173 Estudo Multicêntrico Brasileiro da Eficácia do Sotalol em Arritmias Ventriculares Ivan G. Maia, Adalberto M. Lorga (Coordenador), Angelo A. V. de Paola, Anis Rassi, Ayrlon K Perez, Dario Sobral, Jacob Atie, Julio C. Gizzi, Rubens Darwich Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), São José do Rio Preto (SP), Goiânia (GO), Recife (PE), Brasília (DF)Belo Horizonte (MG) Objetivo - Avaliar através de ensaio clínico prospectivo, randomizado, duplo-cego cruzado contra placebo, a eficácia do sotalol na dose oral de 320mg diários em reduzir taquiarritmias ventriculares não sustentadas (TVNS). Métodos - Foram avaliados em condições de controle (Ct), placebo (Pb) e droga (Dg), 90 portadores de um número médio 2³50 extra-sístoles horárias (EV), com ou sem respostas pareadas (RP) e TVNS, registradas no Holter. Considerou-se a droga como efetiva, frente a uma redução ³75% das EV e ³90% das RP e TVNS. Avaliaram-se os resultados globais e os observados em doenças específicas, incluindo a cardiopatia chagásica crônica, arritmias ventriculares idiopáticas e doença coronariana e hipertensiva sistêmica. Resultados - Não ocorreram diferenças significativas entre Ct e Pb. Globalmente, a droga reduziu as EV em 42% (38/90 pacientes), as RP em 48% (32/67 e as TVNS em 53% (19/36), com médias respectivas entre Pb e Dg de 11.770±13.818 para 1.043±1.554 nas EV (p<0,001); de 439±586 para 27±52 nas RP (p<0,001) e de 445±1.147 para 2,5±5,8 nas TVNS (p<0,102). Nos chagásicos, redução das EV de 33% (13/39 pacientes), das RP em 42% (14/ 34) e das TVNS em 64% (12/22). Nos idiopáticos, a redução das EV foi de 53% (17/32 pacientes), das RP de 50% (10/20) e das TVNS de 36% (4/11). Nos isquêmicos e/ou hipertensos, a redução das EV foi de 47% (7/15 pacientes) e de 73% nas RP (8/11). Conclusão - Na população estudada e na dose indicada, o sotalol mostrou ser um fármaco efetivo para controle de TVNS, apresentando mínimos efeitos colaterais. Palavras-chave: arritmias ventriculares, sotalol Brazilion Multicenter Study of Sotalol Effectiveness in Ventricular Arrhythmias Purpose - To evaluate the effects of sotalol in patients with nonsustained ventricular tachyarrhythmia (NSVT). Methods - Ninety patients were enrolled. Patients were submitted to a double-blind crossover randomized study (placebo x 320ms/po/d/sotalol; 4 weeks, after a washout control period. Holter recordings were performed in control (Ct), placebo (Pb) and drug (Dg) periods. Eligible patients had >50/h isolated ventricular premature beats (VPB), in control, with or without pairs (P) or nonsustained VT (NSVT; >3 beats, >100bpm). Drug efficacy criteria were; ³75% reduction in isolated VPB, reduction ³ 90% of P and NSVT. The effects of the Dg were evaluated in the global population, in patients with Chagas’ disease, idiopathic arrhythmias and ischemic/hypertensive patients. Results - Differences between control and placebo were NS. Isolated VPB; Dg was effective in 42% (38/90 patients) with a mean of Pb and Dg respectively of 11,770±13,818 and 1,043±1,554 (p<0.001). Pairs: drug was effective in 48% (32/67 patients) with a mean of Pb and Dg respectively of 439±586 and 27±52 (p<0.001). NSVT: drug effectiveness was 53% (19/36 patients) with a mean of Pb and Dg respectively of 445±1,148 and 2.5±5.8 (p<0.102). In patients with Chagas’ disease, the reduction in VPB was 33% (13/39 patients), in pairs was 42% (14/34) and in NSVT was 64% (12/22). In idiopathic patients the reduction of VPB was 53% (17/32 patients), in pairs was 50% (10/20) and in NSVT was 36% (4/11). In ischemic and hypertensive patients the reduction of VPB was 47% (7/15 patients) and 73% in pairs (8/11). Conclusion - In the present study, sotalol was effective in the control of nonsustained ventricular tachyarrhythmia, with minimal side-effects. Key-words: ventricular arrhythmia, sotalol Arq Bras Cardiol, volume 66 (n°3),173-178, 1996 Correspondência: Ivan G. Maia - Rua Raul Kennedy, 81 - 22631-200 - Rio de Janeiro, RJ Recebido para publicação em 30/11/95 Aceito em 6/2/96 Vários trabalhos de literatura têm demonstrado ser o sotalol uma droga efetiva para controle das formas habituais de taquiarritmias ventriculares1-6. Seus efeitos antiarrítmicos principais relacionam-se a uma ação betabloqueadora não cárdio-seletiva, bem como a um significativo efeito sobre a Arq Bras Cardiol colume 66, (nº 3), 1996 174 repolarização, prolongando o período refratário efetivo de praticamente todas as estruturas dinâmicas do coração7. Devido às suas propriedades, enquadra-se como droga das classes 2 e 3 na classificação proposta por Vaugham-Williams8. Por ser o sotalol uma droga introduzida recentemente para uso clínico, torna-se de interesse melhor conhecer e divulgar seus efeitos farmacológicos. Assim, o objetivo do presente estudo será de relatar os resultados de um ensaio nacional multicêntrico, envolvendo portadores de taquiarritmias ventriculares de etiologias diversas. Métodos Através de ensaio multicêntrico duplo-cego, cruzado, randomizado, foi avaliada a ação antiarrítmica do sotalol em 90 pacientes, selecionados a partir de um grupo inicial de 109 doentes. Destes, 8 abandonaram o protocolo, havendo em 11 não aderência. O grupo final estava composto por 45 homens e 45 mulheres, idade média global de 51,1±12,7 anos. Eram portadores de cardiopatia chagásica crônica (CCC), diagnosticada pelos métodos clínicos convencionais 39 (43%) pacientes, sendo 18 homens e 21 mulheres, com idade média de 50,5±12,0 anos. Apresentavam arritmias ventriculares de caráter idiopático, com exames de rotina, incluindo ecocardiograma, normais,32 (35,5%) pacientes, sendo 12 homens e 20 mulheres, com idade média de 46,8±13,2 anos. Eram portadores de doença coronariana aterosclerótica crônica e/ou hipertensão arterial sistêmica 15 (17%) pacientes, sendo 11 homens e 4 mulheres, idade média de 62,4±8,3 anos. Completando o grupo,3 pacientes apresentavam miocardiopatia crônica idiopática e um, valvulopatia aórtica. Na tabela I encontram-se os dados de identificação dos pacientes. Todos os pacientes foram submetidos a ensaio clínico prospectivo, duplo-cego, cruzado, randomizado, usando-se 320mg oral do sotalol, em sua forma racêmica, em duas tomadas diárias. Utilizaram-se neste ensaio, os seguintes critérios para elegibilidade dos pacientes: idade entre 20 e 75 anos, sintomáticos ou assintomáticos, apresentando ou não cardiopatia estrutural, fração de ejeção de ventrículo esquerdo ao ecocardiograma >40%, freqüência cardíaca (FC) basal, função renal e pressão arterial adequadas, ausência de tratamento com amiodarona por período mínimo de 6 meses. Os pacientes deveriam apresentar ao Holter-24h, uma média horária de extra-sístoles ventriculares isoladas >50 (EV), com ou sem respostas pareadas (RP) e taquicardias ventriculares não sustentadas (TVNS). Considerou-se como TVNS, a presença de 3 ou mais despolarizações ventriculares sucessivas, com freqüência >100 por minuto e duração <30s. O objetivo primário do estudo, para considerar a droga efetiva, era obter uma redução ³ a 75% das EV e ³90% das RP e TVNS quando presentes, nas relações entre placebo e droga. Após avaliação dos critérios clínicos de seleção, os pacientes eram submetidos a uma gravação de Holter-24h, para quantificação dos eventos taquiarrítmicos ventriculares. Preenchendo os requisitos eletrocardiográficos de elegibili- dade e após consentimento escrito para participar do ensaio, eram randomizados com placebo ou droga, por período de 4 semanas, com nova gravação de Holter-24h ao final do mesmo. De imediato, procedia-se a troca da medicação (placebo ou droga), com novo período de 28 dias de uso e a última gravação de Holter-24h ao final do mesmo. Os registros eletrocardiográficos contínuos foram obtidos em gravadores convencionais, sendo analisados de forma cega, inicialmente pelo pesquisador responsável e, posteriormente, reanalisados em um único aparelho (Marquette) pelo coordenador do protocolo. Os dados utilizados para análise referiram-se aos obtidos pelo coordenador. Em todos os registros, qualificaram e quantificaram os eventos taquiarrítmicos ventriculares nas 3 situações descritas; controle (Ct), placebo (Pb) e droga (Dg). Confrontaram-se os resultados entre Ct e Pb e Pb e Dg para definição da eficácia do fármaco sobre a população total. Em função das dificuldades para avaliar os efeitos da droga sobre as RP e TVNS, consideraram-se para fins de análise da efetividade, apenas as gravações que apresentassem um número ³5 desses eventos no Pb, com redução ³90% no pós-droga. Como foram incluídos no ensaio pacientes com doenças clinical diversas, os resultados também foram avaliados em função das mesmas. Assim, analisaram-se os efeitos do fármaco sobre a população chagásica, idiopática e no grupo isquêmico/ hipertensivo. Durante o período do ensaio, os pacientes foram acompanhados clinicamente, obtendo-se dosagens bioquímicas relacionadas à função renal e hepática, ecocardiogramas e eletrocardiogramas (ECG) seriados. Observou-se com especial atenção a ocorrência de possíveis efeitos colaterais, atribuíveis ao medicamento. Todos os dados foram expressos pela média e desviopadrão. Correlações estatisticas foram estabelecidas aplicando-se teste de variância, considerando-se um valor de p<0,05 como significativo. Resultados Não foram observadas diferenças estatisticas significativas entre Ct e Pb, nas 3 formas de apresentação das arritmias ventriculares (EV: Ct= 13.315,5±11.784,0; Pb= 12.795,5±13.275,0 - p<0,790. RP: Ct= 510,1±721,5; Pb= 423,9±578,1 - p<0,447. TVNS: Ct= 420,1±1.881,4; Pb= 503,1±2.299,1 - p<0,867). Globalmente, a droga atingiu níveis de eficácia pare EV em um total de 38 dos 90 (42%) pacientes, tendo apresentado percentuais de redução entre 72 e 74% em mais 4 pacientes. No grupo efetivo a média de EV no Pb foi de 11.770,0±13.818,7, passando no pós-droga para 1.043,3±1.554,2 eventos (p<0,001) (fig. 1). Apresentaram no placebo número ³5 RP 67 (74,5%) pacientes, havendo redução em 48% dos mesmos (32/67 pacientes), por ação do fármaco. Média no grupo Pb de 439,0±585,8 e no pós-droga de 27,0±52,3 eventos - p<0,001 (fig.2). Apresentaram um número ³ 5 surtos de TVNS no Pb 36 (40%) pacientes. Hou- Arq Bras Cardiol colume 66, (nº 3), 1996 175 Tabela I - Identificação dos pacientes envolvidos no ensaio Caso 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 Sexo M F F M M M F F F M M F M F M F F F M F F M F M F F M M F F F F F F M M F M M F M F M F M Idade 52 47 64 65 44 42 59 31 56 42 53 65 53 28 53 44 42 25 48 46 50 45 62 45 56 68 58 54 69 51 40 45 20 36 66 70 36 63 66 64 44 37 48 72 40 Diagnóstico CCC CCC ISQMP ISQ/HP CCC CCC Idiopático CCC Idiopático Idiopático Valvulopatia CCC CCC CCC Idiopático CCC Idiopático Idiopático Miocardiopatia Idiopático CCC CCC CCC CCC Idiopático CCC ISQ/HP ISQ/HP ISQ/HP Idiopático Idiopático ISQ/HP Idiopático Idiopático ISQ/HP ISQ/HP CCC ISQ/HP ISQ/HP Idiopático CCC CCC CCC CCC CCC Caso 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 Sexo F M F M M F F F F F M F M M M F F F M M F M M F F M F M M M F F M F M F M F M M M M M M M Idade 40 42 42 65 44 69 49 56 32 45 67 50 53 46 45 39 29 53 30 73 44 54 72 69 70 65 31 47 28 69 59 50 51 45 50 64 67 48 57 73 60 38 67 46 50 Diagnóstico Idiopático CCC CCC CCC Idiopático CCC Idiopático CCC CCC CCC Idiopático Idiopático CCC CCC Idiopático Idiopático Idiopático Idiopático Idiopático CCC CCC CCC CCC CCC ISQ/HP Idiopático Idiopático ISQ/HP Idiopático Idiopático Idiopático Idiopático CCC CCC CCC CCC ISQ/HP CCC Idiopático ISQ/HP ISQ/HP Idiopático Idiopático Miocardiopatia Miocardiopatia M- masculino; F- feminino; CCC- cardiopatia chagásica crônica; ISQ/HP- isquêmico/hipertensivo Fig. 1 - Gráfico representativo dos resultados observados com a droga, sobre as extrasístoles ventriculares isoladas, no grupo efetivo. Fig . 2 - Gráfico demonstrativo dos efeitos do sotalol sobre as respostas pareadas e taquicardias ventriculares não sustentadas no grupo responsivo. Arq Bras Cardiol colume 66, (nº 3), 1996 176 ve redução >90% dos eventos em 19 (53%) pacientes. Neste grupo, a média de TVNS no Pb foi de 445,0±1.147,1 e no pós-droga de 2,5±5,8 eventos (p<0,102) (fig. 2). Nos 39 pacientes com CCC, houve uma redução das EV ³75% em 13 (33%), com uma média no Pb de 6.035,8±4.263,9 e no pós-droga de 783,7±908,9 eventos (p<0,001). As RP em número ³5 eventos no Pb foram observadas em 34 (87%) pacientes. A droga as reduziu em número >90%, em 42% da população (14/34 pacientes), com uma média respectiva no Pb e Dg de 367,9±477,0 e 29,5±54,7 (p<0,05) (fig.3). Exibiram um número³5 episódios de TVNS no Pb 22 (56%) pacientes. Houve significativa redução desses eventos no pós-droga (14/22 pacientes, 64%), com uma média no Pb de 28,2±22,8 e após o fármaco de 0,86±1,2 (p<0,001)(fig.4). Nos idiopáticos a droga atingiu níveis de redução ³75% em 17 dos 32 (53%) pacientes com uma média no Pb de 15,67±116.890 e no pós-droga de 1,386±2.084 (p=0,002). Respostas pareadas ³5 no Pb foram observadas em 20 dos 32 (62,5%) pacientes, com redução efetiva das mesmas, por efeito da droga, em 10 (50%). A média no Pb foi de 289,2±484,2 e com a Dg de 10,5±19,7 (p<0,05) (fig. 3). Apresentaram TVNS em número ³5 surtos no Pb 11 pacientes, com redução significativa desses eventos em 4 (36%) pacientes. A média foi de 4.019,7±6.536,0 e com a Dg de 7,0±10,3 eventos (p=0,266). Apesar do número menos significativo de pacientes, analisamos os efeitos da droga sobre a cardiopatia isquêmica hipertensiva. A droga reduziu de forma significativa as EV em 7 dos 15 (47%) pacientes com uma média no Pb de 12.618±13.419 e no pós-droga de 776±1.013(p<0,047). Apresentaram RP em número³5 (73%) 11 pacientes, com redução atingindo os níveis propostos em 8 (73%). A média no Pb foi de 746,8±805,6 passando com a droga para 43,5±73,o eventos (p=0,032). Em relação a TVNS, notou-se sua presença 3 pacientes, com redução em 2. Fig. 3 - Gráfico demonstrativo dos efeitos do sotalol sobre as respostas pareadas ventriculares, na população responsiva e com cardiopatia chagásica crônica e arritmias ventriculares idiopáticas. P- placebo: D-droga. Fig. 4 - Gráfico demonstrando os efeitos do sotalol sobre as taquicardias ventriculares não sustentadas, na populasão responsiva e portadora de cardiopatia chagásica crônica. Durante o período do ensaio e na dose indicada, foram observados em 23 (25,5%) pacientes efeitos colaterais atribuíveis à droga. Os mais freqüentes relacionaram-se às queixas de astenia e tonturas, havendo, em 3 pacientes, abandono ao ensaio devido aos sintomas. Fenômenos de próarritmia foram observados em 2 pacientes, com incrementos de 4 vezes e 100 vezes no número de EV nas relações Pb e Dg, sem no entanto, ter havido suspensão do fármaco. Não houve mortalidade durante a fase do ensaio, bem como outros efeitos cardíacos maiores. Não foram observadas alterações nas dosagens bioquímicas, nos ecocardiogramas e nos ECG seriados, exceto uma redução da FC por efeito da droga (ciclo médio no Pb de 779±96ms e no pós-droga de l.090±101ms - p<0,001). Os efeitos do fármaco sobre o intervalo QT foram irregulares. Discussão Embora existam hoje, opções não farmacológicas para tratamento das arritmias ventriculares, sua grande maioria, quando se apresenta de forma não sustentada e necessitando de tratamento clínico, é manuseada com drogas antiarritmicas. As indicações para uso desses fármacos, vêm na atualidade passando por uma profunda revisão9,10 no entanto, são inquestionáveis as suas aplicações em algumas condições clinical específicas, que incluem, por exemplo, pacientes sintomáticos com queixas de palpitações ou outras manifestações correlacionáveis aos eventos ectópicos ventriculares, TVNS na cardiomiopatia hipertrófica, arritmias ventriculares da doença ventricular direita arritmogênica ou como manifestação tardia pós-cirurgia de correção da tetralogia de Fallot. Pacientes com taquicardia ventricular sustentada no pós infarto do miocárdio, sem opções de tratamento não farmacológico, são também e, em princípio, controlados com drogas antiarrítmicas. Assim, ainda existe um amplo espaço para aplicação clínica desses fármacos, sendo, portanto, de interesse que sejam introduzidas novas opções de escolha. Arq Bras Cardiol colume 66, (nº 3), 1996 O antiarrítmico ideal seria aquele que além de reduzir de forma significativa os eventos ectópicos ventriculares, apresentasse mínimos efeitos colaterais sistêmicos e cardíacos e reduzisse de forma indiscutível a mortalidade de determinadas doenças específicas. As duas primeiras questões poderão ser atingidas com algumas das drogas atualmente disponíveis no mercado, a terceira permanece um campo aberto para discussões e pesquisas, validando com isso a introdução e a busca de novos fármacos, através de vários tipos de ensaios clínicos, incluindo-se o do presente estudo. A maioria dos trabalhos de literatura demonstra que as drogas antiarritmicas reduzem os eventos ectópicos ventriculares em proporções que variam em média entre 40 e 70%11. Esses níveis são aceitos de uma maneira geral como indicativos de eficácia das mesmas, nos objetivos propostos. No presente ensaio, observamos, com o uso do sotalol, valores semelhantes aos descritos. Em uma população heterogênea, os niveis globais de redução >75%, para os eventos ectópicos isolados atingiu 42% dos pacientes, 48% para as repostas pareadas e 53% para as TVNS. Utilizamos critérios rígidos, para avaliação dos efeitos do fármaco sobre as RP e TVNS. Incluímos apenas gravações que apresentassem número superior a 5 eventos no Pb, reduzindo com isso a massa de pacientes, mas, certamente, aumentando a sensibilidade do ensaio para definir os efeitos do fármaco sobre esses tipos específicos de manifestações arrítmicas ventriculares. Esta forma de procedimento, infelizmente, não vem sendo adotada na literatura, impedindo o estabelecimento de correlações dos nossos resultados com outros da literatura. Os níveis de redução, que observamos, foram significativos, especialmente no que se refere a TVNS. Os mecanismos eletrofisiológicos de produção das arritmias cardíacas são diversos, bem como distintamente sensiveis às drogas antiarrítmicas. Pode-se admitir com segurança, que os mesmos ocorrem em patologias distintas e preferenciais. Assim, a reentrada tem sido o mecanismo implicado na produção de TVNS e sustentada no pós-infarto do miocárdio12, os pós-potenciais nas arritmias ventriculares idiopáticas oriundas do ventrículo direito, naquelas verapamil sensível e no torsades de pointes 13, automatismo aumentado em algumas formas de ectopias ventriculares isoladas bem como nas para-sistolias14. A inclusão em qualquer ensaio clínico, de patologias distintas para uma análise global, implicará certamente em resultados que expressam efeitos do fármaco testado, sobre mecanismos diversos de produção das arritmias. Estas drogas possuem ações iônicas e autonômicas variáveis15, podendo, como conseqüência, apresentar resultados diferenciáveis sobre as diversas condições mórbidas estudadas. Baseados nestas idéias, tentamos no presente ensaio, além de avaliar os efeitos do sotalol sobre toda a população envolvida, demonstrando sua efetividade, 177 também analisar seus efeitos sobre condições específicas. O número de pacientes envolvidos, embora reduzido, permitiria, a nosso ver, por se tratar de um ensaio terapêutico, delinear conclusões. Os resultados observados no grupo idiopático foram semelhantes aos da literatura16 , em especial naqueles apresentando a forma repetitiva de taquicardia ventricular17,18 . No que se refere a CCC, os resultados foram curiosos e permitiram algumas considerações sobre os mesmos. A droga apresentou percentuais relativamente baixos de redução das EV (33% dos pacientes), no entanto, foi significativa a sua ação sobre as RP, englobando 42% dos doentes e em especial sobre as TVNS (64% da população incluída - 14/22 pacientes). Esses dados sugerem ser a droga capaz de atuar sobre os mecanismos envolvidos na produção de respostas repetitivas, sem no entanto, aboli-los integralmente, permitindo a manutenção de respostas isoladas. De uma maneira geral, esses resultados estão concordantes com os de literatura, que demonstram ser o sotalol uma droga altamente efetiva no controle de taquicardias ventriculares sustentadas, induzidas por estimulação ventricular programada em laboratório de eletrofisiologia clínica19. Nesses estudos, demonstrou-se efetivamente pelos resultados, um importante efeito do fármaco sobre os mecanismos de sustentação das taquicardias ventriculares. Assim, o efeito da droga, reduzindo a capacidade das ectopias ventriculares isoladas de funcionarem como mecanismo de disparo para eventos repetitivos ou sustentados, diminuiria em muito a capacidade mórbida das mesmas. Seria um efeito desejável e de importância clínica indiscutível. No entanto, para a sua definitiva confirmação haverá necessidade de estudos com populações em número mais abrangente. No que se refere a cardiopatia isquêmica e hipertensiva, os níveis de redução foram muito significativos, 47% da população para EV, 73% para as RP e 67% para as TVNS, no entanto, frente ao pequeno número de pacientes envolvidos, esses resultados deverão ser considerados com muita reserva. Os efeitos colaterais apresentados pelo sotalol no presente ensaio, foram mínimos e compatíveis com a sua utilização clínica. Fenômenos pró-arrítmicos ocorreram em 2,2% (2/90 pacientes), semelhantes aos observados em outros trabalhos20 . Em resumo, os resultados deste ensaio permitiram concluir ser o sotalol uma droga segura e efetiva para controle das diversas formas de apresentação das TVNS. Sua eficácia, muito provavelmente, se relaciona com a interação entre suas duas principais ações farmacológicas; o efeito betabloqueador não cárdio-seletivo e o prologamento da refratariedade tissular. Ambos representam mecanismos antiarritmogênicos comprovadamente efetivos. Arq Bras Cardiol colume 66, (nº 3), 1996 178 Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Anderson JL - Efectiveness of sotalol for therapy of complex ventricular arrhythmias and comparison with placebo and class I antiarrhythmic drugs. Am J Cardiol 1990; 65: 37A-42A. Deedwania PC - Suppressant effects of conventional beta blockers and sotalol on complex and repetitive ventricular premature complexes. Am J Cardiol 1990;65:43A-50A. Hohnloser SH, Zabel M, van de Loo A, Klingenheben T. Just H - Efficacy and safety of sotalol in patients with complex arrhythmias. Intemational J Cardiol 1992;37:283-91. 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