Fratura craniomaxilofacial exposta causada por arma branca: relato de caso RELATO DE CASO Fratura craniomaxilofacial exposta causada por arma branca: relato de caso Exposed craniomaxillofacial fracture caused by with knives: case report José Augusto Gomes Pereira de Oliveira1 RESUMO SUMMARY Este trabalho objetiva apresentar um caso de fratura craniomaxilofacial exposta, tratado de forma cirúrgica emergencial. O autor discute a incidência desse tipo de traumatismo, os fatores predisponentes à infecção, a profilaxia antibiótica, os tipos de tratamento e as possíveis complicações pós-operatórias. This paper aims to present an exposed craniomaxillofacial fracture report treated as surgical procedure of emergency. The author discusses the incidence of this type of traumatism, the predisponent factors for infection, the antibiotic prophylaxis, the types of treatment and the possible post-operative complications. Descritores: Fraturas expostas. Agentesantibacterianos. Fraturas mandibulares/cirurgia. Traumatismos craniocerebrais. Descriptors: Fractures, open. Anti-bacterial agents. Mandibular fractures/surgery. Craniocerebral trauma. 1. Professor Titular da Disciplina de Traumatologia Maxilofacial da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB. Postdoctoral Research Fellow em Cirurgia Ortognática – University of Washington, Seattle, USA. Correspondência: José Augusto Gomes Pereira de Oliveira Av. Júlia Freire 1200, sala 104 – Bairro Expedicionários – João Pessoa, PB, Brasil – CEP 58041-010 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 187-91 187 Oliveira JAGP INTRODUÇÃO RELATO DO CASO As fraturas craniomaxilofaciais revestem-se de enorme importância devido às suas consequências físicas, psicossociais e econômicas. As últimas décadas têm apresentado aumento significativo nos traumatismos craniomaxilofaciais, com as fraturas da mandíbula ocupando a segunda posição na incidência de fraturas faciais, em torno de 38%1. A mandíbula é o único osso móvel da face e participa da mastigação, fonação, deglutição e oclusão dental, daí a importância da preservação de sua integridade anátomo-fisiológica. De acordo com Asadi & Asadi2, as fraturas de côndilo mandibular contribuem com 17,25% das fraturas faciais. As fraturas mandibulares traumáticas são as mais frequentes, incluindo a violência e/ou agressão. Esses achados são concordantes com a literatura3-5. Em nosso Serviço, observamos que a predominância de ocorrência desse tipo de fratura é nos horários noturnos dos finais de semana, estando relacionada à ingestão excessiva de bebidas alcoólicas. A importância do tempo de exposição, como fator preditivo de infecção, foi demonstrada em vários trabalhos sobre fraturas ortopédicas expostas6. Segundo Lima et al.7, esses fatores incluem a falta de antibioticoterapia, tempo de exposição superior a 3 horas, resistência bacteriana ao antimicrobiano utilizado e grande dano tecidual. A escala de gravidade clínica dos pacientes e a classificação de ASA revelaram importância acentuada como fator preditivo de infecção. A hipotensão gerada por fraturas graves, com extensa lesão das partes moles e tempo de exposição maior do que seis horas, gera diminuição considerável da perfusão sanguínea dos músculos e ossos, com queda consequente da oxigenação e aporte insuficiente de antimicrobianos, mesmo quando utilizados em doses adequadas. Esta redução do aporte associada à fagocitose reduzida inerente dos traumas agudos cria condições altamente favoráveis para a multiplicação bacteriana. De acordo com Sgarbi8, o grande problema da fratura exposta é possibilidade de ocorrência de infecção óssea (osteomielite). O tecido ósseo é pouco vascularizado, o que torna difícil o combate às infecções. No atendimento ao paciente com uma ou mais fraturas expostas, deve-se, inicialmente, obedecer aos princípios de um paciente vítima de trauma, ou seja, seguir os princípios do Advanced Trauma Life Support (ATLS). Durante o ABCDE, no exame primário, a preocupação inicial com a fratura exposta será com a garantia de uma via aérea pérvia e de uma respiração adequada. Após os exames subsidiários do exame primário, serão feitos o exame secundário e a avaliação da fratura exposta com as radiografias dos membros fraturados. Ainda de acordo com esse autor, o tratamento fundamental da fratura exposta é a prevenção da infecção, com a limpeza exaustiva empregando soro fisiológico. A segunda etapa é o desbridamento dos tecidos que estão necrosados ou que estão desvitalizados e poderão necrosar. A antibioticoterapia pode ser feita com cefalosporinas de primeira geração, associadas a aminoglicosídeos. O agente infeccioso mais comum é o Stafilococos aureus. Se o paciente está imunizado (vacina nos últimos dez anos), apenas a vacina antitetânica é utilizada, caso contrário a imunoglobulina humana contra o tétano também deve ser prescrita. Paciente melanoderma, vítima de agressão física por meio de golpes de foice (Figura 1), deu entrada no Hospital Estadual de Emergência e Trauma, de João Pessoa, PB. O mesmo apresentava ao exame clínico fraturas expostas do osso occipital, com laceração de dura-máter, e subcondilar alta de mandíbula ao lado direito, apresentando pequeno deslocamento ântero-medial do côndilo pela ação do músculo pterigóideo lateral. A história clínica é extremamente importante e deve ser investigada, sempre que possível, para o diagnóstico das fraturas mandibulares, além dos sinais e sintomas, como dor, edema, hematoma, desoclusão, déficit do contorno facial, crepitação, mobilidade dos fragmentos. Nas fraturas unilaterais, como no caso em questão, há um deslocamento da mandíbula para o lado fraturado. Instituído tratamento emergencial, no qual o processo hemorrágico foi coibido imediatamente e o paciente enviado para exame de imagens com sua ferida protegida por compressas úmidas em soro fisiológico e ataduras estéreis. Foram feitas radiografia de Towne (Figura 2) e tomografia computadorizada do crânio. Foi administrada vacina antitetânica, via intramuscular, e iniciada a associação antibiótica cefalotina 1g, via endovenosa, de 6 em 6 horas, com clindamicina 150mg, endovenosa, de 6 em 6 horas. O intervalo entre o acidente e a cirurgia foi de aproximadamente uma hora. No centro cirúrgico, com o paciente em decúbito dorsal, sob anestesia geral, foi feita rigorosa antissepsia extra e intraoral. Através dos próprios ferimentos, visualizamos os focos da fratura occipital e subcondilar, realizando a menor divulsão possível das partes moles. Pequenos fragmentos ósseos soltos, não aderidos ao periósteo, foram removidos como prevenção à sequestração, infecção e pseudoartrose na região da articulação têmporo-mandibuar. Foi feita lavagem exaustiva do local com soro fisiológico. A dura-máter foi suturada e sobre ela colocouse membranas de colágeno, procedimento esse efetuado pelo neurocirurgião (Figura 3). Após o procedimento neurocirúrgico, passamos ao tratamento bucomaxilofacial, ou seja, da fratura subcondilar da mandíbula (Figura 4). O bloqueio maxilomandibular foi feito transoperatoriamente, para obtenção da oclusão dental, e utilizou-se uma miniplaca com parafusos monocorticais de 2.0 mm de diâmetro, objetivando a estabilização dos fragmentos ósseos (Figura 5). Após a fixação, foi feito o fechamento da ferida por planos anatômicos (Figura 6) e a remoção do bloqueio maxilomandibular provisório. Quanto à ferida cutânea, avaliamos sua viabilidade circulatória, removendo os tecidos desvitalizados que poderiam constituir um meio de cultura para bactérias. Os objetivos do tratamento, quer sejam, obtenção da simetria mandibular, abertura interincisal maior de 40 mm, restabelecimento da oclusão dental e da projeção mandibular no sentido ântero-posterior, bem como da dimensão vertical, além da prevenção da meningite, foram alcançados. O pós-operatório evoluiu sem intercorrências e o paciente recebeu alta após uma semana (Figura 7). O paciente foi acompanhado ambulatorialmente durante uma semana após a alta hospitalar, para controle clínico e radiográfico (Figuras 8 e 9), não retornando mais ao ambulatório. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 187-91 188 Fratura craniomaxilofacial exposta causada por arma branca: relato de caso Figura 1 – Ferimentos craniofaciais. Figura 4 – Fratura subcondilar da mandíbula. Figura 2 – Radiografia de Towne evidenciando a fratura subcondilar de mandíbula. Figura 5 – Osteossíntese com miniplaca. Figura 3 – Membrana de colágeno sobre a dura-máter suturada. Figura 6 – Síntese pós-operatória. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 187-91 189 Oliveira JAGP DISCUSSÃO Figura 7 – Pós-operatório de uma semana. De acordo com Neto9, o risco de infecção nas fraturas abertas varia conforme a gravidade da fratura e a extensão da lesão de partes moles associadas, assim como sua localização e a gravidade de outras lesões associadas. Esse autor relata, ainda, que a classificação de Gustilo & Anderson, baseada na gravidade da lesão, foi proposta para fraturas ortopédicas, sendo que o tratamento dos traumatismos faciais segue os mesmos princípios adotados nos traumatismos ortopédicos. O caso em questão é classificado como grau IIIA – fraturas expostas, com extenso comprometimento de partes moles e que, apesar da extensa lesão de partes moles, permite a cobertura das fraturas. As fraturas abertas e, particularmente, as expostas, já representam feridas contaminadas quando do procedimento cirúrgico, ou mesmo infectadas, caso a cirurgia tenha sido retardada por mais de seis horas, por motivos vários. Dessa forma, fraturas expostas devem ser tratadas preferencialmente até 6 horas após o acidente, com a finalidade de diminuir o risco de infecção. Deve ser feita a profilaxia do tétano e iniciado o uso de antibióticos, sejam profiláticos nos casos operados precocemente, sejam terapêuticos quando a intervenção é tardia. Ainda, segundo Neto9, alguns autores relatam que a antibioticoterapia profilática para fraturas abertas tratadas precocemente pode ser feita com cefalotina ou cefazolina, iniciada na sala de trauma e mantida em níveis elevados apenas durante o período peroperatório. Trabalhos comparativos dos efeitos profiláticos das cefalosporinas de primeira geração com drogas com maior atividade contra microorganismos gram-negativos não demonstraram diferenças significativas nos índices de infecção. No presente caso, optamos pela associação antibiótica de gentamicina e clindamicina, mesmo levando-se em consideração o tempo reduzido para o atendimento. Outra associação que pode ser utilizada é a amoxicilina mais clavulanato. Uma vez que o paciente, objeto desse trabalho, foi atendido em um curto espaço de tempo (menos de uma hora) e as medidas profiláticas tomadas, os possíveis riscos de infecção pós-operatória foram minimizados. O retardo no tratamento exige antibioticoterapia com cobertura para S. aureus e germes gram-negativos. A literatura disponível não permite conclusões quanto à duração ideal do uso do antibiótico, mas a maioria dos cirurgiões a mantém por períodos longos. A principal complicação infecciosa no caso em estudo é a meningite, que, em geral, ocorre quando há rinorreia ou otorreia. Outro aspecto importante é que a divulsão do foco fraturário deve ser feita com parcimônia, para evitar desvitalização do côndilo mandibular, minimizando-se assim a possibilidade de necrose avascular ou de retardo de consolidação. Uma divulsão excessiva de partes moles também poderá provocar maior perda sanguínea no transoperatório, o que é indesejável. Acreditamos que a preservação das partes moles, principalmente do periósteo e inserções musculares ao nível do foco fraturário, associada à colocação adequada da placa, são fundamentais para o processo de consolidação. A osteossíntese com placa semi-rígida utilizada nesse caso é uma forma funcionalmente estável de fixação, diferente da fixação totalmente rígida, a qual não permite movimentação do foco, não formando o calo fraturário. A fixação semi-rígida confere estabilidade suficiente para realizar-se a fisioterapia Figura 8 – Radiografia Towne pós-operatória. Figura 9 – Radiografia lateral pós-operatória. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 187-91 190 Fratura craniomaxilofacial exposta causada por arma branca: relato de caso com movimentação precoce, porém sem apoio de carga excessiva. A mastigação normal só deverá ser feita quando houver a total consolidação óssea. Em contrapartida, Hammer et al.10 sugerem que as fraturas subcondilares sejam fixadas por meio de duas placas de adaptação do sistema 2.0mm, ou uma placa para mandíbula do sistema 2.4mm, ou uma placa mini-DCP do sistema 2.0mm ou uma placa mandibular do sistema 2.0mm, com parafusos bicorticais, exceto os fixados na cabeça do côndilo mandibular. As fraturas simples, sem cominução ou corpo estranho, como no caso ora relatado, não requerem a colocação de dreno, desde que se realize uma adequada hemostasia transoperatória, conduta essa adotada por nós no caso em questão. Em casos mais complexos pode-se lançar mão de um dreno de Penrose ou similar de drenagem postural. Quando o côndilo mandibular sofre deslocamentos consideráveis e tem que ser capturado, poderá ocorrer uma interrupção do suprimento vascular, o que pode contribuir para a reabsorção óssea e, em alguns casos, pode evoluir para necrose11,12. O pequeno deslocamento ântero-medial apresentado pelo côndilo fez com que a manipulação para a redução dos fragmentos fosse de pequena monta, não incorrendo em riscos demasiados ao mesmo. Mitchell13 atribuiu a reabsorção condilar à posição não fisiológica do côndilo após sua fixação e ao aumento da força funcional. Acredita-se que o côndilo não reduzido pode causar sobrecarga do lado operado, desse modo levando à reabsorção condilar. REFERÊNCIAS 1.Patrocínio LG, Patrocínio JA, Borba BHC, Bonatti BS, Pinto LF, Vieira JV, et al. Mandibular fracture: analysis of 293 patients treated in the Hospital of Clinics of the Federal University of Uberlândia, RBORL. Braz J Otorhinolaryngol. 2005;71(5):560-5. 2.Asadi SG, Asadi Z. Site of the mandible prone to trauma: a two year retrospective study. Int Dent J. 1986;46(3):171-3. 3.Andrade Filho EF, Fadul Jr R, Azevedo RAA, Rocha MAD, Santos RA, Toledo SR, et al. Fraturas de mandíbula: análise de 166 casos. 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Osteosynthesis of condylar neck fractures: a review of 30 patients. Br J Oral Maxillofac Surg. 1997;35(4):288-91. 11.Upton L. Management of injuries to the temporomandibular joint region. In: Fonseca R, Walker R, eds. Oral and maxillofacial trauma. Philadelphia: Saunders Company;1991. p.418-33. 12.Raveh J, Vuillemin T, Ladrach K. Open reduction of the dislocated, fractured condylar process: indications and surgical procedures. J Oral Maxillofac Surg. 1989;47(2):120-7. 13.Mitchell DA. A multicentre audit of unilateral fractures of the mandibular condyle. Br Oral Maxillofac Surg. 1997;35(4):230-6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O atendimento a pacientes acometidos de fraturas craniomaxilofaciais expostas deve ser o mais rápido e efetivo possível no sentido de prevenir complicações pós-operatórias e sequelas. A fixação semi-rígida é um método factível que promove a formação de um bom calo ósseo e permite uma consolidação óssea eficaz. Trabalho realizado no Hospital Estadual de Emergência e Trauma de João Pessoa, João Pessoa, PB. Artigo recebido: 29/1/2010 Artigo aceito: 5/3/2010 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 187-91 191