Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro Diretrizes Clínicas para o Manejo de Meningoencefalites Gabriella Vanderlinde Erika Ferraz de Gouvêaa 1. Introdução Meningites e encefalites de etiologia infecciosa podem ser causadas por grande número de agentes e ter curso variável. Destaca-se a meningite bacteriana aguda, que exige pronto manejo clínico para minimizar sua alta morbimortalidade. A suspeita clínica de meningite deve ser levantada na presença de: • • • • febre; rigidez de nuca e/ou outros sinais de irritação meníngea; alteração do nível de consciência; cefaléia. Apesar da variação clínica, estima-se que ao menos 2 dentre estes 4 sintomas estejam presentes em 95% dos casos; e a ausência de todos os 3 primeiros efetivamente elimina a hipótese de meningite (Mandell). Pode haver ainda à apresentação: paresia de pares cranianos (III, IV, VI, VII), convulsões ou sinais de hipertensão intracraniana. A febre pode estar ausente em pacientes idosos, imunocomprometidos, ou naqueles parcialmente tratados com antibióticos. Além disso, as apresentações atípicas podem levar a atrasos na antibioticoterapia resultando em pior prognóstico para o paciente. Por isso, é muito importante um alto nível de suspeição diagnóstica. Em todo o território nacional, a simples suspeita de meningite deve ser notificada. As encefalites se diferenciam das meningites por caracterizarem alteração funcional do sistema nervoso central, isto é: alterações do nível de consciência; alterações cognitivas tais como mudança de comportamento ou de personalidade; distúrbios no movimento ou na fala; déficits motores ou sensitivos. As crises convulsivas podem ocorrer nas meningites e não são critério definitivo para a presença de encefalite. Apesar dessa diferenciação teórica, as apresentações clínicas são freqüentemente mistas, sendo assim muito utilizado o termo “meningoencefalite”. As encefalites são geralmente de etiologia viral e devem ser suspeitadas na presença de febre com alterações neurológicas e/ou cognitivas agudas, em especial se houver pródromos virais recentes. A encefalite viral mais proeminente é aquela causada pelo HSV, dada sua rica apresentação clínica (amnésia, confusão mental, alteração de personalidade, alucinações), sua elevada morbimortalidade e o seu potencial de tratamento específico. Meningites assépticas são aquelas cujas culturas do líquor são negativas apesar de evidência clínica e laboratorial de meningite. Um dos agentes etiológicos mais freqüentes são os enterovírus, porém infecções parameníngeas, sífilis, micobactérias e fungos, algumas doenças emergentes (Lyme, febre do Nilo, vírus da coriomeningite linfocítica) e até mesmo medicações e malignidades podem estar implicadas. As de etiologia viral são geralmente auto-limitadas. Dados clínicos podem auxiliar no diagnóstico das meningites e encefalites virais: - Enterovírus: meningite asséptica com rash, diarréia, náuseas, vômitos, e por vezes sintomas respiratórios. - HIV: meningite asséptica com história de exposição sexual desprotegida, e acompanhada de linfadenopatia, rash e faringite (sd. de mononucleose). Solicitar carga viral e ELISA para o HIV. - HSV: meningite asséptica na priminfecção pelo HSV-2 (herpes genital). O HSV-1 está mais comumente associado às encefalites. O HSV-2, mais do que o HSV-1, também está associado à meningite recorrente de Mollaret, apesar de essa enfermidade também ter por vezes origem não-infecciosa, como cistos intracranianos. Todas (exceto cistos) podem ser tratadas com aciclovir. - Caxumba: meningite asséptica é a complicação extra-salivar mais comum da parotidite infecciosa. - VZV: encefalite acompanhando episódio de herpes zoster cutâneo. No entanto, a manifestação cutânea pode estar ausente. - Vacinação recente ou infecção recente resolvida podem indicar encefalite imunomediada. 2. Diagnóstico Punção lombar Fazer TC de crânio antes da punção lombar se houver na história ou no quadro clínico indicativos de maior possibilidade de herniação, tais como: rebaixamento de nível de consciência moderado a grave; sinal neurológico focal; convulsões; papiledema ou outros sinais de hipertensão intracraniana (Cushing: bradicardia, respiração irregular, hipertensão arterial). pacientes imunocomprometidos, que tem maior probabilidade de lesão de massa. Em situações diferentes das citadas acima a probabilidade de alteração à TC é muito baixa e sua realização é dispensável. Caso opte-se por realizar TC antes da punção, não deixar o início de antibioticoterapia empírica para depois da punção lombar – até porque os sinais que indicam TC são, como o choque, indicativos de gravidade e de pior prognóstico. São outros indicativos de pior prognóstico: idade avançada, leucopenia, trombocitopenia, hemocultura positiva, presença de osteíte ou sinusite, ausência de rash. Achados possíveis à TC de crânio: (* indicam hipertensão intracraniana, sendo contra-indicação relativa à punção lombar) Edema cerebral difuso* (apagamento de sulcos e das cisternas basais, ventrículos alargados, perda da diferenciação entre substância branca e cinzenta) Hidrocefalia* Múltiplos infartos por vasculite (até 20%) Trombose de seio venoso Empiema ou abscesso* Doença associada na base do crânio (fraturas, sinusite, otite, mastoidite) Encefalite necrosante assimétrica com predileção por áreas temporais e frontais, na encefalite herpética. Também deve haver cautela na indicação de punção lombar na presença de coagulopatia ou trombocitopenia grave (denotadas por sangramento ativo; plaquetas< 50.000; ou INR > 1,4). A punção poderá ser realizada após correção das alterações. Uma vez obtido líquor, analisar: proteína, glicose (relação soro/líquor), celularidade com diferencial; além de bacterioscopia pelo Gram e cultura com teste de sensibilidade antibiótica (TSA). Infecção Meningite Bacteriana Meningite Viral Meningite Fúngica Meningite Tuberculosa Abscesso cerebral Celularidade Glicose e diferencial > 1000 céls/mL Predomínio PMN Proteína ↑ ↓ (< 0.4) (100-500 mg/dL) 10 a 500 céls/mL ↑ N** (até 150 mg/dL) N ou ↓ ↑ ↓ ↑ N ↑ ↓ ↑ Predomínio LMN* N ou até 500 céls/mL Predomínio LMN N ou até 1000 céls/mL Predomínio LMN N ou até 500 céls/mL Variável > 1000 céls/mL Ventriculite Predomínio PMN * Parcela significativa das amostras de LCR em casos de meningite viral apresenta predomínio polimorfonuclear nas primeiras horas do início do quadro. Nova punção lombar em 12-24h poderá revelar LCR de predomínio linfomononuclear. ** Pode estar reduzida com HSV, enterovírus e caxumba. Aglutinação pelo látex – apresenta a vantagem de permanecer positiva mesmo após o uso de antibióticos. Está disponível para os principais agentes (pneumococo, hemófilo e meningococo) e também para o criptococo. Hemoculturas (sensibilidade de 50%) Hemograma, bioquímica, proteína C reativa (alto valor preditivo negativo) PCR para vírus suspeitos - é metodologia promissora, mas “PCR pra tudo” identifica causa de menos de 20% das encefalites, e o resultado freqüentemente não modifica a conduta terapêutica. Logo, o uso de PCR ainda não é bem determinado e sua sensibilidade e especificidade varia conforme a etiologia. Testagens mais recomendadas: HSV-1 e -2 (em todas as encefalites), enterovírus, CMV e EBV (imunocomprometidos), e VZV. Sorologia pareada para o diagnóstico de algumas meningoencefalites virais. Ex.: HSV-2, EBV (priminfecção), febre do Nilo (causa mais comum de encefalite viral nos EUA), caxumba. Outras considerações: - Na encefalite por HSV, o LCR é frequentemente hemorrágico e o PCR possui alta sensibilidade e especificidade (ambos > 95%). Caso o primeiro PCR seja negativo para HSV, repetir os exames em nova amostra (nova punção lombar) dentro de 1-3 dias. Espera-se que o PCR permaneça positivo durante a primeira semana de tratamento específico. - A apresentação e as evidências diagnósticas nas infecções de SNC associadas a dispositivos ventriculares podem ser muito sutis. Os microorganismos associados também não são os habituais. 3. Tratamento GERAL: - Ressuscitação volêmica e equilíbrio hidroeletrolítico - Manejo da hipertensão intracraniana: proteção de vias aéreas, cabeceira a 30º, agente hiperosmolar (manitol), corticóide (dexametasona), hiperventilação, sedação etc. - Controle de crises convulsivas - Sintomáticos VIRAL: Nas meningites com líquor de características virais e bacterioscopia negativa, antibióticos podem ser considerados em pacientes idosos, imunocomprometidos ou que tenham recebido antibioticoterapia previamente à punção lombar. Há variação importante nos achados do LCR em meningites bacterianas, e dada sua morbimortalidade, deve-se manter alto nível de suspeição para etiologia bacteriana. A suspensão poderá ser avaliada nos dias subseqüentes, conforme a evolução clínica do paciente e o resultado das culturas. Dada a elevada morbidade (epilepsia e seqüelas neuropsiquiátricas) e mortalidade da encefalite por HSV, mesmo com terapia precoce com aciclovir; e uma vez que há melhora significativa do prognóstico com o tratamento precoce, sempre deverá ser iniciado Aciclovir 10mg/Kg IV 8/8h em pacientes com encefalite sem outra justificativa, e mantido até que haja exclusão desse diagnóstico pelo PCR do líquor (que tem alta sensibilidade). Sabemos, porém, que a suspeição clínica não se correlaciona com a etiologia real em cerca de metade dos casos. O PCR negativo em uma segunda amostra de LCR permitirá suspender a medicação. O tempo total de tratamento é de 14 a 21 dias. O PCR negativo no líquor ao final do tratamento se correlaciona com melhor prognóstico. Por isso, um novo PCR deverá ser feito em pacientes cuja resposta clínica foi inapropriada com o tempo normal de tratamento, e caso o resultado seja positivo, o tratamento deverá ser continuado. Dado o potencial de nefropatia por cristalúria associada ao aciclovir, recomenda-se manter hidratação venosa adequada durante o tratamento. A associação de corticoterapia ao aciclovir na encefalite herpética esteve independentemente associada a melhor prognóstico, em um estudo pequeno e não randomizado de 2005. Ainda não há evidências suficientes para recomendar o uso de corticóide na encefalite herpética. Há tratamento específico para encefalites virais por HHV-6 (ganciclovir + foscarnet), adenovírus (cidofovir ou ribavirina) e enterovírus (pleconaril), mas há poucos estudos e de maneira geral ele só é utilizado em casos muito graves (imunocomprometidos, por exemplo). Além disso, a identificação viral nos quadros de encefalite é incomum em todo o mundo, bem como em nosso meio. TRATAMENTO ESPECÍFICO DE MENINGOENCEFALITES VIRAIS Patógeno Tratamento Duração HSV-1 e HSV-2 Aciclovir 10 mg/Kg de 8/8h 14-21 dias VZV Aciclovir 10-15 mg/Kg de 8/8h 10-14 dias ± corticoides CMV Ganciclovir* * HHV-6 Ganciclovir* * HIV HAART* * BACTERIANA: A rapidez no início de antibioticoterapia empírica está relacionada a melhor prognóstico. O espectro da antibioticoterapia empírica leva em conta os agentes mais prováveis, os quais dependem de características do paciente: idade, estado imune, hospitalizado ou não, presença ou ausência de dispositivos associados ou de comunicação do SNC com o meio externo. Os antibióticos utilizados devem ser bactericidas e possuir boa penetração através da barreira hematoencefálica. O tempo usual poderá ser prolongado na presença de complicações, ou em casos de resposta clínica lenta. As associações sinérgicas utilizadas incluem: - Gentamicina com ampicilina, contra listeria. Há estudos que utilizaram com sucesso o sinergismo do SMX-TMP com a ampicilina para essa etiologia. - Gentamicina com cefalosporinas de 3ª ou 4ª geração ou com carbapenêmicos, contra gram-negativos entéricos multirresistentes ou nãofermentadores. - Rifampicina em associação com vancomicina quando a ação dessa última, que tem má penetração no SNC, é essencial, i.e., contra MRSA e contra pneumococo resistente a penicilina e/ou cefalosporinas de 3ª geração. ANTIBIOTICOTERAPIA EMPÍRICA Perfil do paciente Agentes prováveis Esquema preferencial Esquema alternativo Moxifloxacino 400 mg 24/24h ou Ceftriaxone 2g 12/12h S. pneumoniae 2-50 anos N. meningitidis H. influenzae + Vancomicina 1520 mg/Kg a cada 8-12h (30-60 mg/Kg/dia) Cloranfenicol 50-100 mg/Kg/dia divididos em 4 doses + Vancomicina 15-20 mg/Kg a cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia) Moxifloxacino 400 mg 24/24h Ceftriaxone 2g 12/12h > 50 anos S. pneumoniae + L. monocytogenes Vancomicina 1520 mg/Kg a cada 8-12h (30-60 mg/Kg/dia) N. meningitidis + Ampicilina 2g 4/4h ou Cloranfenicol 50-100 mg/Kg/dia divididos em 4 doses + Vancomicina 15-20 mg/Kg a cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia) + SMX-TMP 5 mg/Kg (TMP) 6/6h Cefepime 2g 8/8h Imunocomprometidos* Trauma, neurocirurgia, dispositivos, nosocomial S. pneumoniae + L. monocytogenes N. meningitidis Vancomicina 1520 mg/Kg a cada 8-12h (30-60 mg/Kg/dia) Gram-negativos + Gram-negativos Staphylococcus spp. S. pneumoniae Meropenem 2g 8/8h + Vancomicina 15-20 mg/Kg a cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia) + Ampicilina 2g 4/4h SMX-TMP 5 mg/Kg (TMP) 6/6h Cefepime 2g 8/8h Meropenem 2g 8/8h + + Vancomicina 1520 mg/Kg a cada 8-12h (30-60 mg/Kg/dia) Vancomicina 15-20 mg/Kg a cada 8-12h (3060 mg/Kg/dia) * Neoplasias, imudepressão medicamentosa, gestantes (Listeria) Patógeno Bacterioscopia pelo Gram S. pneumoniae Cocos Gram + N. meningitidis Diplococos Gram - S. aureus Cocos Gram + L. monocytogenes Bacilos Gram + Enterobacteriaceae; P. aeruginosa; Acinetobacter spp. Bacilos Gram - H. influenzae Cocobacilos Gram - ANTIBIOTICOTERAPIA GUIADA Patógeno S. pneumoniae Penicilina ≤ 0,06 (S) Esquema preferencial Esquema alternativo Duração Penicilina G 4.000.000 ui 4/4h ou Ceftriaxone 2g 12/12h S. pneumoniae Penicilina ≥ 0,12 (R) Ceftriaxone 2g 12/12h Moxifloxacino 400 mg 24/24h Ceftriaxone 2g 12/12h (como segundo agente no caso de alergia a um dos preferenciais) + ou Penicilina > 2 (muito R) Vancomicina 15-20 mg/Kg a cada 8-12h (30-60 mg/Kg/dia)* Cloranfenicol 1,5g 6/6h Cef 3ª > 1 (MIC > I) ± Cef 3ª < 1 (MIC < I) S. pneumoniae 10-14 dias Rifampicina 600 mg qd ou 300-450 mg BID Ceftriaxone 2g 12/12h ou N. meningitidis Penicilina G 4.000.000 ui 4/4h Cloranfenicol 1,5g 6/6h 7-10 dias Vancomicina 25-30 mg/Kg (ataque) e 1520 mg/Kg/dose a cada 8-12h (manutenção)* 14 dias (conforme perfil de sensibilidade local) S. aureus MSSA Oxacilina 2g 4/4h ± Rifampicina 600 mg qd ou 300-450 mg BID S. aureus MRSA Vancomicina 25-30 mg/Kg (ataque) e 1520 mg/Kg/dose a cada 8-12h (manutenção)* ± Rifampicina 600 mg qd ou 300-450 mg BID H. influenzae Ceftriaxone 2g 12/12h Linezolida 600 mg 12/12h ou SMX-TMP 5 mg/Kg/dose a cada 8-12h Cloranfenicol 1,5g 6/6h 7-10 dias SMX-TMP 5 mg/Kg (TMP) 6/6h 21 dias Ceftriaxone 2g 12/12h Meropenem 2g 8/8h 14-21 dias Cefepime 2g 8/8h Meropenem 2g 8/8h ± ± Gentamicina 5 mg/Kg/dia (divididos em 3 doses) ou Ciprofloxacino 400 mg 8/8h Gentamicina 5 mg/Kg/dia (divididos em 3 doses) ou Ciprofloxacino 400 mg 8/8h Ampicilina 2g 4/4h ou L. monocytogenes Penicilina G 4.000.000 ui 4/4h ± Gentamicina 5 mg/Kg/dia (divididos em 3 doses)*** Enterobacteriace ae P. aeruginosa; Acinetobacter spp. 14-21 dias * Vancomicina: Máximo de 2g/dose. Na dose > 1g, considerar infusão em 2h e associação de anti-histamínico. *** Considerar em pacientes com resposta ruim ao tratamento. Manter por pelo menos 1 semana e até que haja melhora (máximo de 3 semanas). Está recomendado o início de dexametasona (0,15 mg/Kg 6/6h) antes ou simultaneamente à administração da primeira dose de antibiótico, e ela deverá ser mantida durante 4 dias a não ser que seja excluída etiologia por pneumococo ou hemófilo - agentes em que o benefício na morbimortalidade se comprovou. A dexametasona diminui a mortalidade por causas sistêmicas (mas não por causas neurológicas), e também a morbidade, na meningite pneumocóccica. Ainda não há estudos que definam diferenças no desfecho com uso de dexametasona na meningite por S. pneumoniae resistente a cefalosporinas, em que há necessidade de associação de vancomicina – droga de baixa penetração no SNC. Em modelo animal, a penetração da vancomicina fica de fato mais reduzida com o uso prévio de corticóide. Porém, um estudo em humanos mostrou concentrações liquóricas de vancomicina bem acima do MIC usando altas doses do medicamento em infusão contínua, mesmo com o uso adjuvante de dexametasona. Especialistas recomendam manter o corticóide e administrar vancomicina em doses altas.2 Uma vez que há relação direta entre a concentração liquórica de vancomicina com a concentração sérica, a monitorização sérica da concentração de vancomicina seria desejável. A dosagem sérica de vancomicina deve ser realizada antes da 4ª ou 5ª dose, e a concentração sérica alvo é de 15-20 µg/mL. Outra proposta terapêutica aceitável é a associação de rifampicina ao tratamento como terceira droga, uma vez que ela não perde penetração no SNC mesmo com corticoterapia. A rifampicina pode ser iniciada empiricamente junto com o esquema inicial (ceftriaxone + vancomicina) ou ser adicionada ao esquema caso as culturas isolem pneumococo de susceptibilidade intermediária (MIC ≥ 2 mcg/mL) às cefalosporinas de 3ª geração. A vancomicina e também a rifampicina podem ser dispensadas do esquema terapêutico quando o pneumococo isolado for sensível a cefalosporinas de 3ª geração e não tiver alta resistência à penicilina (MIC > 2). Embora os estudos de prevalência de resistência do Streptococcus pneumoniae à penicilina e ceftriaxona, realizados no Brasil, mostrem resultados menos dramáticos que os dados norte-americanos e europeus, há um crescente aumento das taxas a partir de 1995. A prevalência de colonização nasal com S. pneumoniae resistente à penicilina varia de 26% a 49% dependente da população estudada. Esses valores foram menores quando amostras de doenças invasivas foram avaliadas: de 9,9% a 29%. A resistência às cefalosporinas de terceira geração de amostras isoladas do LCR ainda se mostra baixa (0-1%) em grande parte dos estudos nos vários centros brasileiros, entretanto taxas em torno de 5% foram encontradas na Bahia e Minas Gerais, nos últimos anos. Pela gravidade da doença pneumocócica no SNC e melhor prognóstico com a esterilização mais rápida do LCR, é plausível o inicio de tratamento também em nosso meio com a associação de vancomicina e ceftriaxona, corrigindo o esquema após o resultado do antibiograma. A adição de rifampicina deve ser considerada se for esperada uma resposta clinica retardada ou o MIC da bactéria para ceftriaxona for maior que 4 µg/mL. S. pneumoniae: - testados para o LCR: penicilina, cefotaxime, ceftriaxone, meropenem, vancomicina - disco-difusão não é aceitável para o LCR (exceto vancomicina) Pontos de corte CLSI 2011: CLSI 2011 S I R Penicilina ≤ 0,06 - ≥ 0,12 Cefepime ≤ 0,5 1 ≥2 Cefotaxime/Ceftriaxone ≤1 2 ≥4 Vancomicina ≤1 - -* *Resistência rara ou desconhecida. Testar novamente amostra caso encontrada. A punção lombar de controle não está indicada de rotina, uma vez que a resposta clínica é melhor preditora de cura do que o líquor. Nova amostra de líquor deverá ser obtida para cultura nos casos em que não houver resposta clínica após 48h de antibioticoterapia apropriada. Tal recomendação é especialmente importante na meningite por gram-negativos e na meningite pneumocóccica e/ou em uso de dexametasona como adjuvante. A esterilização do líquor poderá ser usada como parâmetro para definir o tempo de tratamento, e antibioticoterapia intratecal ou intraventricular poderá ser considerada. A presença de coleções como empiema subdural ou abscesso exige drenagem cirúrgica para controle do foco. Os esquemas antibióticos no empiema subdural são os mesmos que aqueles recomendados para as meningites; porém no abscesso deverá ser acrescentado ao tratamento metronidazol para cobertura de anaeróbios. A continuidade de tratamento da meningite bacteriana fora do hospital está autorizada após um tempo mínimo de 7 dias de tratamento internado, e desde que haja infra-estrutura para continuidade de tratamento parenteral. O paciente deve estar estável, afebril, sem alterações neurológicas significativas e haver condições de seguimento próximo do mesmo por equipe de saúde. Nas meningites após neurocirurgia, a profilaxia antibiótica pré-operatória não modifica a incidência de meningite, porém os germes esperados têm seu perfil modificado. A ventriculite é uma infecção do SNC que impõe grande dificuldade de tratamento devido à pequena inflamação meníngea associada, o que dificulta a penetração de antibiótico pela barreira hemato-encefálica. Há alto índice de falha no tratamento e pode ser necessária administração intraventricular e intratecal, ainda que com uso freqüentemente “off-label”. Antimicrobianos mais frequentes (utilizados até que a cultura do LCR seja negativa, mais alguns dias): - Vancomicina 10 a 20 mg/dia, para gram-positivos - Gentamicina 5-10 mg/dia ou Amicacina 10-20 mg/dia, se gram-negativos (piores resultados) - Polimixina, se Acinetobacter spp. ou Pseudomonas spp. Concentração do antibiótico no líquor ÷ MIC deve ser maior que 10-20. Os efeitos colaterais incluem ototoxicidade, eosinofilia liquórica, convulsões, alteração do nível de consciência e irritação tecidual. As formulações não devem conter conservantes. 4. Profilaxia Imunoprofilaxia: a. Anti-Hib (tetravalente): aos 2, 4 e 6 meses pelo calendário básico do MS; e nos CRIE para transplantados. b. Meningocóccica C conjugada: aos 3, 5 e 15 meses pelo calendário básico do MS; nos CRIE para casos de asplenia anatômica ou funcional e no implante de cóclea. c. Pneumocóccica 10-valente conjugada: aos 2, 4, 6 e 12 meses pelo calendário básico do MS. d. Pneumocóccica 23-valente: nos CRIE para os adultos susceptíveis (incluem-se: HIV/AIDS, transplantados, asplenia anatômica ou funcional, fístula liquórica, implante de cóclea etc). Quimioprofilaxia: Não há comprovação de benefício em quimioprofilaxia antibiótica em casos de fraturas da base do crânio. PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO Agente etiológico Indicações Esquema antibiótico Duração Contato a menos de 1 metro, por > 8h, na semana anterior Rifampicina 600 mg VO 12/12h 2 dias Ciprofloxacino 500 mg VO Dose única Ceftriaxone 250 mg IM Dose única N. meningitidis ou Profissional exposto (procedimentos) H. influenza (Contato de, ou) Indivíduo não vacinado < 2 anos Rifampicina 20 mg/Kg/dia 4 dias (Máx. 600 mg) de 24/24h 5. Referências: Mandell Principles and Practice of Infectious Diseases 7th edition Tunkel AR, Hartman BJ, Kaplan, SL, et al. Practice guidelines for the management of bacterial meningitis. Clin Infect Dis. 2004;39:1267-1284.) Tunkel AR, Glaser CA, Bloch KC, et al. The Management of Encephalitis: Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2008; 47:303–27 Ziai WC, Lewin JJ. Update in the Diagnosis and Management of Central Nervous System Infections. Neurol Clin 26 (2008) 427–468 Rossi F. The challenges of antimicrobial resistance in Brazil. Clin Infect Dis. 2011;52(9):1138–1143 Fitch et al. Emergency department management of meningitis and encephalitis. Infect Dis Clin N Am 22 (2008) 33–52