Eficácia e segurança da vareniclina em doentes com doença

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Eficácia e segurança da vareniclina em doentes com doença coronária crónica
O sistema nervoso autónomo tem, como é sabido, um
importante papel na regulação do tonus das artérias coronárias, as quais relaxam devido à predominância de receptores
beta-1 adrenérgicos, prevalencendo a constrição em presença
de antagonistas beta-1. Daí que os bloqueadores beta adrenérgicos estejam contra-indicados na angina vasoespástica de
Prinzemetal. No que respeita à estimulação colinérgica, ela
leva à libertação de acetrilcolina que actua sobre os recetores
muscarínicos dos terminais nervosos simpáticos, reduzindo a
libertação de noradrenalina e diminuindo consequentemente
o relaxamento mediado pelos adrenoreceptors beta-1. Deste
modo, os agonistas muscarínicos tendem a provocar espasmo
coronário, e em condições de hipóxia dos miocitos, a sua resposta à estimulação beta adrenérgica diminui, sendo agravadas as respostas vasoconstritoras. A estimulação dos receptores nicotínicos é, contudo, a mais importante via de estimulação colinérgica do coração, levando a aumento da frequência
cardíada, da contractilidade cardíaca e da pressão arterial.
Os efeitos cardiovasculares simpaticomiméticos da nicotina são mediados pela ligação aos receptors nicotínicos
alfa3-beta4 da acetilcolina e pelos efeitos descritos, levam a
aumento do trabalho cardíaco e a vascoconstrição, diminuindo o fluxo coronário.
Tratando-se de um agonista colinérgico parcial, poderia
levantar-se a dúvida sobre se a vareniclina poderia ter algum
efeito negativo sobre o coração. No entanto, a sua alta selectividade sobre os receptors nicotinicos alfa4-beta2 da acetilcolina faria supor que os efeitos cardiovasculares não ocorreriam, uma vez que estes estão na dependência da estimulação dos receptores alfa3-beta4. Apesar da segurança verificada nos ensaios clínicos publicados e nos registos de farmacovigilância em milhares de doentes tratados, a demonstração
cabal, em terreno clínico e não hipotético ou esperimental,
dos efeitos cardíacos ou sua ausência da vareniclina, não
estava feita e daí o receito legítimo de usar o fármaco em
doentes com síndromas coronárias agudas recentes.
O estudo publicado no Circulation em 19 de Janeiro de
2010, por Rigotti (Massachussets General Hospital, Boston,
US) e colaboradores é um estudo multicêntrico, aleatorizado,
duplamente oculto, procurando demonstrar, em 714 doentes
fumadores com doença coronária estável, por um lado a eficácia da vareniclina na cessação tabágica e por outro a sua
segurança nestes doentes. Os doentes foram tratados durante 12 semanas com 1mg/dia de vareniclina ou placebo e
aconselhamento e foram seguidos por um período de 52
semanas. A taxa de abstinência continuada (últimas 4 semanas) determinada objectivamente pelo doseamento do
monóxido de carbono foi cerca de três vezes maior no grupo
tratado com vareniclina. (47.0% versus 13.9%; OR 6.11)
(Figura 1). Não obstante terem ocorrido várias recaídas após
o período de tratamento, o benefício da vareniclina persistiu
durante o período de seguimento, com uma taxa de abstinência superior (19.2% versus 7.2% para placebo; OR 3.14)
para a vareniclina para as semanas 9 até 52.
Victor M. Gil
Licenciatura em Medicina pela Faculdade de Medicina de
Lisboa, 1979. Doutoramento em Medicina pela Universidade
do Porto, 1999. European Cardiologist Diploma, 2003. Chefe
de Serviço de Cardiologia – Hospital de Santa Cruz - 2006.
Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia
(2003-2005). Director do Serviço de Cardiologia do Hospital
Fernando da Fonseca (2005). Professor Associado Convidado
da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa - 2008.
Coordenador do Departamento Cardiovascular do Hospital
dos Lusíadas - 2008.
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Recebido para publicação: Agosto de 2010
Aceite para publicação: Agosto de 2010
Revista Factores de Risco, Nº19 OUT-DEZ 2010 Pág. 90-91
Figura 1
Taxa de abstinência
“A vareniclina foi bem tolerada
nestes doentes com doença
coronária estável,
não se associando a aumento
da frequência cardíaca
ou de pressão arterial,
novos eventos ou mortalidade.”
Figura 2
O presente estudo confirma a eficácia da vareniclina na
cessação tabágica nos doentes com doença coronária crónica; é igualmente confirmada a segurança da terapêutica
não só na segurança cardiovascular como psiquiátrica. A
extrapolação a outras populações como a dos doentes com
Síndroma Coronária Aguda recente não dever ser automática, não obstante estes resultados encorajam a sua utilização
nesse contexto, aproveitando a alta motivação para a cessação tabágica que os doentes têm nesse período.
Apesar dos resultados promissores, o tamanho relativamente pequeno da amostra e o período relativamente curto
de seguimento, embora semelhantes aos usados na avaliação de outros fármacos como o Buproprion, deve aconselhar prudência na valorização dos mesmos.
A vareniclina foi bem tolerada nestes doentes com doença coronária estável, não se associando a aumento da frequência cardíaca ou de pressão arterial, novos eventos ou
mortalidade. Não se verificou qualquer diferença entre o
grupo tratado com vareniclina e o grupo placebo quanto à
mortalidade cardiovascular (0,3% versus 0,6%; diferença,
0,3%; 95% CI, 1,3 a 0,7), mortalidade por qualquer causa
(0,6% versus 1,4%; diferença, 0,8%; 95% CI, 2,3 a 0,6), eventos cardiovasculares (7,1% versus 5,7%; diferença, 1,4%; 95%
CI, 2,3 a 5,0), ou eventos adversos graves (6,5% e 6,0%; differença, 0,5%; 95% CI, 3,1 a 4,1). (Figura 2) A taxa de descontinuação do fármaco em consequência de eventos adversos
foi de 9,6% para a vareniclina e 4,3% para o placebo. Um
outro aspecto avaliado neste estudo foi o da incidência de
eventos psiquiátricos, que também não foi maior no grupo
tratado com vareniclina que no placebo.
Victor M. Gil
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