Herbert de Souza A CURA DA AIDS Richard Parker (org.) Relume Dumará © Copyright 1994, Herbert de Souza e Richard Parker Direitos cedidos para esta edição à DUMARÁ DISTRIBUIDORA DE PUBLICAÇÕES LTDA Rua Barata Ribeiro, 17 sala 202 22011-00 – Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 542-0248 Fax: (21) 275-0294 Revisão Márcia Borges Richard Parker Editoração Carlos Alberto Herszterg Versão para o inglês Outras Palavras Capa Victor Burton Foto Sérgio Zalis Com o apoio da Misereor, Alemanha. CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. __________________________________________________ Souza, Herbert José de S715c A cura da AIDS / Herbert de Souza; Richard Parker (org.); versão para o inglês, Outras Palavras - Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. Edição bilíngüe, português-inglês ISBN 85-85427 – 72-8 1. AIDS (Doença) – Aspectos sociais. 2. AIDS (Doença) – Aspectos políticos. 3.Brasil – Condições sociais. 4. Política Social – Brasil. I. Parker, Parker. II. Título. CDD – 616.97 CDU – 616.988 94-0550 Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violação da lei 5.988. 1 Sumário Prefácio Richard Parker 3 1 – Direitos Humanos e AIDS 5 2 – Carta contra o Preconceito 10 3 – AIDS e Pobreza 13 4 – Confesso que Estou Vivo 15 5 – A AIDS não é Mortal 18 6 – O Dia da Cura 21 2 Prefácio Richard Parker Para o povo brasileiro, o Herbert de Souza não precisa de nenhuma apresentação. É conhecido de Norte a Sul do país, simplesmente como Betinho. Educado por padres dominicanos e ativista católico progressista quando adolescente. Líder do movimento estudantil durante o início da década de 60. Cassado pela ditadura militar que instalou-se no Brasil em 1964. Uma existência clandestina em São Paulo, adotando pseudônimo com documentos falsos durante cinco anos. Exílio no Chile, Canadá e México durante os piores anos da ditadura. Retoma em 1979, com a anistia aos exilados políticos e a abertura da sociedade e da política brasileiras. Fundador e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), uma das mais importantes organizações nãogovernamentais do país, que vem atuando no processo de redemocratização da sociedade brasileira desde os anos 80. Em 1986, Betinho foi a primeira pessoa pública do Brasil a declarar-se soropositivo para o HIV. Fundador e presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), uma das primeiras e mais influentes instituições do país, organizada para a defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS e para a mobilização da sociedade brasileira na luta contra a epidemia. Articulador-chave do Movimento pela Ética na Política, que conseguiu, em 1992, o "impeachment" do presidente brasileiro por corrupção política. Desde 1993, ele é coordenador do movimento nacional pela Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida - a campanha contra a fome -, que destacou-se como uma das forças sociais mais poderosas na sociedade brasileira contemporânea. Em 1994, foi indicado pelo Presidente da República como candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Hemofílico. Quarenta e cinco quilos. Vivendo com HIV/AIDS por mais de uma década. Perspicácia sarcástica. Olhos azuis. Convicto de que idéias podem mudar o mundo. Simplesmente, Betinho. Como a maioria dos fatos da sua biografia, os ensaios do Betinho falam por si mesmos. Em algumas poucas palavras, eles superam os temas secundários, atingindo o ponto crucial da questão. Em geral, enfocam alguns temas básicos. Respeito pela diferença. Direitos Humanos. Cidadania. Democracia. Solidariedade. Vida. São os mesmos temas que direcionam todo o seu trabalho, seja qual for o assunto em questão. Os ensaios aqui reunidos referem-se às questões específicas relacionadas ao HIV e à AIDS. Vivendo com AIDS. Confrontando estigma e discriminação. Lutando contra a opressão e o preconceito. Pelo acesso à assistência e ao tratamento. A violência das políticas públicas baseadas no medo da morte ao invés de no respeito pela vida. A 3 necessidade de repensar radicalmente as nossas premissas básicas e, por esse processo, "inventar", literalmente, a cura da AIDS. Reunindo estes textos (originalmente publicados separadamente, ao longo de vários anos) em um único volume, esperamos que isto torne possível distinguir, de forma mais clara, os esboços daquilo que representa simultaneamente uma filosofia e uma política da AIDS. Na verdade, esperamos que se torne visível que filosofia e política estão estreitamente ligadas - que uma não pode existir sem a outra. Assim como não há nenhuma resposta adequada ao HIV/AIDS sem engajamento político, tal engajamento é impossível sem simultaneamente conceituar a base epistemológica para agir no mundo. Sem uma base política e conceitual, soluções tecnocráticas para a epidemia falharam em todos os sentidos - e em todos os lugares onde foram experimentadas. Enquanto os tecnocratas "administram" a epidemia, não oferecem nenhuma esperança de derrotá-la. Nem mesmo a ciência nada oferece se não estiver baseada na reflexão crítica e no comprometimento político. Contra esta postura, Betinho oferece a única alternativa possível - o que, segundo Rorty, poderíamos descrever como uma epistemologia de solidariedade. A convicção de que as nossas possibilidades de conhecimento dependem da nossa capacidade subjetiva de entender a dor e o sofrimento dos outros como se fosse a nossa própria dor e sofrimento. A convicção de que é possível imaginar o futuro e fazê-lo tornar-se realidade. A convicção de que a AIDS, como tudo na vida, é um assunto político, e que uma política da AIDS tem que ser construída em base à esperança e à coragem. A convicção absoluta de que a AIDS tem cura. 4 1 Direitos Humanos e AIDS Meu tema é direitos humanos e doenças epidêmicas, e eu vou tratar da questão da AIDS. Estou convencido de que a AIDS é uma doença revolucionária. Ela recoloca de forma radical para a nossa sociedade, tanto brasileira quanto internacional, uma série de problemas vitais que durante muito tempo tentamos ignorar. Nossa cultura foi se afastando do real e tenta ignorá-lo, ao invés de desafiá-lo. A medicina moderna foi criando uma idéia de onipotência e nos dizia, de forma indireta, que todas as doenças eram curáveis e que finalmente a morte não podia existir. A cultura ocidental moderna não só passou a ignorar a morte como a tentar negá-la sob todas as formas e com todos os artifícios. Poucas são as pessoas que enfrentam a morte como seu cotidiano, como algo natural. Na nossa cultura, a morte não existe. E a medicina se imbuiu da idéia, transmitida através da tecnologia e do avanço científico, de que nós estávamos a pique de superar a morte. Dentro dessa visão, todas as doenças são tratáveis, todas as enfermidades são curáveis. Num determinado momento, a ciência moderna começou até mesmo a pensar que a eternidade estava ao alcance da humanidade. Estávamos já tratando o câncer como a última doença mortal. De alguma maneira, havia no horizonte de cada um de nós a seguinte expectativa: o dia em que descobrirem a cura do câncer marcará o fim das doenças mortais. Acabando as doenças mortais, acabou-se a morte. E eis que surge um vírus, o HIV, que se esconde no sistema imunitário, nas células que definem, articulam, constroem o sistema imunitário. E ao se instalar nesse sistema o desarma, fazendo com que a pessoa passe a ser absolutamente vulnerável a qualquer ataque externo. E está produzido o pânico do século XX. Um sistema imunitário desarmado é a doença mais espetacular produzida ao longo da história da humanidade. A AIDS se apresenta como absolutamente mortal e epidêmica. No Brasil, hoje, a cada dez meses, dobram os casos de AIDS. Tomando como base três mil casos registrados no Brasil - subnotificados, obviamente, porque devemos ter cinco ou seis mil casos -, façamos esse exercício: dobremos a cada dez meses; em seis anos chegaremos à casa dos milhões, não de pessoas contaminadas, mas de pessoas com manifestação de AIDS. Então essa dimensão epidêmica, que existe Palestra proferida em 22 de outubro de 1987, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 5 em nível de Brasil e em nível mundial, como que produz uma consciência de pânico. A humanidade, se não encontrar nos próximos seis ou sete anos a cura ou a vacina, pode estar condenada a um processo de extermínio por este vírus. Segundo pesquisas, alguns países da África já estão nesse quadro, pois 20% a 30% da população apresentam manifestação de AIDS ou se encontram contaminada pelo vírus. Esse vírus, sob todos os aspectos, apareceu de forma espetacular, mortal, com manifestação rápida, fulminante, sem cura. E, até o presente momento, sem nenhum meio de ataque direto que possa destruí-lo. Ele se transmite através da relação sexual. A relação sexual, queiramos ou não, é vital para a humanidade e é universal, e na nossa cultura está marcada por todo tipo de preconceito, culpabilidade, pecado, danação, inferno. Ele veio relacionado também ao sangue, que é outro elemento universal na cultura da humanidade; o sangue está na nossa cultura sob mil formas, há pessoas que entram em pânico quando o vêem, embora seja parte constitutiva da nossa realidade. E o vírus se transmite, fundamentalmente, pelo sangue. Mesmo quando segue através do esperma, é porque o esperma contaminado entra na corrente sanguínea. Então, este é o vírus que adora o sangue, mata-nos através do sangue. Mas a AIDS vem também marcada por várias outras questões: o racismo, por exemplo. Quando o vírus foi descoberto, logo se buscou o culpado, e o culpado era o negro africano, a AIDS teria vindo do Haiti. Depois se descobriu que mais americanos iam ao Haiti que haitianos aos EUA, logo se abandonou em parte essa idéia. Nela, o culpado era a África, os africanos teriam sido contaminados, através de suas relações com o macaco, passando esse vírus para o resto da humanidade. O racismo ensaiou seus passos na questão da AIDS, resistiu por uns três anos, e só recentemente, com o fracasso de todas as teorias que tentaram explicar a AIDS como resultado dos "seres inferiores africanos", essa tese caiu por terra. Racismo, sexo, sangue. Mas esse vírus também vinha associado a uma coisa já lembrada, e muito brutal para a nossa cultura enfrentar: a morte. Nossa cultura não admite a morte. A AIDS vinha dizer assim: "Convençam-se de que todos são mortais." E uma nova doença voltou a revelar para o século XX que a morte é absolutamente inevitável. Bastavam esses quatro elementos para definir a AIDS como extremamente revolucionária e explosiva. Se comparamos o número de suas vítimas e o pânico existente em torno dela, não há a menor proporção. Mas eu penso, estou convencido, de que existe uma razão objetiva e subjetiva para esse pânico. É que de fato estamos diante de uma epidemia mundial, que só será vencida pelo desenvolvimento científico, pela mudança de comportamento de alguns setores da população e pela intervenção da sociedade e do Estado, de forma radical e enérgica, no controle do sangue em nível mundial. Mas eu queria ainda fazer referência a algo que a AIDS desvelou no mundo contemporâneo: a questão dos preconceitos que essa sociedade guarda em relação às pessoas. Eu, quando decidi falar aberta e publicamente que estava contaminado pelo vírus da AIDS, 6 sabia que podia dizer isso como hemofílico, que fui contaminado através de transfusões de sangue, mas eu já havia presenciado a morte e a tragédia de várias outras pessoas, que morreram de AIDS, que tiveram que morrer clandestinamente porque eram homossexuais ou drogados. E esses homossexuais e drogados haviam incorporado a culpabilidade, a discriminação da sociedade em relação a eles, e assumido isso de tal maneira, que preferiam a morte anônima a lutar pelos seus direitos. Uma vez fui procurado por uma jovem que me disse o seguinte: "Meu irmão é funcionário de uma empresa estatal, ele tem AIDS e não consegue se tratar em nenhum hospital: meu pai e eu é que temos que cuidar dele, os hospitais se recusam, e a empresa não dá a menor assistência". Então, falei: "Se você quiser, nesse exato momento, vamos chamar a televisão, as rádios, os jornalistas e fazer essa denúncia". Ela respondeu: "Mas isso pode prejudicar meu irmão". E eu: "Minha amiga, você não disse que seu irmão está em estado terminal, morrendo?" "É". "E o que mais ele pode perder? Ele não vai morrer?" Ela disse: "É, ele vai morrer, mas eu tenho que pensar". Logo falei: "Bom, você pense e me diga: no momento que você quiser, vamos denunciar essa empresa estatal que está discriminando uma pessoa humana, doente, por abuso e discriminação". Vinte dias depois, fui chamado pela mesma pessoa, que me disse: "Eu queria te agradecer porque fui conversar com a direção da empresa, exigi tratamento, disse que denunciaria essa discriminação, e hoje meu irmão está morrendo com conforto, num hospital, com apartamento, com ar refrigerado, com tudo que ele tem direito". Essa pessoa se sentia feliz porque seu irmão estava morrendo em paz. Conhecendo esse e vários outros casos, percebi que a AIDS estava revelando, de forma trágica, o modo como a nossa sociedade discrimina as pessoas, discrimina o homossexual, discrimina a relação sexual, discrimina a privacidade das pessoas, o direito de existir da forma como a sua consciência julga necessário, ou de acordo com seus sentimentos ou com a sua vontade. E que ainda descarrega sua discriminação sobre a cabeça e as consciências dessas pessoas. E o mais trágico é que muitas delas internalizam essa discriminação e morrem na clandestinidade, sem lutar pelos seus direitos mais elementares, como, por exemplo, o direito de morrer em paz. Se não o de viver, mas o de morrer em paz. Essa talvez tenha sido uma das experiências mais difíceis para mim. Eu presenciava o fato em homossexuais, drogados, ou o que fosse, e estava diante de pessoas, não diante de objetos da minha condenação moral. Ao mesmo tempo, meus dois irmãos manifestavam a doença. E estávamos enfrentando esse problema ainda como clandestinos. Foi então que decidi sair da clandestinidade. Já havia vivido assim durante cinco anos, clandestino na ditadura militar; para mim era o suficiente. É inadmissível que alguém sofra por um vírus, uma doença, uma enfermidade, e que, além disso, além de ter de enfrentar a morte, ainda precise se 7 esconder da sociedade e dos seus irmãos e irmãs. E a experiência que vivi ao dizer que era hemofílico e estava contaminado por AIDS, e que meus irmãos também estavam, e é uma experiência extremamente positiva. Para mim e pelo menos para mais um, porque o outro irmão provavelmente não tem condições de perceber o que está acontecendo com ele. Ao romper a clandestinidade, ao denunciar a discriminação, recebi muita solidariedade. Solidariedade de amigos recentes, amigos de muito tempo, mas também de pessoas completamente desconhecidas, que nunca me viram, que nunca souberam nada a meu respeito, que me encontram na rua e demonstram apoio e afeto. Então, descobri também isso, que quando a gente aposta na dimensão negativa, a gente colhe a dimensão negativa. O pessimista sempre colhe a desgraça. Agora, quando se aposta na dimensão positiva, na solidariedade, também se colhe a dimensão positiva. Acho que é uma coisa perigosíssima admitirmos, em princípio, que as pessoas são ruins, que são más, egoístas e covardes. Acho que devemos partir do princípio oposto, e apostar nisso. E tomar o resto como exceção e não como regra. Há um caso ilustrativo. Meu filho de 5 anos e meio brincava sempre com duas crianças e, quando eu saí na televisão, no jornal ou no rádio, os dois amiguinhos desapareceram de nossa casa. Minha esposa pressentiu algum problema. A primeira reação nossa foi de profunda tristeza. Discriminar a mim que tenho 52 anos não me incomoda muito, mas discriminar uma criança de 5 anos e meio é triste. Triste e inadmissível. Decidimos chamar a família, o pai e mãe das duas crianças, e eles vieram. Sentamos e dissemos: "Olha, nós sabemos que vocês devem estar preocupados com os filhos de vocês: é justo; todo pai e toda mãe se preocupam com os filhos, com a saúde deles, mas queremos dizer a vocês algumas coisas". Então demos, durante uma hora, mais ou menos, um curso prático sobre hemofilia, transfusão de sangue, contaminação genética. Falamos que nosso filho não é hemofílico, portanto não toma transfusão de sangue, portanto não está contaminado. Depois, mais meia hora sobre AIDS, as formas de contaminação, as formas de transmissão, como se transmite, como não se transmite. E os dois escutavam muito atentamente e, depois dessa conversa, já estavam querendo saber sobre outras coisas, sobre onde tínhamos estado no exílio, curiosos sobre outras dimensões da nossa vida. Após duas horas de conversa, toda a questão estava resolvida. No outro dia, cedo, as duas crianças amigas já estavam lá em casa, brincando com o nosso filho. E continuam brincando até hoje. Esse exemplo só nos mostrou o seguinte: a passividade, o pessimismo, a entrega ao que existe de pior, só reproduz o pior. Se não tivéssemos conversado com aquela família, provavelmente as crianças não estariam brincando com nosso filho. Mas, depois da conversa, da informação, da abertura, da confiança na capacidade deles de entender a questão e enfrentá-la, a situação mudou. Não quero dizer que todos vão ter condições de viver e de proceder como nós. A situação para os homossexuais é muito difícil, mas é possível fazer alguma coisa. 8 Partindo da experiência pessoal, quero dizer o seguinte: a AIDS está produzindo um verdadeiro strip-tease da nossa sociedade, dos nossos valores, da nossa cultura, assim como do sistema de saúde em nosso país. Aqui, o sistema de saúde não existe para a prevenção. É um sistema da cura, da morte e do comércio. Desde há muito deficiente, foi destruído ao longo desses vinte e tantos anos de ditadura. Na verdade, nunca tivemos uma política séria de saúde pública, que estivesse voltada para interesses da população. Eu já disse que a AIDS era a ponta de um iceberg, porque é a ponta mais dramática, mais visível. Mas logo a seguir vem uma série de doenças endêmicas que poderiam ter sido absolutamente eliminadas do país, com pouco investimento e pouco recurso, e que até hoje não o foram, para vergonha nossa. O Brasil é um país tuberculoso, um país com doença de Chagas, com lepra, com esquistossomose e uma série de outras enfermidades que atingem a milhões de pessoas, sem contar aquelas que morrem sem estar doentes, porque morrem de fome. É o caso da mortalidade infantil no Nordeste e também (por que não?) nas periferias das nossas capitais. Há, porém, a consciência política de que não temos um sistema de saúde: mas, de doença e comércio - exatamente esse comércio que produziu a calamidade do sangue, transformando-o em mercadoria e hoje transmitindo a morte, através da transfusão, pela AIDS, hepatite B e várias outras doenças. Essa situação tem muito mais a ver com política e cidadania e direitos humanos do que com qualquer outra coisa. Nessa luta relacionada à AIDS tive uma revelação fantástica: descobri que o principal problema de saúde do Brasil era o ministro da Saúde. Ele, um ministro da Saúde de um país que ocupa o 2° lugar no mundo em casos absolutos de AIDS, nunca entendeu o que é uma epidemia, tendo tido a coragem de dizer que não importava AZT porque o Brasil tinha que fazer pesquisa científica para comprovar sua eficiência e proteger o consumidor. Isso quando sabemos que esse mesmo ministro permite a importação e o uso, aqui no Brasil, de drogas condenadas no mundo inteiro. Outro exemplo de como a gente enfrenta obstáculos onde não deveria haver, foi quando o diretor da Cacex, perguntado pelo jornalista se iria ou não importar AZT, saiu-se com esta jóia: "AZT é coisa de bicha rica". Pois bem, depois dessa ele continuou em seu cargo, porque uma das coisas que se perdeu nesse país foi algo elementar, que se chama sentido de dignidade. Mas gostaria de terminar, dizendo o seguinte: creio que podemos transformar a tragédia da AIDS, da enfermidade e da doença num desafio, numa oportunidade, numa possibilidade de recuperar na nossa sociedade, em nós mesmos, em cada um de nós e em todos nós, o sentido da vida e da dignidade. E, com esse sentido da vida e da dignidade, seremos capazes de lutar pela construção de uma sociedade democrática, de uma sociedade justa e fraterna. 9 2 Carta contra o Preconceito Na sexta-feira dia 08/02/92, às 23 horas, decola do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, o Vôo da Solidariedade. A bordo do avião, cerca de 100 intelectuais vão levar seu apoio ao povo cubano. Uma das poltronas poderia estar ocupado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, um dos que apóiam o vôo. Mas não está. No lugar do presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), vai uma carta assinada por ele. Um protesto contra a política segregacionista do governo cubano em relação aos doentes da AIDS. Presidente Fidel Castro, Sou do tempo da Revolução Cubana. Defendi e defendo o direito do povo cubano fazer sua revolução e decidir o seu próprio destino sem interferência de inimigos ou amigos. Defendo para Cuba o que defendo para mim e para o meu próprio povo: liberdade, igualdade, participação, respeito, diversidade e solidariedade. Feita essa introdução, desejo apresentar uma questão e fazer um apelo. A questão é a AIDS. Sou hemofílico de nascimento e soropositivo há quase 10 anos. Sou também presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS desde 1986 e desenvolvo em meu país uma luta constante contra as políticas públicas do governo federal em relação à AIDS. A AIDS, desde o começo, foi apresentada como uma doença incurável e fatal, sem esperança e sem destino a não ser a morte. Essa posição não é correta, não tem base científica e é politicamente equivocada: a AIDS ainda não tem cura, mas poderá ter. A cura da AIDS está a caminho. A França, por exemplo, já se propõe a rever a própria definição da AIDS (SIDA) para doença degenerativa crônica. Essa visão fatalista e anticientífica da AIDS foi responsável pela disseminação de condutas discriminatórias, desumanas e terroristas em relação às vítimas da doença. Muita gente tomou carona na tragédia para expressar todos os seus Originalmente publicado no Jornal do Brasil, em 10/02/92. 10 preconceitos e culpar as vítimas e suas condutas, ao invés de atacar a causa real da doença: o vírus. Conhecendo a tradição humanista e revolucionária de Cuba, sabendo dos avanços de sua medicina, eu esperava que também Cuba se transformasse num exemplo mundial de como enfrentar a AIDS. O que li no Gramma e soube por pessoas que visitaram Cuba, no entanto, constitui para mim um choque: soube que os soropositivos são submetidos a um processo de controle por agentes sanitários, que se caracteriza por uma espécie de vigilância à curta distância para impedir que a pessoa contaminada contamine outras pessoas. Como sabemos que a transmissão do vírus se dá basicamente por via sexual, estaríamos diante do controle da vida sexual dos soropositivos por processos de vigilância que tenho dificuldades de imaginar como seriam feitos, além de discordar frontalmente de tal tipo de controle. Soube, também, que os doentes são levados aos hospitais e internados como doentes de AIDS, separados de suas famílias, do trabalho, de suas atividades. Para ser franco e direto: os doentes são segregados da sociedade pelo Estado e se transformam em presos políticos da epidemia. Digo políticos, porque não existe nenhuma razão científica, médica, ou de simples bom senso, para se prender doentes de AIDS a fim de prevenir a propagação da epidemia e proteger a saúde pública. Um doente de AIDS é, na verdade, aquele que menos oferece risco de contaminação, porque ele já sabe que pode transmitir, sabe como não transmitir, e, a não ser em casos patológicos, não quer transmitir sua doença a ninguém, muito menos a seus familiares e amigos. Os doentes de AIDS hoje podem passar a maior parte de seu tempo em suas próprias casas ou desenvolvendo atividades úteis, ao invés de se verem presos, segregados, discriminados como seres destinados a esperar a morte no leito da proteção pública. Sou capaz de imaginar uma sociedade, a cubana, onde os soropositivos e os doentes de AIDS recebam uma atenção e um carinho especiais de todos e de cada, onde não se sintam discriminados, nem isolados, nem identificados como o perigo mortal para a saúde pública da Nação. Onde os soropositivos trabalhem normalmente e onde os doentes possam também trabalhar, viver, conviver e se confrontar com a morte em meio à solidariedade que se traduz em convívio e não em segregação. Não falo como leigo. Falo como soropositivo que trabalha agora mais do que nunca e que jamais aceitaria ter um agente de saúde seguindo meus passos para verificar se sou um perverso propagador da epidemia. Falo como um soropositivo que vive com a mulher e filho e que preferiria morrer a ser isolado no melhor hospital público quando os primeiros sinais da doença se instalassem, para esperar a morte incerta e imprevista, o que hoje pode levar até quatro anos para se realizar. Quero também ter o direito de decidir sobre a forma, modo e o tempo da minha morte. A doença não pode ser um pretexto para que se retire de mim o direito à cidadania. Acredito firmemente que essas idéias deveriam ser muito mais 11 desenvolvidas e possíveis em um país como Cuba e não no meu próprio, onde os pacientes de AIDS, na maioria das vezes, morrem sem as menores condições de assistência e ainda sofrem os efeitos da propaganda oficial, que prima pelo terrorismo. Por tudo isso, quando surgiu a proposta dessa viagem a Cuba, a que apoio, senti que eu tinha em relação a ela um caráter político e pessoal: como seria tratado em Cuba? Como os milhares de turistas que entram em Cuba sem apresentar os testes de HIV e que, sem saber, por Isso mesmo podem se constituir num risco para a saúde pública do país? Eu só poderia entrar em Cuba como um soropositivo publicamente conhecido no Brasil e teria que apresentar meus pontos de vista e principalmente meu apelo: Se ainda existe vigilância organizada sobre os soropositivos, transformem essa relação em programas de educação e confiem na responsabilidade cívica, humana dos cubanos. Se ainda existe segregação dos doentes em hospitais - com a separação de suas famílias que tudo isso acabe porque é desumano, é inútil, é inaceitável. Que essa viagem de solidariedade produza muitos frutos. Quero enviar junto a esta carta um grande e fraterno abraço para todo o povo cubano, um povo que aprendi a amar e admirar de longe e de perto, quando em 1968 estive representando o Brasil na OLAS (Organização Latino-Americana de Saúde). Agora que o presidente já tem quase o direito de se considerar eterno, gostaria de terminar com uma frase que vai começar uma nova postura nossa diante da AIDS: a AIDS não é mortal, mortais somos todos nós. A AIDS terá cura, e o seu remédio hoje é a solidariedade. Abraços e saudades, Herbert de Souza Presidente da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS) 12 3 AIDS e Pobreza A AIDS, quando começou, parecia ser uma doença de Primeiro Mundo e de gente rica. Talvez, graças a isso, tenha despertado tanto investimento em pesquisa (apesar de insuficiente) e tanto interesse na mídia. Com o tempo, verificou-se que a AIDS era uma epidemia mundial, que se deslocava do Primeiro para o Terceiro Mundo, constituindo-se numa verdadeira tragédia em vários países da África e que cada região apresentava a cara social de seu país. Tornou-se mundial e ligada principalmente a pobreza. Mas o tratamento da AIDS em qualquer país exige muita atenção médica, e é caro. É caro tomar AZT, são caros os remédios para prevenir ou combater as infecções, é caro internar um doente com AIDS. Enfim, a AIDS é muito cara, e não prevenir a doença fica mais caro ainda. No Brasil não é diferente. A maioria das pessoas infectadas com o vírus, ou doentes, são pobres e não conseguem recursos públicos ou particulares para ter o atendimento de que necessitam, nem para a prevenção nem para o tratamento. Diria, mesmo, que a maioria dos pobres com AIDS morre sem saber do que morre. Em algumas poucas clínicas particulares, estão os doentes ricos, pagando um custo que desafia qualquer patrimônio familiar. Em alguns hospitais públicos, estão os pobres, onde, além do atendimento médico solidário e humano, carecem de meios para comprar o que a ciência moderna já colocou à disposição de todos em termos de diagnósticos sofisticados e remédios eficientes. Em relação à AIDS, como em relação a várias outras coisas, o apartheid social se manifesta. Quem é rico se trata e tem uma qualidade de vida muito melhor. Quem é pobre sofre e morre sem condições mínimas de atendimento. Essa diferença se manifesta concretamente em qualidade e tempo de vida. Quando a AIDS surgiu, nos anos 80, pouco se sabia sobre as diferenças entre contaminado e doente - morriam em muito pouco tempo. Era questão de um ano entre a notícia e a morte. Com o surgimento das primeiras drogas que Originalmente publicado no jornal Estado de São Paulo, em 05/01/93. 13 controlavam o desenvolvimento do vírus e o acúmulo do conhecimento clínico que acelerava o diagnóstico e tratamento das infecções oportunistas, o tempo de vida foi aumentando de forma muito significativa. Hoje se sabe que uma pessoa pode ficar contaminada sem manifestar a doença por muito tempo, entre 10 a 15 anos, e que alguns podem viver sem que a doença se manifeste. Estar com o vírus não é mais sinônimo de ficar doente. Hoje se sabe que uma pessoa doente que recebe todos os tratamentos e cuidados necessários pode sobreviver com a doença por muitos ou vários anos, três a quatro vezes mais do que se vivia antes. Tudo isso significa que viver, ou morrer, em grande medida, depende do tratamento já existente. Quem se trata sobrevive. Quem não se trata morre. A vida cobra a conta. A morte iguala. Quem tem recursos pode apostar na cura que virá. Pode ter a alegria de viver a cura de uma epidemia que assustou e ainda assusta o mundo. Quem não tem recursos vai saber que seu tempo é do tamanho de sua conta bancária e que, no Brasil, viver ou morrer é em grande medida uma questão social, já que, no caso da AIDS, ser rico ou pobre significa viver mais, ou menos, tempo. Para uma pessoa doente e pobre, estar com AIDS é um drama duplo: o de ser pobre e o de sofrer as conseqüências de uma epidemia que ainda está em processo de controle e a caminho da cura, e, principalmente, o de saber que seu tempo de vida vai ser tão roubado quanto seu salário, suas esperanças, sua qualidade de vida, sua cidadania. Nesse quadro é triste ver como o poder público, em nível federal, estadual e municipal, em geral e com apenas raras exceções, está totalmente indiferente a essa tragédia. De costas para a epidemia, ignora o imenso sofrimento dos pobres e espera que a morte ocupe o lugar da vida, negando as possibilidades de tratamento, que só existem para uns poucos. É triste saber que, até em relação à AIDS, o apartheid social existe e que aqui, entre nós, existe uma Beláfrica. 14 4 Confesso que Estou Vivo Assim como todo brasileiro, vejo televisão. Depois de um dia de trabalho intenso, cheguei em casa e liguei a TV para ver os noticiários, quando fui pego de surpresa. Aparecia na tela um jovem que dizia ter sido tuberculoso mas que estava curado. Respirei aliviado. Uma jovem dizia que tinha câncer e que se curou. Fiquei mais animado ainda com o progresso da medicina. Logo entra um jovem, olha para mim e diz: "Eu tenho AIDS e não tenho cura!" Depois li nos jornais que a segunda etapa dessa campanha veiculada pela TV iria começar. No carnaval ia aparecer a máscara negra - o negro da morte e do racismo - para continuar o didático processo de assustar a população, uma espécie de terrorismo pedagógico com seqüestro da esperança. Fiquei parado por um tempo, pensando, com amarga sensação de que alguém me estava puxando para baixo, para a idéia da morte, para o fundo do poço. Custava a crer que fosse uma propaganda promovida pelo Ministério da Saúde, mas era. Lembrei-me de que a AIDS havia aparecido em 1981, ligada à idéia da morte, doença fatal, vírus invencível, morte com data marcada. Estar com AIDS era estar marcado para morrer muito mais e mais rápido do que qualquer mortal. Os primeiros doentes de AIDS percorreram em pouco tempo esse caminho do sofrimento terrível, da discriminação e da morte. Acompanhei e presenciei a morte de meus dois irmãos hemofílicos, Henfil e Francisco Mario. Na morte de Henfil, Francisco, sabendo que iria morrer, não resistiu à tentação de prever a minha morte. Generosamente me deu três anos! Com o tempo muita coisa foi mudando. O vírus foi perdendo sua invencibilidade e seu caráter de absoluta excepcionalidade. Veio o AZT, que não cura, mas controla em muitos casos o desenvolvimento da doença. Vieram várias outras drogas que estão sendo testadas e administradas, como o DDI e vários outros. Vieram os tratamentos preventivos nos soropositivos e nos doentes, como o uso da pentamidine para combater a pneumonia mais comum entre os doentes de AIDS (Pneumocistis carini). Os prazos de manifestação da doença foram se alargando para 7, 10 ou 15 anos. Os prazos de sobrevivência dos doentes romperam a barreira do ano e meio. A vacina deixou de ser uma pura hipótese e está sendo Originalmente publicado no Jornal do Brasil, em 10/02/91. 15 testada. Enfim, a AIDS foi e está sendo enfrentada como uma doença que ainda não tem cura, mas que já pode ser em grande medida controlada, e que num prazo ainda não determinado poderá ser curada ou definitivamente controlada, como já ocorreu com tantas outras doenças incuráveis da história. Lembro-me de que sou um incurável hemofílico, fui um incurável tuberculoso aos 15 anos e um incurável maoísta nos anos 70. Hoje me sinto curado de todas essas doenças. Depois de me preparar para morrer em dois anos - fiz também meus cálculos - e de verificar que já se passaram quase três anos de minha morte anunciada, cheguei à conclusão de que o melhor que faço é me preparar mesmo para continuar vivendo. Tenho ainda e gozo de boa saúde e grande disposição para o trabalho, principalmente político, como: lutar pela democratização do país, contra os pacotes econômicos, participar de campanhas de saúde, particularmente AIDS, recuperação do Rio de Janeiro, defesa dos direitos humanos, proteção ao meio ambiente, reforma agrária, entre outras questões. Nesse período de preparação para a morte, cheguei mesmo a propor a meu xará Herbert Daniel a compra comum de uma sepultura no Cemitério São João Batista, dado o alto preço desse bem essencial e a economia que faríamos, colocando na mesma tumba um nome e dois sobrenomes. Herbert Daniel chegou a facilitar a minha proposta, dizendo que ele queria ser cremado, o que obviamente me daria muito mais espaço pelo mesmo preço. Hoje me vejo em situação embaraçosa para mim e para meus amigos. Minha morte não ocorreu. Tive de assistir desolado à morte de vários amigos que se foram antes de mim. Minha saúde continua boa, apesar de todas as campanhas do Ministério da Saúde e de todos os remédios que tomo, incluindo a cerveja, que até hoje não apresentou nenhum efeito colateral com o AZT. Trabalho intensamente como se estivesse realmente vivo. Vou ao cinema e a shows musicais sem provocar nenhum espanto entre aqueles que me vêem vivo. Escrevo para jornais. Dou entrevistas para rádios e televisões nacionais e estrangeiras, demonstrando sinais inequívocos de inteligência, agilidade e bom humor (salvo quando falo da equipe econômica do governo). Meu analista, desesperado com a minha insistência em não morrer, já propôs o fim do tratamento. Meu médico imunologista já recebe com visível inquietação os resultados normais de meus hemogramas. Minha companheira muitas vezes se esquece de minha situação e me trata com a absoluta e notável naturalidade. Foi aí que a propaganda do Ministério da Saúde veio me recolocar no meu devido lugar e apontar um caminho. Gravei em vídeo a mensagem e agora passei a ver a propaganda toda vez que desperto e antes de dormir, "Tenho AIDS e não tenho cura!" Decidi então acrescentar, ou aperfeiçoar o vídeo do governo (pago por muitas empresas que querem fazer o bem para as pessoas com AIDS), com uma mensagem minha para mim mesmo, que diz: "Convença-se disso, seu imbecil. O Ministério da Saúde sabe o que é bom para você. O governo só quer o seu bem! 16 Cancele todos os seus compromissos de hoje, principalmente os políticos. Vistase de preto para ficar mais apropriado à sua situação. Acabe com esse sorriso sem sentido que brota de sua boca. Mande sua companheira e filhos para lugares bem distantes para que não vejam o seu fim tão próximo. Feche a porta. Venha de lá um abraço, Dr. Alceni. Abra o gás!". 17 5 A AIDS não é Mortal Mortais somos todos nós A AIDS surgiu nos anos 80 como uma doença mortal e sem cura. Um vírus transmitido pela relação sexual ou pelo sangue entrava no sistema imunitário e protegido, por estar dentro dele, o destruía de forma inexorável, deixando suas vítimas expostas a todo tipo de doenças que, em última análise, determinavam uma morte rápida, trágica e sem remédio. Associando sexo e morte, a AIDS transformou-se na bomba do século vinte, que pretendia haver liberado o sexo e estar anulando gradualmente a morte. De repente a ciência estava impotente diante de um vírus e a morte era de novo inevitável. O conhecimento inicial sobre a AIDS definiu uma teoria de que não havia possibilidade de cura, era uma doença incurável. Toda pessoa afetada, tocada, atingida pelo vírus HIV estava duplamente condenada. Primeiro, a morrer como todas as pessoas e segundo, a morrer muito mais rápida e tragicamente do que todas as demais, como se pudesse haver uma dose dupla de morte para uma única pessoa. Esse nascimento trágico determinou até agora as atitudes básicas diante da AIDS: o medo, a impotência, a fuga, a clandestinidade, a omissão, o terror e o abandono. Na contramão vieram os que lutaram contra o preconceito e o pânico e pregavam a solidariedade como o único remédio disponível para curar os terrores de tal epidemia. Mas vinham também com a idéia da morte nas mãos. As pessoas afetadas pelo vírus se viram diante do trágico e não de uma doença. Os cientistas se viram diante da impotência da cura e não do desafio da descoberta que tem que inventar caminhos. Os governos praticaram o terrorismo e incorporaram todos os preconceitos que a sociedade inspirava, decretando na maioria dos casos a morte civil dos portadores do vírus fatal. Diante de uma epidemia fatal, que atacava homossexuais, drogados e hemofílicos, os governos optaram por tentar proteger - através de campanhas terroristas - aqueles que não tinham sido contaminados e deixar no abandono as "minorias" que já haviam sido tocadas pela fatalidade, cuja via era o sexo promíscuo ou o sangue contaminado, e cujo destino era a morte. Os hemofílicos eram as vítimas inocentes de uma tragédia onde os verdadeiros culpados, os promíscuos sexuais e os drogados, pagariam com a morte em conseqüência de seus próprios atos. O vírus da AIDS Originalmente publicado no Boletim Pela VIDDA, em julho de 1992. 18 era uma espécie de guilhotina que caía sobre a cabeça dos culpados. Muita gente tomou carona no vírus para propagar suas idéias, valores e preconceitos. Dez anos se passaram. Muita coisa mudou e não passou ao conhecimento do público, outras continuam iguais apesar de todas essas mudanças. O conhecimento científico trabalha hoje com a idéia da possibilidade da cura ou controle da doença: foram criados remédios que controlam o desenvolvimento do vírus (AZT), os virostáticos, e estão sendo pesquisados remédios que poderão destruir o próprio vírus, os viricidas. Cerca de 11 tipos de vacinas estão sendo testadas, o que poderia abrir a porta para a prevenção em massa das populações não afetadas e para o controle da doença nas pessoas já atingidas. As pessoas infectadas pelo vírus, os soropositivos, que no princípio se pensava podiam viver somente alguns poucos anos, têm hoje uma expectativa média de vida, sem o desenvolvimento da doença, da ordem de 9 a 10 anos, e admite-se até que uma porcentagem delas possa não desenvolver a doença. No campo da clínica médica, o monitoramento dos soropositivos e o tratamento das pessoas com AIDS foram passos importantes para prolongar e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Em muitos países, não no Brasil, a qualidade das campanhas educativas vai produzindo efeitos, contribuindo para a modificação de hábitos que ajudam na prevenção. A idéia dos grupos de risco, que servia para isolar e criminalizar as vítimas, foi abandonada. Fala-se hoje em comportamentos de risco e sabe-se que, em tese, todas as pessoas podem vir a ser afetadas pela epidemia: heterossexuais, bissexuais, homossexuais, homens, mulheres e de todas as idades. A mais importante de todas as mudanças no entanto é que hoje pode-se dizer que a AIDS ainda não tem cura mas poderá ter. Que a AIDS é curável e que a cura ou o controle da doença é uma questão de tempo. Uma pessoa infectada hoje pelo vírus pode organizar sua vida na expectativa de viver uma década em condições de normalidade, tempo talvez suficiente para que se anuncie a cura definitiva da doença. Acabar com o mito da fatalidade da AIDS é absolutamente necessário para que possamos mudar os comportamentos e as atitudes das pessoas e dos governos. É necessário ver a AIDS como uma doença que poderá ser curada, tratada e controlada e não como morte imediata e inelutável. No caldo de cultura do terror e do fatalismo, não há mudança possível. As pessoas continuarão a não querer saber se estão ou não com AIDS. Não farão testes e continuarão a contaminar seus parceiros ou parceiras. As pessoas que ainda não foram contaminadas não estarão dispostas a se confrontar com algo que não tem saída, nem salvação. Do terror das campanhas se foge. Da fatalidade se tenta escapar. Qualquer racionalidade é vista como absurda ou como heroísmo sem futuro. É necessário comunicar a toda a sociedade que a ciência avançou e avança e que os dias da AIDS estão contados. A esperança não é um ato de irracionalidade, é uma esperança que anda de braços dados com a vida e com a solidariedade. 19 Viver sob o signo da morte não é viver. Se a morte é inelutável, o importante é saber viver, e para isso é importante reduzir o vírus da AIDS à sua real dimensão: um desafio a ser vencido. É fundamental, portanto, reafirmar que esse vírus não é mortal. Mortais somos todos nós. Isso sim é o inelutável e faz parte da vida. (Dedico este artigo a Herbert Daniel, aquele que sempre esteve e está ao lado da vida). 20 6 O Dia da Cura Numa manhã comum, como qualquer outra, abri o jornal e li a manchete: Descoberta a Cura da AIDS! A princípio fiquei deslocado na cama, como se a terra tivesse saído do lugar e meu quarto estivesse mais à esquerda do que de costume. Fiquei por um tempo parado, sem saber qual deveria ser o primeiro ato de uma pessoa de novo condenada a viver. Primeiro, certificar-se. Telefonei para o meu médico. Realmente, a notícia era sólida, e o próprio presidente americano dava declarações na TV americana assumindo a veracidade do fato: dez pacientes em estado avançado da doença haviam tomado o CD2 e não apresentavam nenhum sinal ou sintoma da presença do vírus em seus organismos. Um eficiente viricida fora descoberto. As outras notícias seguiam o mesmo curso. O laboratório do CD2 tivera uma espetacular alta na bolsa de Nova Iorque. Na França, o Instituto Pasteur dizia que outra coincidência acompanhava os caprichos da ciência. Ali também o SD2 estava no forno, quase pronto para ser anunciado. Telefonei para o meu analista. Dei a notícia sobre a cura da AIDS e decidi que só iria enfrentar a felicidade nas próximas sessões. Afinal me havia preparado tanto para a morte que a vida agora era um problema. Do meu lado, Maria ainda dormia e não sabia que nossa vida havia mudado. Casados há 21 anos, os últimos tinham sido um tempo de tensão a cada gripe, mancha na pele, febre sem explicação. O amor feito durante tanto tempo e que havia sido interrompido pelo medo do contágio, do descuido, do imponderável, estava agora ao alcance da vida como um milagre, apesar de meus 56 anos, como costuma insistir um jornal paulista. Pensei comigo mesmo, camisinhas nunca mais! Maria dormia, ainda não sabia da novidade. Ela agora poderia ser viúva de outras causas mais banais, mais correntes, mais normais. Ela não mais seria a viúva da AIDS. Grandes avanços. Tinha os filhos para avisar. Não mais seriam órfãos da AIDS. O pai agora tinha algo de imortal ou podia morrer como todos os mortais. A TV continuava a mostrar cenas incríveis em Nova York, e o meu telefone já começava a tocar. Afinal, eu havia sido, durante quase dez anos o entrevistado perfeito para o caso da AIDS: era hemofílico, contaminado e sociólogo. Podia Originalmente publicado no Jornal do Brasil, em 30/01/92. 21 desempenhar três papéis num só tempo e numa só pessoa. Eu era uma espécie de trindade aidética! Iam querer saber o que sentia, o que faria, meus primeiros atos, minhas emoções, minhas reações diante da vida e da normalidade. Imaginava as perguntas: como você se sente agora que é de novo um ser normal? O que vai fazer agora de sua vida? O que efetivamente mudou na sua vida? O que você aprendeu com a AIDS? Você continua a ter raiva do governo? Cheguei a pensar, como Chico Buarque, que daria minha primeira entrevista ao Jô Soares. Afinal, falaria da vida, tomando cerveja! Ainda na cama, onde de manhã gosto de ficar, tive saudades do Henfil e do Chico, e em meio à alegria que já me contagiava, chorei. Por que haviam sofrido tanto e morrido tão fora de hora? Quanto sofrimento inútil, quanta dor que palavras não descrevem. O olhar parado de quem expira. O abandono sem remédio. A fatalidade que nem a morte enterra? Por que logo eles haviam morrido, se eram meus irmãos, a quem telefonava com a certeza de quem acreditava poder fazer isso séculos e séculos seguidos? De repente, ninguém do outro lado da linha. Números riscados numa agenda sem remédio. Ainda a lembrança do Chico no enterro do Henfil, dizendo para mim, entre espanto e humor: hoje é o Henfil, amanhã serei eu, e você irá daqui a 3 anos... bem, digamos 5! E hoje estou aqui passados 4 anos, quase 5, lendo essa notícia, e eles todos mortos antes do tempo. Não há remédio para a morte de meus irmãos, que são tantos. De repente me dou conta de que houve realmente remédio para a AIDS. É hora de levantar, atender os telefonemas, reunir o pessoal da ABIA. Festejar com o pessoal do IBASE. Abrir um champanhe, ou uma cerveja. Telefonar para saber onde estava o tal remédio, como comprá-lo, o preço, o prazo da chegada. Estaria disponível quando, a que preço? Quem poderia comprá-Io? Algo inusitado acontecia em paralelo. Amigos e amigas, que não suspeitava, me chamavam para dizer que eles também eram soropositivos, porque agora havia cura. Uns diziam que suas vidas sexuais eram um caos mas que agora havia cura. Alguns me chamavam para dizer que iriam começar o tratamento, o controle e a pensar na vida, porque agora havia cura. E finalmente, outros me diziam que agora poderiam revelar à imprensa sua condição de soropositivos, para servir de exemplo, porque agora havia cura. De repente, dei-me conta de que tudo havia mudado porque havia cura. Que a idéia da morte inevitável paralisa. Que a idéia da vida mobiliza... mesmo que a morte seja inevitável, como sabemos. Acordar, sabendo que se vai viver, faz tudo ter sentido de vida. Acordar pensando que se vai morrer, faz tudo perder o sentido. A idéia da morte é a própria morte instalada. 22 De repente, dei-me conta de que a cura da AIDS existia antes mesmo de existir, e de que seu nome era vida. Foi de repente, como tudo acontece. 23 Para mais informação sobre a AIDS no Brasil, leia a série História Social da AIDS A AIDS NO MUNDO Jonathan Mann, Daniel J.M. Tarantola e Thomas W. Netter (orgs.) A AIDS NO BRASIL Cristiana Bastos, Jane Galvão, Richard Parker e José Stalin Pedrosa (orgs.) A DA C O N S T R U Ç Ã O SOLIDARIEDADE Richard Parker 24 Herbert de Souza THE CURE OF AIDS Richard Parker (editor) Relume Dumará 25 © Copyright 1994, Herbert de Souza e Richard Parker Publication rights for this edition: DUMARÁ DISTRIBUIDORA DE PUBLICAÇÕES LTDA Rua Barata Ribeiro, 17 sala 202 22011-00 – Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 542-0248 Fax: (21) 275-0294 Revision Márcia Borges Richard Parker Desktop publishing Carlos Alberto Herszterg English version Outras Palavras Cover Victor Burton Photo Sérgio Zalis With support provided By Misereor, Germany. CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. __________________________________________________ Souza, Herbert José de S715c A cura da AIDS / Herbert de Souza; Richard Parker (org.); versão para o inglês, Outras Palavras - Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. Edição bilíngüe, português-inglês ISBN 85-85427 – 72-8 1. AIDS (Doença) – Aspectos sociais. 2. AIDS (Doença) – Aspectos políticos. 3.Brasil – Condições sociais. 4. Política Social – Brasil. I. Parker, Parker. II. Título. CDD – 616.97 CDU – 616.988 94-0550 All rights reserved. The unauthorized reproduction of this publication, by any means, whether total or partial, constitutes a violation of brazilian law 5.988. 26 Table of Contents Preface Richard Parker 28 1 – Human Rights and AIDS 30 2 – Letter Against Prejudice 35 3 – AIDS and Poverty 38 4 – I Confess that I am Alive 40 5 – AIDS is not Mortal 43 6 – The Day of the Cure 46 27 Preface Richard Parker For Brazilians, Herbert de Souza needs no introduction. He is known, from one corner of the country to the other, quite simply, as Betinho. Educated by Dominican friars, and a progressive Catholic activist as a teenager. A leader in the student movement during the early 1960s. Hunted by the military dictatorship that installed itself in Brazil in 1964. A clandestine existence for five years in São Paulo living under a pseudonym with falsified documents. Exile in Chile, Canada and Mexico during the worst years of the dictatorship. Returning, in 1979, along with the first wave of political exiles during the opening of Brazilian society and politics. Founder and director of the Brazilian Institute for Social and Economic Analysis (IBASE), one of the most important non-governmental institutions in the country, working for the redemocratization of Brazilian society throughout the 1980s and 90s. In 1986, the first public figure in the country to openly declare himself seropositive for HIV. Founder and President of the Brazilian Interdisciplinary AIDS Association (ABIA), one of the earliest and most influential institutions organized to defend the rights of people living with HIV / AIDS and mobilize Brazilian society in the fight against the epidemic. A key moving force in the campaign for Ethics in Politics which in 1992 succeeded in impeaching the Brazilian president on charges of political corruption. Since 1993, the national coordinator of the movement Action of Citizenship Against Misery and in Favor of Life - the campaign against hunger -, which has taken shape as one of the most powerful social movements in contemporary Brazilian life. Nominated by the President of the Republic as a candidate for the Nobel Peace Prize. Hemophiliac. Forty five kiIos. Living with HIV /AIDS for more than a decade. Sarcastic wit. Searching blue eyes. Convinced that ideas can change the world. Quite simply, Betinho. Like the most basic facts of his biography, Betinho's essays speak for themselves. In only a few words, they cut past secondary issues straight to the heart of the matter. They focus on but a few basic themes. Respect for difference. Human rights. Citizenship. Democracy. Solidarity. Life. They are the same themes that have driven all his work, no matter what the subject matter. In the essays that have been brought together here, they are applied to the specific questions raised by HIV /AIDS. Living with AIDS. Confronting stigma and discrimination. Struggling against oppression and prejudice. Access to care and treatment. The violence of public policies based on the tear of death rather than respect for life. The need to radically rethink our most basic premises - and through this process, to quite literally "invent" the cure of AIDS. 28 In bringing these texts (which were originally published separately over the period of a number of years) together in a single volume, we hope that it will be possible to see more clearly the outlines of what is simultaneously a philosophy and a politics of AIDS. Indeed, we hope that it will become apparent that philosophy and politics are themselves mutually implicated - that one cannot exist without the other. Just as there is no adequate response to HIV / AIDS without political engagement, political engagement is impossible without simultaneously conceptualizing the epistemological basis for action in the world. Without a political and conceptual base, technocratic solutions to the epidemic have failed in every sense - and in every site where they have been attempted. While technocrats may successfully "administer" the epidemic, they offer no hope of defeating it. Even science offers nothing unless based upon critical reflection and political commitment. Against such a view, Betinho offers the only possible alternative what, following Rorty, we might describe as an epistemology of solidarity. The conviction that we know what we know because of our subjective capacity to understand the pain and suffering of others as our own pain and suffering. The conviction that it is possible to imagine the future and make it become reality. The conviction that AIDS, like everything in life, is a political issue, and that the politics of AIDS must be built on the basis of hope and courage. The absolute conviction that AIDS can be cured. 29 1 Human Rights and AIDS I am going to talk about human rights and epidemic diseases, specifically about the AIDS issue. I am convinced that AIDS is a revolutionary disease. It radically poses to our society both Brazilian and international - a series of vital problems that, for quite a while, we've been trying to ignore. Our culture gradually turns away from reality, trying to avoid it, instead of defying it. Modem medicine created the idea of omnipotence, indirectly telling us that all diseases could be cured and that, ultimately, death would no longer exist. Not only modern western culture began to ignore death but it tried to deny it in every way, through every artifice. Few people see death as part of their daily life, as something natural. In our culture, death is nonexistent. And medicine became imbued with the idea, conveyed through technology and scientific developments, that we were about to triumph over death. According to this view, every disease is treatable, every illness is curable. At a given point in time, modern science even began to think that eternity was within our reach. We were already treating cancer as the last fatal disease. Somehow, each one was hoping that when the cure to cancer was found, that would be the end of all mortal diseases. When that is over, death will also be over. But then comes HIV, a virus hidden in the immune system; in the very cells that define, articulate and build this system. By installing itself in this system, it disarms it, making the individual totally vulnerable to any external attack. It is producing the panic of the 20th century. A disarmed immune system is the most spectacular disease produced in the history of mankind. AIDS presents itself as completely mortal and epidemic. Today, in Brazil, the number of AIDS cases doubles every ten months. If we start from a base figure of 3,000 registered cases in Brazil - undernotified, obviously, because there are probably 5,000 or 6,000 cases - we can do the following exercise: let's double this number, every ten months; in six years, we will reach one million cases, not of contaminated people, but of people with AIDS symptoms. This epidemic dimension, which exists nationally and internationally, produces a panic conscience. If the cure or vaccine is not discovered in the next six or seven years, mankind could be condemned to a process of extermination by this virus. According to research, some African countries are already facing this situation, Lecture delivered at the Law School of the University of São Paulo on 22 October 1987. 30 because 20 to 30 percent of the population presents AIDS symptoms or is contaminated by the virus. This virus emerged in a spectacular, mortal way, with-a quick, fulminating, cureless manifestation. And, up to now, with no form of direct attack that might kill it. It is transmitted through sexual intercourse. Sexual intercourse, whether we want it or not, is vital for mankind and is universal, and in our culture, it is characterized by all kinds of prejudices, culpability, sin, damnation, hell. It is also related to blood, which is another universal element in the culture of mankind; blood appears in our culture in a myriad of ways, some people panic when they see blood, though it is an integral part of our reality. And the virus is fundamentally transmitted through blood. Even when it goes via sperm, it is because the contaminated sperm gets into the bloodstream. This virus laves blood and it kills us through the blood. AIDS, however, is also characterized by many other questions; racism, for example. When the virus was discovered, the culprit was promptly searched for, and the one to blame was the African or Black - AIDS had come from Haiti. Then they found out that more Americans went to Haiti than Haitians to the United States and they put the idea aside. According to this idea, Africa was the culprit. Africans were contaminated through their contact with monkeys and they passed the virus on to the rest of mankind. Racism made its way into the AIDS debate and resisted for three years. Only recently, after all theories that tried to explain AIDS as the result of "inferior African beings" had failed, did this theory succumb. Racism, sex, blood. But this virus was also associated with something already mentioned, which is particularly brutal for our culture to face: death. Our culture does not admit death. AIDS was saying: "Be convinced that everyone is mortal". And a new disease again showed the 20th century that death is completely inevitable. These four elements were enough to define AIDS as extremely revolutionary and explosive. If we compare the number of victims and the panic that surrounds it, there isn't the slightest proportion. But I believe, indeed I am convinced, that there is an objective and a subjective reason for such panic. In fact, we are facing a global epidemic, which will only be defeated by scientific development, by behavioral changes in some sectors of the population, and by a radical and energetic intervention of society and the State in order to control the blood on a global level. But I still want to mention something that AIDS unveiled in the contemporary world: the question of the prejudices that this society conveys in relation to people. When I decided to speak out openly and publicly about my seropositivity, I knew I could say that as a hemophiliac I was contaminated through blood transfusions. However I had already seen the death and the tragedy of many other people who died from AIDS - and who had to die clandestinely be cause they were homosexuals or drug addicts. And these homosexuals and junkies had embodied culpability - the discrimination of society in relation to them. They had embodied this in such a way that they preferred an anonymous death instead of fighting for their rights. 31 Once, a young woman carne to me and told me: "My brother works for a state company, he has AIDS and no hospital will treat him: my father and I take care of him, the hospitals refuse to treat him and the company gives no support at all". I told her: "If you want to, we can call the TV, the radio, the reporters right away; we will denounce it". She replied: "But it can harm my brother". And I told her: "Dear, didn't you say that your brother is terminally ill, that he is dying?" She said: "Yes". "And what else can he Jose? Isn't he going to die?" She said: "Yes, he is going to die, but I have to think about it". I told her: "Well, think about it and then call me; whenever you wish, we will denounce the abuse and discrimination of this stateowned company that is discriminating against a man who is ill". Twenty days later, the same person called me and said: "I wanted to thank you because I talked to the company' s executives, I demanded treatment, I said that I was going to denounce such discrimination and, today, my brother is dying in a comfortable hospital, in an air-conditioned roam, with everything he rightly deserves". She was happy because her brother was dying peacefully. Based on this and many other cases, I found out that AIDS was tragically revealing how our society discriminates against people, discriminates against homosexuals, discriminates against sexual intercourse, discriminates against one's privacy, one's right to live as one's conscience finds necessary or according to one's feelings or desires. Besides that, society unloads its discrimination over these persons' heads and consciences. And, more tragically, many internalize this discrimination and die clandestinely, without fighting for their most fundamental rights, such as, for example, the right to die peacefully. If they can't live, they should at least be able to die in peace. This was perhaps one of the hardest experiences for me. I had seen it happening to homosexuals, drug addicts or whomever, but I was before people, not before objects of my moral condemnation. At the same time, my two brothers were showing symptoms of the disease. We were still facing this problem in cIandestinity. Then, I decided to step out of cIandestinity. I had already lived like that for five years, hiding from the military dictatorship; I had had enough of it. It is unacceptable that someone suffers from a virus, a disease, or an illness and, besides having to face death, still needs to hide from society, brothers and sisters. And my experience when I said that my brothers and I were hemophiliac and HIVpositive, was and still is being extremely positive. This is for me and at least for one of my brothers, as the other one cannot see what is happening to him. When I stepped out of cIandestinity, and denounced the discrimination, I received a great deal of solidarity. Solidarity carne from new friends and old friends, but also from total strangers, who had never seen me before, who had never known me, who met me on the street and showed support and affection. I found out that, when you bet on a negative outcome, you also get a negative outcome. The pessimist always gathers disgrace. Now, when we bet on the positive outcome, on solidarity, we also get a positive outcome. I think it is extremely dangerous to admit, in principle, that people are 32 mean, cruel, selfish and cowardly. I think we should assume the opposite and bet on that. And we should think about the rest as an exception and not as a rule. The following illustrates this case. My wife and a half year old son had always played with two friends and, when I appeared on TV, newspapers or radios, the two friends simply vanished. My wife sensed something wrong. Our first reaction was one of profound sadness. What the hell if they discriminate against me, a 52 year old man, but to discriminate against a five and a half year old child is very sad. Sad and unacceptable. We decided to talk to the family. The father and the mother of the two children carne to our home. We sat down and said: "Listen, we know that you are probably worried about your children, about their health, but we want to tell you a few things". Then, for the next hour or se, we gave them a practical course on hemophilia, blood transfusion, genetic contamination. We said that our son is not a hemophiliac, that he does not receive blood transfusion and that he is not infected. Then we talked for half an hour about AIDS, how it is transmitted, how it is not transmitted. Both of them listened very carefully. After the conversation, they wanted to know about other things, about where we lived while in exile - they were curious about other dimensions of our lives. After two hours of conversation, the whale matter was settled. The fallowing morning, the two children were in our home, playing with our son. And they still play together. This example showed us that passivity, pessimism, accepting the worst will only reproduce the worst. If we had not talked to that family, their children would probably not be playing with our son. After the conversation, the information, the openness, our trust in their ability to understand the situation and face it, the situation changed. I don’t mean that everyone will be able to live and act as we do. The situation for homosexuals is especially difficult - but it is possible to do something. Based an my awn experience, I would like to say that AIDS is promoting a real strip-tease of our society, our values, our culture, as well as our country’s health system. In Brazil, there is no such thing as prevention. It is a system based an cure, death and commerce. It has long been deficient, and it was destroyed during these twenty or so years of dictatorship. In fact, we never had a serious policy concerning public health - one that would consider the interests of the population. I've already mentioned that AIDS was the tip of an iceberg, because it is the mast dramatic and visible tip. Just a little further dawn, there is a series of endemic diseases that could have been totally eradicated, with minimal investment and limited resources, yet they continue to persist. Shame on us, Brazil is a tubercuIous country, a country with Chagas disease, with Ieprosy, with schistosomiasis and a series of other diseases that affect millions of people - not to mention those who die without being sick, due to hunger. This is the case of infant mortality in the Northeast and also (why not?) in the outskirts of our capitals. We are politically aware that we don't have a health system, but a system of commerce and disease - this same commerce was responsible for the blood calamity, transforming blood into a commodity that today transmits death, through 33 transfusion, through AIDS, B hepatitis and many other diseases. This situation has a Iot more to do with politics and citizenship and human rights than anything else. In this struggle against AIDS, I had a fantastic revelation: I discovered that Brazil's main health problem was the Minister of Health. He is the Minister of Health of a country which rates second in absolute AIDS cases and has never understood what an epidemic is. He even had the nerve to say that he didn't care about AZT because Brazil had to do scientific research to prove its efficiency and to protect the consumer. We all know that this minister allows the importation and use in the country of other drugs condemned in the rest of the world. Here is another example of how we find obstacles where there shouldn’t be any. The chief-executive of Cacex,* when asked by a reporter about the importation of AZT, uttered the following pearl: "AZT is something for rich faggots". Well, after that, he held on to his office, because one of the things this country has lost is a fundamental thing called sense of dignity. But I would like to finish saying that I believe we can transform the tragedy of AIDS, the illness, the disease, into a challenge, an opportunity, a possibility to recover, socially and individually, a sense of life and dignity. With this sense of life and dignity, we will be able to struggle for the construction of a democratic society, of a fair and fraternal society. * A Brazilian governmental agency responsible for the importation and exportation of goods. 34 2 Letter Against Prejudice On Friday, February 8, 1992, at 11 PM, the Solidarity Flight takes off from Guarulhos International Airport, in São Paulo. On board, approximately 100 intellectuals are going to show their support to the Cubans. One of the seats could be taken by Herbert de Souza, known as Betinho, sociologist, one of the supporters of the flight. But he is not on the plane. lnstead of the president of the Brazilian Interdisciplinary AIDS Association (ABIA), the plane is taking a letter signed by him. A protest against the segregative policy of the Cuban government in relation to people who live with AIDS. President Fidel Castro, I am contemporary with the Cuban Revolution. I have defended and I still defend the right of the Cuban people to make their revolution and decide their own destiny, without the interference of enemies or friends. I defend for Cuba what I defend for me and for my own people: freedom, equality, participation, respect, diversity and solidarity. After this introduction, I would like to raise an issue and make a plea. The issue is related to HIV/AIDS. I was born a hemophiliac and I've been HIV-positive for almost ten years. I am also president of the Brazilian Interdisciplinary AIDS Association since 1986 and have developed in my country an on-going fight against the Federal government's AIDS-related public policies. AIDS, since its onset, has been presented as an incurable and fatal disease, hopeless and with only one end: death. This assumption is false, it lacks scientific ground and it is politically incorrect: there still is not a cure for AIDS, but there will be one. The cure of AIDS is coming. France, for example, is already proposing to review the definition of AIDS (SIDA) itself as a chronic degenerative disease. This fatalist and anti-scientific view of AIDS was responsible for the spread of discriminatory, inhuman and terrorist behaviors related to people with HIV / AIDS. A lot of people hopped up on the bandwagon of the tragedy to express all their Originally published in the Jornal do Brasil on 5 February 1992. 35 prejudices and to blame the people with HIV / AIDS and their behavior, instead of attacking the real cause of the disease: the virus. Aware of Cuba's humanist and revolutionary tradition, and its developments in medicine, I would expect Cuba to become a global example of facing AIDS too. However, what I've read in the Gramma and heard from people who had visited Cuba has shocked me: I've heard that seropositive people are submitted to a process of control by sanitary agents which is characterized by a sort of short distance surveillance in order to prevent the infected person from transmitting the virus to other individuals. Since we know that the transmission of the virus is via sexual intercourse, we are talking about the control of the seropositive person's sexual life through surveillance processes. I can hardly imagine how this is accomplished, let alone my strong disagreement with such control. I have also heard that the people with HIV / AIDS are taken to hospitals, where they are admitted as people with HIV / AIDS, separated from their families, work, their activities. To be honest and straightforward: people with HIV / AIDS are segregated from society by the State and become political prisoners of the epidemic. I say political because there is no scientific, medical or simple common sense reason to arrest people with HIV / AIDS in order to prevent the spread of the epidemic and protect public health. A person with HIV / AIDS is, in fact, the one who offers the least risk of contamination. He knows that he can transmit the virus, how he can avoid transmission and, taking apart the pathological cases, does not want to transmit his disease to anyone, let alone his relatives and friends. People with HIV / AIDS today can spend most of their time in their own home or developing useful activities elsewhere, instead of living in prison, segregated, discriminated, like people destined to wait for death in the bed of public protection. I can imagine a society, the Cuban society, where seropositive people and people with AIDS get special attention and care from every single person, where they don't feel discriminated, nor isolated, nor identified as a mortal risk to the nation's public health - where seropositive persons work as usual and where the people with AIDS can also work, live and face death amid solidarity, which means living together and not apart. I am not talking as a bystander. I am talking as a seropositive person who works now more than ever and who would never accept a health agent following my steps to check if I am a perverse spreader of the epidemic. I am talking as a seropositive person who lives with his wife and son and who would rather die than be isolated in the best public hospital after the first signs of the disease, waiting for an uncertain and unpredicted death that can presently take as Iong as four years to happen. I also want to have the right to decide about how and when I want to die. The disease cannot be an excuse to usurp my right to citizenship. I really believe that these ideas should be a lot more developed and feasible in a country like Cuba than in my own country, where people with HIV / AIDS often die without even 36 the most minimal conditions of treatment and, moreover, suffer the effects of official propaganda that excels in terrorism. Considering all of this, when I was invited to participate in this trip to Cuba, which I support, I realized that I faced a political and personal dilemma: how would I be treated in Cuba? Like the thousands of tourists who enter Cuba without showing the results of HIV tests and, unknowingly, can be a risk to the public health of the country? I could only come to Cuba as a seropositive person publicly known in Brazil, and I would have to present my status and, especially, my plea: If an organized surveillance in relation to seropositive persons continues to take place, then transform this reality into educational programs and trust the civic and human responsability of the Cuban people. If people with HIV / AIDS are still being segregated in hospitals, being separated from their families, let's put an end to it, because it is inhuman, useless and unacceptable. I hope this solidarity trip bears much fruit. I want to send along with this letter a great and fraternal hug to all Cubans, a people that I have learned to lave and admire from dose contact, when I was there representing Brazil in the LatinAmerican Health Organization, and from far away. Now that the president is almost entitled by right to consider himself eternal, I would like to finish with a sentence that is going to introduce a new attitude in relation to AIDS: AIDS is not mortal, but we all are. There will some day be a cure for AIDS, and its remedy, today, is solidarity. I embrace you and send you my regards, Herbert de Souza President of ABIA (The Brazilian Interdisciplinary AIDS Association) 37 3 AIDS and Poverty AIDS, on its onset, looked like a First World disease, characteristic of rich people. Maybe because of this, there emerged so much (yet still insufficient) investment in research and so much interest from the media. In time, it was proven that AIDS was a global epidemic, shifting from the First to the Third World - a real tragedy in many African countries. Each region presented the social face of its country. It became global and, for the most part, poor. But AIDS treatment in any country demands substantial medical attention which is very expensive. It is expensive to take AZT, to prevent or combat infections with other drugs, and to hospitalize a person with AIDS. In short, AIDS is very expensive - and not preventing it is even more expensive. In Brazil, things are no different. Most HIV-infected people or people who five with AIDS are poor and cannot obtain public or private resources to receive necessary care, either to prevent or treat the disease. I would even say that most of the poor with AIDS die without knowing the cause. The rich with AIDS are in a few private clinics, paying a cost that defies any family's patrimony. The poor are in a few public hospitals that lack, besides a solidary and human care, the money to buy what modern science has made available to all in terms of sophisticated diagnosis and efficient drugs. In respect to AIDS, as in respect to many other issues, the social apartheid is patent. The rich take care and live a much better life. The poor suffer and die without minimal conditions of care. This difference is concretely manifested in terms of quality and span of life. When AIDS emerged, in the 1980s, little was known about the differences between infected and sick individuals, who died very quickly. It was a matter of one year between the news and the death. With the discovery of the first drugs that control the development of the virus and the increase of clinical knowledge accelerating the diagnosis and treatment of opportunistic infections, this span was extended in a very important way. Originally published in the Estado de São Paulo, on 5 January 1993. 38 Today, we know that a person can be infected and show the signs of the disease after a long time, between 10 and 15 years, and that some may live without developing the disease. To be infected with the virus is not synonymous with becoming ill anymore. Today, we know that a person with AIDS, provided that he/she receives all necessary treatment and care, can survive for many years, three or four times more than was previously possible. All this means that to live or to die depends largely on one's access to existing treatment. Whoever obtains it, survives. Whoever doesn't, dies. Life charges. Death equals. Whoever has the resources can bet that the cure will come and be happy to see the cure of an epidemic that has scared and still scares the world. Whoever doesn't have the resources will know that his/her time is equal to the size of his/her bank account. In Brazil, to live or to die is, to a great extent, a social issue, since in the case of AIDS, being rich or poor means to live or to die a lot earlier. For a person who lives with AIDS and is poor, to have AIDS is a double drama: to be poor and to suffer the consequences of an epidemic that is still in the process of being controlled and on its way to be cured. To be poor is also to know that your time on earth is going to be robbed - like your salary, hope, quality of life, and citizenship. In this context, it is sad to see how the public sector, on the Federal, State and Municipal levels, generally and with just a few exceptions, is totally indifferent to this tragedy. Turning its back on the epidemic, it ignores the immense suffering of poor people and expects that death replaces life, denying the possibilities of treatment that exist only for a few. It is sad to know that even in relation to AIDS, social apartheid exists and that here, among us, there is a Belafrica. 39 4 I Confess that I am Alive Like any other Brazilian, I watch TV. Once, after a hard day, I got home and turned on the TV to watch the news. I was caught by surprise. On the screen, a young man was saying that he had had tuberculosis, but that he was cured. I breathed a sigh of relief. A young woman was saying that she had had cancer and that she was cured. I grew even more excited about the state of medicine. Then a young man appeared on the screen, Iooked at me, and said: "I have AIDS and there is no cure for me!" Then, I read on the newspapers that the second phase of the campaign was about to begin. During CarnivaI, a black mask would appear - black, the color that stands for death and racism - to continue the didactic process of scaring the population, a sort of pedagogical terrorism which seizes hope. I stood still for a while, thinking about it, with a bitter feeling that someone was pulling me downward, towards the idea of death, down the drain. I could hardly believe that it was a campaign promoted by the Ministry of Health, but indeed it was. I recalled that AIDS had appeared in 1981 and was associated with the idea of death - a fatal disease, an invincible virus, a certain death. To have AIDS was to be marked for death, faster and worse than any other mortality. The first people with AIDS quickly crossed the path of terrible suffering, discrimination and death. I witnessed the death of my two hemophiliac brothers, Henfil and Francisco Mário. When Henfil died, Francisco, aware that he was going to die, couldn't resist the temptation of foreseeing my death. He generously gave me three years! In time, a lot of things have changed. The virus kept loosing its invincibility and its character of being an absolute exception. Then AZT appeared, which does not cure, but in many cases controls the development of the disease. Other drugs appeared which are being tested and administered, like DDI and many others. Preventive treatments for seropositive people and for people with AIDS, such as the preventive use of pentamidine to combat the most common pneumonia among the people with AIDS (Pneumocistis carini). It now takes longer before the onset of Originally published in the Jornal do Brasil on 10 February 1991. 40 the disease - 7, 10 or 15 years. The life span for people with AIDS has surpassed the one and a half year barrier (Cazuza lived with AIDS for more than four years). The vaccine is no longer a sheer hypothesis and is being tested. Se, AIDS was and is being faced as a disease that still does not have a cure, but that can be largely controlled and that, someday - no one knows when will be cured or definitely controlled, like all incurable diseases in history. I am reminded that I am an incurable hemophiliac, I was an incurable TB carrier when I was 15 and an incurable maoist during the 70s. Today, I feel I'm cured from all these diseases. After preparing myself to die in two years (I also did some calculations) and seeing that it's been almost three years since my announced death, I came to the conclusion that the best thing to do is to prepare myself to keep on living, since I am alive and in good health and with a great disposition to work, especially in politics, for example, fighting for the democratization of my country, against economic packages, participating in health campaigns, especially AIDS-related campaigns, the recovery of Rio de Janeiro, defense of human rights, environmental protection, land reform, and other issues. While I was getting ready for death, I even suggested to Herbert Daniel, my namesake, that we should acquire a common grave in the São João Batista cemetery, due to the high price of this essential commodity. We could save by putting one first name and two last names on the tomb. Herbert Daniel even made things easier for me, saying that he wanted to be cremated, which would obviously leave me much more roam for the same price. Today, I see myself in an embarrassing position for me and my friends. My death has not occurred. I had to witness in misery the death of many friends that passed away before me. I am still in good shape, in spite of all the campaigns from the Ministry of Health and all the drugs I take (including beer that, up to now, hasn't presented any side effect when taken with AZT). I work hard as if I were really alive. I go to the movies and to musical shows without surprising the people who see that I am alive. I write articles for newspapers. I am interviewed by radio stations and national and international TV stations, demonstrating sure signs of intelligence, agility and good humor (except when I talk about the government's economic staff). My analyst, desperate due to my insistence on not dying, has already proposed the end of the treatment. My immunologist is seeing, with visible disturbance, the normal signs of my hemograms. My wife often forgets my situation and treats me with absolute and notable naturalness. Then, carne the campaign prepared by the Ministry of Health, putting me in the right place and dictating how I should deal with AIDS. I videotaped the message and now I watch it when I wake up and when I go to sleep. "I have AIDS and there is no cure for me!" I decided to add something or to improve the government' s video (paid for by many companies who want to do something good for people with AIDS) with a message for me that says: "Come on, stupid. The Ministry of Health 41 knows what is good for you. The government only wants to do you good! Cancel all your appointments for today, especially the ones related to politics. Wear black, it is more suitable for the situation. Cut out that senseless smile. Send your wife and children to far away places so they don't see your near end. Close lhe doar. Give me a hug, Dr. Alceni. Let the gas flow!" 42 5 AIDS is not Mortal We are all mortal AIDS appeared in the 1980s as a mortal and incurable disease. A virus that is transmitted through sexual intercourse or through blood enters the immune system. It is protected, because it is inside the system which it inexorably destroys. Its victims are left exposed to all sort of illnesses that, in the final analysis, determine a quick, tragic and irremediable death. By associating sex and death, AIDS became the bomb of the 20th century, which strived to liberate sex and to gradually annihilate death. All of a sudden, science was impotent in facing a virus and death was again inevitable. The initial knowledge about AIDS defined a theory that AIDS had no chance to be cured; it was an incurable disease. Everyone touched or affected by HIV was dually condemned; first, to die as everyone does and, second, to die faster and more tragically than everybody else, as if there could be a double dose of death for a single person. This tragic birth determined, until now, the basic attitudes facing AIDS: tear, impotence, escape, clandestinity, omission, terror and abandonment. In opposition carne the people who fought against prejudice and panic and preached solidarity as the only remedy available to cure the terrors of such an epidemic. But they also presented the idea of death in their hands. People affected by the virus saw themselves before a tragedy instead of a disease. Scientists saw themselves before the impotence of the cure instead of the challenge of discovery which has to invent alternatives. Governments practiced terrorism and embodied all the prejudices inspired by society, dictating in most cases the civil death of the people who carried this fatal virus. Facing a fatal epidemic that attacked homosexuals, drug addicts and hemophiliacs, governments opted to try to protect through terrorist campaigns those who had not been contaminated and to abandon the "minorities" that had already been affected by the fatality. Infected through promiscuous sex or contaminated blood and whose destiny was death. People with hemophilia were the innocent victims. The real culprits, sexually promiscuous people and the junkies, would pay with their death Originally published in the Boletim Pela VIDDA in July 1992. 43 as a result of their own acts. The AIDS virus was a sort of guillotine that was falling over the culprits' head. Many people jumped on the bandwagon of the virus to propagate their ideas, values and prejudices. Ten years have gone by. A lot of things have changed and have not been conveyed to the public, and some things remain unchanged (in spite of all these changes). Scientific knowledge works today towards the possibility of curing or controlling the disease: drugs that control the evolution of the virus, the virostatics (AZT), have been developed, and drugs that may destroy the virus itself, the virucides, are being researched. Approximately 11 kinds of vaccines are being tested and which could open the door to the mass prevention of infection among the population which is still not affected and to the control the disease in the already affected people. People infected by the virus, the seropositive individuals, that in the beginning were thought to have a short life span, are now expected to live an average of 9 to 10 years if the disease is arrested. Admittedly, an undetermined percentage of these individuals may not develop the disease. In the realm of medical practice, the monitoring of seropositive individuals and the treatment of people with AIDS has I made it possible to extend and improve one's quality of life. In many countries, but not in Brazil, the quality of the educational campaigns is producing effects, contributing to behavioral changes that support preventive efforts. The idea of risk groups, which served to isolate and convict the victims, has been abandoned. Today, we talk about risk behaviors and we know that, in thesis, everyone can be affected by the epidemic: heterosexuals, bisexuals, homosexuals, men, women, and all age groups. The most important change, however, is that today we may say that AIDS still has no a cure, but that it might have one. AIDS is curable and the cure or the control of the disease is a matter of time. A person infected by the virus today can organize his/her life, expecting to live another decade and, under normal conditions, that is probably enough time for the definite cure of the disease to be announced. It is necessary to quit mythifying AIDS as a fatality in order to change individual and governmental behaviors and attitudes. It is necessary to see AIDS as a disease that may be cured, treated and controlled, and not as an immediate and inevitable death. In the cultural mix of terror and fatalism, there is no possible change. People will remain unwilling to know if they have AIDS or not. They won't submit themselves to tests and they will continue to infect their partners. People that haven't been infected will not be willing to face something that is hopeless and defenseless. We can run away from the terror of the campaigns. We can try to escape from fatality. Any rationality is seen as absurd or as futureless heroism. It is necessary to convey to society as a whole that science has made and is making progress and the days of AIDS are counted. Hope is not an irrational act; hope walks hand in hand with life and solidarity. To live under the sign of death isn't living. If death is inevitable, it is important to know how to live and, in order to do so, it is important to reduce the AIDS virus to its real dimension: a challenge to be overcome. Thus, it is fundamental to restate 44 that this virus is not mortal. We are all mortal. Mortality is inevitable, and is a part of life. (I dedicate this article to Herbert Daniel, who has always been and is on the side of life). 45 6 The Day of the Cure It was an ordinary morning, like any other morning, when I opened up the newspaper and read the headline: Cure for AIDS Discovered! Initially, I felt out of place in bed, as if the earth had fallen and my roam had shifted a little more to the left than usual. I stood still for a while, not knowing what the first action of someone condemned to live again should be. First, I should check it out. I called my doctor. Indeed, the news was true and the American president was talking on TV, stating the veracity of the fact: ten AIDS patients in an advanced stage of the illness had taken CD2 and afterwards did not present any sign or symptom of the presence of the virus in their bodies. Other news were on the same line. The stocks of the laboratory which developed CD2 had a spectacular rise on Wall Street. In France, the Pasteur Institute said that another coincidence accompanied the whims of science. They were also about to announce SD2. I called my analyst. I told him about the cure of AIDS and suggested that I would only face happiness in our next sessions. After all, I had really prepared myself for death and now life was a problem. By my side, Maria was still sleeping and didn't know that our life had changed. We've been married for 21 years, and the last few had been a time of tension when every unexplained flu, each spot, each fever appeared. The love we had made for so long, and that had been interrupted for the tear of transmission, carelessness, the imponderable, was now miraculously within the reach of life (in spite of my 56 years of age, as one newspaper from São Paulo usually insists). I said to myself: No more condoms! Maria was sleeping; she still hadn't heard the news. She could now be the widow of more banal, current and normal causes. She wouldn't be the widow of AIDS anymore. Great progress. I had to tell my children. They wouldn't be the orphans of AIDS anymore. Their father had now had a certain immortality - or could die like any the other mortal. The TV was still showing incredible scenes from New York and my phone began to ring. After all, for almost ten years I had been the perfect interviewee for the AIDS story: I was a hemophiliac, infected, and a sociologist. I could perform three roles at the same time and I'm only one person. I was a something of an AIDS trinity! They would like to know what I was feeling, what I would do, my first actions, my Originally published in the Jornal do Brasil on 30 January 1992. 46 emotions, my reactions to the prospect of life and normality. I could imagine the questions: how are you feeling now that you are a normal being again? What are you going to do now? What really changed in your life? What did you learn from AIDS? Are you still mad at the government? I even thought, like Chico Buarque, that I would give my first interview on the Jô Soares show. I would finally talk about life, while drinking a glass of beer! Still in bed, where I like to stay in the morning, I thought about how I miss Henfil and Chico and, amidst the happiness that was already taking possession of me, I cried. Why had they suffered so and died so untimely? So much useless suffering, so much pain which words cannot describe. The steady look of someone who expires. The remediless abandonment. The fatality that not even death is able to bury? Why did they die? They were my brothers, and I used to call them as someone who would be able to do that for centuries and centuries... All of a sudden, there was no one to answer on the other side of the line. Dialed numbers from a helpless phone book. I still remember Chico at Henfil's burial, telling me, somewhat surprised and humorous: today, it is Henfil, tomorrow, it will be me and you will be gone 3 years from now... well, let's say 5! And here I am, 4, almost 5 years later, reading this news - and they are all prematurely dead. There is no remedy for the death of my many brothers. All of a sudden, I realize that there really was I a remedy for AIDS. It is time to get up, answer the phone, meet the people at ABIA. Celebrate with the people at IBASE. Open a bottle of champagne or beer. Call and find where the drug is, how to buy it, the price, the delivery date. When would it be available, at what price? Who could buy it? Something unusual was happening at the same time. Friends that I could never suspect were calling me to say, now that there was a cure, that they were also HIV-positive. Others were saying that their sexual life was a chaos, but now there was a cure. Others were calling me to say that they were going to start treating and controlling the disease and thinking about life, because now there was a cure. And others, finally, were saying that now they could tell the press about their seropositivity and serve as models to others, now that there was a cure. Suddenly, I realized that all had changed because there was a cure. That the idea of inevitable death paralyses. That the idea of life mobilizes... even if death is inevitable, as we all know. To wake up knowing that you are going to live makes everything in life meaningful. To wake up thinking that you are going to die makes everything senseless. The idea of death is death itself. 47 Suddenly, I realized that the cure of AIDS existed even before it existed, and that it is called life. It happened suddenly, as everything does. 48 For more information on AIDS in Brasil, see the series História Social da AIDS A AIDS NO MUNDO Jonathan Mann, Daniel J.M. Tarantola e Thomas W. Netter (editors) A AIDS NO BRASIL Cristiana Bastos, Jane Galvão, Richard Parker e José Stalin Pedrosa (editors) A DA C O N S T R U Ç Ã O SOLIDARIEDADE Richard Parker 49