resenhas

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PERIUS, Oneide. Esclarecimento e dialética negativa: sobre a negatividade do conceito em Theodor W. Adorno. Passo Fundo: IFIBE, 2008.
Coleção Diá-Logos, 12.
Rosalvo Schütz*
“O verdadeiro é o todo” (Hegel)
“O todo é falso” (Adorno)
O filósofo e integrante do famoso Instituto de Pesquisas Sociais de
Frankfurt, Theodor W. Adorno, é muitas vezes apresentado como sendo um pensador denso, difícil e até mesmo obscuro. Além disto, muitas
vezes tem sido instrumentalizado para a legitimação de modismos ou
mesmo para “emprestar” um ar de atualidade, de profundidade, de inovação ou mesmo de rebeldia a certas ideias de origens e de propósitos
conservadores. Oneide Perius, em seu livro “Esclarecimento e Dialética Negativa: sobre a negatividade do conceito em Theodor W. Adorno”
(resultado de sua pesquisa de mestrado) consegue, de uma forma muito
qualificada e instigante, romper com ambas as barreiras: expõe, de forma
clara e ao mesmo tempo profunda, os principais fundamentos da teoria
desse autor sem, em momento algum, abandonar o seu caráter crítico.
O livro é uma ótima introdução tanto ao pensamento de Adorno
como da Teoria Crítica como um todo, à qual Adorno se filia e da qual foi
um dos principais expoentes. Tanto na área de iniciação científica como
* Professor de filosofia na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
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na pesquisa avançada, este livro é um instrumento de apoio muito fecundo. Sua leitura, no entanto, também é muito instigante para quem simplesmente quer ler um bom livro de filosofia ou para quem busca pensar
algo para além dos especialismos acadêmicos e do conformismo social.
Embora o livro de Oneide exponha as principais vertentes filosóficas e culturais que influenciaram o pensamento de Adorno como um
todo – sem, no entanto, permanecer atrelado à pura história da filosofia
–, o foco do trabalho é a obra tardia Dialética Negativa, que há pouco se
tornou disponível em português aqui no Brasil. Como se sabe, essa obra
foi, de certa forma, resultado da autorreflexão crítica do filósofo frankfurtiano sobre a função, a atualidade e a postura da filosofia a partir das
vivências de sua práxis filosófica. Mesmo retomando e reapresentando
diversas questões já abordadas em sua trajetória filosófica, com essa obra
o pensamento de Adorno certamente passa a ser visto dentro de uma
outra constelação – constelação na qual a famosa Dialética do Esclarecimento, escrita em conjunto com Max Horkheimer, deixa de ser um sol,
embora continue a ser uma importante estrela.
Não bastasse a indiossincracia evidente, à primeira vista, na expressão “dialética negativa” – uma vez que estamos acostumados a pensar
em dialética enquanto um processo progressivo e, portanto, positivo –,
Oneide sugere, já no título do livro, a possibilidade de a dialética negativa
poder contribuir para o esclarecimento ao revelar aspectos pressupostos
mas reprimidos pelo esclarecimento, apontando, assim, desde o início,
para a necessidade de um posicionamento crítico frente a ele. Poderia o
desvendar desses aspectos, ou seja, a identificação da diferença entre a
cresça e realidade, entre as promessas do iluminismo e sua efetividade,
nos levar a uma forma mais qualificada de vida? A uma postura mais precavida contra possíveis instrumentalizações totalitárias do iluminismo?
De fato, esta é a pista deixada pelo filosofo frankfurtiano, perseguida e
exposta de forma astuciosa e instigante pelo autor. Ao “localizar e apresentar o núcleo filosófico da obra adorneana”, simultaneamente é exposta
a unidade crítica fundamental que perpassa toda a obra desse filósofo.
Talvez pudéssemos dizer que esse “núcleo filosófico” da teoria de
Adorno é justamente a busca daquilo que não é filosófico na filosofia,
daquilo que está para além do conceito, o outro, a negatividade. Ou seja,
Adorno quer nos sensibilizar para a importância daquilo que nos leva a
pensar, mas que não é o pensamento em si, para aquilo que não se deixa
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reduzir ao sistema. Afinal, o que é o pensamento e a reflexão filosófica
senão a reação frente a algo que nos espanta, que nos deixa admirados
e que nos instiga a refletir? Se o pensamento não fosse “constantemente
renovado por aquilo que ele não é”, como poderia continuar vivo? Como
poderia libertar-se das suas próprias configurações e formalismos prévios? É o choque com o outro, com o não-idêntico, que nos permite ir
além do previamente dado, que permite outras configurações do pensamento. Quem perde ou deixa que essa capacidade se atrofie tende a
enquadrar a realidade em conceitos prévios, a se fechar para a realidade
e a vida, seu pensamento se torna conservador, por mais que se apresente
como inovador ou revolucionário.
Essa postura, no entanto, não é algo que atinge apenas alguns indivíduos em nossa sociedade. Ela é parte constituinte da própria identidade civilizatória do Ocidente. No Ocidente, há muito, se busca integrar o
outro no próprio pensamento, no próprio sistema, pois tudo precisa ser
reduzido ao mesmo, aos conceitos prévios. Revela-se, assim, uma ânsia
de dominação absoluta. O ápice dessa postura, segundo Adorno, pode
ser encontrado em filosofias como a de Hegel (onde a identidade se torna
o modelo absoluto), que expressa, de forma profunda, a autoconsciência desta cultura. Adorno, portanto, se confronta conscientemente com
o pensamento hegeliano e sua pretensão de totalidade, sabendo estar se
confrontando com a própria civilização ocidental e sua pretensão de dominação absoluta. Esse confronto permite o acesso reflexivo e crítico aos
pressupostos não explícitos de fatos históricos como o totalitarismo nazista ou stalinista, bem como diagnosticar impulsos e pretensões totalitárias
em sistemas sociais, políticos e econômicos contemporâneos. É com essas
condições que Adorno se debate. De certa forma pode-se afirmar que a
incapacidade crítica resultante das filosofias da identidade é diretamente
proporcional à vulnerabilidade frente às várias formas de totalitarismo.
Refletindo questões em torno da matéria, da alteridade e do dionisíaco, fica evidente que esse projeto de domínio absoluto felizmente não
se realizou, uma vez que o não-idêntico persiste. Como consequência,
Adorno busca fundamentar uma filosofia capaz de levar a sério o não-idêntico. Como seria possível uma tal filosofia? Como “dar-se conta do
caráter constitutivo do não-conceitual para o conceito” através do próprio conceito? Isto não significa a negação do próprio pensamento e da
filosofia? Na exposição de Oneide fica evidente que Adorno propõe deFilosofazer. Passo Fundo, n. 35, jul./dez. 2009.
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senvolver uma postura capaz de romper o “fetiche do conceito”, ou seja,
de romper com um pensamento que pretende prescindir do que lhe é
constitutivo. O que leva inevitavelmente à busca daquilo que é constitutivo da racionalidade – e, de modo específico, da ratio burguesa – embora
seja pré-racional. Uma tal filosofia permanece no campo da atividade
conceitual, e permanece porque “somente a filosofia pode e deve empreender o esforço de superar o conceito por meio do conceito”. Permanece
com caráter sistemático, sem que, no entanto, se mantenha a vontade de
sistema.
Oneide nos convida a pensar em consonância com Adorno e em
oposição à racionalidade estreita da ratio burguesa, que tende a reduzir
tudo a leis ou a objetos, roubando a vida destes – racionalidade essa que
anula todas as particularidades qualitativas em favor de generalidades
quantitativas: algo conivente com a redução de todas os valores de uso a
valores de troca; que pretende afirmar a equivalência entre pensar e ser,
no intuito da justificação correspondente de uma totalidade social falsa
– daí a “impossibilidade de continuar pensando a filosofia como um sistema”. Para tanto, a obra aqui em questão nos instiga a pensar, apoiados
em Adorno –, mas também em seus predecessores, os mestres da suspeita (Marx, Nietsche e Freud) e em confronto constante com Hegel –, a
importância da valorização do particular, do insubmisso ao pensamento.
Dessa forma somos convidados a buscar superar a primazia do “impulso
organizador do pensamento” em favor de um pensamento capaz de levar
a sério a primazia do objeto, ou seja, de não reduzir o ser ao pensamento.
Estaríamos, dessa forma, desafiados a conceber uma forma de conhecimento que aponte “[...] para aquela dimensão fundamental do pensar
que é a aproximação não-violenta, quase lúdica, do objeto. Um conhecimento que consiga compreender o objeto sem prendê-lo e oprimi-lo de
forma violenta” (ONEIDE, 2008, p. 38) e, ao mesmo tempo, recupere a
experiência filosófica básica do thaumazein, ou seja, da capacidade de se
deixar afetar pelo mundo, de demorar-se no objeto, sem para isso precisar anular o eu.
Certa vez Adorno afirmou que “quem pensa não é raivoso”. Pensar
de forma perspicaz, produtiva e, ao mesmo tempo, não rancorosa e clara,
é profundamente compatível com pensamento crítico: o livro aqui em
questão é prova disto.
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