Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________1 11.. Introdução Compostos heterocíclicos podem ser definidos como aqueles que contém um anel no qual pelo menos um dos átomos não seja o carbono. A diversidade estrutural possível desses compostos, aliadas a sua abundância e a importância dos processos químicos e bioquímicos dos quais participam faz com que recebam um olhar e interesse especial dos químicos sintéticos. Os compostos heterocíclicos são componentes essenciais dos ácidos nucleicos, de enzimas e coenzimas, e respondem por parte significativa dos fármacos atualmente comercializados, agroquímicos, corantes, produtos naturais, dentre outros. Consideraremos neste trabalho algumas coenzimas que funcionam como transportadores transitórios de elétrons e grupos funcionais específicos como grupos acil (tab.1.1). As coenzimas são ativadores de várias enzimas, por isso são indispensáveis no metabolismo dos seres vivos. Algumas enzimas, para serem ativadas, não requerem algum grupo químico além do seu resíduo de aminoácido, porém outras requerem componentes químicos chamados de cofatores. Um cofator pode ser um ou mais íons inorgânicos (como Fe2+, Mg2+, Mn2+ e Zn2+) ou uma molécula orgânica complexa( metalorgânica) denominada coenzima. Muitas vitaminas, nutrientes orgânicos necessários em pequenas quantidades na alimentação diária dos animais superiores, são precursores das coenzimas, pois apresentam em sua estrutura adenina nucleotídeo ou parte da estrutura das coenzimas. As vitaminas servem para quase as mesmas funções em todas as formas de vida, mas os animais superiores perderam a capacidade de sintetizá-las. Podem ser classificadas segundo sua solubilidade em água Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________2 (vitaminas hidrossolúveis) ou em solventes apolares (vitaminas lipossolúveis). As vitaminas hidrossolúveis são a vitamina C e uma série conhecida como o complexo das vitaminas B (fig.1.1). O O - C CH2 CH2 O C H H CH3 N C C C CH2OH O OH CH3 + N H Nicotinato (niacina) Pantotenato CH2OH HO H3C CH2OH H O + N H Pirodoxina (Uma das formas da vitamina B6) N H3C H3C N H Fig.1.1-Estrutura de algumas vitaminas hidrossolúveis N H N CH2 H C OH H C OH H C OH O Riboflavina (vitamina B2) CH2OH A série de vitaminas B é de componentes de coenzimas (tab.1.1). Por exemplo, a riboflavina (vitaminaB2) é um precursor do FAD, e o pantotenato(vitamina B3) é um componente da coenzima A. As vitaminas lipossolúveis não são coenzimas, assim como a vitamina C que é hidrossolúvel não é, porém a ação destas moléculas é bem conhecida. Estas moléculas lipossolúveis são designadas pelas letras A, D, E e K e também são muito importantes para os animais. O- Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________3 Trataremos neste trabalho das coenzimas abaixo mostrando suas estruturas, sua importância para os animais superiores e algumas aplicações na química. Flavina adenina dinucleotídeo (FAD) e flavina mononucleotídeo (FMN). Nicotinamida-adenina dinucleotídeo (NAD+) e nicotinamidaadenina dinucleotídeo fosfato (NADP+). Coenzima A (CoA). Exemplos de alguns grupos Coenzima químicos funcionais Precursor dietético em transferidos mamíferos Tiamina pirofosfato Aldeídos Tiamina (vitamina B1) Flavina adenina Elétrons Riboflavina (vitamina B2) Íon hidreto (:H-1) Ácido nicotínico (niacina) Grupos acila Ácido pantotênico mais dinucleotídeo Nicotinamida adenina dinucleotídeo Coenzima A outras moléculas Pirtodoxal fosfato Grupos amino Piridoxima (vitamina B6) 5’-desoxiadenosil- Átomos de hidrogênio e Vitamina B12 cobalamina(coenzimaB12) grupos alquila Biocitina CO2 Biotina Tetrahidrofolato Unidades monocarbônicas Folato Tabela 1.1- Algumas coenzimas que funcionam como transportadoras de grupos funcionais, elétrons ou de átomos específicos. Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________4 22.. Transportadores universais de elétrons. A maioria das células possui enzimas que catalisam a oxidação de centenas de compostos diferentes, catalisam a transferência de elétrons retirados dos seus substratos em uns poucos tipos de transportadores universais de elétrons. Os nucleotídeos NAD+, NADP+, FMN e FAD são cofatores hidrossolúveis que sofrem oxidações e reduções reversíveis em muitas das reações de transferência de elétrons do metabolismo. Sua redução em processos catabólicos resulta na conservação da energia livre liberada pela oxidação do substrato. NAD+ e NADP+ movem-se facilmente de uma enzima para outra, porém FMN e FAD são fortemente ligados às enzimas, chamadas de flavoproteínas, para as quais eles servem como grupos prostéticos. Serão descritas algumas características químicas dos cofatores nucleotídeos e de certas enzimas (desidrogenases e flavoproteínas) que os empregam. ii.. O NADH e o NADPH A nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+ na forma oxidada) e seu análogo nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+ na forma oxidada) são compostos de dois nucleotídeos unidos através de grupos fosfato, por uma ligação de anidrido de ácido fosfórico (fig.1.2). Como seus anéis de nicotinamida lembram a piridina esses compostos são chamados de nucleotídeos de piridina. A porção nicotinamida é fornecida para H a síntese dos nucleotídeos de piridina O NH2 pela vitamina niacina. + N Ambas as coenzimas sofrem O - redução reversível nicotinamida(fig.1.3). do NAD+ O anel e NADP+ recebe um íon hidreto(:H-, o equivalente de um próton e dois P O - O P O CH2 NH2 O H H OH OH O O N N O CH2 H H OH N N Adenina H H Fig.2.1 R=HNADH OR R=fosfatoNADPH Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________5 elétrons) com a oxidação do substrato(desidrogenação) e, é transformada na sua forma reduzida(NADH e NADPH). O segundo H+ removido do substrato é liberado para o solvente aquoso. A meia reação para cada nucleotídeo é : NAD+ + 2e- NADH + H+ NADP+ + 2e- NADPH + H+ Mais de 200 enzimas são conhecidas por catalisar reações nas quais NAD+ ou NADP+ aceita um íon hidreto do mesmo substrato reduzido ou doam um íon hidreto para o substrato oxidado. O nome geral para enzimas deste tipo é H H O C NH2 H O NH2 íon hidreto H:. . + N O - O P O - O P O CH2 NH2 O H OH O O ou H OH N N O CH2 N H O C NH2 H N . . H H OH H H A N Fig.2.2 R=HNADH R=fosfatoNADPH N B OR oxidorredutase (veja alguns exemplos na tab.1.2), são também comumente chamadas de desidrogenases. NADPH difere de NADH por sua hidroxila 2’ da parte adenosina ser esterificada com fosfato. NADPH transporta elétrons da mesma maneira que NADH. Porém, é usado quase que exclusivamente para biossínteses redutivas, enquanto NADH é usado primariamente para produção de ATP. O grupamento fosfato extra no NADPH é o que distingue este agente redutor pelas enzimas de biossíntese. Quando NAD+ ou NADP+ é reduzido, o íon hidreto pode, em princípio, ser transferido para qualquer lado do anel de nicotinamida: o lado frontal (A) ou Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________6 o lado posterior (B) como representado na fig. 1.3. Os estudos com substratos marcados isotopicamente demonstraram a estereoespecificidade destas reações e que uma dada enzima catalisa um ou outro tipo de transferência, mas não os dois. Por exemplo, a álcool desidrogenase de levedura e a lactato desidrogenase do coração de vertebrados transferem o íon hidreto dos seus respectivos substratos para o mesmo lado do anel da nicotinamida. Elas são classificadas como desidrogenases do tipo A, para distingui-las do outro grupo de enzimas que reduzem o NAD+ pela transferência do hidreto para o outro lado do anel (B) (tab.1.2). A estereoespecificidade na transferência de hidreto em desidrogenase é uma conseqüência da assimetria do sítio ativo(fig.1.4). Especificidade estereoquímica para o Enzima Cofator anel da nicotinamida (A ou B) NAD+ A NAD+ B desidrogenase NADP+ B Malato desidrogenase NAD+ A NAD+ ou NADP+ B desidrogenase NAD+ B Lactato desidrogenase NAD+ A Álcool desidrogenase NAD+ A Isocitrato desidrogenase -cetoglutarato desidrogenase Glicose-6-fosfato Glutamato desidrogenase Gliceraldeído-3-fosfato Tab 2.1- Desidrogenases que empregam NAD+ ou NADP+ como cofatores. Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________7 Devido a excelente especificidade estereoquímica das reações que Fig. 2.3 envolvem estes cofatores, os mesmos são usados na química em reduções e oxidações em que se deseja obter centros quirais. Várias reações já são conhecidas, como por exemplo a redução de cetonas a álcoois quirais1, usando microorganismos como Saccharomyces cerevisiae em fermentações, que devido as enzimas e os cofatores produzidos pela célula são capazes de promover reduções mesmo em moléculas que não fazem parte do metabolismo das células. A associação entre uma dada desidrogenase e o NAD ou NADP é relativamente fraca; o cofator difunde facilmente da superfície de uma dessas enzimas para outra, atuando como um transportador hidrossolúvel de um substrato metabólico para outro. Esses cofatores funcionam cataliticamente, sendo repetidamente reciclados sem que ocorra uma mudança líquida na concentração de NAD+ + NADH. Por exemplo, na produção de álcool durante a fermentação da glicose por células de levedura, um íon hidreto é removido do gliceraldeído-3-fosfato para uma enzima (gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase) e transferido para o NAD+. O NADH assim produzido deixa então a superfície da enzima e difundese para outra enzima, a álcool desidrogenase, com transferência de um íon 1 aa)) J. B. Jones, Tetrahedron, 1986, 42(13), 3351 Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________8 hidreto do NADH para o acetaldeído, produzindo o etanol, como ilustrado a baixo: (1) Gliceraldeído-3-fosfato + NAD+ 3-fosfatoglicerato + NADH + H+ Acetaldeído + NADH + H+ (2) Soma: Gliceraldeído-3-fosfato etanol + NAD+ 3-fosfoglicerato + etanol iiii.. FADH2 e o FMNH2 As flavoproteínas (tab.2.2) são enzimas que catalisam reações de oxidação-redução usando a flavina mononucleotídeo (FMN) ou flavina adenina nucleotídeo (FAD) como cofatores (fig.2.4). São derivados da vitamina riboflavina(B2) (fig.1.1). A estrutura fundida em anel de flavina nucleotídeo (o anel da isoaloxazina) sofre redução reversível, recebendo de um substrato reduzido um ou dois elétrons na forma de átomo de hidrogênio(elétron + próton); as formas reduzidas são abreviadas por FADH2 e FMNH2. Quando flavina nucleotídeo totalmente oxidado NH2 N N e O - O OH do anel da transferência tanto de um como de dois elétrons, envolvem- OH se numa diversidade de reações c CH2 maior HCOH b semiquinona isoaloxazina (fig.2.5). Como as N H O d forma flavoproteínas podem participar H H H O P O- N O CH2 O P O aceita um elétron, é produzida a que as desidrogenases ligadas ao NAD. HCOH HCOH a CH2 H3C N H3C N Fig. 2.4- a) riboflavina; b) FMN; c) FAD; d) D-ribitol; e) AMP- adenosina monofosfato N O N O H Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________9 Em muitas flavoproteínas, a flavina nucleotídeo está ligada de maneira muito forte à parte protéica e, em algumas enzimas como a desidrogenase succínica, esta ligação é covalente. Esses cofatores firmemente ligados são chamados de grupos prostéticos. Eles não transportam elétrons por difundirem-se de uma enzima para outra; antes, eles fornecem uma maneira pela qual a flavoproteína pode reter temporariamente enquanto catalisa a transferência deles de um substrato redutor para um receptor de elétrons. Uma característica importante das flavoproteínas é variabilidade no potencial de redução padrão da flavina nucleotídeo a elas ligado; a associação firme entre a enzima e o grupo prostético confere ao anel da flavina um potencial redução típico de uma flavoproteína específica, algumas vezes muito diferente da flavina nucleotídeo livre. As flavoproteínas são, em geral, muito complexas; algumas têm, em adição à flavina nucleotídeo, íons inorgânicos firmemente ligados(ferro ou molibdênio, por exemplo) capazes de participar da transferência de elétrons. Flavina Enzima nucleotídeo Acil-CoA graxo desidrogenase FAD Diidrolipoil desidrogenase FAD Succinato desidrogenase FAD -glicerofosfato desidrogenase FAD NADH desidrogenase FMN Glicolato desidrogenase FMN Tab. 2.2- Algumas enzimas (flavoproteínas) que empregam coenzimas da flavina. Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________10 R H3C N H3C N N O N H O Forma oxidada FADou FMN + +H , e _ H+ , eR R H3C H3C N N N O N . H pKa ~ = 8,4 H3C N H3C ¨_ N N . O N H O Anion semiquinona H O Forma semiquinona + +H ,e R H H3C N N H3C N O N H H O Forma reduzida FADH2 ou FMNH2 Fig. 2.5- formação da forma semiquinona do anel de isoaloxasina iiiiii.. Coenzima A (CoA) A coenzima A é outra molécula central no metabolismo. Em 1945, Fritz Lipmann descobriu que um cofator termo estável era necessário a muitas acetilações catalisadas por enzimas. Esse cofator foi denominado coenzima A (CoA), com o A significando acetilação. Foi isolada, e sua estrutura foi definida alguns anos após. A elucidação desta importante coenzima conferiu a Lipmann o Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________11 Nobel em fisiologia ou medicina de 1953. Podemos dividir sua estrutura em 2 partes(fig.2.6), 4-fosfopantotênico(unidade de -mercapto-etilamina + unidade de pantotenato(derivado da vitamina B3, ác. pantotênico(fig.1.1)) e 3’,5’ADP(adenosina difosfato). A unidade de ADP é que confere a CoA a afinidade e especificidade a algumas enzimas. Em transporte de acil proteínas, o 4-fosfopantotênico está ligado covalentemente ao grupo hidroxil da serina. As funções da CoA são duas: (a) ativação de grupo acila para transferência por ataque nucleofílico. (b) ativação do hidrogênio- do grupo acila para abstração de um próton. SH A sulfidrila terminal na CoA é o CH2 -mercaptoetilamina CH2 local C denominado acil CoA. CH2 A transferência de acila NH com acil-CoA para um nucleófilo C O é CHOH C para P um formado NH2 P O N N O a éster de oxigênio pela abstração do hidrogênio- é estabilizado por ressonância(fig.2.8) A hidrólise N CH2 N O H H que éster são ácidos e o carbânio O O O favorável (fig2.7).Os hidrogênios- do tio O - mais transferência de um grupo acil Pantotenato CH3 CH2 O acila tio éster. O derivado resultante é O CH2 - Radicais ligam-se à CoA por uma ligação NH H3C reativo. H O -2 PO3 OH um tio termodinamicamente H 3 de Fig.-2.6 éster é mais favorável do que a de um éster Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________12 com oxigênio porque o caráter de dupla ligação da ligação C não se estende significativamente para a ligação C O. S. Consequentemente a acil- CoA tem um alto potencial de transferência de acetila. A acetil CoA carreia um radical acetila ativado da mesma maneira que o ATP carreia uma fosforila ativada. As duas propriedades da acil-CoA são evidenciadas na reação cetotiolase (fig.2.9). O CoA S C CH3 _ RY: R H O _ CoA S + RY C CH3 Fig.- 2 .7 : transferência de acila com acil-CoA para um nucleófilo. R O CH C SC o A + B:H + O R _CH C SC o A H C C _ O C oA Ânion enolato B: Fig.-2 .8: abstração do H- O H C SC o A CH2 B : H+ + _CH2 O R C SC o A H C C _ O C oA B: H3C C SC o A O O O H3C C O C SC o A CH2 + _ C o AS CH2 C SC o A H3C C SC o A _O Fig.-2 .9: reação -cetolase. Esta reação evidencia as propriedades da acetil-CoA. Heterocíclicos e Coenzimas_________________________________________________________________13 33.. Bibliografia “Princípios de Bioquímica”, Lehninger, A. L.; Nelson, D. L.; Cox, M. M; 2a edição. Sarvier Editora de Livros Médicos Ltda. 1995. “Bioquímica” ; Stryer, L.; 3a edição. Editora GUANABARA KOOGAN. 1988. “Biocheistry”; Garret, R. H.; Grisham, C. M.; edição internacional. Saunders College Publising. 1995 “Biotransformation in organic chemistry A textbook”; Faber, K. Berlin, Springer. 1997.