Rev Panam Infectol 2005;7(3):34-36 PUNTO DE VISTA/PONTO DE VISTA CA-MRSA: um novo problema para o infectologista CA-MRSA: a new problem for the infectologist Hélio Vasconcellos Lopes* * Professor Titular da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC. Chefe da Enfermaria de Doenças Infecciosas do Hospital Mário Covas. Rev Panam Infectol 2005;7(3):34-36 Recibido en 16/7/2005. Aceptado para publicación en 15/9/2005. Recibido en 16/7/2005. Aceptado para publicación en 15/9/2005. 34 Staphylococcus aureus é uma bactéria responsável por uma grande variedade de infecções, desde as leves/moderadas – como as superficiais, de pele/partes moles – até aquelas envolvendo elevada morbidade e mortalidade, como a infecção de corrente sangüínea e a pneumonia. As infecções de corrente sangüínea estão habitualmente relacionadas à presença de cateteres em pacientes hospitalizados. A pneumonia pode ocorrer tanto em pacientes hospitalizados, com doenças de base e com procedimentos ventilatórios, como também na comunidade, predominando em idosos, como supra-infecção (ou superinfecção) subseqüente a um quadro de influenza. No início, a terapêutica antiestafilocócica era simples: penicilina e pronto, infecção rotineiramente resolvida. Entretanto, após pouco tempo de uso da penicilina, o S. aureus se adaptou, desenvolvendo uma enzima inativadora (por hidrólise) da penicilina: a beta-lactamase, àquela época denominada penicilinase. Em 1960, as pesquisas resultaram na obtenção de uma penicilina semi-sintética resistente àquela enzima: a meticilina; portanto, problema resolvido. (No Brasil, a meticilina foi posteriormente substituída por uma congênere, a oxacilina.) Mas, em apenas um ano, outra vez este agente infeccioso desenvolve um novo mecanismo de defesa e eis, então, a emergência do S. aureus resistente à meticilina (MRSA). O mecanismo de resistência à meticilina desenvolvido pelo S. aureus está relacionado com a produção das proteínas de ligação com a penicilina, as PBPs. O S. aureus produz quatro tipos de PBPs: de PBP1 a PBP4. As cepas MRSA expressam uma nova PBP, a PBP2a ou 2’, adquirida de outras espécies de estafilococos e codificada pelo gene mecA. Esta PBP2a mostra baixa afinidade, não apenas à meticilina e à oxacilina, mas praticamente a todos os antibióticos beta-lactâmicos. Lopes • CA-MRSA: um novo problema para o infectologista Identificação e propagação do S. aureus meticilinoresistente (MRSA) 1961 (Inglaterra) ➙ outros países europeus ➙ Japão ➙ Austrália ➙ Estados Unidos (1968) Década de 90: o MRSA torna-se uma importante causa de infecções hospitalares Atualmente o MRSA pode sobrepujar o S. aureus meticilino-sensível (MSSA) em hospitais Emergência do CA-MRSA (MRSA associado à comunidade) As infecções causadas pelo MRSA eram única e exclusivamente documentadas em hospitais. Entretanto, nos últimos anos, as infecções causadas por MRSA e adquiridas na comunidade têm sido documentadas de modo crescente. Estas infecções vêm ocorrendo em indivíduos saudáveis e sem nenhum fator de risco identificável: estas cepas (CA-MRSA), denominadas associadas à comunidade ou adquiridas na comunidade (CA), não são epidemiologicamente relacionadas às cepas MRSA adquiridas em hospitais. Estas últimas têm, como fatores de risco, idade superior a 60 anos, uso de corticosteróides, uso prévio de antibióticos e presença de cateter vascular central, enquanto as CA-MRSA são identificadas por ocorrerem em pacientes que não foram hospitalizados no ano anterior e que não se submeteram a procedimentos médicos, tais como diálise, cirurgia ou cateter. Os primeiros casos documentados de infecções por CA-MRSA ocorreram entre aborígines australianos e nativos americanos no Canadá, no início da década de 90. Posteriormente, estas infecções se propagaram pelo mundo, incluindo diversos surtos, tanto nos Estados Unidos como em diversos outros países. No Uruguai, por exemplo, os primeiros casos foram identificados em 2002 e o Ministério de Saúde Pública reportou, entre 1/01/04 e 15/10/04, 3.836 novos casos de infecções por CA-MRSA. Um outro trabalho realizado no Uruguai identificou 33 pacientes com infecção pelo CA-MRSA e explicitou algumas características dessas infecções: • Manifestações clínicas: 64% eram infecções em pele/partes moles; 39% casos de pneumonia e 24% tromboembolismo pulmonar séptico; a estatística supera 100% por ter havido ocorrência de focos associados em 33% dos casos. • Isolamento do estafilococo: 48,5% em hemoculturas, 54,5% em infecções de pele/partes moles e 42% em secreção traqueal. • Mortalidade: 36% dos pacientes foram a óbito. • Sensibilidade a antimicrobianos: 84% à clindamicina, 96% à gentamicina, 96% a ciprofloxacino e 100% a sulfametoxazol/trimetoprima e à vancomicina. Evidentemente, como a própria sigla diz (MRSA), há resistência à meticilina, oxacilina e demais beta-lactâmicos. Infecções que preenchem os critérios para serem causadas por CA MRSA • Diagnóstico de MRSA em paciente na comunidade ou em paciente com cultura positiva para MRSA nas primeiras 48h após admissão no hospital. • Paciente sem infecção ou colonização prévias por MRSA. • Pacientes que, no último ano: m Não foram hospitalizados m Não foram admitidos em clínicas de repouso ou asilos m Não se submeteram a diálise m Não se submeteram a cirurgia m Não se expuseram a cateteres/outros procedimentos que atravessam a pele Diferenças entre o CA-MRSA e o HA-MRSA* Sensibilidade a antimicrobianos: CA-MRSA é sensível a uma variedade de antibióticos não-betalactâmicos, enquanto os HA-MRSA são tipicamente resistentes a múltiplos antibióticos. Manifestações clínicas: os CA-MRSA são habitualmente causadores de infecções de pele/partes moles, de pneumonia e de bacteriemia. As taxas de mortalidade são maiores. Diferenças genéticas: como dito acima, o gene mecA codifica a PBP2a com baixa afinidade para os antibióticos beta-lactâmicos. Esse gene mecA é carreado em um específico elemento genético identificado como elemento genético móvel estafilocócico (staphylococcal cassette chromosome, SCC). Existem cinco tipos de SCCmec: I, II, III, IV e V. Os três primeiros estão presentes predominantemente nos isolados HAMRSA, enquanto os dois últimos (IV e V) são encontrados no CA-MRSA. O SCCmec tipo IV é pequeno em tamanho (20.9-24.3 kb) e perde genes de resistência 35 Rev Panam Infectol 2005;7(3):34-36 a vários antibióticos não-beta-lactâmicos, daí a sua sensibilidade a esses agentes. Fator de virulência: o CA-MRSA pode conter a toxina Panton-Valentine leucocidina (PVL); esta toxina é codificada por dois genes: lukS-PV e lukF-PV e é capaz de destruir leucócitos humanos e infligir grave dano tecidual, estando relacionada com lesões necróticas de pele e grave pneumonia necrotizante, tanto em crianças como em adultos. *HA-MRSA = Healthcare-associated-MRSA: MRSA associado a unidades de saúde. Tratamento das infecções causadas por CA-MRSA A conduta terapêutica das infecções causadas pelo CA-MRSA ainda não foi adequadamente estudada e, portanto, não está estabelecida. Este agente é habitualmente sensível a uma ampla variedade de antibióticos não-beta-lactâmicos. Assim, diversas opções terapêuticas estão disponíveis – sem, no entanto – estarem devidamente padronizadas. A relação dos antimicrobianos potencialmente utilizáveis é: clindamicina, doxiciclina, sulfametoxazol/trimetoprima, quinolonas (questionáveis) e rifampicina (sempre em associação). Para as formas clínicas 36 potencialmente graves, relacionam-se: a vancomicina, a linezolida, a associação quinupristina/dalfopristina e a daptomicina; esta já aprovada pelo CDC, mas ainda não disponível no Brasil. Referências 1. Rybak MJ & LaPlante KL. Community-associated methicillin-resistant Staphylococcus aureus: A Review. Pharmacotherapy 2005;25(1):74-85. 2. Ma XX et al. Community-acquired methicillin-resistant Staphylococcus aureus, Uruguai. Emerg Infect Dis 2005;11(6):973-976. 3. Bratu S et al. Community-associated methicillin-resistant Staphylococcus aureus in hospital nursery and maternity units. Emerg Infec Dis 2005;11(6):806-812. 4. Ribeiro J Boyce, JM & Zancanaro PQ. Prevalence of methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA) among patients visiting the emergency room at a tertiary hospital in Brazil. Braz J Infect Dis 2005;9(1):52-55. 5. Palavecino E. Community-acquired methicillin-resistant Staphylococcus aureus infections. Clin Lab Med 2004;24(2):403-418. Correspondência: Dr. Hélio Vasconcellos Lopes Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 4.178. CEP 01402-002 São Paulo, SP, Brasil e-mail: [email protected]