III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao ISSN 2318-8014 O TRANSTORNO DEPRESSIVO EM PACIENTES COM ESCLEROSE MÚLTIPLA Dyane Recha a Graduanda em Psicologia (FSG). Faculdade da Serra Gaúcha (FSG); [email protected] Informações de Submissão Autor correspondente: Dyane Rech Endereço: Rua Sinimbu, 1601 / 804 – Caxias do Sul – RS – CEP 95020-001 Palavras-chave: Depressão. Esclerose Múltipla. Comorbidade. Resumo A depressão é uma doença multifatorial, podendo se desenvolver em virtude de aspectos socioculturais, biológicos e psicológicos. Em pacientes portadores de patologias crônicas e incapacitantes como a Esclerose Múltipla (EM), percebe-se maior ocorrência do transtorno depressivo devido ao diagnóstico da doença, aos efeitos colaterais de medicamentos, ou ainda pela reação da personalidade à patologia e às suas conseqüências. Diante disto, este estudo tem como tema o transtorno depressivo na EM, objetivando-se compreender a depressão em portadores da doença, conceituar e contextualizar a EM, verificar seu impacto na vida dos pacientes e relacionar os aspectos inerentes a esta patologia à saúde psíquica e ao desenvolvimento da depressão nestes indivíduos. O método usado foi a revisão bibliográfica, onde foram selecionados 09 artigos científicos de pesquisas experimentais relacionados ao tema da pesquisa. Fica evidente, no presente estudo, a importância do correto diagnóstico da depressão em portadores de EM, bem como o tratamento adequado em casos de comorbidade e a utilidade de práticas terapêuticas como atividade física e diminuição do estresse. 1 INTRODUÇÃO A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença crônica e degenerativa caracterizada pela presença de placas no cérebro e na medula espinhal, atingindo principalmente mulheres jovens. Estas lesões interferem na capacidade do Sistema Nervoso Central de controlar funções motoras, sensitivas, visuais, cognitivas, entre outras, além de provocar consequências nos âmbitos social, profissional e psicológico do paciente. Estima-se que, atualmente, cerca de 35 mil brasileiros são portadores de Esclerose Múltipla (FERREIRA, 2010; ABEM, 2015). Diante deste panorama, o presente estudo tem como tema a depressão na Esclerose Múltipla, cuja problematização se refere ao seguinte questionamento: Quais são os fatores relacionados ao transtorno depressivo nos pacientes com Esclerose Múltipla? Objetiva-se, de maneira geral, compreender a depressão em portadores de EM, sendo os objetivos específicos Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1128 contextualizar e conceituar a Esclerose Múltipla, verificar o impacto da doença na vida dos pacientes e relacionar os aspectos inerentes a esta patologia à saúde psíquica e ao desenvolvimento do transtorno depressivo nestes indivíduos. Por se tratar de um assunto pouco trabalhado no campo da psicologia e que atualmente abrange milhares de pessoas, este estudo, que visa descrever os aspectos que contribuem para o desenvolvimento da depressão em portadores de EM, poderá ser elucidativo para uma melhor compreensão desta problemática. Para dar conta desta pergunta norteadora, foi idealizado um recorte teórico nos quais são abordados tópicos sobre a EM e o transtorno depressivo, quais sejam: Esclerose Múltipla, Depressão e a Depressão na EM. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Esclerose Múltipla 2.1.1 Histórico A EM foi relatada clinicamente pela primeira vez em 1868 pelo médico francês JeanMartin Charcot, que então denominou a doença como Esclerose em Placas. Charcot descreveu importantes aspectos da patologia ao reconhecer que a mesma determinava a formação de “placas duras” em vários níveis do Sistema Nervoso Central, e atribuindo as lesões cerebrais a uma deficiência na mielina (camada protetora dos axônios neuronais) (BELIK, 1999). Segundo a chamada tríade de Charcot, os três principais sintomas da Esclerose Múltipla compreendiam disartria (incapacidade de verbalizar as palavras corretamente), ataxia (falta de coordenação de movimentos musculares voluntários e de equilíbrio) e tremor, embora alterações cognitivas e de humor também tenham sido observadas. Destaca-se que, naquela época, as lesões neurológicas típicas da doença só podiam ser observadas na autópsia (CHRISTANTE, 2009; MENDES et al., 2003). De acordo com Belik (1999), durante cerca de um século não foram registradas mudanças significativas no conhecimento científico da EM, sendo que apenas na década de 1940 estudos relevantes começaram a ser publicados, especialmente no que tange à epidemiologia. A partir destes dados foi possível estabelecer a prevalência da doença, sendo sua ocorrência mais comum em mulheres adultas jovens de origem caucasiana. Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1129 Com relação ao tratamento da EM, a primeira referência importante é a chegada da Cortisona na medicina, em 1948. A utilização dos corticoides no tratamento da doença, entretanto, demorou 10 anos, enquanto a Prednisona, muito eficaz na fase aguda das crises, começou a ser usada no final da década de 1950. Após, surgiram os imunos-supressores e, finalmente, os Interferons, que proporcionam grande alívio aos pacientes. 2.1.2 Entendendo a Esclerose Múltipla A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica desmielinizante que acomete principalmente adultos jovens e evolui de forma crônica e imprevisível (MENDES et al., 2000). Trata-se de uma afecção progressiva imunomediada do Sistema Nervoso Central, caracterizada pela presença de placas no cérebro e na medula espinhal. A desmielinização característica da EM se refere à destruição da mielina, “um material gorduroso e proteináceo que circunda determinadas fibras nervosas”, resultando em comprometimento da transmissão de impulsos nervosos (FERREIRA, 2010; ALMEIDA et al., 2007). A distribuição geográfica da doença é bem definida, concentrando-se no hemisfério norte. O Brasil, especialmente os estados do sul e do sudeste, encontra-se em zona de baixo risco (BELIK, 1999). Aspectos Clínicos e Epidemiológicos Segundo Almeida et al. (2007), a causa da EM ainda é desconhecida, apesar de se tratar de uma área de pesquisa contínua. De acordo com os autores, acredita-se que a exposição ambiental na juventude pode colaborar com o posterior desenvolvimento da patologia, além da indicação de uma predisposição genética para a suscetibilidade de fatores que deflagram a resposta autoimune ativada na EM, como os vírus. No que tange ao diagnóstico, atualmente não existem exames disponíveis (de sangue, imagem, Líquor Cefalorraquidiano ou testes genéticos) capazes de determinar se o indivíduo é portador de EM ou prever se poderá vir a ter a doença no futuro. A diagnose é clínica, com base no histórico do paciente, na avaliação dos sintomas e na presença de sinais neurológicos detectados em exames. A ressonância magnética (RM) é um dos principais instrumentos disponíveis atualmente para descartar com maior segurança outras enfermidades e detectar lesões desmielinizantes. Além da RM, outros métodos paraclínicos permitem um diagnóstico correto e mais precoce da Esclerose Múltipla na maioria dos casos (ALMEIDA et al., 2007). Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1130 Na fase inicial da doença, percebe-se principalmente um processo inflamatório, porém à medida que a patologia evolui há predominância de um processo degenerativo. Devido a este caráter difuso da formação de placas, a EM apresenta uma grande diversidade de sinais e sintomas de ordem motora, sensitiva, visual e cognitiva, variando muito de um indivíduo para outro de acordo com a localização dos danos no SNC (FERREIRA, 2010). Estes sintomas podem incluir perda da visão, visão dupla, fraqueza, falta de equilíbrio, dores, problemas no controle da bexiga e intestinos, fadiga, comprometimento intelectual e mudanças emocionais. Os sintomas neuropsiquiátricos são apontados como diretamente relacionados ao grau de comprometimento funcional e duração da doença (JANSSENS et al., 2006, apud ANHOQUE, 2011). As primeiras manifestações da patologia, entretanto, muitas vezes não são reconhecidas tendo em vista a instabilidade dos sinais na EM (ALMEIDA et al., 2007). No âmbito cognitivo, Ferreira (2010) afirma que diversos aspectos sofrem prejuízos em portadores de EM, incluindo atenção, aprendizado, habilidades visuo-espaciais, memória, velocidade de processamento da informação e funções cognitivas, podendo se tornar uma importante causa de incapacidade. Tendo em vista que a doença afeta principalmente pessoas jovens, o autor salienta que estes déficits não se refletem apenas nas esferas psicossocial e profissional, mas também na sexualidade e nas atividades rotineiras, o que implica em perda de qualidade de vida até mesmo quando não há incapacidade física considerável. Tipos de Esclerose Múltipla Existem quatro formas clínicas de evolução da EM, sugeridas por Lublin e colaboradores em 1996 (LANA-PEIXOTO et al., 2002). A forma recorrente-remitente (ou surto-remissão) é caracterizada por surtos que duram vários dias, ou semanas, e em seguida desaparecem. Estes surtos são bem individualizados, com intervalo mínimo de 30 dias, e podem ou não deixar sequelas, não havendo progresso dos déficits entre os surtos. Indivíduos com este tipo de EM apresentam como únicos sintomas surtos de dormência, formigamento ou visão embaçada (ALMEIDA et al., 2007; FERREIRA et al., 2011). De acordo com Ferreira (2010), na EM recorrente-remitente há menos prejuízos que na forma progressiva. A forma secundariamente progressiva da EM se caracteriza por surtos e remissões na fase inicial da doença, havendo, no entanto, posterior progressão, com ou sem surtos. A EM primariamente progressiva se define como uma doença progressiva desde o seu aparecimento, sem surtos, estágios ou remissões óbvias, evoluindo com eventuais estabilizações e raros Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1131 períodos de pequenas melhoras. Por fim, a forma progressiva-recorrente também mostra claramente a progressão de incapacidade desde a manifestação da doença, porém intercalada com surtos, com ou sem recuperação total (ALMEIDA et al., 2007; FERREIRA et al., 2011). Tratamento e Farmacologia Ainda não é possível prevenir a ocorrência da EM ou curá-la, e tampouco foi descoberto o meio de restaurar a mielina danificada ou as funções perdidas devido à doença. Por isso, o enfoque principal do tratamento diz respeito ao controle dos sintomas com medicamentos que são recebidos pelos pacientes através do Programa de Medicamentos Excepcionais, do governo brasileiro (ALMEIDA et al., 2007). Além da farmacologia, Belik (1999) destaca que o tratamento deve abranger medidas terapêuticas como dieta equilibrada, suplemento vitamínico, exercício físico, administração do estresse, fisioterapia, psicoterapia e fonoaudioterapia. Estudos recentes apontam que exercícios físicos são especialmente benéficos para portadores de EM em aspectos como força muscular, mobilidade, fadiga, neuroplasticidade e humor (DÖRING et al., 2012; SÁ, 2013 apud BURSCHKA et al., 2014). Devido ao seu aspecto incapacitante e à incerteza do seu curso clínico, a EM exige que tanto os portadores quanto aqueles com quem convivem se adaptem às condições impostas pela patologia em todos os âmbitos – social, econômico, familiar, profissional e psicológico (autoestima, autoimagem, liberdade). Estas condições podem variar de acordo com a ocorrência de surtos fortes, que modificam o quadro sintomático do paciente e exigem novos ajustes às suas condições (ALMEIDA et al., 2007). Segundo Morales et al. (2007), a saúde e o bem-estar dos portadores de EM sofrem forte impacto, tanto pela doença quanto pelos efeitos colaterais dos medicamentos, interferindo significativamente na qualidade de vida. O tratamento medicamentoso da EM conta com diversos agentes importantes. Os corticosteroides são especialmente úteis na primeira fase da doença (fase inflamatória) por sua ação antiedema e antiinflamatória. Porém, são diversos os efeitos colaterais do corticoide, sendo necessário utilizá-lo com cautela. Esta substância também pode ser de uso endovenoso, cujo tratamento é conhecido como Pulsoterapia. Neste caso o paciente recebe o medicamento através de soro, em ambiente hospitalar e com duração média de quatro dias (BELIK, 1999). O Interferon, por sua vez, representa um importante avanço no tratamento da EM. O Interferon alfa foi usado no final dos anos 80 em pacientes com curso evolutivo surtoremissão, permitindo uma maior qualidade de vida e relativa independência dos pacientes. Na Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1132 década de 1990, foi desenvolvido o Interferon beta, tornando o medicamento mais eficaz, com menos reações adversas e menor grau de resposta imune. Utilizado atualmente, o Interferon beta ameniza os sintomas e sinais da EM em aproximadamente 40%, diminuindo a quantidade e a intensidade de surtos e a quantidade de lesões cerebrais (BELIK, 1999). Por fim, o tratamento com Copolímero 1, acetato de glatirâmer, associa quatro aminoácidos relacionados à proteína básica da mielina, que atuam como supressores da atividade inflamatória e desmielinizante. De acordo com Belik (1999, p. 134), esta substância “interfere beneficamente no mecanismo autoimune produtor da doença, por um lado suprimindo a ação pró-inflamatória e por outro elevando a capacidade de resposta antiinflamatória”, diminuindo as recaídas e estabilizando os sintomas. Também no que tange à farmacologia, Fragoso; Brooks; Leal (2012) destacam que, “embora seja mais notável com os novos agentes terapêuticos, tanto as drogas mais antigas quanto as mais novas usadas no tratamento da EM têm um perfil de eventos adversos que deve ser levado em consideração”. Em sua maioria, as medicações utilizadas no tratamento da Esclerose Múltipla são intravenosas e intramusculares, porém atualmente percebe-se maior quantidade de pesquisas e testes de medicamentos via oral, o que vem a colaborar com o aumento da qualidade de vida dos pacientes. Entretanto, a maior polêmica relacionada ao tratamento da EM se refere ao uso de altas doses de vitamina D como único método terapêutico. Estipula-se que a concentração geográfica da doença no hemisfério norte se deve à pouca radiação solar e, consequentemente, à alta prevalência de hipovitaminose D. Desta forma, postulou-se que esta vitamina poderia contribuir para a redução de risco de desenvolvimento da EM. Porém os estudos realizados acerca do assunto até o momento não evidenciaram diferença significativa nos parâmetros de atividade da doença pelo uso da vitamina D. Apesar de ser fundamental para o funcionamento do organismo do ser humano, sabe-se que doses muito elevadas desta vitamina podem causar intoxicação onde o paciente apresenta náuseas, dores, insuficiência renal, hipercalcemia, entre outros sintomas. Até o momento, portanto, não há evidências científicas que justifiquem o uso da vitamina D como monoterapia no tratamento da Esclerose Múltipla (BRUM et al., 2014). 2.2 Depressão Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1133 Em psiquiatria, o termo “depressão” corresponde à designação genérica dos diversos tipos de transtorno de humor com tendência para a tristeza (TENG et al., 2009). Segundo Ballone e Ortolani (2007), o termo pode significar tanto um sintoma, como parte de diversos distúrbios emocionais, quanto uma síndrome representada por muitos sintomas psíquicos e somáticos, ou, ainda, uma doença, caracterizada por alterações afetivas significativas. Delouya (2010, p. 15), por sua vez, descreve o transtorno depressivo da seguinte forma: A depressão, assim como a dor e a angústia, denota um estado afetivo, porém privado – ou que, talvez, prive o sujeito – das qualidades e figuras singulares que animam e dotam o afeto de sua especialidade. Trata-se de, então, uma patologia. Sim, se entendermos essa palavra não como termo médico, de doença, mas como atributo da impossibilidade, por mais passageira que seja, de exercer ou possuir algo que é fundamental para o viver humano. A depressão é uma das principais psicopatologias diagnosticadas atualmente, sendo denominada por alguns estudiosos como o “resfriado da psiquiatria”. Trata-se, portanto, de uma questão de saúde pública, tendo em vista o impacto negativo na vida do paciente e dos familiares ao comprometer o funcionamento do indivíduo nos âmbitos pessoal, social e laboral, e a possibilidade de evolução de doenças clínicas concomitantes. Além disso, o transtorno também representa um grande ônus para a sociedade devido à perda de dias de trabalho e, consequentemente, de produtividade (AZEVEDO; ALMEIDA; MOREIRA, 2009; MATOS; OLIVEIRA, 2013; TENG et al., 2009). A OMS aponta que mais de 350 milhões de pessoas de todas as idades, em sua maioria mulheres, sofrem de depressão em todo o mundo. Deve-se levar em consideração, entretanto, que esta estimativa pode estar defasada visto que muitas pessoas portadoras do transtorno não buscam ajuda profissional, além da dificuldade de diagnóstico nos casos da depressão considerada atípica, incaracterística ou mascarada (BALLONE; ORTOLANI, 2007). Etiologia A origem da depressão é multifatorial e envolve fatores biológicos, socioculturais e psicológicos (MATOS; OLIVEIRA, 2013), sendo que atualmente parte importante das causas é proveniente de pressões ambientais e do estresse cotidiano (CORDEIRO; MICHELON; VALLADA, 2012). De acordo com o DSM-5, no âmbito dos fatores temperamentais a afetividade negativa é um aspecto bem estabelecido para o início do transtorno depressivo maior, destacando-se que altos níveis podem aumentar as chances de desenvolvimento de episódios depressivos em resposta a eventos estressantes. Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1134 Além disso, fatores ambientais constituem um risco potencial para a psicopatologia, como experiências adversas na infância e episódios estressantes ao longo da vida do indivíduo (APA, 2014). Diante disto, Keitner et al. (1997, apud PICCOLOTO et al., 2000) afirmam que o funcionamento familiar é um importante indicador do curso da depressão a longo prazo. A genética também possui participação relevante no desenvolvimento da doença, tendo em vista que familiares de primeiro grau de sujeitos com transtorno depressivo têm maior risco de desenvolver a patologia em comparação com a população em geral (APA, 2014). Por fim, destaca-se o desenvolvimento do transtorno depressivo maior no contexto de outros transtornos e do uso de substâncias como drogas e medicamentos. Condições médicas crônicas ou incapacitantes também aumentam os riscos de episódios depressivos, que têm maior probabilidade de se tornarem crônicos do que episódios depressivos em indivíduos saudáveis (APA, 2014). Sintomatologia De acordo com a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2014, p. 155), a depressão se caracteriza pela “presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que alteram significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo”. No caso do transtorno depressivo maior, o DSM-5 aponta como critério diagnóstico a presença de pelo menos cinco dos seguintes sintomas durante duas semanas, sendo ao menos um dos sintomas o humor deprimido ou a perda de interesse ou prazer: humor deprimido, acentuada diminuição do interesse ou prazer, perda ou ganho significativo de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada, capacidade diminuída de concentração e pensamentos recorrentes de morte. A Classificação Internacional de Doenças (CID 10, 1993) ainda classifica a depressão de acordo com duas variáveis: a intensidade dos sintomas, podendo ser depressão leve, moderada ou grave; e o predomínio dos sintomas, sendo depressão atípica, depressão ansiosa, depressão psicótica, distimia e transtorno bipolar de humor. A classificação da intensidade da sintomatologia objetiva verificar o nível de gravidade da doença (leve, moderada ou grave), baseando-se no número de sintomas presentes e, principalmente, no prejuízo funcional do indivíduo (CAMPOS, 2007, apud AZEVEDO; ALMEIDA; MOREIRA, 2009). Segundo Ballone e Ortolani (2007), a sintomatologia depressiva varia muito entre os indivíduos, manifestando-se de acordo com cada personalidade. Entretanto, recomenda-se Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1135 levar em consideração para o diagnóstico da doença, a existência de três sintomas depressivos básicos, os quais darão origem a diferentes manifestações clínicas. Esta “tríade sintomática” seria o sofrimento moral, a inibição global e o estreitamento vivencial. Além de sintomas emocionais, algumas pessoas apresentam sintomas somáticos (físicos), como dores, tonturas, cólicas, falta de ar e outras queixas com características clínicas complicadas. Para estes pacientes, possivelmente há maior facilidade em comunicar suas aflições e desespero por meio dos órgãos do que pelo discurso (BALLONE; ORTOLANI, 2007). Matos e Oliveira (2013) ratificam esta posição ao apontar que o humor depressivo pode estar associado a sintomas somáticos, a exemplo do despertar matinal precoce, lentidão psicomotora, agravamento matinal da depressão, agitação e perda da libido. Sintomas cognitivos também são comuns em pacientes com transtorno depressivo moderado a severo, dentre estes velocidade de processamento de informação, memória e funções executivas (SIEGERT; ABERNETHY, 2005). Comorbidade A comorbidade entre doenças físicas e mentais é de grande importância, visto que patologias orgânicas aumentam o risco de transtornos psiquiátricos através de efeitos diretos na função cerebral ou através dos efeitos psicológicos e psicossociais da doença (DUARTE; REGO, 2007). Os transtornos mentais, por sua vez, em especial o transtorno depressivo, podem piorar diversos aspectos relacionados à saúde de pacientes com outras doenças clínicas devido ao aumento da percepção de sintomas físicos e ao maior risco de não adesão ao tratamento médico (TENG; HUMES; DEMETRIO, 2005). Em portadores de doenças crônicas, a depressão pode se desenvolver independente da doença ou em decorrência desta, ou ainda causar ou exacerbar sintomas físicos como fadiga, mal-estar, dores e alergia. A prevalência da associação entre transtornos depressivos e doenças crônicas como diabetes e EM é alta, motivo pelo qual os sintomas físicos relatados por pacientes deprimidos devem ser investigados apropriadamente antes de ser relacionados unicamente com o transtorno psiquiátrico (CORDEIRO; MICHELON; VALLADA, 2012). Segundo Teng, Humes, Demetrio (2005, p. 150), a correta avaliação dos sintomas depressivos nestes pacientes “é dificultada pela superposição dos sintomas da patologia clínica (fadiga, inapetência, dor, insônia, lentificação), bem como de condições associadas à internação e à percepção das consequências adversas da doença”. Diante disto, torna-se Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1136 fundamental o adequado diagnóstico e tratamento do transtorno depressivo e da patologia clínica de base, uma vez que a depressão e as doenças clínicas frequentemente se retroalimentam, interagindo para criar uma situação deteriorante. Tratamento e Farmacologia A intervenção mais comum e de mais fácil acesso para o transtorno depressivo é o tratamento farmacológico. Os medicamentos-padrão geralmente trazem alívio aos pacientes com sintomas depressivos moderados ou graves, sendo fundamental que o indivíduo siga as orientações médicas para o correto tratamento da doença (RIBEIRO, 2015). Os primeiros antidepressivos utilizados em larga escala foram os inibidores da monoaminaoxidase (IMAO), que inibem a ação de uma enzima responsável pela degradação dos neurotransmissores. Atualmente são prescritos apenas como último recurso, pois exigem uma dieta especial a fim de evitar interações potencialmente perigosas com certos alimentos. Os antidepressivos tricíclicos (ADT), por sua vez, inibem a recaptação de neurotransmissores norepinefrina e serotonina. Entretanto, possuem alta taxa de abandono do tratamento devido aos efeitos colaterais desagradáveis como sonolência, boca seca e visão embaçada. Apesar disso, ainda podem ser a primeira opção para certos tipos de depressão (BREUER; LESSMÖLLMANN, 2012). Os fármacos mais utilizados atualmente são os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), que bloqueiam a recaptação deste neurotransmissor dos neurônios présinápticos. Os ISRS substituíram os ADT como medicamento primário porque provocam menos efeitos colaterais e apresentam menor probabilidade de morte em casos de overdose, porém ainda são constatados efeitos adversos como problemas gastrointestinais e sexuais. Além disso, esta classe de antidepressivos possui melhor perfil de interação medicamentosa em pacientes idosos ou que fazem uso de várias medicações (CORDEIRO; MICHELON; VALLADA, 2012; BREUER; LESSMÖLLMANN, 2012). Todos os antidepressivos devem ter sua eficácia medida após seu uso por pelo menos quatro semanas consecutivas, quando poderá ser substituído no caso de resposta parcial ou ausente. Destaca-se que as informações repassadas pelo profissional ao paciente melhoram a aderência ao tratamento e ajudam a suportar o período inicial até que os benefícios apareçam, quando, em alguns casos, se faz necessário o uso de benzodiazepínicos para o controle da ansiedade. Desta forma, os indivíduos deprimidos devem ser orientados quanto à natureza Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1137 orgânica da depressão, possibilidades terapêuticas e efeitos colaterais, além dos riscos da ausência de tratamento (CORDEIRO; MICHELON; VALLADA, 2012). No caso de depressões leves, contudo, estudos apontam que o desempenho dos antidepressivos seja equivalente ao efeito placebo, sugerindo-se, nestes casos, a psicoterapia como principal solução. Outras medidas podem colaborar para o sucesso do tratamento independente do nível de gravidade da doença, como administração do estresse, prática de atividades físicas e adoção de uma dieta saudável e rica em nutrientes importantes para os processos neurológicos, como ácido fólico, ácidos graxos ômega 3, vitamina B6 e triptofano. Estas atitudes ajudam a equilibrar o organismo e a diminuir os impactos metabólicos da depressão, que está mais relacionada a outras doenças do que se pensava (RIBEIRO, 2015). 2.3 Depressão na Esclerose Múltipla Diferentemente de doenças terminais, na qual a adaptação do paciente segue uma série de “etapas” emocionais relativamente constantes, a adaptação à Esclerose Múltipla não segue um padrão fixo. Devido à grande variedade de sintomas e diferenças na progressão da doença, torna-se impossível estabelecer etapas de adaptação às condições da EM, motivo pelo qual questões emocionais significativas surgem, intermitentemente, ao longo do curso da doença. Sentir dificuldades e turbilhões emocionais ocasionalmente é uma reação normal e natural, porém é imprescindível prestar atenção aos sintomas depressivos dos pacientes portadores de uma doença incapacitante como a EM (KALB, 2000, p. 234). Os sintomas psiquiátricos, em especial ansiedade e depressão, atingem cerca de 40% das pessoas com EM enquanto estão em remissão, e 90% quando se encontram na fase ativa da doença (CEMBROWICZ; KINGHAM, 2003). O suicídio também ocorre mais frequentemente nestes pacientes, onde o índice é 7,5 vezes maior que na população geral e tem-se como principais preditores o abuso de álcool, o isolamento social e o transtorno depressivo (LOPES, 2006; FEINSTEIN, 2007, apud FAZZITO; JORDY; TILBERY, 2009). A depressão é muito comum em indivíduos com EM devido ao diagnóstico da doença, ao efeito de medicamentos, ou pela reação da personalidade à patologia e suas consequências. Os sintomas psiquiátricos ocorrem principalmente durante a evolução da doença, e apenas em 1% dos casos de EM há alterações psiquiátricas como uma primeira manifestação neurológica da patologia (JONGEN, 2006, apud FAZZITO; JORDY; TILBERY, 2009). Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1138 Diagnóstico e Depressão De acordo com Kalb (2000, p. 235), a tristeza em portadores de Esclerose Múltipla em geral surge quando a realidade do diagnóstico é finalmente compreendida. A autora afirma que “muitas pessoas se veem como invulneráveis às doenças e não dão valor às capacidades físicas e intelectuais inatas”, ao passo que uma doença crônica e incapacitante como a EM elimina esta autopercepção. Além disso, com o comprometimento de muitas capacidades físicas e intelectuais, o indivíduo pode entrar em um processo de luto por estas perdas, vendose obrigado a reformular suas expectativas em relação a si mesmo e ao seu futuro. Sintomas depressivos podem estar presentes ainda na fase inicial da EM, não havendo, obrigatoriamente, relação com o grau de comprometimento neurobiológico do indivíduo. Esses sintomas contribuem para prejuízos na adesão ao tratamento e na qualidade de vida dos portadores de EM, além de aumentar o risco de suicídio. A fisiopatologia da depressão na EM ainda não foi esclarecida, porém estudos apontam que as lesões da substância branca, em particular nas regiões frontoparietais anteriores do hemisfério esquerdo, associadas a lesões do fascículo arqueado esquerdo, e o aumento da atividade das citocinas podem contribuir para o desenvolvimento da doença nestes pacientes (LACERDA et al., 2009; PUJOL et al., 1997, apud FERREIRA et al., 2011). Nota-se também que o grau de dificuldade psiquiátrica está relacionado aos estresses sociais enfrentados. A vulnerabilidade à depressão provocada pela EM parece aumentar o efeito danoso de um ambiente com fatores estressantes, atuando como agente amplificador. Entretanto, a psicopatologia na EM não deve ser vista como parte inevitável e intratável da doença, sendo imprescindível tratar o transtorno depressivo nestas circunstâncias de modo a amenizar o fator incapacitante de ambas as patologias (CEMBROWICZ; KINGHAM, 2003). Os transtornos emocionais também podem surgir como um sintoma da EM, de acordo com a região cerebral acometida e a evolução da doença. A patologia pode causar desmielinização em certas áreas do cérebro que desempenham papel no sentir ou exprimir emoções. Alguns dos possíveis sintomas relacionados com a saúde mental dos pacientes são ansiedade, transtorno de humor, irritabilidade, transtorno bipolar e depressão. Além disso, determinados sintomas depressivos podem ser confundidos com sintomas e efeitos da EM, como fadiga, distúrbios do sono e dificuldades de concentração. Estes sintomas também Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1139 fazem parte do quadro da EM, podendo ser muito difícil diagnosticar um episódio de depressão grave em um portador da doença (ABEM, 2015; KALB, 2000). Tratamento e Depressão Em casos de comorbidade entre depressão e outras doenças clínicas, a escolha da medicação deve se basear no efeito colateral e na possibilidade de interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos antidepressivos com outras drogas utilizadas. Destaca-se que certos medicamentos usados em clínica médica podem precipitar sintomas depressivos, motivo pelo qual sua substituição deve ser considerada (CORDEIRO; MICHELON; VALLADA, 2012). No tratamento da EM, algumas drogas utilizadas têm sido relacionadas ao maior risco de depressão e suicídio nos pacientes, como é o caso do Betaferon (interferon). Estima-se que seu uso tem como efeito adverso mais comum a depressão devido a mecanismos biológicos do transtorno, como disfunção das monoaminas, ação sobre sistemas noradrenérgico e dopaminérgico, distúrbio na ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical, ativação das citocinas pró-inflamatórias, dentre outros (CÓRDAS; MORENO, 2008). Segundo os autores, “por meio da estimulação de produção de citoninas pró-inflamatórias, o interferon levaria à síndrome comportamental de doença, caracterizada por fadiga, anedonia, lentificação psicomotora, anorexia, hiperalgesia, alteração do sono e isolamento social”. Porém, de acordo com Kalb (2000), estudos com esta substância apresentaram um resultado pouco expressivo de casos de suicídios em comparação à frequência de suicídio em portadores de EM, não sendo possível concluir que os episódios foram causados pela droga. Sabe-se, entretanto, que doses muito altas de interferon causam depressão, motivo pelo qual o estado emocional de pacientes que usam este medicamento tem sido acompanhado desde o início da sua comercialização, recomendando-se que pessoas com histórico de depressão ou outras doenças afetivas, ou tentativa de suicídio, não façam uso da substância. Além do interferon, outras drogas utilizadas no tratamento da EM podem afetar o humor dos pacientes. A pemolina, utilizada para tratar a fadiga, é uma droga estimulante e pode provocar irritabilidade. O baclofen, por sua vez, usado para tratar a espasticidade, teve relatos de efeitos colaterais drásticos no caso de interrupção abrupta do tratamento, como alucinações, agitação, convulsões e mudanças de humor (KALB, 2000). Os esteroides, por fim, utilizados para tratar os surtos na EM, podem produzir uma variedade de alterações de humor como euforia, irritabilidade, hiperatividade ou depressão. O Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1140 sentimento de “estar alto” provocado pelo esteroide geralmente é seguido por um “estar na fossa” após o fim do tratamento. Diante disto, aconselha-se a prescrição de drogas estabilizantes do humor antes do tratamento com esteroides, além de supervisão médica rigorosa, em indivíduos com histórico de reações extremas a este medicamento a fim de se prevenir mudanças drásticas e desagradáveis de humor (KALB, 2000, p. 242). 3 METODOLOGIA A metodologia utilizada no presente trabalho pode ser definida como uma pesquisa bibliográfica de estudos clínicos elaborados relacionados à depressão na Esclerose Múltipla. Os artigos científicos foram levantados a partir de pesquisa eletrônica nas páginas Scientific Electronic Library Online (Scielo) e US National Library of Medicine National Institutes of Health (Pubmed), com base nos descritores “Esclerose Múltipla” (“Multiple Sclerosis”) e “depressão” (“depression”), por se tratarem do objetivo principal da pesquisa. Foi observado o espaço de tempo dos últimos dez anos (2005 a 2014), devido à rápida evolução nos estudos nas áreas de saúde e a consequente necessidade de atualizações constantes. A pesquisa através do Pubmed obteve 329 resultados, sendo que 293 artigos resultantes desta busca foram excluídos do estudo por não se tratarem de ensaios clínicos conclusivos. Das 36 pesquisas restantes, foram selecionadas aquelas disponíveis online e publicadas em língua inglesa no período de tempo estipulado, resultando em 06 artigos utilizados neste estudo. Já na base de dados da Scielo foram encontrados 23 documentos. Destes, 19 artigos não foram utilizados por não abordarem o tema proposto nesta pesquisa. Além destes, 01 documento foi excluído da análise por não estar disponível online, totalizando 03 artigos científicos efetivamente utilizados no presente estudo. Deste universo, portanto, 09 estudos foram utilizados na presente pesquisa por apresentarem dados consistentes e relevantes no âmbito da depressão em pacientes com EM. Após a coleta dos artigos nas páginas supracitadas, realizou-se uma leitura analítica e interpretativa dos documentos a fim de selecioná-los e obter-se um panorama dos objetivos, métodos e resultados de cada estudo realizado. Por fim, as informações adquiridas foram ordenadas e interpretadas no âmbito geral do problema da pesquisa. Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1141 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Diante dos objetivos específicos propostos de verificar o impacto da EM na vida dos pacientes e relacionar os aspectos inerentes a esta patologia à saúde psíquica dos indivíduos, e considerando a fundamentação teórica desenvolvida, foram analisadas 09 pesquisas experimentais desenvolvidas por estudiosos em diversas partes do mundo e com diferentes abordagens relacionadas à depressão na EM. Niino et al. (2014) avaliaram a função cognitiva em 184 pacientes, associando-a com fadiga, apatia e depressão. Conclui-se que portadores de EM têm mais apatia, fadiga e pontuação significativamente mais elevada de depressão quando comparados a indivíduos saudáveis. Kalb (2000), Cembrowicz e Kingham (2003) e Cordeiro, Michelon e Vallada (2012) ratificam esta posição, apontando que a EM pode causar desmielinização em áreas do cérebro responsáveis pelas emoções, sendo a depressão um sintoma psiquiátrico que atinge a grande maioria dos portadores de EM. Além deste, os estudos de Ferreira et al. (2011), Milanlioglu et al. (2014) e Anhoque et al. (2011) também apontaram maior prevalência de sintomas depressivos nos pacientes com EM. O estudo de Niino et al. (2014) também concluiu que as funções cognitivas apresentam déficits nos pacientes com EM, especialmente em termos de velocidade de processamento da informação e atenção, sendo diretamente influenciados pela depressão. Este resultado corrobora o teorizado por Siegert e Abernethy (2005), que afirmam que os sintomas cognitivos são comuns em pacientes com transtorno depressivo moderado a severo. Ferreira et al. (2011), em seu estudo sobre o desempenho da memória em portadores de EM deprimidos, também verificou que os pacientes apresentam desempenho cognitivo inferior, podendo prejudicar a memória nestes indivíduos. Kinsinger; Lattie; Moht (2010), entretanto, demonstraram que a melhora na depressão através do tratamento proposto não influenciou o desempenho neuropsicológico dos pacientes com EM, porém as habilidades de autopercepção do seu funcionamento cognitivo sofreram melhoras. A depressão não foi associada à duração da doença no estudo de Niino et al. (2014), conforme proposto por Lacerda et al. (2009) que afirmam que os sintomas depressivos não têm relação direta com o grau de comprometimento neurobiológico do paciente. A pesquisa de Milanlioglu et al. (2014) também observou este resultado, não encontrando relação entre a depressão e a duração da doença. Ao contrário, os estudos realizados por Anhoque et al. Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1142 (2011) apontam que os sintomas depressivos progridem com a gravidade da doença, porém os autores concordam que são necessários outros estudos para se afirmar esta posição. Milanlioglu et al. (2014) propuseram como requisito para sua pesquisa que os pacientes não estivessem fazendo terapia com esteroides, a fim de se evitar interferência do medicamento, posição confirmada por Kalb (2000) que afirma que esta substância pode produzir alterações de humor importantes como irritabilidade e depressão. Ainda no que tange aos medicamentos utilizados no tratamento da EM, Anhoque et al. (2011), ao comparar os sintomas de ansiedade e depressão em 19 pacientes com EM que em sua grande maioria utilizavam interferon-beta, ratificam a posição de Córdas e Moreno (2008) que afirmam que esta substância pode levar à síndrome comportamental da depressão. A pesquisa de Milanlioglu et al. (2014) concluiu que houve diferenças significativas no humor de pacientes com EM secundariamente progressiva, em comparação a outros tipos da EM e o grupo de controle. Conforme Almeida et al. (2007), nesta forma da doença há surtos e remissões na fase inicial, porém com a evolução há também progressão dos sintomas, contribuindo para desenvolvimento de sintomas psiquiátricos. O estudo de Milanlioglu et al. (2014) também demonstrou a importância de programas de reabilitação e prática de exercícios físicos, de forma a melhorar a qualidade de vida e características do humor dos pacientes. Os exercícios físicos se mostram importantes para amenização de sintomas tanto da EM quanto da depressão, como apontam Ribeiro (2015), Belik (1999), Döring et al. (2012) e Sá (2013). A pesquisa realizada por Burschka et al. (2014) também concluiu que uma intervenção com atividade física (Tai Chi) e prática de meditação melhora aspectos como equilíbrio, coordenação, depressão e qualidade de vida. Hart; Vella; Mohr (2008) analisaram a relação entre a depressão e a percepção de possíveis benefícios da EM, como aproximação com a família e mudança de comportamento com relação às suas vidas. Os resultados apontaram que a diminuição de sintomas depressivos através do aumento do otimismo e de afetos positivos acarreta em aumento da percepção dos benefícios da EM. Constatou-se que a relação entre estes aspectos (depressão, otimismo e percepção dos benefícios) não é apenas unidirecional, sendo a percepção dos benefícios um mecanismo importante para a relação entre depressão e otimismo. Estes resultados estão de acordo com a posição de Kalb (2000), que afirma que uma doença crônica como a EM altera a autopercepção do indivíduo, e de Cembrowicz e Kingham (2003), que declaram que a vulnerabilidade à depressão provocada pela EM aumenta o efeito danoso de um ambiente Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1143 estressante. A administração do estresse é apontada por Ribeiro (2015) como sendo fundamental para diminuição de sintomas depressivos. Burns et al. (2013) verificaram que os surtos da EM estão associados à ansiedade e à depressão, especialmente aos sintomas somáticos do transtorno. A somatização da depressão foi relada por Ballone e Ortolani (2007) e Matos e Oliveira (2013), que apontam que o transtorno está associado a manifestações somáticas como lentidão, dores, tonturas, despertar matinal precoce, agitação, etc. Resultados semelhantes foram observados na pesquisa realizada por Baron et al. (2011), concluindo que a diminuição da insônia está diretamente relacionada à melhora dos sintomas depressivos nos pacientes com EM. Estes sintomas somáticos foram apontados no estudo de Burns et al. (2013) como sendo, possivelmente, fatores que progridem para um surto. Outra hipótese proposta pelos autores é de que, na verdade, não se tratam de sintomas depressivos, mas de sinais iniciais de um surto. A possibilidade de confusões desta natureza é verificada na literatura, como Duarte e Rego (2007) que afirmam que as patologias orgânicas aumentam o risco de transtornos psiquiátricos devido a efeitos diretos na função cerebral. Teng, Humes e Demetrio (2005), por sua vez, destacam a necessidade de uma correta avaliação dos sintomas depressivos de modo que sejam identificados os sintomas da patologia clínica e dos transtornos mentais. Lacerda et al. (2009) e Pujol et al. (1997, apud FERREIRA et al., 2011) também apontam para a neuroanatomia da depressão, onde há possibilidade de regiões cerebrais responsáveis pelo transtorno depressivo serem desmielinizadas na EM. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através deste estudo foi possível evidenciar a importância do transtorno depressivo em portadores de Esclerose Múltipla, tendo em vista a possibilidade de se tratar tanto de causa como consequência de uma doença crônica. Desta forma, faz-se fundamental o correto diagnóstico e tratamento dos sintomas de ambas as patologias a fim de que o paciente se beneficie de uma maior qualidade de vida. Além do cuidado com a medicalização em casos onde há comorbidade, verificou-se que medidas terapêuticas como meditação, prática de atividade física, administração do estresse e alimentação equilibrada podem colaborar para a melhora dos sintomas depressivos. Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015 III Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 1144 Entretanto, pode-se perceber também que nem todos os pacientes com EM apresentam os mesmos sintomas da doença ou de um transtorno depressivo, nem os mesmos resultados com tratamentos farmacológicos ou psicoterapêuticos, sendo fundamental o acompanhamento de todos os profissionais envolvidos na saúde destes sujeitos. Tanto a depressão quanto a EM são questões de saúde pública, motivo pelo qual se faz urgente promover a conscientização e o conhecimento das patologias, e estimular a busca por tratamento. Por fim, nota-se que são necessários mais estudos no âmbito da depressão na Esclerose Múltipla de modo a compreender a comorbidade que se apresenta na grande maioria dos portadores desta patologia. Consideram-se, entretanto, as dificuldades ocasionadas pela doença, como mobilidade, prejuízos cognitivos e deficiências no geral. 6 REFERÊNCIAS ABEM. O que é Esclerose Múltipla? Disponível <http://www.abem.org.br/index.php/esclerose-multipla>. Acesso em: 02 Mai. 2015. em: ALMEIDA, Lúcia Helena Rios Barbosa de. et al. Ensinando e aprendendo com portadores de Esclerose Múltipla: relato de experiência. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 60, n. 4, Ago. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v60n4/a20.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2015. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014. ANHOQUE, Carolina Fiorin. et al. 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