9 1 INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1989) milhões de pessoas adoecem todos os anos em virtude da ingestão de alimentos contaminados, por meio de diversos agentes etiológicos, os quais podem levar o desenvolvimento de diferentes patologias. A ocorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTA) vem aumentando consideravelmente no mundo. Destacam-se vários fatores que contribuem para esse crescimento: a maior exposição a alimentos destinados ao pronto consumo coletivo, tipo “fast food”; o consumo de alimentos em vias públicas; a utilização de novas modalidades de produção; a mudança de hábitos alimentares e ainda o deficiente controle dos órgãos públicos no tocante à qualidade dos alimentos ofertados às populações (SVS/MS, 2003). Segundo Suzuki (2009) as ocorrências de DTA vêm aumentando no mundo por fatores como a globalização da economia, intensa mobilização das pessoas e mudança nos hábitos alimentares. Tais fatores contribuíram para mudar, inclusive o protótipo de surtos, que hoje não mais se restringem a locais fechados, podendo ser um conjunto de casos aparentemente isolados e espalhados geograficamente, mas que tiveram uma fonte de contaminação em comum. Dentre os alimentos associados as DTA estão os pescados. Em virtude das suas características de composição, atividade de água, potencial eletrolítico e condições de higiene, transporte e armazenamento, os pescados são vulneráveis à ação de microrganismos deterioradores e patogênicos ao homem. Estes fatores favorecem a colocação dos pescados no topo da lista de alimentos associados com doenças transmitidas por alimentos (SALGADO, et al 2006). Entre os gêneros que fazem parte da microbiota natural do pescado, podem ser citados Pseudomonas, Moraxella, Shawanella, Flavobacterium, Vibrio e Micrococcus. Os mais importantes pela deteriora são os gêneros Pseudomonas e Shawanella. Merecem destaque as bactérias do gênero Salmonella, tanto de origem humana quanto animal, bem como a Shiguella spp., todas encontradas em água poluídas por esgotos. Inúmeros agentes bacterianos podem, ainda, contaminar o pescado e causar danos à saúde do consumidor. Assim, as cepas psicrotróficas de Bacillus cereus, Clostridium perfringens, Klebsyella sp., 10 Escherichia coli e coliformes fecais podem ser encontrados nos peixes frescos ou congelados e nos produtos industrializados (GERMANO et al., 2004 apud LIBRELATO, 2009). Considerando a importância das doenças transmitidas por alimentos para saúde pública e o crescente mercado da aqüicultura no Brasil, objetivou-se com este trabalho realizar uma revisão de literatura sobre as doenças provocadas pelo consumo de alimentos e em especial pelo pescado. 11 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (DTA) O desenvolvimento e a tecnificação na produção e industrialização de alimentos de origem animal resultaram em melhoras consideráveis nas condições higiênicas dos mesmos. Porém, apesar de inúmeros avanços, ainda hoje verifica-se a existência de surtos de doenças transmitidas por alimentos (NADVORNY, 2004). Provavelmente, por atingir uma grande quantidade de indivíduos ao mesmo tempo, observa-se uma maior divulgação dos surtos associados a alimentos processados industrialmente, porém, o número de ocorrência em lares, bares e restaurantes é muito maior, embora não receba a mesma atenção (FRANCO et al, 1999). A Organização Mundial de Saúde considera que as doenças transmitidas por alimentos (DTA) são um problema de saúde pública, uma vez que atingem grande número de indivíduos em todas as partes do mundo, e causam prejuízos não somente à saúde do consumidor como também incapacidade laboral temporária, gastos com tratamento médico, perdas emocionais, dentre outros (BENEVIDES; LOVATTI, 2004). Em todo o mundo, perto de dois bilhões de pessoas adoecem a cada ano após a ingestão de alimentos insalubres (ABRAMCZYK, 2005); nos Estados Unidos estima-se que, por ano, ocorram cerca de 6,5 milhões de casos de infecções e 9.000 óbitos em conseqüência das doenças transmitidas por alimentos (PERESI, 1998). Segundo a Secretaria de Vigilância Sanitária do Mato Grosso do Sul (2003), doença transmitida por alimento é um termo genérico, aplicado a uma síndrome geralmente constituída de anorexia, náuseas, vômitos e/ou diarréia, acompanhada ou não de febre, atribuída à ingestão de alimentos ou água contaminados. Sintomas digestivos, no entanto, não são as únicas manifestações dessas doenças: podem ocorrer ainda afecções extraintestinais, em diferentes órgãos e sistemas como: meninges, rins, fígado, sistema nervoso central, terminações nervosas periféricas e outros, de acordo com o agente envolvido. As DTA podem ser causadas por toxinas, bactérias, vírus, parasitas e substâncias tóxicas. Inúmeras classificações são utilizadas para designar as toxiinfecções de origem alimentar: 12 • Intoxicação: a) Quando se referir às reações adversas como decorrentes de substâncias tóxicas presentes naturalmente, ou não, nos alimentos. Exemplos: praguicidas, metais etc.; b) Quando os microrganismos (bactérias, vírus etc.) que utilizam o alimento como substrato para seu crescimento, elaborarem certas toxinas, que quando ingeridas junto com o alimento, causam reações adversas, sendo elas as causadoras do mal. Neste caso não há necessidade da ingestão de células viáveis do microorganismo para que os sintomas apareçam, pois a intoxicação é devida às substâncias tóxicas (toxinas) presentes no alimento antes de seu consumo. Exemplo: botulismo causado por Clostridium botulinum. • Infecção: a) Quando se referir às reações adversas como decorrentes de microrganismos patogênicos que utilizam o alimento como meio de transmissão, ou seja, o alimento serve como veículo, sem haver crescimento microbiano no mesmo. Exemplo: tifo causado por Salmonella typhi; b) Quando se referir às reações adversas como decorrentes de microrganismos que utilizam o alimento como substrato para seu crescimento, sendo necessária a ingestão de células viáveis para que os sintomas se manifestem. Exemplo: salmonelose causada por várias espécies de Salmonella • Toxiinfecção: quando os microrganismos ´presentes no alimento produzem toxina no organismo da pessoa que o ingeriu. O período de incubação é de poucas horas. A toxina formada é absorvida pelo organismo (intestino principalmente). Os sintomas mais comuns das toxiinfecções alimentares são: diarréia, vômitos, dores abdominais, náuseas, febre e calafrios. Em alguns casos podem causar distúrbios no sistema nervoso central e periférico, anemia, problemas respiratórios, dificuldade de fonação e podem ter efeito abortivo. As crianças, idosos, portadores de enfermidades debilitantes (tuberculose, cirrose hepática etc.) e pessoas que utilizam medicamentos para reduzir a imunidade são o grupo mais atingido pelas toxiinfecções (PEDRO, 2009; PEETERS, 2009). Pedro (2009) destaca entre as principais bactérias causadoras de surtos de DTA: Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Clostridium botulinum, Clostridium perfringens, Salmonella sp e Escherichia coli. 13 Várias formas de contaminação dos alimentos podem ser descritas conforme figura 1. Figura 01: Possíveis formas de contaminação dos alimentos por microrganismos. Fonte: SEAP-PR, 2007 Os produtos que causam agravos à saúde do consumidor podem ter aparência, gosto, consistência e aroma normais. Contudo, tendo as condições apropriadas de calor, tempo, alimento e umidade, as bactérias prejudiciais à saúde multiplicam-se depressa (HAZELWOOD; MCLEAN, 1994). Segundo Dias et al. (in XVI Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos, 1998 apud PEETERS, 2009), os 19 surtos investigados, entre janeiro e dezembro de 1997, em 12 municípios de Minas Gerais envolveram 3270 pessoas das quais 875 adoeceram, sendo necessária, inclusive, a hospitalização de algumas. As amostras envolvidas foram examinadas pelo Serviço de Microbiologia de Alimentos/DBM/FUNED. Destes surtos, 15 tiveram sua origem comprovada, sendo os agentes isolados: Staphylococcus aureus (31,56%), Salmonella enteritidis (15,78%), S.enteritides e enterotoxina estafilocócica (10,52%), Bacillus cereus (10,52%), Klebsiella (10,52%) e 14 resíduos de antibióticos (5,26%). Um dos surtos ocorreu em uma unidade neonatal e foi causado pela transmissão de Klebsiella sp multiresistente através do leite das mamadeiras, levando ao óbito de um recém nascido. Outro surto relacionado ao consumo de leite pasteurizado tipo C e enriquecido com vitaminas A e D levou o consumidor a ter reações alérgicas à penicilina presente no mesmo. Exemplos recentes, são os surtos ocorridos em vários estados do Canadá e dos Estados Unidos, provocados por Escherichia coli O157:H, em carne moída; vírus Norkwalk, em ostras; Vibrio parahaemolyticus, em moluscos; Listeria, em saladas preparadas; e Salmonella, em melões (OPAS/OMS, 2003). Dos 99 surtos de DTAs ocorridos no Rio Grande do Sul, em 2000, 74 (74,7%) foram ocasionados por Salmonella sp. Os alimentos preparados com ovos estiveram envolvidos em 72,2% dos surtos de salmonelose e a carne de frango, em 11,4% revelando que 83,6% dos casos tiveram alimentos oriundos da cadeia avícola envolvidos. Outros alimentos envolvidos nestes surtos foram, em menor freqüência, capeleti (3,8%), lasanha (2,8%) carne bovina (2,5%), rizoto (1,3%) e bacon (1,2%) (NADVORNY, 2004). 2.2 O PESCADO COMO FONTE DE AGRAVOS À SAÚDE De acordo com o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), em seu Artigo 438, entende-se que pescado compreende os peixes, crustáceos, moluscos, anfíbios, quelônios e mamíferos de água doce ou salgada usados na alimentação humana (BRASIL, 1997). A classificação do pescado do ponto de vista industrial está baseada em seus componentes químicos e o conhecimento sobre esta composição é de extrema importância para a formulação de dietas e para a escolha da tecnologia que poderá ser utilizada no beneficiamento, processamento e conservação do mesmo (MACHADO, 1984). É estimado que a produção mundial de pescados seja em torno de 100 milhões de toneladas/ano, sendo 70 delas destinadas exclusivamente à alimentação humana. Tanto a produção como o consumo de peixes e derivados têm aumentado nos últimos 20 anos, constituindo a maior parte da proteína animal consumida em várias partes do mundo. Esta fonte protéica merece destaque por conter cerca de 21% a mais de aminoácidos essenciais do que a carne bovina (OPAS, 2001). 15 O pescado apresenta características específicas que o fazem um alimento benéfico (LEDERLE,1991): é rico em proteínas de alto valor biológico e de rápida digestibilidade, bem como possui em sua constituição ácidos graxos necessários ao desenvolvimento do cérebro e do corpo (KRAUSE, 1998), além de vários tipos de vitaminas e minerais que o tornam um alimento de elevado valor nutricional (FAO, 1997). O hábito de ingerir pescado varia de região para região, oscilando entre 21% no Norte e Nordeste, e 2% na região Sul. Nos últimos anos, todavia, tem-se observado uma mudança no perfil nutricional da população e a oferta de novas formas de apresentação deste alimento perecível que não seja a tradicional enlatada (GERMANO et al, 2008). Constantinido (1994) relata que o hábito de ingerir peixes, em especial crus, é de introdução recente no cardápio dos estabelecimentos de alimentos nas grandes cidades brasileiras. As lojas especializadas em sashimi e sushi, anteriormente restritas às regiões onde predominavam imigrantes asiáticos, tornam-se comuns nos bairros das classes mais variadas, estando presentes em quase todos os shoppings dentro da categoria dos fast-food, existindo até nas lojas especializadas na modalidade de entrega em domicílio. Segundo Germano et al (1993), este hábito vem aumentando gradativamente no Brasil e constitui uma sofisticação gastronômica responsável por incontáveis surtos de toxinfecções. Médicos sanitaristas atestam a falta de segurança no consumo de pescado cru. Por ser um alimento altamente perecível, o pescado exige cuidados especiais na sua manipulação, estando sujeito à contaminação pelos mais variados microrganismos, adquiridos no próprio ambiente aquático (COLLUCCI, 2005; SALGADO et al, 2006). A cadeia do alimento desde a criação ou captura do peixe, transporte, armazenamento e preparo é longa, e cria uma infinidade de chances de contaminação por parasitas, bactérias e fungos, comprometendo a qualidade do produto disponível (COLLUCCI, 2005; GERMANO et al, 1993). Esses microrganismos podem influenciar no prazo de vida comercial do pescado, já reduzido em função da sua própria composição biológica e limitado pelo processo de deterioração enzimática e microbiológica, acarretando em tempo restrito de comercialização e distribuição, principalmente quando transportado a longas distâncias (TANCREDI, 2002). Dentre as bactérias mais importantes, destacam-se as do gênero víbrio. O Vibrio parahaemolyticus é usual na água do mar, principalmente em nível das regiões costeiras, e pode estar associado a processos infecciosos oriundos do consumo de pescado. No homem causa gastroenterite aguda caracterizada por quadro disentérico, principalmente após o consumo de peixe, mariscos, camarões e ostras in natura ou insuficientemente cozidos 16 (NUNES, 1994) e aumenta sua relevância para a Vigilância Sanitária de Alimentos e Saúde Pública (PEREIRA, 2007). V. parahaemolyticus foi isolado pela primeira vez em 1951 no Japão, a partir de um surto de gastroenterite ocasionado pela ingestão de “shirasu” (sardinhas novas) não submetidas à cocção (COSTA, 2006). Determinado sorotipo desta bactéria foi incriminado por surto ocorrido na Índia em 1996 e desde então reconhecido como uma cepa emergente capaz de produzir surtos pandêmicos em diversas regiões do mundo (PEREIRA, 2007). O Vibrio cholerae, por sua vez, é de suma importância do ponto de vista da saúde pública, pois além de ser responsável por verdadeiras pandemias, pode apresentar-se com mortalidade elevada na dependência da população acometida. As ostras, os mariscos e caranguejos são os veículos naturais desta espécie de víbrio, devido às suas características filtradoras que conduzem à concentração de solutos e ao acúmulo de microrganismos. A ingestão de peixe in natura ou em conservas cruas tem sido apontada, também, como causa de cólera (VIEIRA, 2004). A espécie V. cholerae possui mais de 130 sorogrupos. Entretanto, apenas os sorogrupos O1 e O139 são associados a epidemias e pandemias de cólera. V. cholerae O1 é o agente etiológico da cólera epidêmica. Esse microrganismo foi descrito por Pacini em 1854, o mesmo ano em que John Snow identificou a relação existente entre a água utilizada para consumo humano e a cólera em Soho, Londres. O sorogrupo O1 do V. cholerae inclui os biótipos “clássico” e El Tor, sendo este último responsável pela sétima pandemia de cólera. Em 1992 um novo sorogrupo chamado V. cholerae O139 Bengal foi responsável pela epidemia de cólera que atingiu a Índia (COSTA, 2006). Em seguida, merecem destaque as bactérias do gênero Salmonella, todas encontradas em águas poluídas por esgotos ou excretas animais. Nestas circunstâncias, também são as ostras, os mexilhões e mariscos os mais envolvidos (NUNES, 1994). Como conseqüência direta da manipulação inadequada são apontados os Streptococcus spp. e o Staphylococcus aureus, ambos de origem humana, presentes nas mucosas e superfícies da pele, e que encontram no pescado ambiente favorável para sua multiplicação (SILVA JR,1995). Em pesquisa realizada nos registros da Divisão de Vigilância à Saúde (DVS) do município do Recife, no período compreendido entre 2000 a 2007 observou-se que Staphylococcus aureus associado a E. coli foram os principais responsáveis por surtos de gastroenterites, conforme tabela 1. 17 Tabela 01: Registros de enfermidades causadas por pescado no período de 2000 a 2007 no município de Recife-PE. Ano Suspeita diagnóstica Doentes Internados Local Alimento envolvido Agente envolvido 2000 Gastroenterite 3 0 Restaurante Sinfonia Marítima Indeterminado Gastroenterite 3 0 Restaurante Peixe recheado Escherichia coli Gastroenterite 9 0 Restaurante Bolinho de peixe/ Sinfonia marítima/ Filé de agulha Staphylococcus aureus 2001 ----- 0 0 0 0 0 2002 ----- 0 0 0 0 0 2003 Toxinfecção 14 3 Refeitório Frutos do mar Vibrio parahaemolyticus 2004 Gastroenterite 2 0 Restaurante Camarão Não especificado 2005 Gastroenterite 2 0 Restaurante Escherichia coli Gastroenterite 2 1 Restaurante Maionese de frutos do mar Salmão 2006 ----- 0 0 0 0 0 2007 Gastroenterite 10 0 Hospital Peixe Indeterminado Gastroenterite 2 0 Restaurante Peixe frito Clostridium Staphylococcus Fonte: Divisão de Vigilância à Saúde, Recife-PE, 2008 Outro microrganismo importante é o Proteus morganii, que integra 0,1 a 1% de toda a flora superficial do pescado. A contaminação por esta bactéria pode levar à formação de histamina, especialmente quando os peixes são expostos a altas temperaturas por um determinado período de tempo. A ingestão de pescado nestas condições pode resultar em intoxicação com sintomas nervosos, dada a estimulação vagal, a partir da ingestão de 100mg de histamina/100g de peixe (GERMANO et al, 2008). Outros agentes bacterianos, não menos importantes podem, ainda, contaminar o pescado e causar riscos à saúde. Cepas psicrotróficas de Bacillus cereus, por exemplo, produzem enterotoxina nos preparados de peixe, sobretudo em pH superior a 6,0, acarretando surtos caracterizados por diarréia. O Clostridium perfringes tipo C pode causar enterite necrótica. Clostrídios sulfito redutores, Klebsyela spp, Enterobacter spp, Yersinia enterocolitica, Escherichia coli, Pseudomonas spp., Aeromonas spp., Alcaligenes spp., 18 Flavobacterium spp., enterococos e coliformes fecais podem ser encontrados nos peixes frescos ou congelados, frutos do mar e produtos industrializados. A maioria destes microrganismos está relacionada com a qualidade da água, principalmente do gelo utilizado na conservação e/ou com os procedimentos pós captura (GERMANO et al, 2006). Outros organismos, tais como protozoários e vírus, além das bactérias, poderão causar diarréias através da ingestão de pescados (ANVISA, 2001). Dentre os parasitas podemos citar o Diphyllobothrium spp. Cestóide, conhecido como um dos maiores parasitas intestinais do homem e como a "tênia" do peixe. A difilobotríase é uma doença comum em áreas com hábito alimentar de ingestão de peixes crus ou mal-cozidos sendo que, a maioria das infecções é assintomática. No período de 2004 a 2005 foram notificados 23 casos relacionados ao parasita, dentre eles, 11 casos identificados no primeiro trimestre de 2005, todos relacionados ao consumo de sushis/sashimis em restaurantes japoneses e "self-services" da cidade de São Paulo (EDUARDO, 2005). O vírus da hepatite infecciosa pode, por sua vez, ser encontrado em águas poluídas e contaminadas por esgotos e, embora não cause alterações no pescado, é capaz de veicular a infecção para o homem (GERMANO et al, 2008). 2.3 A INVESTIGAÇÃO DE SURTOS Considera-se surto de doença transmitida por alimento (DTA) a ocorrência de dois ou mais casos de manifestação clínica semelhantes, relacionados entre si no tempo e espaço, caracterizados pela exposição comum a um alimento suspeito de conter microrganismos patogênicos, toxinas ou venenos (GERMANO et al, 2008). A investigação de um surto objetiva identificar o alimento responsável, o agente etiológico envolvido, os fatores determinantes e o quadro clínico predominante. O resultado da investigação é de extrema importância, pois fornecerá subsídios úteis para o tratamento dos doentes. Por outro lado, identificadas as causas que favoreceram a ocorrência do surto, será possível propor medidas capazes de corrigir as falhas que lhe deram origem (OPAS, 2001). Deve-se destacar que cada surto deve ser considerado como episódio com características próprias e, portanto, tem de ser investigado nos mínimos detalhes. A metodologia de 19 investigação de um surto de DTA, teoricamente, compreende quatro fases: conhecimento da ocorrência; investigação de campo; processamento e análise de dados e acompanhamento. É necessário ressaltar, preliminarmente, que a investigação exige o envolvimento de um grande número de pessoas e abrange o trabalho de diferentes instituições, além da colaboração dos próprios envolvidos no episódio (SVS/MS, 2005). Riedel (2005) afirma que é condição essencial para o êxito da investigação epidemiológica a rapidez com que o epidemiologista entra em cena após os primeiros sintomas de agravo à saúde, causados por ingestão de alimentos contaminados. A coleta do material eliminado pelos pacientes (fezes e vômito), antes da administração de qualquer tratamento antibiótico, é de suma importância, assim como a coleta de todos os alimentos suspeitos (SILVA JR, 1995). Por isso, é bastante importante que o investigador colecione imediatamente todas as informações que possam ter interesse para a elucidação do caso em questão (OPAS, 2001). Segundo Vieira (2003) pode-se diagnosticar um possível agente etiológico analisando os principais sintomas que ocorrem nas gastrenterites de acordo com sua classificação: • Infecção intestinal (com febre) - Disintérica: febre, fezes com muco, pus e sangue, cólicas, vômitos, mal estar e calafrios. Os microrganismos não necessitam multiplicar-se no alimento. O período de incubação de 7 a 28 dias, para Salmonella tiphy e de 12 a 72 horas, para Shigella sp. - Diarréica: febre baixa, vômitos, cólicas, mal estar, calafrios. Os microrganismos necessitam multiplicar-se no alimento. O período de incubação é de 12 a 72 horas para Salmonella sp, Arizona sp, Escherichia coli invasora, Vibrio parahemolytticus, Yersinia enterocolítica, Campylobacter jejuni, Aeromonas sp. e Peudomonas aeruginosa é de 1 a 5 dias (sintomas respiratórios), para vírus entéricos, agente Norwalk e Rotavírus. • Intoxicação (sem febre) - Emética: predominam vômitos com náuseas, cólicas, diarréia, prostração. Os microrganismos necessitam multiplicar-se no alimento. O período de incubação é de 1 a 6 horas para Staphylococcus aureus e Bacillus cereus emético. - Diarréica: a) predomina diarréia, cólicas, raros vômitos. Os microrganismos necessitam multiplicar-se no alimento. O período de incubação é de 8 a 22 horas, para Bacillus cereus clássico, Clostridium perfringes, Streptococcus faecalis e Escherichia coli toxigênica; b) predominam diarréia, vômito, dores abdominais e desidratação. Os 20 microrganismos necessitam multiplicar-se no alimento, com período de incubação de 24 a 72 horas para Vibrio cholerae. - Neurotóxica: náuseas, com sintomas neurológicos – visão dupla, vertigens, perda dos reflexos, dificuldade de deglutir e falar, paralisia respiratória. Os microrganismos precisam multiplicar-se no alimento, com períodos de incubação de 12 a 72 horas para Clostridium botulinum. Uma vez estabelecidas às conclusões preliminares, deve-se informar aos serviços de saúde envolvidos no atendimento dos doentes sobre o possível agente etiológico envolvido no surto e sua patogenia (PIMENTEL & PICCOLO, 1992). A investigação de surtos constitui método crítico para identificar patógenos novos ou emergentes e possibilita a constante atualização a respeito do comportamento dos diversos microrganismos responsáveis por surtos, aí compreendidos entre muitos aspectos: sua caracterização, origem, hospedeiros, patogenicidade, virulência, alimentos envolvidos e conseqüências em saúde pública. A partir do conhecimento destes aspectos é possível estabelecer as medidas de prevenção e controle (CAMARGO, 1986). Pode-se depreender, portanto, como são importantes os métodos de investigação de surtos de DTA para as vigilâncias epidemiológica e sanitária de alimentos, sobretudo no momento em que têm sido identificados novos patógenos, bem como a reemergência de outros considerados sob controle (FRANCO & LANDGRAF, 1999). Segundo Riedel (2005) é extremamente difícil coletar dados que tenham significado estatístico nas DTA, porque inúmeros surtos onde são envolvidas poucas pessoas ou que determinam sintomatologia pouco grave, passam desapercebidos aos epidemiologistas, além da indiscutível dificuldade de esclarecer qual o agente etiológico, na maioria dos casos. Apesar da dificuldade de se obter dados representativos sobre as enfermidades de origem alimentar no país, é consenso entre pesquisadores que a incidência desses agravos em serviços de alimentação requer a atenção pública (SALAY, 2005). Há de se considerar que, de uma maneira geral, existe perda de informações epidemiológicas, subestimando-se o número real de doenças transmitidas por alimentos. Estima-se que apenas de 1 a 10% dos casos são computados pelas estatísticas oficiais. O perfil epidemiológico das doenças transmitidas por alimentos no Brasil ainda é pouco conhecido. Somente alguns estados e/ou municípios dispõem de estatísticas e dados sobre os agentes etiológicos mais comuns, alimentos mais freqüentemente implicados, população de maior risco e fatores contribuintes (SVS/MS, 2005). 21 2.4 MEDIDAS DE PREVENÇÃO Garantir a qualidade dos produtos é um dever de todo profissional que atua na cadeia produtiva de alimentos. Toda manipulação do pescado deve sempre ser feita observando-se os princípios das Boas Práticas de Fabricação e Manipulação de Alimentos. São procedimentos que devem ser adotados a fim de garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com a legislação sanitária, e incluem a higienização de instalações, equipamentos e utensílios, o manejo de resíduos, a saúde dos manipuladores, o controle integrado de pragas, entre outros (SEAP-PR, 2007). Isso levou o Ministério da Saúde, dentro da sua competência, a elaborar as portarias 1428 de 26/12/1993 e 326 de 30/7/1997, que estabelecem as orientações necessárias para inspeção sanitária por meio da verificação do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) da empresa produtora e de serviços de alimentos e os aspectos que devem ser levados em conta para a aplicação de boas práticas de fabricação (BPF), respectivamente. O APPCC é eficaz porque, ao invés de detectar, por exemplo, a presença de microorganismos patogênicos no final do processo de produção de alimentos, atua como um plano para minimizar os riscos de ocorrência desse evento, por meio do controle dos procedimentos em certos pontos críticos, específicos, durante a produção de alimentos. O uso da APPCC requer também procedimentos simultâneos com outras ferramentas, tais como BPF e sistemas avançados de qualidade na avaliação da produção de alimentos (AKUTSU, 2005). Nessa mesma direção, as BPF (conjunto de normas empregadas em produtos, processos, serviços e edificações, visando a promoção e a certificação da qualidade e da segurança na produção do alimento) consideram, de maneira geral, termos relevantes como a qualidade da matéria-prima, a arquitetura dos equipamentos e das instalações - áreas externas, plantas físicas, ventilação e iluminação adequadas, controle de pragas, uso e armazenamento de produtos químicos, abastecimento de água, encanamento e coleta de lixo; requisitos gerais de equipamentos - construção, facilidade de limpeza e manutenção; e controles de produção - condições higiênicas do ambiente de trabalho, técnicas de manipulação dos alimentos e saúde dos funcionários. As BPF podem ser utilizadas isoladamente em estabelecimentos de pequeno ou médio porte, ou servir de ponto de partida para implementação de APPCC (AKUTSU, 2005; TOMICH, 2005). 22 Contudo, o controle no consumo de alimentos saudáveis não depende só do governo e da indústria, mas principalmente dos consumidores. Sabe-se que são inúmeras as causas de doenças relacionadas aos alimentos, mas que podem ser prevenidas desde que se conte com a colaboração da população. Entre elas, cinco medidas simples, que podem ser aplicadas em casa ou no trabalho, enquanto a comida é preparada ou consumida: manter limpas as mãos e a superfície onde será preparado o alimento; separar os alimentos crus dos cozidos ao guardá-los; cozinhar completamente os alimentos em temperaturas adequadas; armazenar os alimentos em temperaturas seguras; utilizar somente água e ingredientes de origem conhecida e segura (ABRAMCZYK, 2005). 23 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS • Programas de qualidade total devem ser implementados em toda a cadeia produtiva do pescado para que sejam ofertados pescados seguros, sob o ponto de vista da Saúde Pública, à população. • Apesar da obrigatoriedade da notificação de surtos de doenças transmitidas por alimentos, prevista nos códigos sanitários municipais, observa-se um certo grau de negligência por parte dos serviços médicos assistenciais ao não notificar à Vigilância Sanitária a ocorrência de episódios dessa natureza; • Campanhas educativas e treinamentos devem ser realizados para a população de um modo geral para informar sobre os perigos das doenças transmitidas por alimentos; 24 REFERÊNCIAS ABRAMCZYK, J. 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