Nota Introdutória Os transtornos psiquiátricos são reconhecidos como uma importante causa de morbidade e mortalidade à escala mundial em um dos últimos relatórios da OMS onde afirma-se que entre os doentes acometidos por estes transtornos, apenas uma pequena minoria recebe tratamento de alta-qualidade. Nesta monografia opta-se pela referência ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) por se tratar de um sistema largamente utilizado pela comunidade médica para a classificação e criteriosa categorização dos vários clusters de sintomas psiquiátricos. Na sua última edição, o DSM-V, observam-se várias alterações, nomeadamente nos capítulos de Distúrbios do Humor - depressão e ansiedade, e de Distúrbios do Neurodesenvolvimento - Transtorno de Défice de Atenção (TDAH). Elege-se para o nosso estudo as morbilidades – depressão, ansiedade e Transtorno de Défice de Atenção (TDAH) - por terem causas relacionadas com o modo de vida stressante da sociedade dos países desenvolvidos, apresentarem tratamento médico com recurso a psicotrópicos e por mostrarem resultados favoráveis com a aplicação de sessões de Neurofeedback (NFB). Observa-se que o Transtorno de Défice de Atenção (TDAH) é apresentado como transtorno que pode estar ampliado o seu diagnóstico até à idade adulta, com perseveração dos sintomas de alteração da atenção, da hiperatividade e impulsividade tornando-se benéfico o tratamento durante a infância e o seu prolongamento com monitorização do comportamento e terapêutica adequada. O uso de psicotrópicos é apresentado, neste estudo, como um problema atual e de preocupação exponencial pelo aumento de consumo, abuso e resistência desenvolvidos ao longo do tratamento. Com base nesta avaliação se identifica a necessidade de novas opções terapêuticas a serem utilizadas como coadjuvantes à terapia farmacológica convencional e contribuir para a melhoria do estado de saúde mental da sociedade. Este trabalho objetiva apresentar a neuroterapia como técnica de opção terapêutica para o alívio sintomático destas perturbações de forma segura, não invasiva e indolor. O Neurofeedback (NFB) é uma terapia baseada em resultados neuroplásticos, que resultam do treino através de condicionamento operante, capaz de fornecer aos utentes reconhecimento do alívio dos sintomas debilitantes, e proporcionar um modo mais saudável de viver com a patologia psiquiátrica. Capítulo 1 – Transtornos Mentais Na Europa, os transtornos mentais constituem a principal causa para Anos Vividos com Incapacidade, representando 36,1% da totalidade percentual. A percentagem de dinheiro atribuída à medicação psicotrópica, terapêutica eleita para a maioria destes transtornos, cresce exponencialmente em relação à farmacoterapia em geral. Citando o DSM-V, transtorno mental define-se por: “... uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental.” O transtorno depressivo unipolar contribui, isoladamente, para 11% de todos os Anos Vividos com Incapacidade, e é a principal condição crónica na Europa. Já os transtornos de ansiedade ocupam a sexta posição com 4% de Anos Vividos com Incapacidade. Para além disso, segundo a OMS, é expectável que em 2020 os transtornos depressivos ocupem a segunda posição em relação à carga global de doença, logo atrás da doença cardíaca isquémica. Esta expectativa é um preocupante alarme de Saúde Pública, com a agravante de mais de 40% dos países não apresentarem políticas de Saúde Mental e cerca de 30% não terem Programas de Saúde Mental. Este quadro facilita a falha na assistência a todos os que necessitam de ajuda médica e a que haja incongruências a nível de sistematização diagnóstica e terapêutica de alta qualidade. Capítulo 1.2 - Transtornos Depressivos e de Ansiedade Segundo a classificação constante no DSM-V, os Transtornos Depressivos e os Transtornos de Ansiedade são apresentados em capítulos distintos, embora muitas vezes seja complexa a sua total separação e diferenciação diagnóstica. As suas prevalências parecem aumentar de ano para ano, em oposição a todos os esforços realizados a este nível. É ainda uma realidade bastante incapacitante que afeta atividades diárias de cariz social, profissional ou outras importantes. Relativamente aos Transtornos Depressivos, caracterizam-se essencialmente pela presença de humor persistentemente triste ou irritável e perda de interesse ou prazer. Outro conjunto de critérios devem estar presentes por mais do que duas semanas, tais como: ganho ou perda de peso corporal significativos, insónia ou hipersónia, agitação ou retardo psicomotor, perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada, diminuição da capacidade de concentração e até pensamentos de morte ou ideação suicida que afetam a vida quotidiana. A sua apresentação clínica clássica é o Transtorno Depressivo Major que deve ser especificado como episódio único ou recorrente e ainda classificado quanto à sua gravidade como leve, moderado ou grave. A etiologia específica destes transtornos está ainda por determinar e a comunidade científica alega que as causas são múltiplas e multi-factoriais. Há uma corrente científica que defende uma causalidade genética e/ou neurobiológica para a depressão, mas a maioria dos estudos nesta área são ainda inconclusivos. Em determinados casos é possível relacionar uma causa estrutural ou neuroquímica com o transtorno depressivo, já noutros as causas relacionam-se com fatores subjetivos, tais como transtornos de personalidade, fatores ambientais ou socio-económicos. Para além do Transtorno Depressivo Major há também Transtornos Depressivos Induzidos por Substância/Medicamento, Devidos a uma Condição Médica, e são ainda considerados como Especificados ou Não Especificados. No DSM-V novos diagnósticos são acrescentados neste capítulo para facilitar a assertividade clínica e terapêutica de cada indivíduo. É o caso do Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor, indicado para crianças que, até aos 12 anos, desenvolvem irritabilidade persistente e descontrolo comportamental extremo, durante pelo menos um ano, e que tipicamente irão desenvolver episódios depressivos ou de ansiedade numa idade mais avançada. Também o Transtorno Disfórico PréMenstrual é adicionado como um transtorno depressivo específico com impacto significativo no funcionamento. O Transtorno Depressivo Persistente, anteriormente classificado como distimia, é utilizado quando a depressão se prolonga por mais de dois anos em adultos ou um ano em crianças. A chave para um diagnóstico bem caracterizado e terapia ajustada ao doente é a entrevista baseada no modelo biopsicossocial, onde se devem descortinar, exaustivamente, todos os especificadores que podem alterar o curso da doença e prognóstico. Novos especificadores de diagnóstico de Transtornos Depressivos incluem sintomas ansiosos que podem ir desde nervosismo ou tensão, até temor que algo horrível aconteça ou sentimento de perda de controle de si mesmo. Especificadores mistos caracterizam-se pela presença de sintomas maníacos/hipomaníacos, com alteração do comportamento que são insuficientes para o diagnóstico de transtorno bipolar tipo I e tipo II. As características melancólicas surgem no episódio de maior gravidade do atual transtorno depressivo e qualificam-se como uma qualidade distinta do humor, em que há ausência de prazer em todas ou quase todas as atividades e alterações psicomotoras. Características atípicas são as que demonstram quer uma reatividade do humor, que se pode tornar eutímico por alguns períodos, quer características psicóticas (delírios ou alucinações), que quando presentes, podem estar congruentes ou não com o humor. O episódio depressivo pode ainda ter início no peri-parto, com maior risco de desenvolver transtorno depressivo major no período pós-parto. Finalmente, o padrão sazonal aplica-se a episódios recorrentes com início dos sintomas relacionado com determinadas estações do ano e com remitência completa noutras. Quanto à sua severidade, são classificados de leves a graves. Está bem descrita a relação entre a elevada proeminência dos sintomas ansiosos e o pior prognóstico dos transtornos depressivos, a resistência ao tratamento, o prolongamento do quadro clínico e ainda o aumento do risco de suicídio que irão ter implicações importantes na decisão terapêutica. Há uma importante alteração relativa ao transtorno depressivo, a retirada do luto como exclusão de diagnóstico. Isto porque se trata de mais um importante stressor psicossocial, pode precipitar episódios de transtorno depressivo major, prolongar-se por mais de dois meses e apresentar sintomas que muito se assemelham a um transtorno depressivo e que podem remitir espontaneamente. Numa situação em que ocorre um episódio depressivo major no contexto de luto, o risco de incidência de sintomas somáticos, sofrimento e ideação suicida aumenta, analogamente a episódios depressivos com características de ansiedade. Estes novos especificadores vieram contribuir para um melhor guia diagnóstico com a finalidade de ajudar clínicos na avaliação crítica dos sintomas de luto, ansiedade e bipolares e sua severidade. No que diz respeito aos Transtornos de Ansiedade, o medo e a ansiedade excessivos são a norma, sendo o primeiro uma resposta emocional à ameaça e o segundo uma antecipação desta. Estes dois sintomas estão associados a manifestações comportamentais que podem ser de cautela ou esquiva e quando graves revelam-se como ataques de pânico. São diferenciados do medo e ansiedade normais adaptativos pela sua gravidade e duração, que tende a ser menor nas crianças. Também este capítulo sofre alterações relativamente ao DSM-IV. A distinção entre as várias classes de Transtornos de Ansiedade, que podem ser comorbidades entre si, é orientada pelo tipo de precipitante gerador de sintomas de modo persistente, bem como pela resposta cognitiva que lhe está associada. O sexo feminino é o mais afetado por estes transtornos e uma vez iniciados na infância sem tratamento efetivo, tendem a persistir pela vida adulta. A Fobia Específica induz exagerada apreensão, ansiedade e comportamentos de esquiva perante uma situação ou objeto específicos. Distingue-se de outros transtornos de ansiedade pela ausência de ideação cognitiva específica. O Transtorno de Ansiedade de Separação desenvolve-se, na sua maioria durante a infância, com apreensão ou ansiedade desproporcionais em relação à separação das figuras de apego, acompanhado de pesadelos e sintomas físicos de sofrimento, impróprios para o seu estadio de desenvolvimento. No Mutismo Seletivo há um fracasso persistente para falar em público, acarretando graves consequências escolares, profissionais e sociais. Já o Transtorno de Ansiedade Social é representado pela persistência de ansiedade por medo de situações sociais associada a humilhação, julgamento e sentimentos negativos pela observação de outros. No caso do Transtorno de Pânico há recorrência de ataques de pânico inesperados, de frequência variável, com surgimento abrupto de medo ou desconforto intensos e que causam preocupação inadequada com nova incidência de ataque. Estes estão associados a sintomas físicos tais como palpitações, tremores, sudorese, sensação de asfixia, parestesias, ou até mesmo despersonalização ou medo de morrer. Quando os ataques de pânico são esperados, passam a ser sintoma de outro transtorno mental, como outros transtornos de ansiedade, depressivos e psicóticos. Nesta situação devem ser utilizados como Especificadores de Ataque de Pânico no diagnóstico principal e são fator de mau prognóstico no curso do transtorno, não se limitando aos transtornos de ansiedade. O diagnóstico de Agorafobia ocorre quando medo, ansiedade e esquiva persistem por mais de seis meses e são desencadeados por exposição real ou prevista de determinadas situações. Maioritariamente sociais, as ocasiões podem ser o uso de transportes públicos, sair de casa sozinho ou permanecer em áreas abertas, sendo por isso ativamente evitadas pelo doente. Os sintomas podem mesmo adquirir a forma de ataque de pânico esperado e na sua forma mais grave pode levar a sintomas depressivos e o recurso ao álcool e medicamentos sedativos como estratégia de coping. O Transtorno de Ansiedade Generalizada apresenta-se como uma expectativa apreensiva, maioritariamente desproporcional ao real impacto do evento antecipado. Interfere com o funcionamento psicossocial por mais de seis meses. Pelo menos três (um no caso das crianças) dos seguintes sintomas físicos estão presentes: irritabilidade, tensão muscular, inquietação, dificuldade de concentração e perturbações do sono. Sintomas de excitabilidade autónoma não são tão proeminentes como noutros transtornos de ansiedade, por exemplo o Transtorno de Pânico. O transtorno de ansiedade pode ainda ser Induzido por Substância/Medicamento, seja pela intoxicação ou pela abstinência, onde ataques de pânico ou ansiedade graves predominam no quadro clínico. À semelhança deste, também Outra Condição Médica é capaz de ter efeito fisiológico direto nos ataques de pânico ou ansiedade que predominam o quadro clínico e são suficientemente graves para afetar o quotidiano do doente. Deve ser distinguido do Transtorno de Ansiedade de Doença, já que neste caso há preocupação com o corpo, dor ou a própria doença e pode nem haver doença médica subjacente. O tipo específico de transtorno de ansiedade tem repercussões diferenciais a nível dos resultados terapêuticos tanto o farmacológico, como a psicoterapia. Apesar de frequente, a comorbidade com outros transtornos mentais é mais incapacitante quando se trata de transtorno depressivo, influenciando negativamente o tratamento a longo prazo. Capítulo 1.3 – Transtorno de Défice de Atenção/Hiperatividade (TDAH) O Transtorno de Défice de Atenção/Hiperatividade (TDAH) faz parte de mais um capítulo alterado no DSM-V, os Transtornos de Neurodesenvolvimento que se caracterizam por se iniciarem durante o período de desenvolvimento. É mais comum no sexo masculino e normalmente identificado na idade escolar, embora o início dos sintomas possa ocorrer previamente. Caracteriza-se por persistência da desatenção e desorganização que implicam incapacidade de permanecer atento numa atividade, e/ou hiperatividade-impulsividade, implicando atividade excessiva, inquietação, incapacidade de espera e de permanência na posição sentada. Estes sintomas persistem por pelo menos seis meses e são prejudiciais e exagerados para a idade e desenvolvimento do doente, prolongando-se até à idade adulta com incapacidade profissional e social. Há três formas de apresentação clínica distintas, com características combinadas ou isoladamente de desatenção ou hiperatividade. Caracteristicamente a desatenção qualifica-se como uma manifestação comportamental que, não constituindo falta de compreensão, se manifesta por divagação em tarefas, dificuldade em manter o foco, com falta de persistência e desorganização. Já a hiperatividade é referida como atividade motora excessiva em situações inapropriadas para crianças e inquietação para adultos. Finalmente, a impulsividade diz respeito a ações precipitadas ou não ponderadas previamente, que podem implicar dano ao próprio. Estes sintomas devem ser bem distinguidos de comportamento opositor, desafio, hostilidade e dificuldade para compreender instruções. Nas crianças, seis dos seguintes sintomas devem estar presentes, no que toca à desatenção: falta de atenção para detalhes, dificuldade em manter a atenção em atividades lúdicas, não escutar quando lhe dirigem a palavra (mesmo na ausência de distrações), incapacidade de seguir instruções até ao fim, dificuldade para a organização de atividades, recusa de tarefas que envolvem esforço mental prolongado, perda frequente de material importante, fácil distractibilidade por estímulos externos e esquecimento relativo a atividades quotidianas. Em respeito à hiperatividadeimpulsividade, os sintomas são: frequência de movimentos com as mãos, pés ou contorcimento na cadeira, incapacidade de permanecer algum tempo sentado quando é o esperado, frequentes movimentos que são inapropriados à ocasião, incapacidade de brincar calma e ordeiramente, com frequência “não pára”, fala demais, tem dificuldades para esperar pela sua vez ou interrompe outras atividades. Este conjunto sintomático deve estar presente na sua maioria até aos doze anos, surgindo em vários locais e ambientes, como na escola, em casa ou noutras atividades e afetar o funcionamento social e escolar ou profissional. Comparativamente aos pares, crianças com TDAH apresentam aumento característico de ondas lentas no encefalograma (EEG) e diminuição total do volume encefálico na ressonância magnética (RMN) embora este achado não seja diagnóstico. 1.4 – Dificuldades Diagnósticas Mesmo apesar do disseminado recurso ao DSM-V na prática clínica, assiste-se muitas vezes a diagnósticos erróneos, tanto em consultas de psiquiatria como de clínica geral. O manuseamento clínico dos transtornos mentais passa por várias avaliações importantes para a decisão terapêutica, que devem integrar todas as etapas de tratamento: o estabelecimento e manutenção de uma aliança terapêutica, a avaliação psiquiátrica completa e da segurança do doente. Nesta fase são identificados especificadores de transtornos mentais, inclusive factores para a avaliação de risco de suicídio. Os doentes mais desafiantes são os que apresentam sintomas depressivos, que na maioria das vezes apresentam baixa auto-estima e falta de motivação. É também possível encontrar indivíduos cujos sintomas são insuficientes ou entram em conflito para completar o diagnóstico, não significando por isso que devam ser limitados no acesso a tratamento ou alívio sintomático. São então empregues critérios como “especificado”, quando é dado o motivo pelo qual não satisfaz o diagnóstico, ou “não especificado” quando não se indica esta característica. Esta nomeação de Outro Transtorno Especificado ou Não Especificado é excessiva pela grande heterogeneidade de apresentações clínicas e implica por conseguinte alta flexibilidade diagnóstica que depende, neste caso, do clínico em questão. Para dificultar ainda mais a classificação diagnóstica, dentro e entre capítulos constantes no DSM-V existe um número significativo de comorbidades. Isto deve-se ao elevado espectro de interações genéticas e/ou ambientais que prejudicam a função cognitiva, emocional e comportamental ao longo do desenvolvimento humano. Também a diferença intercultural contribui para a ampla variedade de experiências individuais de sinais, sintomas e comportamentos, que se traduzem em dificuldades de adaptação e vão influenciar a comparação com a norma sociocultural em que o indivíduo se insere. Os limites normais e patológicos de sintomas e comportamentos diferem conforme a cultura, o contexto social e a família do doente. A fenomenologia é a corrente da psicopatologia que envolve a observação e categorização de eventos psiquiátricos anormais, experiências internas do doente e o consecutivo comportamento. Permite um “refinamento” da avaliação diagnóstica, onde é fulcral o processo de empatia, que passa por perceber o doente, de modo a compreender as experiências pessoais. Por conseguinte, é necessário ter em conta determinados fundamentos que influenciam de igual modo o diagnóstico e são eles comportamentais, neurobiológicos, neuropsicológicos e ainda relacionados com a farmacoterapia. Contudo, muitas vezes não é possível distinguir totalmente sintomas normais de patológicos inseridos nos critérios diagnósticos, principalmente na ausência de marcadores biológicos evidentes. Daí a necessidade de sofrimento ou incapacidade no estabelecimento dos limiares de um transtorno mental. É muitas vezes útil na avaliação da necessidade de tratamento e quando se justifique deve conter informação adicional de familiares ou pessoas próximas ao doente. Muitas vezes, diagnóstico de transtorno mental não é sinónimo de necessidade de tratamento. O último desafio encontrado remete para a aplicação de todos os critérios a uma grande diversidade de utentes. Além deste, também a lacuna existente no reconhecimento pelo próprio das primeiras manifestações sintomáticas dos transtornos mentais. No que diz respeito ao TDAH, também nesta classificação há dificuldade de distinção de entre sintomas primários de atenção e aqueles secundários a outro sintoma primário. Por vezes distração também está presente noutros transtornos, contando para o diagnóstico diferencial outros transtornos do neurodesenvolvimento, explosivo intermitente, específico da aprendizagem, do apego reativo, bipolares, obssessivocompulsivo, depressivos, de ansiedade e ainda de personalidade. Muitas vezes estes transtornos estão intimamente relacionados, compartilhando sintomas, fatores de risco ambientais, genéticos e até substratos neuronais. Estes fatores podem ser mascarados por mecanismos compensatórios, quando sob supervisão ou quando recebe recompensas. Embora os testes de avaliação cognitiva, como memória e função executiva, não sejam suficientemente sensíveis ou específicos para fornecer diagnóstico, muitas vezes esta função encontra-se prejudicada em indivíduos com TDAH. Quanto a fatores neurobiológicos, evidências científicas afirmam que no TDAH há alteração da atividade cerebral no sistema frontoestriatral. Este padrão anormal de atividade resulta de uma disfunção nos circuitos pré-frontais, implicados no comportamento humano. Em concordância, resultados de imagem demonstram haver hipometabolismo destas regiões com desregulação nos sistemas dopaminérgicos e noradrenérgicos. Postula-se que a dopamina seja um dos neurotransmitores que regula a impulsividade observada pela fenomenologia. Mesmo apesar destas diferenças neuroquímicas, crianças com diferentes etiologias são inseridas na mesma categoria de TDAH, desvalorizando-se muitas vezes medidas neuropsicológicas ou efeitos terapêuticos. Por sua vez, fatores ligados à farmacoterapia mostram que o TDAH na sua maioria é responsivo a agonistas de dopamina e que fármacos estimulantes exibem alívio sintomático. Finalmente, estudos científicos que utilizam adultos como amostra representativa com TDAH são ainda muito escassos e quando usados em crianças, muitas das vezes limitam-se a amostras não aleatórias de clínicas, produzindo bias nos resultados. Capítulo 1.5 – Dificuldades no Tratamento Apesar dos avanços científicos face à terapia medicamentosa, estima-se que 50% dos adultos em tratamento médico, não vão obter uma resposta adequada à escolha terapêutica. A necessidade de tratamento não deve ser restringida quando os critérios são insuficientes para concluir a classificação do DSM-V. Passa por uma decisão clínica complexa que tem em consideração a gravidade e importância dos sintomas, o sofrimento ou incapacidade associadas, riscos e benefícios dos tratamentos disponíveis e ainda outros fatores, como por exemplo a capacidade de o doente se auto-cuidar e cooperar com o guia terapêutico. A hospitalização é considerada para determinadas comorbidades psiquiátricas e médicas, para respostas inadequadas a tratamento de ambulatório ou ainda situações que põem em causa a integridade e segurança do doente ou próximos. Outro desafio é o aperfeiçoamento da adesão terapêutica por parte do doente, onde é importante a identificação de potenciais barreiras, como efeitos terapêuticos adversos e fatores económicos e/ou culturais. Normalmente os transtornos depressivos são os mais complicados de atingir, dada a baixa motivação e frequentes perdas de memória. Tais características tornam-se incompatíveis com o prazo necessário para alívio sintomático agudo, que muitas vezes dura até quatro semanas. A remissão é distinta para cada transtorno, mas genericamente pode ser parcial ou total. Por exemplo, as guidelines da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP) indicam que a remissão do transtorno de défice de atenção e hiperatividade apresenta sinais como a não necessidade de ajuste de doses terapêuticas, associada a crescimento e não deterioração e capacidade de concentração na abstinência da medicação. Adicionalmente, a descontinuação terapêutica nestes casos é aconselhada em alturas que traduzem baixos níveis de stress, como as férias. A medicação deve ser retomada se notada deterioração de funcionamento. O risco de recorrência é inversamente proporcional ao tempo de remissão, e mostra-se maior nos indivíduos mais jovens, com múltiplos transtornos, episódio anterior grave ou persistência de sintomas. O disseminado uso inadequado de medicamentos, traduz um risco potencial de dependência e toxicidade de efeitos adversos. O mau uso de substâncias é definido pela OMS como aquele que tem finalidade não consistente com as guidelines médicas ou legais. O termo mau uso é preferível a abuso, pelo menor alvo de julgamento. A síndrome de dependência, sob a visão do DSM-V como Transtorno por Uso de Substâncias, é vista como: “... a presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à substância”. Os limites da automedicação que distinguem o mau uso da dependência são turvos, mas o diagnóstico do primeiro só é preconizado se for excluído o segundo. Os psicotrópicos são altamente suscetíveis de mau uso e os indivíduos com baixa capacidade de autocontrole estão particularmente predispostos ao acometimento de transtornos por uso de substâncias. Os psicotrópicos são ainda potenciadores de muitas doenças físicas, uma das principais causas de morte de doentes com transtorno mental grave e comprometem a estabilidade psíquica. Além disso parece que quanto maior a gravidade do transtorno mental, maior o número de comorbilidades apresentadas. Uma outra preocupação é o acesso a ajuda médica, que parece estar ainda muito limitado, o potencial recurso a psicotrópicos potentes, em altas doses e em esquema de combinação, com consideráveis efeitos adversos. O recurso a fármacos que atuam diretamente no Sistema Nervoso Central (SNC) e comportamento deve basear-se em dois aspetos, a mimetização de mecanismos neurobiológicos saudáveis e a correção de eventos patofisiológicos anormais do SNC. O obstáculo aqui encontrado é a grande variedade de circuitos neurais, regiões anatómicas e neurotransmissores implicados no transtorno mental, dificultando a opção de um agente terapêutico. Além do mais, os psicotrópicos atuam em vários sítios, produzindo muitas vezes efeitos adversos inesperados ou até opostos. O conhecimento científico destes exatos mecanismos fisiológicos não é ainda completamente coerente, dificultando o alcance da remissão de manifestações fenotípicas resultantes. Relativamente ao transtorno depressivo, está indicado pelas guidelines da APA que sejam utilizados antidepressivos, nomeadamente: Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (SSRI), Inibidores da Recaptação de Norepinefrina e Dopamina, Inibidores de Recaptação de Norepinefrina e Serotonina, Moduladores de Serotonina, Modulador de Norepinefrina-Serotonina, Tricíclicos e Tetracíclicos e finalmente Inibidores da MAO (MAOI). É referido ainda que, a maioria destes fármacos são semelhantes entre si em efetividade e que o seu exato mecanismo de ação não é totalmente compreendido. Um efeito adverso potencialmente fatal dos antidepressivos é a síndrome serotoninérgica. Para além disso podem fazer lembrar fármacos passíveis de uso inadequado pela síndrome de descontinuação que provocam, principalmente aqueles com tempos de semi-vida curtos. A depressão resistente ao tratamento é considerada como a apresentação de pelo menos duas falhas de tratamento prévio e é ainda uma particularidade pouco compreendida. A escolha terapêutica de primeira linha é uma questão muito importante dado que a medicação antidepressiva é precisamente aquela que perde eficácia após duas remissões de tratamento, deixando muitas vezes esgotadas as opções farmacológicas. Por isso, na maioria das vezes, os clínicos manuseiam a resistência ao tratamento com alternativas à farmacoterapia ou fármacos de maior potência, com consequentes efeitos adversos mais nocivos. A psicoterapia de eleição é a terapia cognitivo-comportamental, e psicoterapia interpessoal. Está especialmente indicada para detetar e travar efeitos adversos farmacológicos e para situações que comprometem relações familiares ou conjugais. A combinação de farmacoterapia e psicoterapia é vantajosa, principalmente em doenças de apresentação crónica, grave e complexa. Mesmo apesar da falta de provas científicas de eficácia e efetividade clínica que falta a muitas terapias nãofarmacológicas, estudos comparativos entre terapia farmacológica e nãofarmacológica na intervenção da depressão são ainda escassos e com amostras pouco significativas, como é o caso do NFB, mas ainda assim apresentam resultados satisfatórios. Constitui-se um problema saber quando e como descontinuar a terapia farmacológica e ainda não há evidências para tal afirmação. A grande preocupação continua a ser a recidiva, cujo risco é maior nos primeiros dois meses e a psicoterapia mostrou-se mais eficaz e mais duradoura nesta fase. Recomenda-se que a descontinuação seja progressiva (algumas semanas a meses) e evitada antes de eventos sabidos como stressantes para o doente. Na resposta inadequada aos antidepressivos deve-se otimizar a dose e estender a terapia, embora não indefinidamente. Caso estas estratégias também não se mostrem eficazes é perpetuada “augmentation strategy”, por adição de outro antidepressivo de outra classe ou de outro grupo farmacológico, nomeadamente estabilizadores de humor como o lítio, hormona tiroideia e antipsicóticos de segunda geração. Na presença de sintomas de ansiedade ou de insónia incapacitantes faz-se recurso a ansiolíticos e medicação sedativa-hipnótica (buspirona, benzodiazepinas, gabaérgicos [zolpidem]). Já a falha da psicoterapia deve ser abordada com aumento de intensidade e frequência das sessões ou pela adequação da terapia e avaliação da qualidade de aliança terapêutica. A dose antidepressiva deve ser constante por quatro a nove meses, assim como a continuação da psicoterapia em questão, a fim de atingir remissão total de sintomas. Para os Transtornos de Ansiedade as mesmas guidelines indicam como objetivos terapêuticos: reduzir a intensidade e frequência de ataques de pânico, ansiedade antecipatória e esquiva agorafóbica, sendo ótima a total remissão dos sintomas e regresso ao nível de funcionamento pré-mórbido. Como farmacoterapia inicial de transtornos de ansiedade estão indicados antidepressivos, tais como SSRI, inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina, tricíclicos ou ainda a terapia cognitivo-comportamental, sendo os dois primeiros grupos os mais seguros e com menor perfil de efeitos secundários. Na ausência de transtorno depressivo ou resistência ao tratamento antidepressivo, a monoterapia com Benzodiazepinas pode ser apropriada. Embora esta classe de psicotrópicos tenha sido antes utilizada como primeira linha para muitos dos transtornos, hoje em dia é vista como segunda ou terceira linha. A sugestão é o uso de benzodiazepinas como terapia coadjuvante aos antidepressivos, uma vez que são extremamente úteis no alívio de sintomas somáticos de ansiedade, mas ainda assim exercem pouco efeito sobre a componente psiquiátrica (preocupação, apreensão…). Apresentam ainda efeitos nos recetores GABA, sedativos e anticonvulsivos, podendo tornar-se apelativos para o doente que procura alívio sintomático o mais breve possível. Pelo elevado risco de recidiva, recomenda-se que a farmacoterapia seja prolongada por pelo menos um ano e quando iniciada, a descontinuação, deve ser lenta e gradual. Esta problemática está mais passível de ocorrer com as benzodiazepinas, causadores de sintomas de abstinência. Nesta situação a psicoterapia é vista como coadjuvante na descontinuação farmacológica. No que diz respeito ao TDAH, as guidelines da AACAP recomendam uso de estimulantes cerebrais. Um grande desafio reside na decisão de aplicar farmacoterapia versus terapia comportamental ou até uma combinação de ambas, que se deve basear em evidências empíricas, aumentando ainda mais as opções de tratamento. A terapia comportamental está indicada como tratamento inicial quando o TDAH apresenta sintomas ligeiros, os pais rejeitam o tratamento medicamentoso ou quando há incongruências entre o reportório dos pais e professores relativamente à apresentação clínica. Quanto à disfunção familiar, é importante que seja avaliada pela influência exerce sobre a evolução e efetividade do tratamento. Há dois tipos de estimulantes recomendados no tratamento farmacológico do TDAH, o metilfenidato (MPH) (D- e DL-methylphenidate) e as anfetaminas (dextroamphetamine e mixed salts amphetamine). Apresentam eficácia semelhante e sob a forma de libertação imediata ou prolongada, sendo a última vantajosa pela menor frequência de toma. Os SSRI são a opção coadjuvante nos casos que apresentam concomitante abuso de substâncias ou gravidade de efeitos secundários aos estimulantes, tais como labilidade emocional, tics, perda ponderal ou insónia. Recomenda-se que a dose inicial seja adaptada ao doente e aumentada progressivamente até ao alcance de funcionamento normativo. Quando há falha de resposta à farmacoterapia ajustada deve ser reavaliado o diagnóstico e as guidelines da AACAP indicam a terapia comportamental antes de outros fármacos, tais como beta bloqueantes, a bupropiona ou antidepressivos tricíclicos. Na presença de má resposta ao tratamento farmacológico, comorbidades significativas ou fatores stressores no agregado familiar há benefícios na adição de terapia psicossocial ao esquema terapêutico. Estes utentes têm tendência deteriorante do quadro clínico, mesmo apesar de ótima prescrição e necessitam de maior frequência de consultas, relativamente ao TDAH descomplicado que necessita apenas de duas a quatro sessões por ano. Capítulo 2 – Neurofeedback O Neurofeedback é um procedimento multifacetado que induz efeitos terapêuticos numa grande variedade de transtornos mentais e melhora o desempenho de utentes saudáveis. Apresenta a vantagem de ser livre de farmacoterapia e efeitos secundários importantes. Mostra-se como uma neuroterapia revolucionária pelo modo de abordagem às condições médicas, tais como epilepsia, TDAH, transtornos de ansiedade e depressivos, insónia, danos cerebrais, entre outros. O seu mecanismo de ação é definido pela neuroplasticidade que se traduz no desencadeamento de novas conexões intracerebrais em resposta à experiência. Estas novas ligações neurológicas são ativadas a fim de superar sintomas associados a várias condições neurológicas. Apresenta mais de quarenta anos de investigação clínica e o primeiro trabalho sobre esta nova neuroterapia pertence a Joe Kamiya, que em 1969 explorou o NFB como adjuvante eficaz na redução de ansiedade. Baseia-se no condicionamento operante, no qual o indivíduo recebe “recompensas” (feedback) por determinados comportamentos. Através deste condicionamento é possível associar o comportamento à sua consequência, influenciando a probabilidade de este voltar a ocorrer. Quando o feedback é um reforço positivo para o indivíduo, aumenta a probabilidade de o comportamento associado ocorrer de novo. No caso do NFB, o utente recebe feedback por produzir o tipo correto de ondas cerebrais. A recompensa pode ser apercebida sob a forma auditiva, visual ou tátil, dependendo do tipo de protocolo e equipamento utilizados. Numa sessão de treino NFB são colocados elétrodos no escalpe do utente, de forma não invasiva e indolor, para a simples deteção e medida de ondas cerebrais. Não existe qualquer tipo de input, uma vez que o eletroencefalograma (EEG) é utilizado apenas para fornecer informação instantânea do funcionamento cerebral. A colocação dos elétrodos obedece ao International 10–20 EEG placement System, onde letras e números são atribuídos a locais específicos do couro cabeludo, dividindo o escalpe em porções de 10 e 20%. Números ímpares estão reservados para o lado esquerdo da cabeça e números pares para o lado direito. As letras relacionam-se com os diferentes lobos cerebrais: F - lobo frontal; T - lobo temporal; P - lobo parietal; O – lobo occipital. As letras C dizem respeito ao vértex central, constituído pelo córtex sensorimotor. As letras z indicam a linha média cerebral, correspondente à fissura longitudinal, que marca a separação entre os hemisférios direito e esquerdo. Adicionalmente é utilizada uma referência, linked-ear, acrescentando os pontos lobulares A1 e A2. Um padrão de ondas cerebrais é então exibido no monitor do sistema de software associado. Este sistema é o responsável pelo envio de feedback que sinaliza ao cérebro quando o padrão correto de atividade cerebral está a ser produzido. Subsequentemente o doente irá aprender como controlar esta produção voluntariamente. O cérebro aprende através da experiência e prática com o constante feedback do meio envolvente e esta capacidade resulta num alívio sintomático neurológico associado aos transtornos mentais. Posteriormente, as novas sinapses e conexões neurológicas traduzem a capacidade adquirida. Uma vez alcançado, o progresso da neuroplasticidade, é permanente e aumenta à medida que o funcionamento cerebral se aproxima de um estado ótimo. A desregulação neurológica refere-se à produção anormal de ondas cerebrais. O objetivo do NFB é corrigir esta irregularidade de ondas cerebrais, que pode ser causada por má nutrição, trauma físico ou emocional, stress, drogas ou toxinas. A anormalidade de padrões de ondas cerebrais pode resultar em manifestações patológicas e cada manifestação está ligada a um tipo específico de padrão e a uma região cerebral anatómica. As técnicas imagiológicas permitem afirmar que transtornos como a ansiedade e depressão apresentam diferenças metabólicas e elétricas em ambos os hemisférios. Capítulo 2.1 – Apontamentos Anatómicos e Funcionais Sabe-se que o lobo frontal é responsável pela atenção imediata e mantida, planeamento executivo, empatia, skills sociais, emoções e memória. Tem fortes conexões com a amígdala, integrante do sistema límbico que dirige emoções e comportamento. O treino por NFB sobre este lobo (locais como Fz) tem impacto sobre o comportamento social da pessoa. O medo excessivo por transtorno de ansiedade está relacionado com hiperativação da amígdala, com alta influência sobre o córtex pré-frontal. Os lobos parietais têm sido identificados como córtex de associação. Do lado esquerdo está implicada a resolução de problemas, o processamento espacial e matemático, a nomeação de objetos, gramática e construção de frases. Questões relacionadas com o reconhecimento espacial e distinção direita-esquerda são reservadas para o lobo parietal direito. O lobo temporal esquerdo está ligado às memórias verbais, reconhecimento de palavras, leitura e escrita. O direito está implicado na música, reconhecimento facial e de objetos e ainda parâmetros sociais. Pela proximidade ao sistema límbico, estes dois lobos também influenciam a emoção (amígdala) e a memória (hipocampo). Por sua vez, o lobo occipital está relacionado com a função visual e tem também várias conexões que se estendem até à amígdala. Em crianças com TDAH é importante a avaliação desta componente como causa sintomatológica. Outra região importante de referir é o córtex sensorimotor, dividido pelo sulco central no córtex motor primário anteriormente e no córtex somatossensitivo posteriormente. Este córtex não se restringe a funções motoras e sensitivas, integra também processos cognitivos. Adjacente a este encontra-se o girus cingulado, porção cortical da amígdala. A desregulação destas duas regiões implica má função em doentes com TDAH e a aplicação de treino NFB em Cz influencia estas duas regiões. Há cinco tipos principais de ondas cerebrais: Delta, Alfa, Beta, Teta e por último as ondas sensorimotor rythm (SMR). As ondas delta são as mais lentas (1-4 Hz) e são produzidas durante a fase de sono profundo, estando envolvidas no processo de cura em adultos e crescimento nas crianças, pela influência que exercem sobre a produção da hormona de crescimento. As ondas teta (4-7 Hz) são características do estado mental exatamente anterior ao sono profundo e estão ligadas à criatividade. Doentes com TDAH mostraram produzir demasiadas ondas teta, que a nível do comportamento se traduz numa incapacidade de prestar e manter atenção por algum tempo. As ondas alfa (8-12 Hz) são produzidas em estados de meditação e o seu aumento está associado a benefícios fisiológicos, particularmente a redução da pressão arterial, menor gravidade e frequência de migraines e o aumento dos níveis energéticos. Existe uma Assimetria Normal de Alfa que ocorre em indivíduos saudáveis que produzem mais ondas alfa no hemisfério direito que no esquerdo. Por outro lado, as ondas beta (12-30 Hz) estão associadas a estados mentais ligados à resolução de problemas, atenção e alerta. Quando a desregulação do padrão de ondas cerebrais se traduz numa diminuição de ondas beta, há experiência de sintomas de desatenção, como acontece no TDAH. No sentido oposto, o excesso de ondas beta despoleta sintomas como hiperatividade, impulsividade e ansiedade. Também para estas ondas existe uma Assimetria Normal, em que indivíduos saudáveis produzem mais ondas beta no hemisfério esquerdo do que no direito. Finalmente a frequência de ondas SMR são produzidas em grande quantidade nos estados de alerta máximo e recebem o seu nome devido ao córtex sensorimotor. Produzem efeito calmante por todo o corpo. Capítulo 2.2 – Aplicação de Neurofeedback A avaliação inicial por EEG, embora ambígua na resolução espacial, identifica com boa resolução temporal anormalidades neurofisiológicas. O NFB dá mais destaque à frequência e amplitude, do que à morfologia de onda e para a sua aplicação é importante a alteração da amplitude (intensidade) de uma determinada banda de frequência. O sinal EEG recebido é amplificado e filtrado em pequenas bandas de frequência, que traduzem os diferentes tipos de onda cerebral. Em seguida recorre-se à análise estatística e quantitativa de dados EEG (qEEG) através de software específico, que traduz a conversão das dezanove medidas do EEG e que irão ser dispostas em mapas topográficos. Desta forma são correlacionados distúrbios eletrofisiológicos, identificados os locais de produção anormal e marcados alvos para a aplicação de neuroterapia, com o objetivo de normalizar tais variantes. Esta normalização advém da comparação dos dados individuais de qEEG com uma base de dados constituída por indivíduos saudáveis designados sem influência de fatores étnicos ou culturais e ausência de disfunção neurológica. Esta é uma potente ferramenta de que o NFB se fornece para identificar as chamadas Regions of Interest, alvos de aplicação. O estabelecimento da relação entre localizações anatómicas específicas e sintomas poderá adicionar informações valiosas à confusão diagnóstica, que muitas vezes existe por sobreposição de sintomas. Todos estes parâmetros influenciam o estabelecimento do protocolo ajustado ao doente. Capítulo 2.3 – Protocolos Adquirida a informação necessária à neuroterapia, duas escolhas são possíveis: o treino através de um canal e o treino através de dois canais. Para qualquer das escolhas recorre-se ao elétrodo que faz ligação à terra, normalmente ligado ao lóbulo da orelha. O primeiro diz respeito à utilização de apenas um elétrodo ativo, alvo de treino, e de um segundo elétrodo, a referência a colocar num local estratégico para o doente em questão. Se a referência for colocada no outro lóbulo auricular, o EEG é mais sensível a artefactos produzidos por atividade muscular, podendo ser colocada noutro sítio do escalpe, mas com valores absolutos não neutros. O treino através de dois canais dá-se pela aquisição de sinais provenientes de um par de conjuntos de elétrodos, na qual cada um destes dados vai ser filtrado e dividido por larguras de banda de frequência. Por este método o treino pode ser aplicado em dois locais distintos simultaneamente. Desta maneira torna-se importante o conceito de coerência, que diz respeito à qualidade de comunicação entre duas regiões cerebrais distintas. A sincronia ocorre quando duas regiões anatómicas estão na mesma fase de atividade cerebral, seja por aumento ou diminuição de produção de ondas. A assimetria, como já referido pode ser fisiológica ou patológica e trata-se uma diferença quantitativa de produção de ondas entre hemisférios. Perturbações de assimetria são identificados em transtornos depressivos e de ansiedade. Para a promoção do alívio sintomático são necessárias várias sessões de treino NFB, mesmo que após uma sessão haja alívio transitório. O progresso do quadro clínico é traduzível pela alteração desejada na amplitude da largura de banda, que só passa a ser permanente após considerável percurso de aplicações de neuroterapia. Para este efeito a longo termo (neuroplasticidade e aprendizagem) é útil a dificuldade e o feedback dado em tempo apropriado. O limiar de desafio da tarefa do treino NFB deve ser mantido constante e avaliado permanentemente. A maneira mais confiável de o fazer é através da percentagem de sucesso do utente, de modo a não tornar o treino demasiado fácil ou difícil, com alta probabilidade de desmotivação por parte do doente. Capítulo 2.4 – Efeitos terapêuticos do NFB Os transtornos depressivos estão ligados a uma desregulação alfa, onde há excesso produtivo de ondas alfa e em que o cérebro é considerado como estando inibido. Já os transtornos de ansiedade estão mais ligados à excessiva produção beta na qual há rápida velocidade de processamento e o cérebro está considerado como sobreexcitado. Especificamente para o TDAH, o NFB foi considerado como eficaz (ref) Neste transtorno está implícito um aumento de atividade cortical de ondas lentas (teta) e/ou redução de atividade alfa e beta, resultando no aumento do ratio teta/beta. O cérebro é considerado como sub-excitado, com velocidade de processamento lenta. Através da leitura imagiológica é possível identificar diferentes mecanismos envolvidos, permitindo a aplicação de diferentes protocolos de neuroterapia que irão causar melhorias a nível comportamental. O córtex anterior cingulado também foi implicado neste transtorno. O estabelecimento de um ótimo protocolo é por vezes difícil, uma vez que uma quantidade considerável destes provou ser eficaz na redução de sintomas semelhantes e por vezes no mesmo doente. Está também dependente da extensa experiência do terapeuta e do equipamento disponível. Normalmente a abordagem a este transtorno envolve protocolos como o treino de amplitude, como o downtraining teta nas regiões centrais (z). Aqui o sucesso do treino é atingido quando a produção de ondas teta está abaixo de um limiar específico, determinado consoante a informação individual do qEEG. Assim só é fornecido feedback gráfico ao doente quando a amplitude de ondas teta está abaixo de determinado valor. Para indivíduos cujo sintoma de hiperatividade se mostra exuberante é benéfico acrescentar protocolo de treino uptraining SMR, assim como é benéfico para adolescentes e adultos a adição do uptraining beta. Outro protocolo usado é o treino por Z-score constituído pela comparação instantânea do padrão produzido pelo utente com o produzido pela norma, através de multivariáveis estatísticas z-score. Estas são computadas em tempo real, à medida que se dá o processamento de EEG e determinam o desvio sucessivos da curva gaussiana em relação à norma. Nesta modalidade o feedback que é fornecido instantaneamente já está relacionado com a norma, que é a mesma referenciada para a avaliação pós-terapia. Desta forma é reduzido o tempo de processamento mental pós-treino. Resultados destes dois tipos de protocolo são comparáveis quanto à redução de sintomas de TDAH. Capítulo 3 – Perspetiva Auxiliar Ainda não é possível estabelecer uma exata relação comparativa entre a eficácia da terapia gold standard para o TDAH (estimulantes) e a aplicação de Neurofeedback. Como anotado anteriormente, as principais guidelines recomendam o recurso a farmacoterapia e/ou psicoterapia. Já a neuroterapia está em fase de estudo e apesar de crescentes, os artigos que demonstram a sua eficácia em determinados utentes, muitas vezes apresentam deficiências metodológicas. Ainda assim, resultados obtidos num ensaio clínico controlado e randomizado de 102 crianças mostraram efetividade no alívio sintomático através da neuroterapia. Outros artigos referem a persistência destes efeitos benéficos por períodos de anos. Um outro estudo randomizado e controlado com seis meses de follow-up, embora se dedique a uma amostra pouco significativa de vinte e três crianças com TDAH, forneceu a um grupo treino isolado com neurofeedback e a outro terapia isolada com metilfenidato. Ainda assim demonstrou não haver diferenças consideráveis entre grupos de acordo com sexo, idade, QI e subtipo de TDAH. O metilfenidato, estimulante que tem vindo a ser largamente usado na prática clínica do controlo sintomático do TDAH, apresenta um mecanismo de ação ainda não totalmente compreendido, mas atua na inibição da recaptação de dopamina e noradrenalina. Pelo consequente aumento de catecolaminas, o metilfenidato tem efeitos estimulantes sobre o SNC, aumentando o estado de alerta do doente. A curto prazo, frequentemente, pode implicar os seguintes efeitos secundários: insónia, perda de apetite, irritabilidade e enxaquecas. Efeitos indesejáveis, a longo prazo, também são exibidos após meses ou até anos de uso de estimulantes - repercussões a nível do crescimento, à perda de apetite, sintomas psicóticos e maníacos, risco aumentado de tentativa de suicídio, efeitos cardiovasculares e ainda alterações estruturais do cérebro. Similarmente, os protocolos de NFB associados ao controlo sintomático do TDAH carecem de total compreensão no que respeita aos exatos mecanismos benéficos. Aqui também está implícita uma estimulação, que de forma não invasiva irá induzir neuroplasticidade, com desenvolvimento de interconexões neuronais e aumento do estado de alerta do doente. A finalidade terapêutica passa pela diminuição da produção de ondas teta, o aumento de ondas beta e ainda o aumento da velocidade de processamento. O NFB foi implicado no alívio sintomático de sintomas de atenção e hiperatividade com base em relatórios de parentes de crianças com este transtorno. Capítulo 4 – Conclusão Após a análise da literatura pode-se depreender que a neuroterapia deve ser entendida como uma nova prática merecedora de interesse. Este trabalho permitiu o conhecimento de uma abordagem alternativa aos transtornos mentais, que são influenciados por uma alta variedade de fatores socioculturais, genéticos e metabólicos. As expressões clínicas das patologias psiquiátricas são altamente diversificadas, podendo levar a dúbio julgamento por parte do clínico. Por vezes a avaliação diagnóstica dos transtornos mentais pode ser exaustiva, complexa e vulnerável a dúvidas por sobreposição de sintomas. No sentido de ultrapassar esta causa de incerteza, surge a necessidade de novos auxiliares, cuja informação se torne complementar ao atual DSM-V. Por outro lado, sintomas resistentes ao tratamento farmacológico ou psicoterapêutico, recidivas após descontinuação e ainda o risco de mau uso e síndrome de dependência, suscitam também o aparecimento de novas opções que possam ultrapassar estas barreiras da atual prática clínica. Nestas situações munidas de alguma incerteza pode-se tornar problemática a escolha de uma alternativa terapêutica. Ao longo de décadas que o tratamento de eleição para muitos transtornos mentais é a medicação psicotrópica, com alta suscetibilidade de mau uso, dependência e efeitos secundários. Associada à descontinuação dos psicotrópicos, a síndrome de abstinência é uma adicional agravante que pode por em causa o seu recurso na prática clínica. O TDAH foi eleito para comparação terapêutica devido ao maior número de estudos aplicados a este transtorno. Aparece como um dos principais transtornos neuopsiquiátricos pediátricos do mundo e afeta gravemente a componente emocional, social e educacional de crianças. Adicionalmente, apresenta elevado estigma social, muitas vezes difícil de contornar, complicando a resposta terapêutica. Desde a década de 60 que o Neurofeedback tem vindo a ser investigado na prática clínica. Esta neuroterapia nasce da comunhão entre tecnologia, eletrónica, behaviorismo, fisiologia e neurologia com o propósito do reconhecimento consciente de processos fisiológicos. Através da análise discriminativa da função cerebral poderá fornecer uma ferramenta útil em situações cuja fenomenologia clínica implica um certo grau de ambiguidade. Com a técnica do qEEG é possível identificar e relacionar uma determinada região cerebral à expressão sintomática dos transtornos mentais. Com a adição desta informação, a classificação diagnóstica do DSM poderá ser complementada com dados imagiológicos específicos. Os diferentes protocolos de treino NFB possibilitam que a região anatómica assinalada seja alvo de treino a fim da normalização da atividade cerebral naquele local. Esta aproximação da norma, em termos de atividade cerebral, possibilita a atenuação sintomática, através da capacidade de controlo da atividade cerebral. Dado que as células que constituem o cérebro sofrem um processo denominado neuroplasticidade, as alterações estruturais que se verificam após treino indicado são persistentes. Em crianças com TDAH, a aplicação de NFB mostrou-se eficaz na capacidade de manutenção da atenção, no controlo da impulsividade e ainda na redução da inquietação. Estes efeitos são apreciáveis em ambientes diferentes, tais como na escola ou em casa, possibilitando ao doente alívio sintomático, menos predisposição para o estigma social, melhor entendimento com os pares e maior capacidade de tolerar o transtorno mental. Assim esta neuroterapia pode ser vista como uma alternativa comparativamente benéfica aos psicotrópicos, no alívio sintomático do TDAH. Ainda em situações cujo perfil de segurança na avaliação diagnóstica e opção terapêutica possa ser duvidoso, o NFB pode vir a ser útil no controlo de sintomas importantes sem o risco de desenvolvimento de efeitos de secundarização. Finalmente pode-se concluir que o Neurofeedback, como terapia coadjuvante à farmacoterapia para os transtornos mentais, tem ainda a percorrer um longo caminho de investigação, mas com panorama positivo. As barreiras que têm sido encontradas na sua prova de eficácia é a deficiência de método de muitos estudos realizados, por não serem randomizados - seja por falta de amostras significativas, seja por insuficiência de características investigadas. Além disso a etiologia e apresentação clínicas multifatoriais, dificultam o alcance de todos os fatores modificáveis. É necessária a continuidade dos esforços para se ultrapassar o estigma dos transtornos mentais e alcançar tratamentos que forneçam uma resposta segura e eficaz.