BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa Autores: José María Gómez, Alex Jobim, Paulo Chamon, Paula Sitonio, Sérgio Britto Investimento e Inovação na Economia Chinesa 1. Introdução crescente lugar dos processos de Desde a abertura de sua economia no final da década de 1970, a China inovação nessa economia. Dentro desse contexto, este tem ganhado importância enquanto trabalho tem por finalidade analisar a receptor de investimento estrangeiro relação entre o IED e a inovação direto tecnológica (IED) dentro da economia na economia chinesa, mundial. Hoje, o país é o segundo destacando o papel exercido por este maior tipo de investimento dentro de uma destinatário deste tipo de investimentos no mundo, atrás apenas estratégia dos Estados Unidos. Nesse contexto, ampla de desenvolvimento levada a levantam-se questões cabo pelo núcleo dirigente do Estado exercido chinês. Este objetivo é desenvolvido historicamente pelo IED no dinamismo em três seções. Em primeiro lugar, da e, apresenta-se um breve panorama das na dinâmicas de investimento estrangeiro transformação da natureza de sua direto na economia chinesa desde a pauta acerca importantes do papel economia chinesa contemporaneamente, político-econômica mais fato, se sua abertura no final da década de quanto ao 1970. Busca-se apontar não somente a investimento importância bruta deste, como também estrangeiro direto enquanto motor do seu desenvolvimento histórico, suas crescimento chinês, poucos disputam principais fontes e sua distribuição os dados econômicos e as políticas dentro institucionais que apontam para uma destacando, notadamente, a mudança tentativa na do perfil deste investimento nos últimos economia chinesa em direção ao setor dez anos diante de novos incentivos do de governo econômica. economistas papel discordam exercido pelo mudança serviços De e de estrutural bens de alta da economia central. O papel tecnologia agregada. Nesse sentido, é desempenhado emblemática a mudança, ao longo da estatal é analisado na segunda seção, última década, da carteira de IED na onde China do setor secundário para o abordagens econômicas sobre a terciário, assim como o papel exercido importância relativa IED na pelas transferências de tecnologias no economia se notadamente pela chinesa, discute e ação as do inovação em política diferentes chinesa, função dos 3 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa volumosos investimentos públicos demais países BRICS, indicando não Argumenta-se, apenas um maior estoque de IED, sucintamente, a necessidade de uma como também uma expectativa de abordagem crescimento deste muito mais rápida domésticos. não-dicotômica investimento interno e entre externo. Finalmente, na terceira seção, destacaseo tema da regionalização do espaço (ver tabela 2). Tabela 1 Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China (US$ m.)* econômico chinês, apontando como a dinâmica apresentada não é distribuída homogeneamente pelo território nacional, pelo contrário, sendo, fragmentada em políticas flexíveis de territorialização que internacionalmente desregular seu 46.878,00 203.142,00 2002 52.743,00 216.503,00 2003 53.505,00 228.371,00 sem 2004 60.630,00 245.467,00 político- 2005 72.406,00 272.094,00 2006 72.715,00 292.559,00 2007 83.521,00 327.087,00 2008 108.312,00 378.083,00 2009 95.000,00 473.083,00 2010 105.735,00 578.818,00 China sistema 2001 inserir buscam a ANO Estoque do fluxo de IED Total (mercadorias e serviços) Fluxo de IED econômico. 2.Investimento Estrangeiro Direito na China: um panorama *Fonte: Informações coletadas no site da UNCTADStat: http://unctadstat.unctad.org/TableViewer/tableView.aspx A China é, há mais de uma década, um dos principais destinos de investimentos diretos no Tabela 2 mundo IED nos países BRICS em 2009 (US$ m.) passando a ser, desde 2005, o maior receptor entre os países em desenvolvimento (NAUGHTON, 2007). Atualmente, ocupa a segunda posição entre os países que mais recebem IED no mundo (UNCTAD, 2011). Os dados * Brasil Rússia Índia China África do Sul Fluxo de IED 30.44 15.9 22.46 95.00 5.69 Estoque do fluxo de IED 400.8 109.02 163.95 473.08 116.96 Fonte: Investment Map http://www.investmentmap.org/prioritySector.aspx disponíveis apontam para o crescente peso deste tipo de investimento no país, atingindo, em 2010, um estoque de US$ 578 milhões, com um fluxo de aproximadamente US$ 105 milhões (ver tabela 1). Estes valores são superiores aos dados de todos os A entrada de Investimento Estrangeiro Direto na China iniciou-se em 1978, a partir da abertura da economia ao fluxo internacional de investimentos (NAUGHTON, 2007). Entretanto, apenas em 1992, com a 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa intensificação das reformas estruturais retração em 2009 (como reflexo da previstas Xiaoping, crise que atingiu o sistema econômico configurou-se, de fato, um boom de mundial em 2008), voltou a crescer crescimento do IED. Com o ingresso fortemente já em 2010. por Deng do país na OMC, em 2001, este No âmbito da origem destes movimento foi intensificado e ampliado investimentos, a análise dos dados por meio de uma rápida transformação disponíveis aponta para a importância na estrutura organizacional chinesa, das transferências regionais para o ocasionada, fluxo de IED na China. De fato, Taiwan, principalmente, pela promulgação de uma série de políticas Singapura econômicas de teor liberalizante. Este Kong, fenômeno acabou por impactar tanto a fontes de investimentos, com fluxos natureza quanto a quantidade dos crescentes fluxos de IED, contribuindo para o inclusive após a entrada da China na crescimento da taxa de transferência Organização tecnológica estrangeira para o país. A (OMC) (ver tabela 3). partir de então, investimentos o fluxo apenas e, principalmente, figuram entre ao as longo Mundial Hong principais dos do anos, Comércio de aumentou, momentos de oscilação da economia mantendo-se estável mesmo em global; apesar de ter sofrido uma Tabela 3 Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China (US$ Bilhões) 2001 2002 2003 2004 Alemanha 0.92 Coréia do Sul 2.72 Estados 4.43 5.42 Unidos Hong Kong 16.71 17.8 Ilhas Cayman 1.19 Ilhas Virgens 6.17 Britânicas Japão Samoa Ocidental Singapura Taiwan 4.34 2.98 2005 2006 2007 2008 ** * 2009 ** 2010 ** 0.85 4.48 1.05 6.25 1.53 5.17 1.98 3.89 0.73 3.67 0.90 3.10 1.20 2.70 0.84 2.47 4.19 3.94 3.06 2.87 2.61 2.90 3.60 3.55 17.7 18.99 17.95 20.23 27.70 0.86 2.04 1.95 2.1 2.57 41.0 54.0 56.81 3.58 3.70 4.10 3.94 3.18 1.77 4.4 1.90 3.9 6.60 5.161 6.20 5.77 6.73 9.02 11.25 16.55 4.19 5.05 5.45 6.53 4.60 0.87 0.98 1.19 1.36 1.54 2.37 3.97 2.06 3.37 2.01 3.11 2.20 2.15 2.26 2.14 * Informações coletadas nos sites: Invest in China <http://www.fdi.gov.cn/pub/FDI_EN/Statistics/AnnualStatisticsData/default.jsp> MOFCOM <english.mofcom.gov.cn/aarticle/statistic/foreigninvestment/201101/20110107347870.html> USCBC <https://www.uschina.org/info/forecast/2007/foreign-investment.html#table4 > 5 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa ** Nesses anos, os investimentos através das Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Samoa Ocidental foram incorporadas aos seus investidores primários. Entretanto, é importante destacar que tal dinâmica regional é entrada da China na OMC, a maior parte deste capital produtivo indissociável do processo mais amplo estrangeiro destinava-se ao setor de de globalização. Isto porque, em um manufaturas, principalmente aqueles contexto os intensivos em trabalho. Nesse sentido, investimentos advindos destes países pontuamos a trajetória do IED na China são parte de uma rede de produção em duas fases distintas: uma primeira, transnacional na de produção global, complexa, cujos qual tal investimento meandros escapam à análise dos comprometido fluxos bilaterais. Nesse sentido, o estrutural da economia chinesa rumo à papel e especialização no setor manufatureiro Singapura é, em grande parte, de (NAUGHTON 2007), e uma segunda, intermediar o fluxo de investimentos ligada ao objetivo do governo de entre a China e os principais atores da promover economia global (BRESLIN, 2003). estrutural Ademais, parte dos valores indicados intensivos na tabela refere-se aos chamados serviços1. Esta segunda fase seria “investimentos reciclados” via Hong caracterizada, especialmente, por um Kong, ou seja, investimentos oriundos deslocamento do principal destino do de IED de um Hong Kong, processo no Taiwan qual atores econômicos chineses investem do com uma em uma estava nova direção em mudança mudança a tecnologia setor secundário setores e de para o em terciário, movimento iniciado em 2002 Hong Kong (geralmente por meio de e consolidado em 2008, quando a uma empresa de fachada) para, então, porcentagem do total de IED destinado reinvestir na China, aproveitando o ao tratamento preferencial oferecido pelo aquela governo (BRESLIN, 2003). Segundo manufatureiro (ver tabela 4). setor de serviços destinada ultrapassou ao setor Bhaskaran (2003), esta modalidade de A importância estratégica do setor investimento pode chegar a 25% do terciário para o governo chinês é total de IED advindo de Hong Kong. revelada O destino destes importantes econômica na política de de setores abertura antes fluxos de investimentos externos é, protegidos, visando à atração de IED ademais, de suma importância na para compreensão do papel do IED na intensivos em tecnologias (WORLD economia chinesa. De fato, até a INVESTMENT REPORT, 2004). Tal os serviços e os setores 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa política resultou na expansão do fluxo maior parte dos investimentos, fruto de de investimentos destinado a estes políticas permissivas ao fluxo de capital Tabela 4 vindo de Hong Kong, Singapura e Taiwan. Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China (%)* 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Setor Primário 1.87 1.84 1 0.86 1.11 1.10 Setor Secundário 74.22 74.98 62 61.19 51.32 49.17 Ademais, transparece igualmente nos incentivos dados pelo Setor Terciário 23.91 23.18 37 37.95 47.58 49.73 governo para o direcionamento do IED a determinados setores: serviços em geral, setores intensivos em tecnologia e pesquisa em desenvolvimento (P&D). A seguir, voltamo-nos à discussão do * Informações coletadas nos sites: Invest in China: http://www.fdi.gov.cn/pub/FDI_EN/Statistics/AnnualStatistic sData/default.jsp e BIICL: http://www.biicl.org/files/2727_the_new_generation_of_chin ese_bits_and_investment_arbitration_updated.pdf papel empenhado por esta atuação do governo na consolidação do lugar dos investimentos diretos na economia chinesa. setores. Nesse sentido, observamos que entre os anos de 2003 e 2009 as 3.Investimento Estrangeiro Direto e cifras Políticas de IED cresceram aproximadamente 300% nos serviços ligados à computação e softwares, 375% nos serviços empresariais, 545% nas pesquisas científicas e serviços tecnológicos e 7100% nos serviços financeiros; alternativamente, registrase um aumento de apenas 134% no setor manufatureiro2. configurou, desde as reformas de 1978, uma importante ferramenta para setores estratégicos da economia chinesa. Este fluxo de IED, localizado hoje entre os maiores do mundo, é indissociável da hábil atuação do Estado no âmbito da formulação de políticas voltadas ao seu direcionamento. Este processo é na Economia Chinesa A literatura sobre o modelo de desenvolvimento chinês apresenta esta discussão a partir do debate entre duas importantes correntes que divergem no tocante à origem do dinamismo da economia do encontram-se Portanto, conclui-se que o IED dinamizar Governamentais país. De aqueles um lado, economistas (aqui cunhados, de forma abrangente, de “liberais”) que enfatizam o papel fundamental desempenhado pelo IED para o aumento da participação da China no mercado internacional, visto como o motor das altas taxas de crescimento obtidas3. Alternativamente, outros economistas (chamados aqui de “desenvolvimentistas”4) destacam a participação do Estado (local e central) evidenciado na origem regional da 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa e do investimento na em tecnologia (LIN et al, 2009); e a abertura gradual da economia, de transferência de tecnologia e know- modo a que fosse possível garantir how de forma vertical da empresa certa estrangeira para empresas domésticas autonomia doméstico ao processo de 5 desenvolvimento chinês . (CHEUNG & LIN, 2004). Este debate é reproduzido na Os desenvolvimentistas, por sua temática da inovação tecnológica, onde vez, destacam o papel desempenhado o pelo investimento interno na promoção debate entre desenvolvimentistas liberais é e fundamental. de pesquisa em Para os primeiros, a importância do (P&D), investimento parques industriais. Para estes autores externo na formação educação desenvolvimento qualidade o despeito da diminuta importância de investimentos domésticos sobre o PIB suas cifras absolutas em relação a nacional é muito maior do que o outros tipos de investimentos –, dado promovido que constitui, desde o final da década 2010), notadamente devido ao seu de 1970, a principal forma de acesso maior do capital global à China (NAUGHTON, argumenta-se que por conta da sua 2007). Ademais, destacam os efeitos elevada taxa de poupança, a China de spillover que o IED pode promover, seria menos dependente do fluxo de possibilitando a alteração do perfil IED econômico economias incorporação país de por meio pelo volume. do que a em IED destes (BARDHAN, Nesse maior sentido, parte das desenvolvimento mais (NAUGHTON, 2007), o mesmo sendo avançadas na produção. Estes autores responsável, no seu ápice, por apenas apontam diversas possibilidades para a 11,8% do investimento total em ativos ocorrência a fixos (NOGUEIRA, 2011). Ademais, redução dos custos de inovação por tais autores argumentam que o IED parte à pode gerar não um efeito de spillover, medida que as mesmas passam a mas sim de crowding-out: o aumento “imitar” de do de tecnologias da resultante e bruta de capital é fundamental – a do impacto de spillover empresas as empresas effect: domésticas estrangeiras intensidade da competição (engenharia reversa); a contratação de prejudicaria as empresas nacionais ao mão-de-obra treinada pela empresa aumentar seus custos fixos (por conta estrangeira por empresas locais; o da incentivo técnicas à inovação nas firmas domésticas em função da competição busca de reestruturação das de produção de gerenciamento) ao mesmo tempo em com empresas estrangeiras intensivas 5 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa que diminui seu volume de vendas (LIN 2010). Ademais, argumentamos que o et al, 2009). efeito de spillover do IED sobre a Apesar de contribuição correntes, de reconhecer cada uma argumentamos tomadas como a economia doméstica (enfatizado pelos destas liberais) não poderia ocorrer se não que, se fosse combinado a uma infraestrutura mutuamente doméstica perspectivas governamentais. Em outras palavras, deixam escapar parte da complexidade apesar de possuir um papel central no do da acesso a novas tecnologias, o IED não chinesa. geraria inovação doméstica de forma Nesse sentido, destacamos a relação direta: faz-se necessária uma atuação específica estabelecida entre o papel governamental específica para fazer do IED e do investimento doméstico na com que a absorção de tecnologia – economia chinesa como fundamental trazida pelo investimento externo – para seja possível (CHEN, 2007). excludentes, estas processo capacidade o de de evolução inovação aumento da capacidade fruto dos investimentos inovativa observado nos últimos anos. Nesse sentido, o desenvolvimento Assim, uma abordagem excludente de instituições e incentivos voltados desta temática esconde a relação de especificamente à inovação no âmbito complementaridade do processo produtivo mostra-se uma e dependência entre os dois tipos de investimentos. questão central no processo de Em primeiro lugar, a entrada de incorporação de tecnologias à pauta capitais sob a forma de investimentos econômica chinesa. Por um lado, estes produtivos é, fundamentalmente, uma se voltam à inovação endógena, ou função dos incentivos domésticos em seja, favor deste fluxo. No caso chinês, internos à economia chinesa (e.g. evidencia-se que, no momento de recompensas maior àqueles abertura (inclusive com a aos processos aos que de inovação inovadores empregam tecnologias Especiais), já havia sido construída produção). Por outro lado, e talvez de uma estrutura com a finalidade de forma atrair o investimento produtivo externo estímulos para o país, sustentando a afirmação constituição de uma estrutura técnica e de que o IED foi atraído para a China institucional que não somente atraia o através capital grandes investimentos mais seu novas implementação das Zonas Econômicas de em e processo fundamental, são estrangeiro, estes essenciais como de na também domésticos em setores estratégicos capacite a economia doméstica a (NAUGHTON, absorver os benefícios oriundos dos 2007; BARDHAN, 6 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa efeitos de spillover das inovações livremente para outras empresas tecnológicas ligadas ao IED. dentro da própria EPZ ou em outras No que diz respeito aos incentivos EPZs. Essa seria uma característica promovidos pelo governo chinês para a fundamental, já que, dessa forma, tais atração do IED em prol de uma zonas, como aquela que foi instalada estratégia desenvolvimento em Kunshan, passavam a atender à nacional, nos serve como exemplo o demanda por pronta-entrega, central caso de Kunshan, uma cidade na em região de Suzhou, próximo a Shangai. tecnologia e Tecnologia da Informação Kunshan passou, a partir de uma (CHIEN & ZHAO, 2008). de iniciativa governamental de atração de grandes fluxos de IED, por um casos de produtos de alta Ademais, também se destaca a relevância da construção de canais profundo processo de transformação. A para forte completa investidores e os governos locais. pauta Estes possibilitam aos líderes locais o econômica transparecem no índice de aprendizado de técnicas e estratégias participação de desenvolvimento para o ambiente urbanização reestruturação e de sua da agricultura no maior contato negócio local, entre através os orçamento da cidade, que caiu de 50% de na década de 1970 para 1.4% em 2005 transferência (CHIEN & ZHAO, 2008). estrangeiras de desenvolvimento. No de da experiências Tal desenvolvimento da região de caso de Kunshan, tais canais foram Kunshan deu-se por meio da criação, desenvolvidos pelo governo local por por parte do governo chinês, de canais meio institucionais que não visavam apenas discussão acerca do desenvolvimento atrair e regional, os quais contavam com os principalmente, utilizá-lo como uma principais investidores da região sob o ferramenta para a modernização e papel de consultores (CHIEN & ZHAO, transformação da economia local. A 2008). IED, principal mas também, criação de fóruns de institucional Dessa forma, percebe-se que, tal utilizada na região foi a criação de uma qual demonstra o caso de Kunshan, Export Processing Zone (EPZ), que, faz-se necessária, para a compreensão além da utilização e expansão do IED no de ferramenta da prover facilidades para depósitos bancários e estar submetida contexto a menos impostos (maior isenção), desenvolvimento chinês, a elaboração permite às empresas pertencentes à de uma perspectiva que destaque a zona dinâmica transferirem mercadorias do modelo complementar de dos 7 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa investimentos domésticos e gerada por esta estratégia político- estrangeiros. econômica. Dessa forma, o gráfico 4. Regionalização do IED na China apresenta uma retração da O grande crescimento dos fluxos participação das províncias da costa de IED apresentado, apesar de central sudeste no PIB nacional, em contraste para inserção com o crescimento da participação de não foi outras regiões, notadamente, a região acompanhado por uma equivalência do delta do rio Changjiang e a das distributiva dos mesmos pelas diversas cinco províncias centrais. o crescimento internacional da e China, regiões do país. De fato, as políticas Essas regiões possuem governamentais de promoção do IED, diferenças entre si: enquanto a costa apontadas como centrais ao processo sudeste vem sendo, desde o início das inovativo, atuaram, desde o início do reformas de 1979, a principal força processo de abertura, visando delimitar motriz do desenvolvimento nacional à o desenvolvimento áreas específicas, medida que apresenta uma grande notadamente a região costeira. Esta concentração de indústrias do setor de escolha manufaturas, por dinamizar o país notadamente em regionalmente buscava consolidar o Guangdong (NAUGHTON, 2006), a modelo econômico região do delta do rio Changjiang beneficiando-se de ganhos de escala e (região de Shangai e Kunshan) vem se maior de afirmando como um vetor central para abertura, para que, em um segundo a atual migração da pauta econômica momento, o mesmo pudesse espalhar- do país para os setores intensivos em se por todo o território (NAUGHTON, tecnologia e serviços, e figura como o 2007). Este objetivo foi alcançado, em principal grande medida, pelo processo de (CHIEN & ZHAO, 2008). Por sua vez, a organização flexível do território chinês região das cinco províncias centrais como desenvolvimento vem sendo dinamizada de acordo com estatal, permitindo a criação de zonas os princípios da política Go West, uma econômicas e políticas de exceção iniciativa do governo central. de crescimento controle plano do de processo pólo tecnológico chinês responsáveis tanto pela propagação de Assim, podemos perceber como a redes econômicas pelo país como pela variação da participação das diversas fomentação de uma maior integração regiões chinesas no PIB nacional, política (ONG, 2004). O gráfico 1 a apresentada no gráfico 1, evidencia a seguir ilustra a defasagem de IED recente transformação do modelo de entre as diversas províncias chinesas crescimento chinês, apontando a 8 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa relativa redução da centralidade da Econômicas Especiais são espaços costa de que usufruem de uma série de políticas “novos” setores econômicos, nos quais (tais como isenção de impostos e se destaca a participação da região do menores delta do rio Changjiang. Da mesma voltadas forma, estrangeiro sudeste o chinesa gráfico diante apresenta outra proteções a trabalhistas) incentivar a o montar capital fábricas e tendência recente: a migração para o indústrias que produzam itens para a oeste, de exportação, qualifiquem trabalhadores províncias até então à margem do e facilitem a transferência tecnológica. processo de modernização pelo qual o Assim, são criadas áreas nas quais o país vem passando desde o final da IED década de 1970. entrada visando à dinamização possui no grandes país incentivos sem que à este A criação de Zonas Econômicas acréscimo na sua capacidade de lucro Especiais e de Regiões Administrativas desestabilize a economia como um Especiais todo a esta político-econômica de desregulada. Por sua vez, as Regiões reorganização do território por meio da Administrativas Especiais permitiram liberalização de regiões previamente que estratégia foi fundamental por Hong meio da Kong liberalização e Macau escolhidas (ONG, 2004). As Zonas Gráfico 1: Distribuição do IED por regiões na China, 1985-2002 9 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa Fonte: NBS. China Statistical Yearbook (1985-2002) retornassem à órbita de soberania Os investimentos ao estímulo à chinesa, mantendo, entretanto, suas entrada características liberais e democráticas. investimento estrangeiro direto no setor A ocorrência destas “exceções legais” manufatureiro dentro do território da China faz parte responsáveis da estratégia nacional “um país, dois desenvolvimento sistemas”, proposta por Deng Xiaoping físicas, educacionais e de pesquisa na década de 1980 (HUANG, 2004). A voltadas tanto para a instalação de seleção de regiões de maior potencial transnacionais exportador com tecnologia como para a criação de grandes centros (como Hong Kong) centros internacionais de pesquisa e para desenvolvimento. o e a proximidade estabelecimento destes e concentração foram por igualmente impulsionar de de o infraestruturas intensivas Estes historicamente governo inserir o país no mercado estrangeiras e focados na adaptação internacional, ao mesmo tempo em que de tecnologias para o mercado chinês, conservava têm organização 6 administrativa da China . político- apresentado a centros, territórios diferenciados permitiu ao a filiados em uma empresas tendência crescente ao estabelecimento de joint ventures de pesquisa, que contam com 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa a participação de e transferência de tecnologia. Porém, Estes devido ao modelo de territorialização núcleos têm se concentrado cada vez chinês, este spillover é restrito ao mais no desenvolvimento de avanços âmbito regional, já que a capacidade tecnológicos relacionados à rede de de converter a tecnologia adquirida em inovações global. novos produtos, serviços e processos é dinâmica altamente dependente da presença de regionalizada do IED, estes centros bases tecnológicas e de mão-de-obra concentram-se qualificada pesquisadores instituições nacionais. do mercado Acompanhando a também na região (CHEN, 2007). Estes costeira. Ao final de 2004, 189 centros fatores, como vimos, encontram-se localizavam-se em Beijing, sendo 60% majoritariamente relacionados a regiões seletas da China, notadamente transnacionais intensivas indústrias em tecnologia. Em Shangai, mais de 140 núcleos foram estabelecidos. Ainda, as regiões de Guangdong e Jiangsu possuem cerca 100 centros, estando em terceiro lugar no desenvolvimento de tecnologia científica no país. Como visto estabelecimento tende a gerar anteriormente, de Beijing e Shangai em (UNCTAD, 2005). Se a dinâmica de regionalização do IED beneficiou historicamente as regiões costeiras, a partir de 2007, a taxa de crescimento dos investimentos estrangeiros nas regiões do interior da o China ultrapassou a da região costeira. transnacionais Este fato deve-se, em grande medida, de à diretriz “Go West” introduzida pelo processos inovativos aproveitado pelas governo central na década anterior. firmas chinesas devido às políticas Estas políticas, além de incentivarem o governamentais um em concentrados de spillover incentivo à Mapa 1: Centros de P&D filiados a empresas estrangeiras na China, 2004. 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa Fonte: UNCTAD, World Investment Report, 2005 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa rápido desenvolvimento de transferência de tecnologia e as infraestrutura, ofereceram facilidades exportações. Tal política indica uma fiscais para a instalação de IED nestas ação estatal pragmática no sentido de regiões, lançar mão de recursos externos para buscando crescimento promover econômico interioranas. o nas áreas impulsionar a estes econômico do país e certamente tem Associado o desenvolvimento incentivos, os altos custos de produção contribuído para das áreas costeiras têm redirecionado participação dos as atividades das multinacionais para intensidade tecnológica na pauta de as regiões leste e central (UNCTAD, exportações chinesa (OLIVEIRA et al., 2009). ser 2010). O desempenho exportador, por novo sua vez, é fundamental para garantir Este percebido movimento como desdobramento da pode um estratégia de os recursos aumentar bens a de necessários alta para as desenvolvimento do governo chinês, importações que agora busca levar o sucesso de necessidades sua política de territorialização para o utilização restante do país. domésticos e externos (no caso desse Gráfico 1: Taxa de crescimento do IED nas três regiões da China, 2006-2008. estudo, associadas de crescimento. planejada o IED) preferencialmente às de deve A recursos ser vista como uma estratégia integrada de maximização do desenvolvimento. Sendo assim, a importância de ambos fatores não pode ser reduzida a sua expressão meramente quantitativa. Mais que isso, possuem funções que conjuntamente possibilitam sustentado o rápido exibido crescimento pela economia chinesa nas últimas décadas. Fonte: Ministério do Comércio da China apud UNCTAD, World Investment Report, 2009. 6. Referências 5. Considerações Finais A China tem exercido uma política clara de estímulo ao investimento estrangeiro direto tendo em vista a BARDHAN, P. Awakening Giants, Feet of Clay. Princeton: Princeton University Press, 2010. BHASKARAN, M. China as Potential Superpower: Regional Responses. Berlin: Deutsche Bank, 2003. 3 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa BRESLIN, S. Foreign Direct Investment in China: What Figure Don’t Tell Us. Disponível em: <http://www2.warwick.ac.uk/fac/soc/pai s/people/breslin/research/fdi.pdf>. Acesso em: 29/10/2011. CHEN, Y. Impact of Foreign Direct Investment on Regional Innovation Capability: A Case of China. Journal of Data Science, Vol. 5 (2007), pp. 577-596. CHEUNG, K.; LIN, P. Spillover Effects of FDI on Innovation in China: Evidence from the Provincial Data. China Economic Review, n. 15 (2004), pp. 25-44. CHIEN, Shiuh-Shen and Litao ZHAO. Kunshan Model: Learning from Taiwanese Investors. Built Environment. v. 34. n.4 (2008) pp 427-443. ONG, A. “The Chinese Axis: Zoning Technology and Variegated Sovereignty”. Journal of East Asian Studies. vol. 4 (2004), pp. 69-96. HUANG, J.; KAO, A. & YAO, S. Policy Implication of Uneven Distribution of FDI among China’s Regions and Industries. Disponível em: http://www3.nccu.edu.tw/~jthuang/Hua ng_Gao_Yaoa07272004.pdf. Acesso em 1 de outubro de 2011 LIN, P.; Liu, Z. & ZHANG, Y. Do Chinese Domestic Firms Benefit from FDI Inflow? Evidence of Horizontal and Vertical Spillovers. China Economic Review, Vol. 20, n. 4 (Dec. 2009), pp. 677-691. NAUGHTON, B. The Chinese Economy: Transitions and Growth. Londres: The MIT Press, 2007. NOGUEIRA, Ia. Desenvolvimento Econômico, Distribuição de Renda e Pobreza na China Contemporânea. 2011. 209 p. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) – Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. OLIVEIRA, I.; FERREIRA, R. & CHERNAVSKY, E. A inserção no comércio internacional do Brasil, da Índia e da China (BIC): notas acerca do comércio exterior e política comercial. In: BAUMANN, R, (org.). O Brasil e os Demais BRICs: Comércio e Política. Distrito Federal: CEPAL/IPEA, 2010. SHARMA, S. China and India in the Age of Globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. UNCTAD. World Investment Report 2001. Promoting Linkages. Nova York: United Nations, 2001. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=2434&lang=1 . Acesso em 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2002: Transnational Corporations and Export Competitiveness. Nova York: United Nations, 2002. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=2477&lang=1. Acesso em 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2003: FDI Policies for Development: National and International Perspectives. Nova York: United Nations, 2003. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=2979&lang=1Acess o em 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2004: The Shift Toward Services. Nova York: United Nations, 2004. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=3235&lang=1. Acesso em 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2005: Transnational Corporation and the Internalization of R&D. Nova York: United Nations, 2005. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=3489&lang=1. Acesso em 30 de setembro de 2011 4 BRICS POLICY CENTER – POLICY BRIEF Investimento e Inovação na Economia Chinesa UNCTAD. World Investment Report 2006: FDI from Developing and Transition Economies. Nova York: United Nations, 2006. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=3968&lang=1. Aces so em: 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2007: Transnational Corporations, Extractive Industries and development. Nova York: United Nations, 2007. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=4361&lang=1 Acesso em: 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2008: Transnational Corporations, and the Infrastructure Challenge. Nova York: United Nations, 2008. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=4629&lang=1 Acesso em: 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2009: Transnational Corporations, Agricultural Production and Development. Nova York: United Nations, 2009. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=5037&lang=1. Acesso em: 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2010: Investing in a low-carbon economy. Nova York: United Nations, 2010. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=5539&lang=1. Acesso em: 30 de setembro de 2011 UNCTAD. World Investment Report 2011: Non-equity modes of international production and development. Nova York: United Nations, 2011. Disponível em: http://www.unctad.org/Templates/WebF lyer.asp?intItemID=6018&lang=1. Acesso em: 30 de setembro de 2011 2004 e nas políticas de abertura previstas na adesão à OMC. 2 Invest in china: http://www.fdi.gov.cn/pub/FDI_EN/Statisstic s/AnnuelStatisticsDefault.jsp MOFCOM: english.mofcom.gov.cn/aarticle/statistic/fore igninvestment/21101/20110107347870.htm o Deloitte: http://www.deloitte.com/assets/DcomUnited States/Local%20Assets/Documents/us_csg _KeepingPaceWithChina_091709.pdf 3 Para maiores informações acerca dessa corrente, ver SHARMA, 2009. 4 A nomenclatura de “liberais” e “desenvolvimentistas” é utilizada aqui de forma pouco sistemática e apenas indicativa de uma posição mais próxima ao conceito de liberalização e outra mais ligada à idéia de políticas estatais de incentivo ao desenvolvimento. O objetivo não é o de rotular autores ou enquadrar a discussão dentro das posições ideológicas do liberalismo e do desenvolvimentismo. 5 Para maiores informações acerca dessa corrente, ver: BARDHAN, 2010. 6 Quatro fases de políticas foram implementadas após as reformas introduzidas por Deng Xiaoping. As três primeiras, compreendidas entre 1979 e 1995, foram responsáveis pela criação das Zonas Econômicas Especiais e pelo crescimento gradual da permissividade (tanto política-administrativa quanto jurídica) de certos tipos de IED, notadamente aqueles que melhor beneficiavam as indústrias exportadoras e de maior teor tecnológico agregado. A última, por sua vez, simbolizou tanto a maior preocupação do governo com a região Centro-Oeste quanto a maior flexibilização das normas de entrada de IED no país, principalmente no setor de serviços. Estas decisões foram impulsionadas pela eclosão da crise asiática de 1999 e pela entrada da China na OMC em 2001. Para maiores informações, ver: HUANG, J.T et al. Policy Implication of Uneven Distribution of FDI among China’s Regions and Industries. Taiwan: National Chengchi University press; 2004. 1 Tais intenções são explicitadas no Foreing Investment Industry Catalogue de 5