Sialocele após Tratamento Cirúrgico de Fratura de Côndilo Clarice Maia Soares de Alcântara Pinto, DDS | Residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais, Hospital Batista Memorial em Fortaleza-Ceará Felipe Navarro Lima, DDS | Residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais, Hospital Batista Memorial em Fortaleza-Ceará Germano de Lelis Bezerra Júnior, DDS | Residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-MaxiloFaciais, Hospital Batista Memorial em Fortaleza-Ceará Manoel de Jesus Rodrigues Mello, DDS, MS | Cirurgião e Traumatologista Buco-Maxilo-Facial. Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal do Ceará. Chefe do Serivço de CTBMF do Hospital IJF-Centro, Fortaleza-CE Abrahão Cavalcante Gomes de Souza Carvalho, DDS, MS, PhD | Cirurgião e Traumatologista Buco-MaxiloFacial. Mestre e Doutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. Resumo Sialocele é uma lesão traumática de glândula salivar, caracterizada pelo extravasamento e acúmulo de saliva, no interior de uma glândula ou nos tecidos periglandulares. Sua etiologia está relacionada principalmente a ferimentos pérfurocortantes em face. Sua ocorrência como uma complicação do tratamento cirúrgico das fraturas de côndilo mandibular pode variar de 2 a 10% dos casos na literatura. Este trabalho tem o objetivo de relatar o caso de um paciente do sexo masculino, 27 anos, que apresentava queixa de dificuldade de mastigação após 6 dias de acidente motociclístico. Após exame clínicoradiográfico, foram diagnosticadas fraturas no ângulo mandibular direito e processo condilar esquerdo, além de fratura do dente 48. A conduta terapêutica adotada consistiu da redução cruenta e fixação das fraturas, e da exodontia do dente fraturado. No 14º dia de pós-operatório, o paciente retornou apresentando aumento de volume flutuante à palpação, na região retromandibular esquerda. Foi realizada a drenagem da secreção, obtendo-se um líquido viscoso e translúcido semelhante à saliva, estabelecendo-se o diagnóstico de sialocele. Em seguida, foi realizado um curativo compressivo e orientações para uma dieta, visando a hipossalivação. Após 60 dias de pós-operatório, o paciente não apresentou recidiva do aumento de volume ou drenagem de secreções salivares. Descritores: Fraturas mandibulares; Glândula parótida; Complicações Pós-operatórias; Saliva; Drenagem. Abstract Sialocele is a traumatic lesion of the salivary gland characterized by the overflow and the accumulation of saliva inside a gland or tissue periglandular. Its etiology is mainly related to cutting wounds in the face. Its occurrence as a complication of surgical treatment of mandibular condyle fractures can vary from 2 to 10% of the cases. This paper aims to report the case of a male patient, 27 years old, who presented with the complaint of difficulty to chew, 6 days after a motorcycle accident. After clinical-radiographic examination, fractures were diagnosed in the right mandibular angle, in the left condylar process and in the tooth REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V11 N2 P. 51 - 58 - Recebido em 01/04/11 - Aprovado em 16/05/11 Sialocele after Surgical Treatment of Condylar Fracture 51 48. The treatment adopted consisted of fractures open reduction and extraction of the fractured tooth. On the 14th day after surgery, the patient returned with a swelling floating on palpation in the left retromandibular region. Drainage was performed and a translucent and viscous liquid similar to saliva was obtained, establishing the diagnosis of sialocele. Then a pressure dressing and guidelines for a hyposalivation diet were performed. After 60 days postoperatively the patient shows no recurrence of swelling or drainage of salivary secretions. Key-words: Mandibular fractures; Parotid gland; Postoperative Complications; Saliva; Drainage. Sialocele após Tratamento Cirúrgico de Fratura de Côndilo Pinto et al. Introdução 52 A fratura de côndilo mandibular representa aproximadamente 30% das fraturas mandibulares. Sua etiologia está associada a impactos laterais diretos sobre o côndilo ou forças indiretas na região de corpo ou sínfise mandibulares.¹ O tratamento dessas fraturas apresenta muitas controvérsias quanto à melhor conduta. Este fato pode ser relacionado à dificuldade de manter a oclusão durante a redução dos segmentos fraturados, o que não acontece nas fraturas de corpo mandibular e o risco de comprometimento do nervo facial nas reduções cirúrgicas.² Grande parte das fraturas condilares é tratada de forma conservadora, através de bloqueio maxilomandibular e fisioterapia para restabelescimento da função mastigatória. O tratamento cirúrgico consiste na redução anatômica e fixação interna com miniplacas e parafusos, possibilitando o restabelecimento funcional precoce do paciente.3 Os acessos cirúrgicos para o tratamento das fraturas condilares podem variar, no entanto, o acesso retromandibular tem sido mais utilizado, devido à facilidade e segurança da técnica cirúrgica, proximidade do acesso em relação ao local da fratura, melhor exposição dos cotos, e maior facilidade na redução e fixação da fratura.³ Consiste em uma incisão retilínea, margeando o bordo posterior da mandíbula envolvendo pele, músculo platisma e fáscia parotídea, expondo a glândula parótida. Segue com dissecção romba da glândula em sentido paralelo aos ramos do nervo facial, exposição da borda posterior do masséter, incisão da cinta ptérigomassetérica, descolamento subperiosteal e exposição da fratura.4 Complicações pós-operatórias em decorrecência dos acessos retromandibulares podem ocorrer, tais como paralisia facial, cicatrizes hipertróficas e fístulas salivares. Estas últimas são as complicações mais raras com 3,2% dos acometimentos.5 As fístulas salivares causam uma comunicação do sítio cirúrgico com o meio externo, podendo levar à infecção e deiscência da ferida cirúrgica, além do incômodo ao paciente. Sua etiologia pode estar associada ao trauma cirúrgico de dissecção do acesso, ou devido ao envolvimento da glândula parótida durante a sutura da ferida cirúrgica. No entanto, na maioria dos casos está associada a traumas pérfurocortantes que acometem a glândula parótida. As opções de tratamento relatadas na literatura, consistem do uso de microcânulas para orientação de drenagem, utilização de drenos, curativos compressivos e condutas clínicas como o uso de antissialogogos.1 As fístulas salivares podem ocorrer como intercorrência de qualquer acesso transparotídeo, entretanto, poucos são os casos relatados na literatura, de modo que, quando tais complicações ocorrem o profissional deve estar apto a contorná-las. O presente trabalho propõe apresentar um caso de sialocele em decorrência de um acesso retromandibular para tratamento de fratura de côndilo e a conduta terapêutica adotada. Paciente do sexo masculino, feoderma, 27 anos de idade, normossistêmico, usuário de drogas ilícitas, apresentou-se com queixa de dificuldade de mastigação e referiu ter sido vítima de acidente motociclístico há seis dias. Ao exame clínico, visualizou-se má-oclusão, mobilidade e creptação à palpação de ângulo mandibular direito e desvio para o lado esquerdo durante a abertura bucal. O diagnóstico clínico, confirmado pela avaliação radiográfica (Figura 1), foi de fratura bilateral de mandíbula em regiões de ângulo direito e processo condilar esquerdo. (Figura 4) O paciente recebeu alta hospitalar no dia seguinte ao da cirurgia e realizou durante a primeira semana de pós-operatório (PO) antibioticoterapia via oral. REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V11 N2 P. 51 - 58 - Recebido em 01/04/11 - Aprovado em 16/05/11 Relato do caso Figura 1 - Radiografia panorâmica pré-operatória. Após realização de exames de imagem e hematológicos pré-operatórios, o tratamento cirúrgico da fratura foi realizado, sob anestesia geral, através de abordagem intraoral em fundo de sulco vestibular posterior, lado direito, para acesso à fratura do ângulo, e extraoral, acesso retromandibular, para abordagem da fratura condilar baixa, lado esquerdo (Figura 2). Após obtenção da oclusão ideal e sob bloqueio maxilomandibular (BMM), a fixação das fraturas foi realizada com o uso de placas e parafusos do sistema 2.0, com auxílio de trocáter para o lado da fratura de ângulo. (Figura 3) O dente 48, que estava com fratura radicular, também foi removido no ato cirúrgico, o qual se deu sem intercorrências. Foram mantidos elásticos nos parafusos utilizados para o BMM, a fim de guiar a oclusão e para realização de correção do desvio de abertura bucal. Figura 2 - Acessos cirúrgicos e exposição das fraturas. a) acesso intraoral para o ângulo mandibular direito; b) acesso retromandibular para o côndilo mandibular esquerdo. 53 Sialocele após Tratamento Cirúrgico de Fratura de Côndilo Pinto et al. Figura 3 - Fixação das fraturas com placas e parafusos do Sistema 2.0. a) Fixação intraoral com auxílio de trocáter para a placa da base da mandíbula; b) Fixação do côndilo mandibular esquerdo. 54 Figura 4 - Fotografia intraoral do paciente em oclusão. a) Pré-operatório; b) Pós-operatório de 21 dias. No 7º dia de PO, foram removidos os elásticos e a sutura extraoral e o paciente apresentava evolução satisfatória, sem qualquer sinal de infecção ou queixa funcional. A radiografia pós-operatória evidenciava uma excelente redução e fixação das fraturas. No 14º dia de PO, contudo, o paciente compareceu com um aumento de volume flutuante à palpação, em região de ângulo mandibular esquerdo. Apresentava-se afebril e sem queixas álgicas. No momento da drenagem da flutuação, observou-se um líquido viscoso e translúcido, semelhante à saliva (Figura 5A e B). Foi realizado curativo compressivo e o paciente, orientado quanto à dieta, como evitar alimentos cítricos, e retornar após sete dias. No 21º dia de PO, o paciente compareceu apresentando aumento de volume semelhante ao visualizado sete dias atrás. Procedeu-se a uma nova drenagem, com obtenção de líquido similar ao descrito previamente, instalação de dreno de penrose e realização de curativo compressivo (Figura 6C). O paciente foi, então, orientado a realizar troca deste último diariamente e retornar após sete dias. No 28º PO, foi visualizada regressão do aumento de volume, sem drenagem de secreções. Optou-se, assim, pela remoção do dreno e manutenção do curativo compressivo. O paciente foi reavaliado em seu 35º, 49º e 56º dias de PO (Figura 6D) e apresentou-se em todas as reavaliações com evolução satisfatória, sem recidiva do aumento de volume, drenagem de secreções ou sinais de infecção. Discussão As complicações associadas ao acesso retromandibular no tratamento das fraturas de côndilo mandibular, estão bem relatadas na literatura. No estudo de Narayanan et al, em 2009, 31 pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico de 35 fraturas de côndilo mandibular.6 Neste trabalho, os autores encontraram um índice de 20% de complicações relacionadas a este acesso, dentre as quais, mais de 50% foram de fístula salivar. Resultado bastante semelhante foi relatado por Vesnaver et al, em 2005 7, onde encontraram uma incidência de 14% de fístula salivar após tratamento de 36 fraturas de côndilo mandibular, o mesmo percentual encontrado por Downie et al em 2009.8 Outra causa deste achado é a lesão ao ducto parotídeo tendo como fatores etiológicos os traumas por arma branca, arma de fogo e acidentes automobilísticos. Majid, em 2006, acompanhou o tratamento de 16 pacientes com ferimento por arma de fogo na face por um mês e verificou que 10 pacientes apresentaram lesões no ducto da glândula parótida, 20% destes pacientes com trauma em região de parótida apresentaram fistulas e 10% apresentaram sialocele como complicação, no período de acompanhamento pós-operatório.9 Lewis e Knottenbelt avaliaram em um período de 6 meses, 33 pacientes com trauma, após ferimento por armas de fogo e observaram como complicação pós-trauma uma incidência em torno de 52% de fistulas e sialocele. 10 A forma de tratamento de lesões no ducto da glândula parótida é controversa, mas atualmente há um consenso no reparo destas lesões, principalmente devido ao avanço das técnicas e ao alto padrão dos materiais utilizados. O método de tratamento de escolha é baseado na idade do paciente, local e mecanismo da lesão. A literatura relata que os principais métodos de tratamento primário, de reparação do ducto, são a anastomose microcirúrgica, desvio do fluxo salivar através da criação de uma fístula bucal e a supressão da glândula salivar.11 Dependendo do grau de lesão na face, os tratamentos conservadores são os métodos de escolha para o tratamento tardio, dentre os principais estão os curativos oclusivos e o uso de sialogogos.12 Lewkowicz et al relataram a importância do curativo compressivo no tratamento de sialocele póscirúrgica, sucesso também encontrado no caso relatado.13 Epker & Burnet, em 1970, afirmaram que o curativo compressivo deveria ser removido com 24 horas, sendo necessária a realização de uma drenagem e até canalização do ducto, em caso de persistência do acúmulo salivar. No entanto, neste caso o curativo compressivo foi deixado durante 21 REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V11 N2 P. 51 - 58 - Recebido em 01/04/11 - Aprovado em 16/05/11 Figura 5 - Evolução de Sialocele após tratamento de fratura de côndilo mandibular. a) Aspecto pós-operatório do acesso retromandibular do 7º PO; b) Drenagem realizada no 14º PO; c) Instalação de dreno no 21º PO; d) Aspecto pós-operatório do acesso retromandibular no 56º PO. 55 Sialocele após Tratamento Cirúrgico de Fratura de Côndilo Pinto et al. 56 dias, sendo trocado pelo paciente a cada 24h, sendo fundamental no sucesso do tratamento.14 Parekh et al, em 1989, descreveram 51 casos de fístula e sialocele, tratados conservadoramente com o uso de anti-sialogogos e curativos compressivos, e avaliou que em 100% dos casos, o tratamento conservador foi bem sucedido.15 Landau et al também obtiveram sucesso com tratamento conservador em 11 pacientes avaliados, sendo utilizados apenas sialogogos, com resultado semelhante ao caso relatado.16 Neste caso, após drenagem cirúrgica, uso de curativos compressivos e orientação de dieta do paciente, não foi necessário o uso deste tipo de fármaco. Na literatura, há relatos de outras formas de tratamento nestes casos, como por exemplo os métodos reconstrutivos, de controle do fluido salivar através da utilização de catéter e parotidectomia. Ultimamente, também tem sido usada com sucesso a toxina botulínica, para tratamento destas complicações, como nos casos relatados por Capaccio et al. 17 No entanto, os autores deste artigo não têm experiência com estes tipos de condutas terapêuticas. Considerações Finais A sialocele é uma complicação pós-operatória que pode advir do tratamento de fraturas de côndilos mandibulares, principalmente nos casos de abordagem cirúrgica transparotídea através do acesso retromandibular. Embora técnicas cirúrgicas complexas possam ser utilizadas no tratamento da sialocele e da fístula salivar, um tratamento mais conservador, através de drenagem, curativos compressivos e orientação de dieta, como realizado neste caso, pode ser bem sucedido, assim sendo menos oneroso para os serviços de saúde e menos traumático para o paciente. Referências 1. Klatt J, Pohlenz P, Blessmann M, Blake F, Wol- fgang Eichhorn, Schmelzle R, Heiland M. Clinical Follow-Up Examination of Surgically Treated Fractures of the Condylar Process Using the Transparotid Approach. J Oral Maxillofac Surg 2010 Mar;68(3):611-7. 2. Nussbaum ML, Laskin DM, Best AM. Closed versus open reduction of mandibular condylar fractures in adults: a meta-analysis. J Oral Maxillofac Surg. 2008 Jun; 66(6):1087-92. 3. Iwaki Filho L, Pavan AJ, Camarini ET, Tondin GM. Treatment of Mandibular Condylar Fractures: Surgical or Conservative? Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac. 2005 Out; 5(4):17 - 22. 4. 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