício em quimioprofilaxia antibiótica em
casos de fraturas da base do crânio.
PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO
Agente
etiológico
Indicações
Esquema antibiótico
Duração
Contato a menos
de 1 metro, por >
8h, na semana
anterior
Rifampicina 600 mg VO
12/12h
2 dias
Ciprofloxacino 500 mg VO
Dose única
Ceftriaxone 250 mg IM
Dose única
N. meningitidis
ou
Profissional
exposto
(procedimentos)
H. influenza
(Contato de, ou)
Indivíduo não
vacinado < 2 anos
Rifampicina 20 mg/Kg/dia
4 dias
(Máx. 600 mg) de 24/24h
5. Referências:
Mandell Principles and Practice of Infectious Diseases 7th edition
Tunkel AR, Hartman BJ, Kaplan, SL, et al. Practice guidelines for the
management of bacterial meningitis. Clin Infect Dis. 2004;39:1267-1284.)
Tunkel AR, Glaser CA, Bloch KC, et al. The Management of Encephalitis:
Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America. Clin
Infect Dis. 2008; 47:303–27
Ziai WC, Lewin JJ. Update in the Diagnosis and Management of Central
Nervous System Infections. Neurol Clin 26 (2008) 427–468
Rossi F. The challenges of antimicrobial resistance in Brazil. Clin Infect Dis.
2011;52(9):1138–1143
Fitch et al. Emergency department management of meningitis and encephalitis.
Infect Dis Clin N Am 22 (2008) 33–52
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