Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 18, no. 2, junho, 1996 137 Conceitos B asicos Sobre Capacitores e Indutores (Basic Concepts About Capacitors and Inductors) Djalma M. Redondo e V. L. Lbero Departamento de Fsica e Informatica Instituto de Fsica de S~ao Carlos, Universidade de S~ao Paulo, 13560 S~ao Carlos, SP, Brasil Trabalho recebido em 30 de junho de 1995 Resumo Circuitos contendo capacitores ou indutores s~ao abordados sem o uso de equac~oes diferenciais ou outros formalismos avancados. Atraves de analise dimensional e da comparac~ao entre escalas de tempo envolvidas nos processos de carga, algumas caractersticas basicas desses componentes s~ao discutidas. Abstract Circuits with capacitors and inductors are discussed without the use of diferencial equations or other advanced formalism. Through dimensional analysis and comparison of the time scales involved in the charge process, several basic characteristic of those components are discussed. 1. Introduca~o 2. Capacitores Quando trabalhamos com tens~oes ou correntes que variam no tempo, em particular correntes alternadas, dois dispositivos eletr^onicos ganham especial atenc~ao: o capacitor e o indutor. A import^ancia desses dispositivos na eletr^onica em geral e consagrada. Ao lado do resistor s~ao os elementos mais antigos, mais usados em qualquer equipamento eletr^onico, e mesmo com a atual tend^encia de integrac~ao em larga escala, esses dispositivos n~ao perdem sua import^ancia. S~ao insubstituveis pelas suas proprias concepc~oes. Vamos olhar para alguns aspectos interessantes desses dispositivos. N~ao temos a pretens~ao de fazer uma teoria completa[1], mas antes a de dar uma descric~ao simples de alguns processos envolvendo os mesmos. Como veremos, algumas das propriedades desses dispositivos podem ser obtidas somente pelo uso de analise dimensional[2]. Um sistema de dois condutores metalicos de formato qualquer e isolados, chamados normalmente de placas, constitui um capacitor. Carregar um capacitor signica retirar uma certa quantidade de carga Q de uma das placas e deposita-la na outra e isso se consegue mediante a aplicac~ao de uma diferenca de potencial (ddp) entre elas. Uma caracterstica notavel dos capacitores e a linearidade entre a carga Q e a ddp V entre as placas: Q = C V (1) Essa relac~ao dene a grandeza C, chamada de capacit^ancia, que e func~ao apenas das dimens~oes geometricas das placas, separac~ao das mesmas e do material colocado entre elas. Quanto maior a area das placas e menor a dist^ancia entre elas, maior a capacit^ancia. A unidade de capacit^ancia e o Coulomb/volt 138 que recebeu o nome de Farad, em homenagem a Michael Faraday. E uma unidade muito grande e na pratica s~ao utilizados capacitores com capacit^ancia nas escalas de picofarad (pF) ate microfarad (F). Conforme o meio material posto entre as placas do capacitor, denominado dieletrico, eles s~ao denominados de capacitores a oleo, de papel, cer^amicos, de poliester, polistireno ou eletrolticos. Cada tipo possui uma aplicac~ao especca, dependendo do regime de frequ^encias dos sinais com os quais ser~ao usados, e ha de se observar tambem a maxima tens~ao que suportam sem romper o dieletrico. A func~ao principal desse meio dieletrico e aumentar a capacit^ancia. Para lembrar que um capacitor e constituido por duas placas, seu smbolo e ;jj ; : Djalma M. Redondo e Valter L. Lbero a tens~ao no capacitor e aquela da bateria. Figura 1 A. Circuito RC Serie - Corrente Continua O primeiro circuito com capacitor que queremos analisar esta esquematizado na Fig. (1). E um circuito em que um resistor R, um capacitor C e uma bateria de tens~ao V0 est~ao ligados em serie. Nesse circuito a corrente e comum a todos os componentes. Sem o capacitor, a bateria forcaria uma corrente I0 = V0 =R: Com o capacitor, a bateria tambem forca um movimento de eletrons so que eles saem da placa (1) e se acumulam na placa (2), ja que n~ao ha passagem de eletrons por entre as placas de nenhum capacitor. A princpio parece que nada mudou e esperaramos uma corrente I0. De fato, os primeiros eletrons a chegarem na placa (2) estabelecem um corrente I0 . Porem, esses primeiros eletrons comecam a dicultar a entrada dos demais, devido a repuls~ao eletrostatica graco da Fig. (2) ilustra esse comportamento. A menos de um fator de escala R, a Fig. (2) tambem ilustra a curva de tens~ao no resistor, ja que VR = R I0. A tens~ao no capacitor e simplesmente Vc = V0 ; VR . V^e-se ent~ao que e necessario um tempo para se carregar totalmente um capacitor (o mesmo tempo e necessario para descarrega-lo), como se ele tivesse uma inercia para se carregar. Apos transcorrido esse tempo, Figura 2. Curvas de tens~ao no capacitor Vc e corrente I no circuito da Fig.(1), como func~oes do tempo. V0 e a tens~ao da bateria e I0 = V0 =R , denominado tempo de relaxac~ao, e discutido no texto. Esse tempo de carga deve ser func~ao unicamente dos par^ametros do circuito: V0, R e C. A unidade de R, pela lei de Ohm, e volt/ampere ou volt.segundo/coulomb. Portanto, a unica combinaca~o com unidade de tempo e R C. De fato, pode-se mostrar que no intervalo de tempo = RC (2) o capacitor adquire (ou perde) cerca de 66 % de sua carga total (ou inicial). e chamado de tempo de relaxac~ao ou simplesmente tempo de carga do capacitor. Na pratica, os valores de podem variar desde nanosegundos ate segundos. E a comparac~ao entre esse tempo de relaxac~ao e os tempos caractersticos dos sinais aplicados ao circuito que dene o comportamento desse ultimo. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 18, no. 2, junho, 1996 B. Circuito RC Serie - Corrente Alternada Vamos agora analisar o nosso circuito RC serie da Fig.(1) mas agora ligado a um gerador de corrente alternada de frequ^encia !, no lugar da bateria. Para frequ^encias muito baixas, ou seja, de perodos muito maiores que o tempo de carga RC, o capacitor tem tempo para reagir a tens~ao aplicada. E como se tivessemos corrente contnua e portanto a amplitude da tens~ao em C, Vc , e igual a amplitude V0 da tens~ao no gerador. Ja para frequ^encias altas, ou seja, para perodos muito menores que o tempo de carga RC, antes que o capacitor consiga carregar-se, o gerador ja trocou de polaridade muitas vezes e portanto o capacitor acaba se carregando muito pouco: Vc vai a zero. Nesse caso a tens~ao do gerador esta toda aplicada no resistor. Com isso temos o comportamento ilustrado na Fig. (3). Como ja dissemos, a unica grandeza com unidade de tempo nesse circuito e R C, logo, a frequ^encia !c onde a tens~ao no capacitor Vc se iguala a tens~ao no resistor VR deve ser proporcional a 1=(RC): De fato, pode-se mostrar que !c = 1(=R C): 139 De forma analoga a resist^encia de um resistor, que mede a diculdade que o mesmo imp~oe a passagem de uma corrente, e e denida pela relac~ao R = VR =IR ; podemos denir a grandeza denominada reat^ancia capacitiva atraves da relac~ao c = VI c ; c (3) onde Ic e a amplitude da corrente no capacitor. Como sugere a Fig. (3), c depende da frequ^encia !. Para ! < !c , Vc ! V0 , enquanto IR = VR =R ! 0, logo c e muito grande e tudo se passa como se o capacitor estivesse aberto. Ja para ! > !c, Vc ! V0 , e IR ! VR =R, portanto c ! 0 e tudo se passa como se o capacitor estivesse em curto-circuito. N~ao e difcil obter a express~ao de c em func~ao da frequ^encia !. A reat^ancia c tem unidade de resist^encia e e func~ao de ! e C. A unica combinac~ao possvel e na forma (4) c = !N C onde N e uma constante adimensional. Podemos calcular N observando que no ponto ! = !c , da Fig. (3), Vc = VR e como a corrente e a mesma em todo o circuito, temos que c = R: Logo, N =R; (5) !c C Usando a relac~ao !c = 1=(RC), obtemos N = 1 e ent~ao, c = ! 1 C : )(6) III. Indutores Figura 3. Substituindo a bateria do circuito da Fig.(1) por um gerador de frequ^encia ! temos o comportamento acima para a tens~ao no capacitor Vc e para a tens~ao no resistor VR : Uma aplicac~ao desse circuito e na construc~ao de ltros, que s~ao circuitos destinados a deixar passar apenas um certo intervalo de frequ^encias. Por exemplo, se nosso gerador fosse um amplicador de audio, desses usados em equipamentos de som por exemplo, no capacitor teramos maior intensidade dos sinais de baixa frequ^encia (graves), enquanto no resistor teramos apenas os sinais de alta frequ^encia (agudos). Um indutor e essencialmente um o condutor enrolado em forma helicoidal. Pode ser enrolado de forma auto-sustentada ou sobre um determinado nucleo. Para lembrar sua constituic~ao, o smbolo usado para indutores e: Quando uma corrente circula por esse dispositivo aparece um campo magnetico ao redor dele. Essa e a chamada lei de Ampere, e e um efeito bem conhecido que e a base do funcionamento de motores eletricos e eletro im~as. O campo magnetico gerado acompanhara 140 Djalma M. Redondo e Valter L. Lbero as variac~oes temporais da corrente e atuara sobre as espiras do indutor. Mas, a exemplo dos dnamos, ou transformadores eletricos, onde um campo magnetico dependente do tempo induz uma d.d.p., aqui tambem teremos uma d.d.p. induzida no indutor devido ao seu proprio campo. Faraday descobriu que a d.d.p. VL induzida e proporcional a variac~ao I da corrente num intervalo de tempo t, ou que VL = ;L I t : (7) Figura.4 Essa equac~ao dene a grandeza L, chamada de indut^ancia. Ela e analoga a capacit^ancia do capacitor ou a resist^encia do resistor, e indica a diculdade que o indutor coloca a variac~oes da corrente. Ela depende apenas da geometria do indutor e do meio onde ele se encontra. A unidade da indut^ancia e [L] = tens~ao tempo/corrente = resist^encia tempo, que recebeu o nome de henry em homenagem ao fsico americano Joseph Henry. Na pratica s~ao comuns indutores desde alguns milihenries ate centenas de henries. A. Circuito RL serie - corrente continua Vamos analisar o circuito esquematizado na Fig.(4). Se no lugar do indutor tivessemos simplesmente um o, ao ligarmos o circuito a corrente passaria de zero a V0=R instantaneamente. O que o indutor faz e reagir a essa brusca variac~ao de corrente gerando uma d.d.p. de mesmo valor, mas de sentido contrario a da bateria. A corrente, ent~ao, inicialmente e zero. Nao ha, portanto, variac~ao brusca da corrente e ent~ao a reac~ao do indutor VL diminui; isso acarreta um aumento da corrente impelida pela bateria e portanto uma queda de tens~ao no resistor, o que por sua vez faz VL diminuir ainda mais. Essa sequ^encia continua ate que a corrente atinja o seu valor maximo em V0 =R, quando ent~ao n~ao ha mais reac~ao do indutor: VL 0. A Fig.(5) resume o que foi dito. Figura 5. Comportamento em func~ao do tempo da tens~ao VL no indutor e da corrente no circuito da Fig.(4). Vo e a tens~ao da bateria e I0 = V0 =R: Compare essas curvas com aquelas da Fig. (2). O graco I t na Fig.(5) ilustra a inercia que um indutor apresenta a passagem de uma corrente. Devemos, ent~ao, sempre ter em mente que um circuito RL serie demora um certo tempo para reagir a uma tens~ao. Por analise dimensional, esse tempo deve ser proporcional a L=R, a unica combinac~ao de L e R com unidade de tempo. De fato, pode ser mostrado que o tempo necessario para um indutor chegar a ter cerca de 66% da tens~ao total e dado por (8) = RL : B. Circuito RL serie - corrente alternada Queremos agora substituir a bateria do circuito anterior por um gerador de corrente alternada, de amplitude V0 e frequ^encia !, e analisar as amplitudes das Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 18, no. 2, junho, 1996 tens~oes no indutor VL e no resistor VR como func~oes de !. No regime de baixas frequ^encias, isto e, grandes perodos, a corrente e quase contnua, e esperamos que o circuito se comporte como aquele ligado a uma bateria. Ent~ao, nesse regime, a amplitude VL vai a zero. Com isso a tens~ao do gerador e toda ela aplicada a R e temos a igualdade VR = V0 . Ja para altas frequ^encias, ou seja, perodos muito menores do que o tempo necessario para o circuito reagir a tens~ao aplicada, o circuito simplesmente n~ao consegue reagir (e como se ele n~ao conseguisse se \carregar"). Com isso a corrente vai a zero e com ela a tens~ao no resistor: VR ! 0. Toda a tens~ao do gerador, portanto, ca aplicada no indutor: VL ! V0 . A Fig. (6) traduz esses resultados. 141 ! cresca. A reat^ancia L tem dimens~ao de resist^encia. Logo, deve ser da forma N ! L, onde N e uma constante adimensional. Mas como para ! = !c devemos ter V0L = V0R teremos que a reat^ancia se reduzira a resist^encia, isto e, L = R (em ! = !c ) (11) Ent~ao, N !c L = R e usando a Eq.(9) obtemos N = 1: Assim, a express~ao para a reat^ancia indutiva e L = ! L : (12) Resumindo, podemos dizer que para frequ^encias baixas !L tudo se pass como se o indutor fosse um curtocircuito. Para frequ^encias altas, L e grande e tudo se passa como o se indutor fosse um circuito aberto. Esse comportamento e exatamente oposto ao de um capacitor. Isso faz com que os circuitos que contenham juntamente capacitores e indutores possuam caractersticas muito interessantes. Um exemplo importante e o circuito que passaremos a descrever em seguida. C. Circuito LC paralelo - corrente alternada Figura 6. Com a bateria do circuito da Fig.(5) substituida por um gerador de frequ^encia !, as amplitudes da tens~ao no indutor VL e da corrente I no circuito comportam-se como ilustrado acima. V0 e a amplitude da tens~ao no gerador e I0 = V0 =R: Compare essas curvas com aquelas da Fig.(3). Por analise dimensional, a frequ^encia !c para a qual as tens~oes VL e VR s~ao iguais, deve ser proporcional a R=L e, de fato, pode-se deduzir rigorosamente que !c = R L: (9) L = VI0L : (10) Vamos analisar a amplitude VLC da tens~ao entre os terminais do indutor L ou do capacitor C do circuito da Fig.(7). Para frequ^encias muito baixas, o capacitor e, como vimos, um circuito aberto, enquanto o indutor e um curto-circuito. Logo, VLC 0. Para frequ^encias muito altas, o indutor e um circuito aberto e o capacitor um curto-circuito. Logo, de novo, teremos VLC 0. A amplitude VLC e positiva por denic~ao e no maximo sera igual a V0 . Assim, podemos prev^er o comportamento esquematizado na Fig. (8) e concluir que VLC tem um valor maximo em uma frequ^encia !r chamada de frequ^encia de resson^ancia. Por analogia com o que zemos no circuito RC serie, vamos denir uma grandeza chamada reat^ancia indutiva, L , por meio da equac~ao 0 Das curvas de VL e VR mostradas no graco anterior conclui-se que L ! 0 para ! ! 0 e cresce a medida que Figura.7 142 Djalma M. Redondo e Valter L. Lbero Figura 8. VLC e a amplitude da tens~ao no capacitor, ou indutor, do circuito da Fig.(7). O maior valor dessa amplitude ocorre na frequ^encia !r em que capacitor e indutor comportam-se de forma similar, ou seja, quando suas reat^ancias s~ao iguais. A curva acima corresponde ao caso em que R = 10 , C = 0:1=F e L = 1h dando uma resson^ancia em !r = 3:16 Mhz (megahertz). Perto de !r a curva e simetrica, ja que temos um maximo. Isso quer dizer que se ! crescer um pouco em direc~ao as frequ^encias altas, ou diminuir um pouco em direc~ao as frequ^encias baixas, VLC apresentara o mesmo comportamento nas duas direc~oes. Mas como o comportamento de um capacitor e oposto ao de um indutor, isso so sera possvel se, em torno de !r , capacitores e indutores forem indistinguveis, ou seja, possuirem as mesmas reat^ancias. Assim, igualando L e c em ! = !r temos 1 (13) !r C = !r L ; de onde concluimos a seguinte express~ao para a frequ^encia de resson^ancia: !r = p 1 : LC (14) Uma aplicac~ao simples do circuito acima e na func~ao de ltro sintonizavel. Se no lugar do gerador de corrente alternada colocarmos uma fonte de sinais que contenha a superposic~ao de inumeros sinais de frequ^encias diferentes, como por exemplo, uma antena de radio, ent~ao, nos extremos do capacitor ou indutor aparecera um sinal forte correspondente a frequ^encia !r ; as demais frequ^encias ser~ao atenuadas. Variando C ou L poderemos escolher qualquer um dos sinais de entrada. Isso e o que se chama sintonizar um sinal e e exatamente o que fazemos quando movimentamos o ponteiro do dial de um radio. Outros aspectos dos circuitos RLC podem ainda ser analisados dentro do contexto aqui apresentado, como por exemplo, as defasagens entre tens~oes e correntes impostas por capacitores ou indutores. Deixaremos isso como exerccio para os leitores interessados. Refer^encias 1. Para uma leitura completa sobre circuitos RLC sugerimos os livros de J. J. Brophy, Eletr^onica Basica para Cientistas, cap. 1,2 e 3, e ainda D. Halliday, R. Resnick, Fsica II, vol. I cap. 30, 31, 32 e 36. 2. Sobre analise dimensional, sugerimos o livro de J. Goldemberg, Fsica Geral e Experimental, V. 1, cap. III. Para uma consulta mais profunda, ver P. W. Bridgman, Dimensional Analysis, Yale University Press.