Clemente de Alexandria: Deus Está Acima da Própria Unidade Autor: Sávio Laet de Barros Campos. Bacharel-Licenciado em Filosofia Pela Universidade Federal de Mato Grosso. 1.1) A Existência de Deus é Universalmente Conhecida Sem embargo, Deus concede aos homens, sobretudo aos filósofos, a antecipação de um saber, que consiste em reconhecer-Lhe como único princípio e fim de todas as coisas.1 Ora bem, esta antecipação, por sua vez, apresenta-se como uma idéia clara que, proveniente dos sentidos, é indispensável para toda e qualquer empresa cognoscitiva posterior.2 Com efeito, antecipação e fé possuem funções análogas. Entretanto, diferenciam-se pelo fato de a antecipação se dar por uma iluminação natural, da qual todo homem participa3, ao passo que a fé é concedida somente àqueles que a aceitam livremente.4 De fato, é a partir desta “antecipação”, ou luz natural dada a todo homem por Deus, que o homem poderá chegar – à guisa de suas possibilidades – 1 Philotheus Boehner. História da Filosofia Cristã. p. 44: “Esta ‘antecipação’ provém de uma influição divina que se fez notar principalmente nos filósofos, que dela receberam a idéia de um Deus único, princípio e fim do universo.” 2 Idem. Op. Cit. p. 39: “Por antecipação entende-se uma idéia clara, oriunda dos sentidos, e indispensável para todo e qualquer trabalho frutuoso de pesquisa, de dúvida, de juízo e de raciocínio.” 3 Idem. Op. Cit. p. 44: “Todos eles sofreram a influência de uma espécie de iluminação natural de Deus.” 4 Idem. Op. Cit. p. 39: “Também a fé constitui uma antecipação, com a diferença de ser aceita com inteira liberdade.” a ter um conhecimento de Deus. Agora bem, todo homem é portador desta espécie de iluminação natural, que lhe atesta a evidência da existência de Deus.5 Donde, todos os homens estarem em condições de conceber uma idéia de Deus.6 De resto, todos os povos reconhecem, de fato, a existência de um ser supremo: “Não há povo que não admita algum ser supremo.”7 1.2) A Essência Divina é Incognoscível Ora bem, não podemos conhecer a essência divina, pois ultrapassa os limites da nossa razão, saber o que Deus é. Destarte, ela pode tão somente, conhecer o que Ele não é.8 Com efeito, é impossível conhecer a Deus mediante uma causa, pois Ele é, deveras, a causa incausada de todas as coisas.9 Desta feita, todo conhecimento que obtemos de Deus mediante as suas criaturas, é um conhecimento negativo10, visto ser Ele infinitamente superior a todas elas11. Aliás, para quem desejar ter um saber aproximativo de Deus, ser-lhe-á necessário, para dar vazão à sua aspiração, se desvencilhar o quanto puder, das coisas sensíveis e materiais: Como todo conhecimento filosófico, o conhecimento de Deus pressupõe que o homem comece por se desvencilhar das 5 Idem. Op. Cit. p. 44: “A existência de Deus é universalmente conhecida.” 6 Idem. Op. Cit: “Todos os homens chegam a formar uma idéia de Deus (...)”. 7 Idem. Op. Cit. 8 Idem. Op. Cit: “Não sabemos o que Deus é; podemos saber, contudo, o que Ele não é.” 9 Idem. Op. Cit: “(...) Deus não tem causa, senão que, ao contrário, Ele próprio é a razão e causa de todas as outras coisas.” 10 Idem. Op. Cit: “O saber aproximativo que dela (Da essência divina) se obtém com a ajuda de certas analogias, não passa, no fundo, de um saber meramente negativo.” (O parêntese e o itálico são nossos). 11 Idem. Op. Cit: “(...) Deus excede toda determinação, e por esta razão não cabe em nenhuma categoria.” impressões sensíveis que o envolvem à maneira de uma crosta impenetrável.12 1.3) O Conhecimento de Deus é o Supremo Bem Agora bem, quando descreve as características do cristão gnóstico, o alexandrino atribui todo o esforço intelectual deste, exatamente à tentativa de se obter um conhecimento mais perfeito de Deus.13 Desta sorte, para o nosso filósofo, conhecer a Deus – o quanto nos for possível – constitui-se como sendo o maior de todos os bens.14 Doravante, numa hipótese – inclusive absurda – o gnóstico, se colocado para escolher entre a sua salvação e o conhecimento de Deus, escolheria este em detrimento daquela.15 Ora, com isto se quer exemplificar, que o conhecimento de Deus não é buscado em atenção à uma recompensa futura, sendo que o próprio conhecimento da divindade, é mesmo a maior recompensa para aquele que o busca.16 Ademais, o gnóstico, que nada mais é do que o cristão perfeito, recebe da contemplação e do amor a Deus – enquanto a consecução destes bens exige justamente a separação das coisas sensíveis – o escape de todas as necessidades do corpo. Daí, que tendo o seu corpo morto para o pecado, ele vive exclusivamente para Deus: 12 Idem. Op. Cit. 13 Idem. Op. Cit. p. 41: “A meta de todos os seus esforços intelectuais é um conhecimento sempre mais perfeito de Deus.” 14 Idem. Op. Cit: “E é neste conhecimento de Deus que o gnóstico reconhece o maior de todos os bens.” 15 Idem. Op. Cit: “Se fosse possível forçá-lo (O gnóstico) a optar entre o conhecimento de Deus e a sua própria salvação – o que naturalmente é contraditório (...) - o gnóstico escolheria a primeira alternativa (...)”. (O parêntese e o itálico são nossos). 16 Idem. Op. Cit: “A contemplação e o amor a Deus: eis toda a sua recompensa.” Graças a este conhecimento amoroso de Deus, o gnóstico chega a desembaraçar-se de todos os impulsos e paixões humanas, para firmar-se na divina impassibilidade, que é a “apatia” gnóstica.17 1.4) A Via Analítica Ora bem, voltemos à teologia natural, que contanto suceda à iluminação natural, precede a própria fé, e por conseguinte, antecede a mesma apatia gnóstica. Cumpre dizer, que para atingirmos o conhecimento mais adequado, conquanto ainda negativo de Deus, devemos proceder analiticamente, ou seja, devemos ir do sensível ao inteligível, até alcançarmos o princípio do qual todas as coisas se originam.18 Portanto, a análise se caracteriza por buscar os primeiros princípios evidentíssimos, dos quais se originam, doravante, todas as demais proposições corretas e menos evidentes.19 Porquanto, neste itinerário analítico, começamos por eliminar do objeto sensível, o seu comprimento, bem como a sua altura e largura.20 Depois, importa que subtraiamos o ponto do lugar que ele ainda ocupa no espaço, teremos assim então, uma unidade espiritual acima de todo e qualquer conhecimento.21 Após estes esforços, resta-nos, porém, elevar este conceito, já enfim puramente espiritual, à grandeza de Cristo, e finalmente, ao conceito de imensidade, e por fim concluiremos, tendo um conhecimento menos 17 Idem. Op. Cit. 18 Idem. Op. Cit. p. 44: “A fim de penetrar o mais possível no conhecimento negativo de Deus, temos que recorrer à análise, ou seja, ao processo que, a partir dos dados da experiência, remonta ao primeiro princípio espiritual de todas as coisas.” (O itálico é nosso). 19 Idem. Op. Cit. p. 43: “A análise (...) visa encontrar as primeiras proposições evidentes que dão origem ao conhecimento certo de outras proposições menos evidentes.” 20 Idem. Op. Cit. p. 44: “Inicialmente, removem-se das coisas sensíveis as três dimensões de comprimento, altura e largura (...)”. 21 Idem. Op. Cit: “Abstraindo desta posição espacial teremos uma unidade puramente espiritual, (...) acima de todo lugar, de todo tempo e de todo conhecimento.” inadequado de Deus.22 Contudo, mesmo este conhecimento ainda será negativo, pois Deus se sobressai à própria unidade: “(...) Deus está acima da própria Unidade (...)”23. 22 Idem. Op. Cit: “Se (...) nos elevarmos à grandeza de Cristo, e até ao conceito da imensidade, então estaremos em condições de obter um certo conhecimento do Todo-Poderoso, ainda que não nos seja dado saber o que Ele é, mas só o que não é.” (O itálico é nosso). 23 Idem. Op. Cit. BIBLIOGRAFIA PHILOTHEUS BOEHNER, Etienne Gilson. História da Filosofia Cristã, Desde as Origens até Nicolau de Cusa. 7ºed. Trad. Raimundo Vier. Rio de Janeiro: VOZES, 2000. p. 38 a 47. This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only. This page will not be added after purchasing Win2PDF.