Aspectos Éticos da Utilização de Amostras de DNA Armazenadas

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Acesso, Uso e Remessa de Material Genético Humano: indicativos de regulamentação no Brasil
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MESA REDONDA
Acesso, uso e remessa de material genético humano:
uma perspectiva jurídica
Aspectos Éticos da Utilização de Amostras de DNA
Armazenadas em Pesquisa
Dr. Sergio Pena
Professor Titular do Departamento de
Bioquímica e Imunologia, Instituto de
Ciências Biológicas, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG
Introdução
Pediram-me que falasse sobre um tópico que fosse relevante a esta oficina e decidi escolher
um que para nós, geneticistas, é absolutamente crucial, o tema de acesso a amostras humanas
armazenadas de forma anônima ou “anonimizada”.
Nos últimos 100 anos, os geneticistas humanos fizeram coletas de sangue em inúmeras
populações em todo o mundo. Muitas destas amostras ainda estão armazenadas, de forma anônima
ou “anonimizada”, em congeladores de laboratórios de vários países na forma de sangue total,
plasma, soro, lisados celulares ou mesmo DNA purificado. Algumas das populações amostradas já
sofreram mudanças drásticas em sua constituição -- algumas mesmo já se extinguiram. Hoje em dia
podemos, principalmente através de técnicas poderosas de amplificação molecular, como a reação
em cadeia da polimerase (PCR), estudar geneticamente estas amostras humanas armazenadas – não
só as amostras do próprio DNA, mas também amostras de plasma, soro humano, cabelos ou
qualquer outro tecido humano. Isto nos leva a uma discussão, com vertentes éticas, legais e
científicas, a respeito do direito e à regulamentação do uso destas amostras porque, primeiro,
algumas delas foram coletadas para um objetivo e serão usadas para outro objetivo; segundo, em
muitos dos casos as pessoas que deram a permissão original não estão disponíveis para serem
reconsultadas e terceiro, em alguns casos não é conveniente ou aconselhável entrar em contato com
essas pessoas pela natureza com que essas amostras foram coletadas. Então, precisamos nos orientar
com relação a isso.
Genética Populacional e Amostras Armazenadas
Para que vocês possam ter idéia do que está envolvido no estudo de genética molecular
populacional – que, para muitos aqui presentes, é algo extremamente teórico e pouco palpável –
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resolvi descrever um projeto que desenvolvemos na segunda metade da década de 90 e que
considero, cientificamente, um projeto muito bem-sucedido. A nossa descoberta inicial foi
publicada no periódico Nature Genetics, em 1995, e o título, traduzido, era: “Um haplótipo
fundador maior de cromossomo Y em ameríndios” (Figura 1A). De que tratava este estudo?
Nature Genetics, Vol 11, September 1995
A major founder Y-chromosome
haplotype in Amerindians
Sérgio D. J. Pena, Fabrício R. Santos, Néstor O. Bianchi, Cláudio M.
Bravi, Francisco R. Carnese, Francisco Rothhamer, Tudevdagva
Gerelsaikhan, Bjamba Munkhtuja & Tsendsuren Oyunsuren
Figura 1A – Artigo demonstrando a existência de um haplogrupo fundador de cromossomo Y em ameríndios
O cromossomo Y, como alguns de vocês sabem, é passado de pai para filho homem e como
tal é um marcador de linhagens patrilíneas. Assim, o comportamento do cromossomo Y na
população é mais ou menos análogo ao comportamento do último sobrenome. Por exemplo, meu
último sobrenome é Pena, meu pai era Pena, meu avô era Pena, meu bisavô era Pena, etc. Junto com
este sobrenome Pena veio o cromossomo Y dos Pena. Na primeira parte da década de 90, o nosso
laboratório no Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG em Belo Horizonte foi um dos
pioneiros no mundo em trabalhar com a diversidade genética do cromossomo Y e ser capaz de
desenvolver técnicas de PCR que nos permitissem individualizar linhagens deste cromossomo.
Resolvemos então fazer um estudo da variabilidade do que chamamos haplótipos de cromossomo
Y. O nome ‘haplótipo’ reflete o fato que o cromossomo Y, ao contrário dos outros cromossomos
que trocam segmentos na meiose (recombinação), é praticamente todo herdado em bloco. Para
mostrar a variabilidade, pegamos um grupo de 100 brasileiros caucasianos – estes nos deram
permissão para o estudo – e também 17 pigmeus africanos, cujas amostras vieram de Stanford,
Califórnia, do laboratório do Prof Cavalli-Sforza (essas amostras tinham sido coletadas na África
por uma pesquisadora chamada Linda Vigilant no final da década de 80, principalmente na
República Africana Central), e adicionalmente 46 amostras de mongólicos representando o
Continente Asiático – essas amostras nos foram fornecidas por pesquisadores da própria Mongólia
que, inclusive, foram co-autores do nosso trabalho. Como esse era um estudo em que tínhamos que
mostrar a variabilidade a nível global, começamos a trabalhar com amostras que nos foram cedidas
por outros pesquisadores. Mas a nossa idéia era realmente estudar a população ameríndia.
Hoje em dia, o trabalho de campo com ameríndios, como vocês sabem, é extremamente
difícil, restrito pela FUNAI, como deveria realmente ser. Então é muito mais conveniente utilizar
amostras de coleções preexistentes. Neste caso, usamos dois tipos de origem de espécimes:
amostras de ameríndios argentinos, que estavam em coleções do Prof. Nestor Bianchi em La Plata,
do Prof. Francisco Carnese, em Buenos Aires e do Prof. Francisco Rothhammer, em Santiago do
Chile – são indivíduos Mapuches, Wichis, Chorotes, Chulupis, e Tobas da Argentina e Huiliches e
Atacamenhos do Chile. Além disso, foram estudados Suruís e Karitianas do Brasil, Quechuas do
Peru, Aucas do Equador e Maias do México, cujas amostras foram obtidas num banco de DNA
existente nos Estados Unidos chamado Coriell Cell Repository. Com relação a esse Banco Coriell,
houve certa controvérsia, pois eles armazenam DNA e cobram US$ 50.00 por amostra quando elas
são pedidas. Não é que eles estejam vendendo DNA como foi noticiado na imprensa brasileira -eles não têm lucro e os 50 dólares são para cobrir os custos de preparação e envio das amostras.
Conseguimos assim amostras de 76 ameríndios, o que nos permitiu observar que, ao
contrário da enorme variabilidade genética que havíamos observado em brasileiros, asiáticos e
africanos, os ameríndios tinham grande homogeneidade de cromossomo Y; 74% dos ameríndios
que estudamos tinham o mesmo haplótipo de Y, o que mostrava uma quase uniformidade. Havia,
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então, o que chamamos em genética de efeito fundador, que ocorre quando um número pequeno de
indivíduos por um esforço reprodutivo consegue gerar uma população grande; então, os alelos
presentes naquela população fundadora serão super-representados na população final, como o
próprio nome indica.
O próximo trabalho foi tentar confirmar esta observação com mais amostras – porque
precisávamos ter uma cobertura o mais representativa possível – então, estabelecemos uma
colaboração com o Prof. Francisco Salzano e a Profª. Mara Hutz da UFRGS em Porto Alegre, e
trabalhamos com amostras que tinham sido originalmente colhidas por eles, e pelos doutores Carlos
Coimbra e pelo Ricardo Santos, ambos da FIOCRUZ. E publicamos esse trabalho usando um total
de 37 amostras de índios Uai-Uai, Gavião, Zoró, Suruí e Xavante, obtendo evidência adicional da
existência do haplótipo fundador (Figura 1B) .
Brasilian Journal of Genetics, 18, 665-571 (1996)
Regista Brasileira de Genética)
Further evidence for the
existence of a major founder Ychromosome haplotype in
Amerindians
Fabrício R. Santos1, Mara H. Hutz2, Carlos E. A. Coimbra Jr.3, Ricardo V. Santos3,4,
Francisco M. Salzano2 and Sérgio D. J. Pena1
Figura 1B – Artigo demonstrando a existência de um haplogrupo fundador de cromossomo Y em ameríndios
A essa altura, tínhamos evidências bastante concretas de um efeito fundador de cromossomo
Y ameríndio na América do Sul, na América Central e em alguns índios do México, Maias, mas
precisávamos ter acesso a mais dados da América do Norte. Então entramos em contato com o Prof.
Keneth Weiss, da Universidade Estadual da Pensilvânia e o Prof. John Moore, da Universidade da
Flórida, que nos disponibilizaram amostras da tribo Muskoke, originalmente da Flórida que
posteriormente foi relocada para Oklahoma. Enquanto que um indivíduo Karitiana ou Suruí ou UaiUai teve contato com o homem branco brasileiro nos últimos 50 anos, os índios Muskokes estão em
contato com os europeus há 500 anos, desde que Ponce de Leon chegou à Flórida, sendo o grau de
mistura gênica nestes mais considerável do que no Brasil. Mesmo assim, 40% dos Muskokes
tinham o haplótipo principal (Figura 1C).
Letters to the Editor
1
1
Fabrício R. Santos, Luís Rodrigues-Delfin,
1
2
Sérgio D. J. Pena, John Moore,
3
And Kenneth M. Weiss
Am. J. Hum. Genet. 58:1369-1370,1996
1
North and South Amerindians May Have the Same
Major Founder Y Chomosome Haplotype
Departamento de Bioquímica, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil; 2 Departament
of Anthropology, University of Florida, Gainesville;
3
and Departament of Anthropology, Pennsylvania State
University, University Park
Figura 1C – Artigo demonstrando a existência de um haplogrupo fundador de cromossomo Y em ameríndios
Com isso ficamos bastantes tranqüilos de que tínhamos provado que havia um efeito
fundador de cromossomo Y nos ameríndios das três Américas. Este é um fato relevante porque
historicamente indica que, pelo menos da parte masculina houve uma única migração ameríndia
para as três Américas, um único evento migratório. Isso é de fundamental importância histórica, em
nossa opinião. Se não tivéssemos acesso a amostras de DNA armazenadas, esse estudo seria
totalmente impossível porque não teríamos jamais conseguido ter feito a coleta nós mesmos no
Chaco argentino, no deserto Atacamenho, na Amazônia, nos Andes, no México etc. Mais tarde,
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publicações de vários outros grupos de pesquisa realmente comprovaram a existência desse
haplótipo fundador, mas o primeiro relato foi nosso.
Meu aluno de doutorado, Fabrício Santos, e eu imediatamente tivemos a idéia de que seria
interessante usar esse cromossomo Y fundador para tentar descobrir qual era a origem geográfica
dos ameríndios brasileiros na Ásia. Já que era uma migração única, de onde eles teriam vindo?
Começamos esse trabalho fazendo uma colaboração com o Prof. Michael Crawford, da
Universidade de Kansas, que nos enviou amostras de siberianos que ele havia colhido. Depois
Fabrício Santos, através de colaborações com o Dr. Chris Tyler-Smith de Oxford e algumas pessoas
da Austrália, da Rússia e de vários outros países, conseguiu acesso a amostras de DNA de ingleses,
indianos da Índia e Sri-Lanka, africanos do Quênia, pigmeus e bosquímanos, chineses, japoneses,
mongolianos, siberianos Buriates, Iakutes, Evenkes, Altais e Ketis. Além de tudo, caonseguiu mais
amostras ameríndias e também de indivíduos aleutas e esquimós. Vejam que este é o tipo de
pesquisa extremamente dependente da existência da amostras preexistentes. No final, Fabrício tinha
mais de 300 amostras originadas de regiões de todo o globo. Aqui está uma árvore de cromossomos
Y de várias populações em que se vê que os ameríndios são mais próximos dos Ketis e dos Altais,
dois grupos populacionais da Sibéria Central. Baseados nisso, podemos localizar a provável origem
dos ameríndios nessa região da Sibéria Central das montanhas Altai e do vale do Rio Yang-Tsê.
(Figura 2).
A
Am. J. Hum. Genet. 64:619-628, 1999
The Central Siberian Origin for Native American Y Chromosomes
Fabrício R. Santos, 1,2 Arpita Pandya, 1 Chris Tyler-Smith, 1 Sérgio D. J. Pena, 2 Moses Schanfield,
3
William R. Leonard, 4 Ludmila Osipova, 5 Michael H. Crawford, 6 and R. John Mitchell7
1
2
Departamente of Biochemistry, Oxford University, Oxford; Departamento de Bioquímica, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
3
4
Horizonte, Minas Gerais, Brazil; Analytical Genetic Testing Center, Inc., Denver; Departament of Authopology, University of Florida, Miami;
5
6
Institute of Cytology and Genetics, Siberian Branch of the Russian Academy of Sciences, Novosibirsk, Rússia; Departament of Anthropology,
7
University of Kansas, Lawrence; and School of Genetics and Human Variation, La Trobe University, Bundoora, Australia
Figura 2 – (A) Artigo demonstrando a origem dos ameríndios na Sibéria Central. (B) Árvore haplotípica do
cromossomo Y mostrando a proximidade entre os ameríndios e as populações da Sibéria Central.
Agora podemos reconstruir toda a migração dos ameríndios para o Brasil partindo dessa área
na Sibéria Central. Mas o meu ponto aqui é que efetivamente é impossível trabalhar em genética
molecular populacional sem acesso a amostras de DNA armazenadas.
Esse sentimento é universal e hoje já existem coleções de DNA de várias disponíveis para
pesquisa. A principal delas é o Painel de Diversidade Genômica Humana que foi preparado pela
Fundação Jean Dausset / Centre d’Études du Polymorphisme Humain, em Paris. É um conjunto de
1.065 amostras humanas de DNA de todo o globo. Esse painel é disponibilizado gratuitamente para
pesquisadores na área de genética molecular humana. Esse painel, por exemplo, foi usado para fazer
um estudo que foi publicado em 2002, provavelmente o mais completo de genética humana
internacional já feito, no qual foram estudadas 400 regiões genéticas em todo o painél. Isso seria,
obviamente, impossível, caso os investigadores tivessem de fazer todas as coletas. O próprio NIH,
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nos Estados Unidos, resolveu construir e disponibilizar um painel com amostras anônimas de DNA
de americanos. São 450 amostras que o NIH está distribuindo através do Instituto Coriell, em Nova
Jersey. Espero que eu tenha demonstrado que é impossível fazer pesquisa em genética populacional
molecular humana sem acesso a amostras armazenadas.
Amostras Armazenadas Anônimas e Anonimizadas
Quero agora que discutir alguns aspectos éticos de utilização de amostras armazenadas. Em
primeiro lugar, acho que temos que entender que há várias maneiras em que as amostras podem
estar guardadas (Figura 3). A primeira categoria é de amostras anônimas, ou seja, coletadas sem
identificadores. A segunda categoria é de amostras “anonimizadas”. São amostras originalmente
coletadas com identificadores, mas posteriormente foram irreversivelmente dissociadas de todos os
identificadores e tornou-se impossível identificar quem é a pessoa que originou a amostra.
Geralmente, o único identificador que se tem nessas amostras é a população de origem. A terceira
categoria é de amostras “identificáveis”, ou seja, que estão sem identificadores apenas para efeito de
pesquisa. Em outras palavras, o pessoal do laboratório recebe simplesmente uma amostra com um
código e não tem como saber a identidade da mesma, mas há uma fonte onde existe a codificação.
Então, ela foi anonimizada parcialmente, que é diferente da anonimizada irreversivelmente.
Finalmente, a quarta categoria é de amostras “identificadas” por um nome, um número de paciente,
localização etc.
Tipos de Amostras de DNA Armazenadas
•
•
•
•
Amostras anônimas: as amostras foram coletadas sem
identificadores.
Amostras “anonimizadas”: as amostras foram coletadas com
identificadores mas foram irreversivelmente dissociadas de todos
identificadores e é impossível identificar a sua origem.
Amostras identificáveis: as amostras estão sem identificadores para
efeitos de pesquisa, mas podem ser ligadas à sua fonte através de
códigos.
Amostras identificadas: as amostras estão identificadas pelo uso de
um nome, número de paciente, localização em heredograma, etc.
Figura 3 – Tipos de amostras de DNA armazenada.
As amostras identificáveis e as identificadas são usadas principalmente para pesquisa em
genética médica, em que é fundamental fazer uma correlação entre achados de DNA e a presença de
uma doença. Por outro lado, as amostras anônimas e anonimizadas, que são aquelas que usamos em
genética populacional, é onde quero concentrar o resto da minha palestra. O que tentei fazer foi ver
como está a regulamentação do uso dessas amostras no Brasil e no resto do mundo. Aliás, no Brasil
nada encontrei específico com relação a amostras anônimas ou anonimizadas, mas achei
regulamentações nos Estados Unidos, especialmente no NIH, algumas recomendações européias e
outras da própria Organização Mundial de Saúde.
Nos Estados Unidos, o Departamento de Saúde, equivalente ao nosso Ministério da Saúde,
tem um escritório de Proteção à Pesquisa Humana. O Código de Regulamentos Federais, está no
Título 45, Bem-Estar Público. Na Parte 46 deste título está a regulamentação de “Proteção de
Pessoas Humanas”. Freqüentemente podemos ver na literatura norte-americana referências à
regulamentação 45.46, que quer dizer Título 45, Parte 46. Esta regulamentação 45.46 aplica-se a
toda pesquisa médica -- seria mais ou menos equivalente à Resolução CNS No 196/96 do Conselho
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Nacional de Saúde. Lerei o tópico 46.101: “A não ser que haja uma exceção, as pesquisas, nas quais
o único envolvimento de pessoas humanas ocorra em uma das categorias abaixo estão excluídas
dessa regulamentação. Item 4: Pesquisa envolvendo a coleção e o estudo de dados existentes,
documentos, arquivos, espécimes patológicos ou espécimes diagnósticos, se essas fontes forem
publicamente disponíveis ou se a informação seja guardada pelo investigador de tal maneira que as
pessoas não podem ser identificadas diretamente através de identificadores ligados ao sujeito”
(http://www.hhs.gov/ohrp/humansubjects/guidance/45cfr46.htm; Figura 4). Em outras palavras, o
regulamento diz que, em caso de amostras anônimas e anonimizadas, não se está enquadrado dentro
dos requerimentos 45.46; pode-se então usar essas amostras sem uma permissão explícita do
Department
of
Health.
Inclusive,
eles
disponibilizam
fluxogramas
no
site
http://www.hhs.gov/ohrp/humansubjects/guidance/decisioncharts.htm#c1.
CODE OF FEDERAL REGULATIONS
TITLE 45
PUBLIC WELFARE
DEPARTAMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES
NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH
OFFICE FOR PROTECTION FROM RESEARCH RISKS
PART 46
PROTECTION OF HUMAN SUBJECTS
§ 46.101 To what does this policy apply?
(a) Except as provided in paragraph (b) of this section, this policy applies to all research involving
human subjects conducted, supported of otherwise subject to regulation by any Federal
Departament of Agency which takes appropriate administrative action to make the policy
applicable to such research.
[…]
(b) Unless otherwise required by Department of Agency heads, research activities in which the
only involvement of human subjects will be in one or more of the following categories are exempt
from this policy: 1
(4) Research involving the collection or study of existing data, documents, records,
pathological specimens, or diagnostic specimens, if these sources are publicly available or
if the information is recorded by the investigator in such a manner that subjects cannot be
identified, directly or through identifiers linked to the subjects.
Figura 4 – Regulamento do NIH que isenta amostras armazenadas anônimas de regulamentação ética especial
Na Europa, não encontrei um regulamento específico da Comunidade Européia, mas há um
conjunto de recomendações feitas pela Sociedade Européia de Genética Humana, que tem
requerimentos
e
consentimento
específicos
para
coleções
existentes
no
site
http://www.eshg.org/ESHGDNAbankingrec.pdf. Vejamos alguns trechos: “Com relação a amostras
guardadas anonimamente, desligadas irreversivelmente do nome [ou seja, amostras anônimas ou
anonimizadas] essas podem ser usadas para objetivos diferentes daquele com que fora
originalmente coletadas” Além disso, eles deixam claro que a decisão de fazer a anonimização
precisa de uma consideração cuidadosa porque essa amostra não será mais útil, por exemplo, para
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estudos de genética médica. Amostras anonimizadas são aceitáveis para permitir compartilhamento
de amostras e de informações entre grupos de pesquisa por risco mínimo.
O terceiro documento que vi e é muito interessante é da Organização Mundial de Saúde. O
texto foi escrito por três consultores, Dorothy Wertz e John Fletcher, ambos com elevada reputação
no meio da bioética, e por Kare Berg, um ilustre geneticista dinamarquês. Então é uma revisão
completa de questões éticas em genética médica. Este documento está disponível gratuitamente
através da OMS no site www.who.int/genomics/publications/en/ethical_issuesin_medgenetics%20report.pdf. Ele
é bastante completo e discute em detalhe a questão de amostras armazenadas (Figura 5). Segundo a
opinião destes consultores, os espécimes ou amostras que estejam armazenados, tais como aqueles
em hospitais ou universidades ou a coleção de manchas de sangue, não precisam ser submetidos a
novas regras de consentimento ou de entrar em contato novamente.
Report of Consultants to WHO
Professors D. C. Wertz, J. C. Fletcher, K. Berg
Review of Ethical Issues
in Medical Genetics
19.2 Use of Stored DNA Samples in Research
Existings stored specimens or samples such as those in university or hospital departments or collections of blood
spots need not be the subject of new rules for consent or recontact that may be established in the future.
In developing policies about samples to be collected in the future, it is helpful to keep the following in mind:
•
•
•
•
•
•
Protection of individuals from possible discrimination by employers and insurers, etc.
Possible benefits to the individuals from research findings.
The possibility of multiple uses of the same sample in different and unforeseen research projects.
Possible sharing of sampl3s among collaborators, including international collaborators.
Advantages and disadvantages for individuals and researchers of removing all identifiers (including
coded numbers) from a sample.
The possibility of stigmatizing a community even if samples have no individual identifiers.
A blanket informed consent that would allow use of a sample for genetic research in general, including future, as
yet unspecified projects, appears to be the most efficient and economical approach, avoiding costly recontact
before each new research project. The consent may specify whether or not an individual would permit access to
a sample for blood relatives or spouse. All samples should be used with appropriate regard for confidentiality.
Differentiation between “identifiable” and “unidentifiable” samples is complex and is the subject of
comprehensive national ethics commission documents (National Bioethics Advisory Commission, 1999; Wertz,
1999)
www.whto.int/genomics/publications/en/ethical_issuesin_medgenetics%20report.pdf
Figura 5 – Documento da Organização Mundial de Saúde regulamentando o uso de amostras armazenadas em pesquisa
médica.
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Benefícios e Riscos da Pesquisa com Amostras Anônimas e Anonimizadas
Acho desnecessário tentar listar todos os benefícios da pesquisa populacional de genética
médica e humana para a sociedade. Entretanto, existe um certo grau de hostilidade à pesquisa
genética por parte de algumas pessoas da comunidade bioética. A genética é malvista, talvez por
causa de seu passado de associação com a eugenia. Ao ponto que a CONEP, por exemplo, separa
estudos de genética humana como uma categoria especial. Isto tem muito a ver com a forma com a
qual a genética é vista na imprensa. Quando se fala em genética moderna, as pessoas pensam logo
na construção de Frankensteins ou invasão privacidade alheia, quando, na realidade, ela está muito
longe disto. Depois voltarei a este tema.
Vejamos dois documentos relevantes em genética médica. O primeiro é um documento
publicado em 2003 na Inglaterra e chamado “Our Inheritance, Our Future – Realizing the Potential
of Genetics in the NHS” (http://www.dh.gov.uk/assetRoot/04/01/92/39/04019239.pdf). Vocês
sabem que, na Inglaterra, a estrutura de saúde é baseada no National Health Services, equivalente
ao nosso SUS. É um tema de tal importância que o prefácio foi escrito pelo próprio Primeiro
Ministro Tony Blair, que faz uma digressão sobre a importância que a Inglaterra teve no
desenvolvimento da genética e o fato de que eles querem incorporá-la à prática médica diária do
National Health Services. Neste documento – o qual nos deixa bastante invejosos – faz-se alocação
de milhões de libras para várias áreas da genética médica. Isto, para perceber como a genética está
sendo vista com seriedade em alguns países. Até confesso que sou simpático à idéia de que as
prioridades de saúde no Brasil sejam outras, pelo menos por enquanto, mas espero que algum dia a
genética venha a ser uma prioridade de saúde aqui também. O segundo texto que quero discutir
brevemente é um outro trabalho de Dorothy Wertz e colaboradores publicado no American Journal
of Bioethics (2002 Fall;2(4):W21). .Trata-se de um estudo de ética comparativa internacional com
relação à genética e demonstra uma mudança radical por parte dos geneticistas em todo o globo de
preocupações sociais e eugênicas para um paradigma de genética focalizado solidamente no
indivíduo e sua família.
Para mostrar como, às vezes, o trabalho genético de populações pode ter impacto
importante, vou contar mais um pouco da nossa pesquisa, que como eu já disse, está centrada na
estrutura e formação da população brasileira. Publicamos em 2000, na revista Ciência Hoje (27: 1625, abril de 2000), um artigo chamado Retrato Molecular do Brasil. Neste e em artigos
subseqüentes mostramos que quando estudamos as linhagens paternas, o cromossomo Y do
brasileiro branco de origem européia em mais de 95% dos indivíduos. Entretanto, quando usamos o
DNA mitocondrial, que tem herança matrilínea, chegamos a uma conclusão bem diferente: no
Brasil como um todo, 33% dos brasileiros brancos têm linhagens maternas ameríndias, 28% dos
brasileiros brancos têm linhagens maternas africanas e 39% dos brasileiros brancos têm linhagens
maternas européias. Isto aqui nos permite fazer uma conta muito interessante. Se 33% dos
brasileiros têm o DNA mitocondrial ameríndio, podemos cocnluir que há, no Brasil, pelo menos 47
milhões de pessoas que são comprovadamente ameríndio-descendentes pelo DNA mitocondrial.
Sem dúvida esta é uma proporção razoavelmente importante da população brasileira. Estes
resultados foram amplamente divulgados pela mídia. Aconteceu então algo inusitado: no censo do
IBGE de 2000, o número de ameríndios havia dobrado com relação a 1990 -- passou de 325 mil
para 701 mil. Todos conhecem o site do Instituto Ambiental (http://www.socioambiental.org) , um
dos melhores sobre informações ameríndias no Brasil. A pesquisadora Marta Azevedo publicou no
site um artigo discutindo as razões pelas quais houve esse aumento brusco na quantidade de
ameríndios no Brasil. Uma das possíveis razões que ela citou foi “Uma pesquisa para identificar o
DNA dos brasileiros feita na Universidade Federal de Minas Gerais, cujos resultados foram
amplamente divulgados pela mídia, revelou que cerca de 45 milhões de brasileiros têm ascendência
indígena”. Isso quer dizer que ela acha que a nossa pesquisa pode ter melhorado a auto-estima das
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pessoas de descendência ameríndia, dando-lhes mais força para se declararem ameríndios. Vejam
que a pesquisa genética pode ter importância social relevante.
Já os riscos de trabalhar com amostras anônimas ou anonimizadas são praticamente nulos.
De qualquer maneira, mesmo nos casos em que poderia haver preocupação com riscos, temos de
estabelecer se os potenciais benefícios valem a pena. Assim, é essencial que nenhum projeto de
pesquisa seja descartado automaticamente e que todos sejam examinados individualmente em seus
próprios méritos. Para exemplificar a importância deste enfoque caso-a-caso, quero apresentar um
caso nos Estados Unidos em que o NIH aprovou a utilização de amostras armazenadas mesmo
sendo elas da categoria “identificadas”. Este caso foi relatado em 11 de abril de 2000 no New York
Times em um artigo, assinado por Gina Kolata, intitulado “Old blood samples offer a clue to a
medical mystery”. De que se tratava? Em 1948, o Exército americano fez um estudo sobre infecção
estreptocócica em soldados e coletou oito mil amostras. Os resultados do estudo foram publicados
na época, e as amostras de sangue foram armazenadas. Em 1998, um médico chamado Seeff, teve a
idéia de que essas amostras poderiam nos dar informações importantes sobre a história natural da
hepatite C, uma doença hoje de proporções pandêmicas. A estratégia era de estudar
sorologicamente aquelas amostras de 1948 para hepatite C e contactar em 1999 indivíduos que
fossem positivos para ver como eles haviam evoluído. Esta é uma situação de amostras coletadas
com identificação sendo usadas para um objetivo diferente do original e envolvendo ainda contato
com o paciente. Esse estudo foi aprovado pelo NIH e esse trabalho foi feito, eles entraram em
contato com as pessoas. O estudo tornou-se valioso porque vários indivíduos que tinham sorologia
positiva de hepatite C em 1948 eram completamente assintomáticos 40 anos após o fato, o que
mostra que a Hepatite C não tem uma evolução maligna uniforme e isso tem implicações
terapêuticas para a doença (Seeff LB et al. 45-year follow-up of hepatitis C virus infection in
healthy young adults. Ann Intern Med. 132:105-111, 2000). De qualquer maneira, é um estudo que
mostra a importância de se analisar cada caso individualmente.
Qual é então a situação atual no Brasil? A Resolução No 340, de 8 de julho de 2004 do
Conselho Nacional de Saúde estabelece diretrizes para análise ética e tramitação dos projetos de
pesquisas da área temática especial de genética humana1. Este documento não discute amostras já
armazenadas, mas trata da formação de bancos de amostra para uso futuro. Ele contém algumas
recomendações que são preocupantes. Por exemplo, exige que no protocolo de pesquisa haja
“explicitação clara dos exames e testes que serão realizados e descrição dos genes, segmentos do
DNA e RNA ou de produtos gênicos que serão estudados”. Esta explicitação dos exames e testes e
dos segmentos gênicos vai à contramão de toda a orientação internacional que já vimos acima.
Aliás, não só por questões éticas, mas também por questões práticas. No documento previamente
mencionado da OMS (Figura 5), Wertz e colaboradores afirmam que um consentimento informado
amplo permitiria o uso da amostra para a pesquisa genética em geral, incluindo projetos futuros
ainda não especificados, o que parece ser a maneira mais eficiente e econômica de fazer isso,
evitando outro contato, bastante custoso, antes de cada projeto de pesquisa. Temos que considerar
que esse recontato é incômodo também para a pessoa que está sendo consultada. Também em um
artigo publicado por Elias e Annas em 1994 no New England Journal of Medicine (330: 1611-1613,
1994) justamente é argumentando que em triagem genética é preciso um consentimento genérico, e
não, específico.
Uma segunda estipulação preocupante da Resolução é que cabe à CONEP a aprovação final
das pesquisas de genética humana que incluam pesquisas e esteja prevista “a dissociação
irreversível dos dados dos sujeitos”. Em todo o mundo a anonimização é algo visto como positivo,
bom do ponto de vista bioético, já que remove todas ameaças à privacidade do paciente. Se a
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Quando a apresentação foi feita (18/6/2004), esta resolução não havia ainda sido aprovada pelo Conselho Nacional de
Saúde e era uma Minuta de Resolução da CONEP.
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CONEP quer que se faça uma aprovação final da anonimização, é porque acha que a anonimização
está mais associada a problemas do que benefícios. Este raciocínio contrasta agudamente com as
recomendações que examinamos nesta palestra.
Conclusões
1. Há uma posição internacional quase consensual de que o uso de amostras de DNA
armazenadas deve ser o mais liberal possível para amostras anônimas ou anonimizadas. Esta
posição deve ser também adotada no Brasil.
2. Precisamos definir critérios de utilização de amostras de DNA identificáveis ou
identificadas no Brasil. A anonimização de amostras deve ser feita sempre que possível e
deve ser estimulada e facilitada.
3. A CONEP deve tentar a todo custo evitar o estabelecimento de normas excessivamente
rígidas que possam prejudicar a pesquisa genética no Brasil.
Discussão
DRA. MARIA CELESTE EMERICK (Coordenadora do Projeto Ghente) – Obrigada, Sérgio.
Deu para sentir o tamanho das provocações feitas e o tamanho da discussão que esta apresentação
por si só geraria. Abrirei para três ou quatro perguntas, que serão feitas em bloco para não
perdermos algo muito pontual que alguém queira fazer neste momento. As perguntas e respostas
deverão ser concisas, senão não daremos conta da agenda. Temos o primeiro inscrito, WIM, que,
como co-coordenador usou a prerrogativa da proximidade para inscrever-se. Abro, também, para
mais três pessoas que queiram falar neste momento.
DR. WIM DEGRAVE (Coordenador-Adjunto do Projeto Ghente) – Sérgio, você ilustrou muito
bem o ponto. Na verdade, não tenho objeção teórica quanto a isso, mas acho que um aspecto você
não abordou explicitamente: que mesmo amostras anônimas posam ser utilizadas para auferir ganho
tecnológico ou econômico para um investigador. Digamos que agora alguém queira analisar para
outros fins amostra do DNA da população da Islândia, anônima, acho que tem que prever essa
situação, onde a finalidade da pesquisa visa ao ganho tecnológico ou econômico, mesmo com
amostras anônimas, porque você não reverte uma parte desse ganho para a população doadora.
DR. SÉRGIO PENA (Professor Titular da UFMG) – Acho que amostras anônimas não teriam
valor comercial. No caso da Islândia, da DeCODE, aquelas amostras são identificadas. As pessoas
estão num pedigree; sabe-se a história médica delas e há inúmeros links feitos ali dentro. Se eu
tivesse uma companhia farmacêutica, não me interessaria muito por amostras anônimas; preferiria
adquirir amostras identificadas. De qualquer maneira, se considerarmos o volume de utilização real
dessas amostras, é principalmente em pesquisas, não gerando interesse econômico. Mas se for
desejável, em uma regulamentação pode ser feito um proviso com relação a isso.
No passado já ocorreram um ou dois casos de serem feitas patentes de vírus encontrados em
certas amostras humanas. Certamente não envolviam brasileiros. Um dos casos envolveu um
pesquisador norte-americano que patenteou um vírus encontrado em uma amostra de um nativo da
Oceania. Isto foi um caso isolado e não representa uma tendência. Não se pode dar mal nome a toda
uma área de atividade por causa de uma ação isolada, da mesma maneira que se uma pessoa aqui no
Rio atira em outra, não se pode tornar toda a população do Rio de Janeiro responsável por isso.
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DRA. MARIA CELESTE EMERICK (Coordenadora do Projeto Ghente) – Quero registrar a
chegada até então do Dr. Fernando Vargas, do INCA, da Dra. Patrícia Seixas, da
GESTEC/FIOCRUZ, da Dra. Margareth Maia, do INPI, e da Dra. Maria América, do Ministério da
Saúde, Procuradoria. Com a palavra Heloísa Helena.
DRA. HELOÍSA HELENA BARBOZA (UERJ) – Dr. Sérgio, perdoe-me de início se eu cometer
alguma impropriedade de linguagem, vejo que há uma dificuldade grande de linguagem para o
Direito identificar determinados fenômenos e poder dar tratamento jurídico aos mesmos.
O
senhor abordou muito bem os riscos e benefícios, era o que eu iria perguntar. Entre as grandes
preocupações do mundo jurídico, pelo menos quando tenta regulamentar estas questões, uma Wim
apontou: a possibilidade de comercialização, falando genericamente, do resultado disso sem
proveito ou autorização do beneficiado. Para o leigo, imagina-se que farão uma pesquisa, que irão
patenteá-la, vendê-la. Acho que a informação do que acontece, quais os efeitos deste tipo de
pesquisa, qual o resultado na ponta, o efeito prático disso, é fundamental para que o Direito venha a
posicionar-se. Esta é minha pergunta. O senhor já falou de forma clara quando se trata por exemplo
das pesquisas em área médica, pesquisas para fins populacionais etc. Especialmente nessa pesquisa
em área médica, onde uma pessoa do Direito pode encontrar isso?
DR. SÉRGIO PENA (Professor Titular da UFMG) – A literatura é muito abundante em relação a
isso, especialmente toda a discussão em torno de DeCODE. Há alguns artigos no New England
Journal of Medicine, lembro-me especificamente de um artigo relevante do Annas [Annas GJ.
Rules for research on human genetic variation--lessons from Iceland. N Engl J Med. 342:18301833, 2000]. Novamente, bato na tecla que a utilização comercial de amostras anônimas ou
anonimizadas é extremamente improvável. Não acho que a possibilidade da comercialização – não
conheço nenhum caso de comercialização – possa impedir todo o desenvolvimento da área. Às
vezes a tendência é oposta. Tenho um serviço de determinação de paternidade em Belo Horizonte.
Coletamos o DNA das pessoas para fazer teste de paternidade. Tenho no congelador mais de 30 mil
amostras de DNA de brasileiros e não as posso usar em pesquisa. Se houvesse uma regulamentação,
eu as anonimizaria e haveria um material enorme para pesquisas sobre a população brasileira. Neste
caso, seria o setor público beneficiando-se com algo que começou na área privada.
Há outra coisa que talvez vocês não saibam e que é algo que vale a pena discutirmos.
Quando se olha a diversidade genômica humana global, 95% dela está dentro das populações e 5%
entre populações. Isso quer dizer que, se houvesse um holocausto nuclear e toda a população da
Terra fosse extinta e ficasse apenas uma comunidade, por exemplo, a Rocinha, haveria dentro dela
95% da variabilidade genética humana. Na verdade, não é uma situação igual à de biodiversidade
vegetal ou animal, na qual há diferenças continentais imensas. As diferenças continentais são muito
limitadas. Não vejo interesse comercial enorme, certamente nada na população brasileira que possa
ser de qualquer utilidade. Muito da parte de prospecção de genes de interesse econômico em
populações primitivas que se fala nos jornais e revistas é mais ficção científica do que realidade.
Devemos separar o que é hiper-reação da mídia, no que ela tem interesse em ser escandalosa porque
vende e o que é verdadeiro.
DRA. MARGARETH MAIA DA ROCHA (INPI) – Complementando o comentário dela sobre
apenas um ou dois casos isolados sobre a questão do patenteamento de forma geral, é preocupante
porque, sendo mesmo um ou dois, o Estado reconheceu esse monopólio exclusivo sobre aquela
tecnologia. Então alguém que queira trabalhar com isso deverá pedir licença ao detentor dessa
tecnologia, provando não ser apenas com fins de pesquisas, o monopólio existirá durante 20 anos
em relação àquela matéria. Mesmo sendo um ou dois casos, significa que o sistema de patentes
reconhece. Isso não é preocupante para quem quer utilizar o sistema? Não se deve estudar mais este
assunto?
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DR. SÉRGIO PENA (Professor Titular da UFMG) – Acho que preocupante é o sistema emitir a
patente, não a pessoa entrar com o pedido. Há anos ouço discussões bioéticas intermináveis sobre se
devemos ou não patentear genes humanos. No final, a decisão não é bioética ou jurídica, acaba
sendo técnica. Um indivíduo num escritório de patentes norte-americano dá a patente ou não, é uma
decisão puramente técnica. Você pode protestar o que quiser, mas a decisão do escritório de
patentes é técnica. Eles vêem o gene como um composto químico que tem uma seqüência. Não
defendo isso; apenas digo que o nível de decisão é estranho. No caso de um vírus de uma linhagem
celular de um australiano, não condenemos toda a pesquisa de genética humana por causa de um
caso esporádico que tenha acontecido.
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