UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

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HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA
Frederico Costa dos Santos1; Bruno Roberto da Silva Ferreira2; Lígia Campêlo
Mota2
Introdução
O sangramento de origem no tubo digestivo decorrente de lesões proximais ao
ligamento de Treitz, que marca a junção entre duodeno e jejuno é denominado de
Hemorragia Digestiva Alta (HDA). A hemorragia digestiva alta é uma emergência comum,
com expressivas taxas de morbidade e mortalidade. Mesmo com os progressos da prática da
Medicina, nas últimas décadas, o declínio dessas taxas foi desprezível.1 A hemorragia
digestiva alta (HDA) representa um gasto elevado para o Sistema de Saúde. Nos Estados
Unidos, a prevalência da HDA é de, aproximadamente, 170 casos por 100000 de adultos,
por ano, com um custo total estimado em 750 milhões de dólares.2
Em nosso meio, a HDA não varicosa, isto é, aquela que não se deve a sangramento
de varizes esofágicas, tem, como causa mais comum, a doença ulcerosa péptica, responsável
por 50% a 70% dos casos. 2 Enquanto que a hemorragia conseqüente à ruptura de varizes
esôfago-gástricas é a principal complicação da hipertensão portal e cursa ainda com uma
expressiva mortalidade, em torno de 30%.3 A despeito dos recentes avanços na terapia,
principalmente dos relacionados às novas técnicas de hemostasia endoscópica, a taxa de
mortalidade tem se mantido, essencialmente, inalterada, entre 6% e 8%, o que pode ser
explicado pelo fato de os pacientes estarem mais velhos e apresentarem co-morbidades
numerosas. 2
Etiologia
Geralmente, a hemorragia digestiva alta se apresenta como um quadro agudo. A
correta propedêutica na abordagem do paciente com HDA irá depender de sua etiologia.
Elas estão listadas na tabela abaixo. Existem variações nas proporções entre as diversas
causas entre diferentes estudos, sendo as apresentadas na tabela uma compilação obtida de
diferentes revisões.
1
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará, residência médica em Cirurgia Geral
pelo Instituto Doutor José Frota, Especialização em Cirurgia Geral pelo Hospital Geral Doutor César Cals.
Residente em Urologia (R3) pela Universidade Federal do Ceará. Coorientador do Grupo de Estudos em
Cirurgia (GEC).
2
Acadêmico de Medicina da UFC e integrante do Grupo de Estudo em Cirurgia (GEC).
1
Fonte: Conrad SA. Acute upper gastrointestinal bleeding in critically ill patients:
causes and treatment modalities. Crit Care Med 2002;30:s365-s368.
Quanto à etiologia, a hemorragia digestiva alta pode ser classificada em dois grandes
grupos, como mencionados anteriormente: HDA varicosa e HDA não varicosa. Para tornar o
raciocínio mais simples e didático, vamos abordar esses dois tipos de hemorragias em
tópicos diferentes, contudo o raciocínio clínico não deve ser dissociado, sendo o médico
capaz de pensar em todas as possíveis causas de sangramento digestivo alto quando se
deparar com tal situação em uma emergência hospitalar.
HDA Varicosa
A HDA varicosa é causada primordialmente pela ruptura de varizes esofágicas. A
maioria dos pacientes com hipertensão portal e sangramento digestivo alto (60% a 90%) tem
como principal etiologia as varizes esofagianas, cujo episódio hemorrágico pode causar
choque hipovolêmico e morte se não for tratado adequadamente.5 As varizes aparecem
como veias tortuosas e dilatadas localizadas principalmente dentro da submucosa do esôfago
distal e do estômago proximal; canais venosos diretamente debaixo do epitélio esofagiano
também podem sofrer dilatação maciça. O efeito global é a protusão irregular da mucosa
suprajacente para dentro da luz, apesar de as varizes estarem colapsadas nas peças cirúrgicas
ou post-mortem. Quando a veia não sofrer ruptura, a mucosa pode ser normal, mas a maioria
das vezes apresenta-se com erosão e inflamada, em virtude da posição exposta. A ruptura
varicosa produz hemorragia maciça para dentro da luz, assim como sufusão da parede
esofagiana com sangue. Nessas circunstâncias, a mucosa suprajacente parece ulcerada e
necrótica. Se ocorreu ruptura no passado, pode haver trombose venosa e inflamação
superposta.6 As varizes aparecem quando há hipertensão portal. Esta, seja qual for sua
causa, quando suficientemente prolongada ou grave, induz a formação de canais colaterais,
sempre que os sistemas portais e cava se comunicam. Aqui estamos interessados nas
colaterais que se formam na região do esôfago inferior, quando o fluxo de veias esofagianas
1
2
subepiteliais e submucosas, daí para a veia ázigos e, finalmente, para a circulação sistêmica.
A maior pressão no plexo esofagiano produz as varizes. Estas ocorrem aproximadamente em
dois terços de todos os pacientes cirróticos e estão associadas mais freqüentemente com
cirrose alcoólica.5 São encontradas menos comumente em associação com outras causas de
cirrose e podem representar o problema inicial nos pacientes com hipertensão portal não
cirrótica, como ocorre com a trombose da veia porta e com a esquistossomose.
O mecanismo fisiopatológico mais aceito para explicar a rotura das varizes considera
a tensão na parede o principal fator de rotura do vaso varicoso. Os fatores regulando a
tensão exercida pela parede das varizes estão inter-relacionados de acordo com a Lei de
Laplace na equação: T=(P1-P2) x R/W, onde P1 é a pressão no interior das varizes, P2 a
pressão no lúmen esofagiano, R o raio das varizes e W a espessura da parede. Isso indica
que o risco de sangramento é maior naqueles com varizes maiores (↑ R) e paredes mais finas
(↓ W) e que apresentam sinais da cor vermelha (spiders, cherry red spots) (6). Dados
clínicos falam a favor de valores pressóricos portais maiores que 12 mmHg (↑ P1). Pelo
menos por este motivo, a medida da pressão portal torna-se um importante parâmetro na
avaliação do paciente portador de doença crônica do fígado, embora todos os métodos
disponíveis para quantificá-la sejam de natureza invasiva, o que limita a sua utilização de
forma rotineira.
É importante salientar que as varizes não produzem sintomas até sofrerem ruptura,
quando se observa uma hematêmese maciça. Entre os pacientes com cirrose em fase
avançada, metade das mortes resulta da ruptura de uma variz. Alguns pacientes morrem em
conseqüência direta da hemorragia; outros do coma hepático induzido pela hemorragia.
Entretanto, convém lembrar que, até mesmo quando existem varizes, elas são responsáveis
por menos da metade de todos os episódios de hematêmese.5 O sangramento proveniente de
uma gastrite concomitante, de uma laceração esofagiana ou de uma úlcera péptica também
pode ser profuso. Os fatores que resultam em ruptura de uma variz são obscuros: erosão
inflamatória silenciosa da mucosa suprajacente adelgaçada, aumento da tensão nas veias
progressivamente dilatadas e vômitos com maior pressão hidrostática vascular são fatores
que podem representar algum papel. O sangramento decorrente das varizes esofagianas pára
espontaneamente em cerca de 50% dos pacientes e a taxa de mortalidade neste primeiro
episódio é de 30% a 50% dos casos. Nos pacientes esquistossomóticos a mortalidade é
menor devido à melhor reserva hepática.6
O risco de ressangramento precoce (dentro das primeiras seis semanas) corresponde
em geral a 40% dos casos, sendo ainda maior quando presente um ou mais dos seguintes
fatores: dentro dos primeiros cinco dias pós-sangramento, idade acima de 60 anos,
insuficiência renal, ascite, episódio hemorrágico inicial severo (hemoglobina < 8mg/dL),
presença de sinais vermelhos sobre as varizes, hipoalbuminemia e gradiente de pressão
venosa hepática acima de 15 mmHg. No intervalo de um ano, os que já sangraram irão
ressangrar em mais de 70% dos casos se nenhum tratamento for instituído, apresentando este
grupo de pacientes uma taxa de mortalidade de 30% a 50% a cada novo episódio de
2
3
sangramento.5,6 O óbito que ocorre nas primeiras seis semanas pós-sangramento é
considerado óbito relacionado ao sangramento das varizes.
HDA Não Varicosa
A HDA não varicosa possui diversas causas e dentro desse grupo podemos fazer
uma subdivisão, baseando-se na etiologia péptica ou não péptica do sangramento. O
sangramento péptico é devido às úlceras pépticas (duodenais e gástricas) e à lesão aguda da
mucosa gastroduodenal (LAMGD). Já a hemorragia não péptica é representada por várias
lesões da mucosa do trato gastrointestinal: síndrome de Mallory-Weiss, esofagite, lesões
vasculares (hemangiomas, lesão de Dieulafoy), etc.
A. Sangramento Péptico
A úlcera péptica duodenal é a causa mais comum de HDA, respondendo por 40% a
50% dos casos.8 As úlceras são definidas como uma solução de continuidade na mucosa do
trato alimentar, que se estende através da muscular da mucosa até dentro da submucosa ou,
ainda mais profundamente. A natureza péptica da úlcera indica uma lesão crônica que
aparece em qualquer porção do trato gastrointestinal exposto à ação agressiva dos sucos
ácido-pépticos. São lesões remitentes e recidivantes diagnosticadas mais freqüentemente em
adultos de meia idade ou mais velhos. Aparecem com freqüência sem influências
desencadeantes óbvias e cicatrizam com ou sem terapia depois de semanas ou meses.7 A
prevalência é discretamente maior em homens. As mulheres são mais afetadas depois da
menopausa. A úlcera duodenal é mais freqüente nos pacientes com cirrose alcoólica ou
pulmonar obstrutiva crônica e hipertireoidismo (a hipercalcemia estimula produção de
gastrina e conseqüentemente a secreção ácida). 98% das úlceras pépticas estão localizadas
na primeira porção do duodeno ou estômago (relação 4:1). A maioria das úlceras duodenais
ocorre na primeira porção do duodeno, próximo do anel pilórico, na parede anterior. As
úlceras gástricas estão localizadas predominantemente na pequena curvatura (limite entre
corpo e antro). É menos comum estarem nas paredes anterior e posterior ou na grande
curvatura. Não é comum, mas 10 a 20% dos pacientes têm ulceração gástrica e duodenal
coexistentes. A úlcera péptica clássica é um defeito escavado, arredondado ou aval, com
paredes relativamente retas. A profundidade varia desde superficial (acomete apenas a
mucosa e a muscular da mucosa) até profundamente escavadas (até muscular própria). Pode
ocorrer perfuração para cavidade peritoneal. Às vezes, vasos sanguíneos trombosados ou
permeáveis são evidentes na úlcera e são fontes de hemorragia. A fibrose (cicatrização) pode
acometer toda a espessura do estômago. As paredes dos vasos sanguíneos dentro da área
fibrosada são espessadas pela inflamação circulante e às vezes trombosadas. As úlceras
pépticas são produzidas por um desequilíbrio entre os mecanismos de defesa da mucosa
3
4
gastroduodenal e forças lesivas. O ácido gástrico e a pepsina são pré-requisitos para todas as
ulcerações pépticas.4
A hemorragia digestiva alta secundária à úlcera duodenal tem três origens
possíveis: erosão de um grande vaso, exsudação do tecido de granulação existente na
base da úlcera ou duodenite erosiva. O sangramento digestivo secundário à úlcera
gástrica também ocorre pela erosão de um vaso subjacente (artéria gastroduodenal) e
tende a ser mais abundante do que nas úlceras duodenais, provavelmente pela erosão de
artérias de maior calibre, isto é, das artérias gástricas direita e esquerda.8
A lesão aguda da mucosa gastroduodenal (LAMGD) representa um grupo de lesões
descritas como gastrite erosiva aguda, gastrite hemorrágica aguda, úlcera gástrica aguda,
úlcera de Cushing, úlcera de Curling, duodenite hemorrágica aguda, duodenite erosiva
aguda e úlcera de estresse.8 Aproximadamente 25% dos sangramentos digestivos altos
ocorrem por LAMGD. A prescrição indiscriminada de AINES e o uso crônico de AAS
contribuíram, na última década, para um aumento significativo das lesões gástricas agudas
sangrantes em pacientes com ou sem sintomatologia ou história prévia de doença ulcerosa
péptica. A LAMGD é caracterizada por múltiplas lesões hemorrágicas puntiformes
associadas a alterações do epitélio e a edema, que geralmente se complicam com HDA que,
na maioria dos casos, é exteriorizada como hematêmese e melena.
B. Sangramento Não-Péptico
A HDA não varicosa decorrente se sangramento digestivo alto não péptico possui
diversas etiologias. Nesse tópico, discutiremos as lesões mais prevalentes com as principais
conseqüências de cada uma.
A síndrome de Mallory-Weiss responde por 5% a 15% dos sangramentos digestivos
8
altos. Ela caracteriza-se por hematêmese precedida por vômitos explosivos de material nãohemorrágico, a hemorragia originando-se em lacerações situadas na junção esofagogástrica
e podendo exteriorizar-se também através de melena ou hematêmese associada à melena. Os
vômitos enérgicos seguidos de hematêmese, em geral, aparecem de forma súbita em
pacientes assintomáticos; contudo, sintomas como náusea, sensação de plenitude,
desconforto abdominal, epigastralgia, azia, pirose, eructação e regurgitação podem
manifestar-se previamente e, quando presentes, variar em sua apresentação, pois resultam de
outras patologias esofagogástricas existentes antes das lesões traumáticas agudas
características desta síndrome. Tais lacerações são longitudinais, com 3 a 20 milímetros de
comprimento e 2 a 3 milímetros de largura, aprofundando-se na mucosa, submucosa e, não
raramente, até nas camadas mais profundas da parte alta do estômago e extremidade distal
do esôfago. No mecanismo de produção dessas rupturas parciais, igual ao das perfurações
espontâneas do esôfago, ocorre um choque entre o esforço enérgico para vomitar e a
resistência da cárdia e esôfago fechados. A intensidade do sangramento, ou seja, sua
velocidade e persistência, varia em função do calibre dos vasos atingidos por esta lesão, de
4
5
natureza eminentemente aguda e traumática. Estudos estatísticos demonstram maior
incidência em homens do que em mulheres, e também maior em adultos e velhos do que nos
jovens. Revisões ultimamente publicadas assinalam sua associação com a ingestão prévia de
álcool em cerca de 65% dos pacientes; o alcoolismo não é pois condição necessária para
diagnosticá-la.9
A presença de hérnia de hiato é assinalada como sendo uma condição predisponente.
Identificada pela primeira vez por Quinche, em 1879, foi definitivamente reconhecida a
partir de 1929, depois da histórica publicação de Mallory e Weiss, que constataram sua
presença post-mortem em 4 de 15 pacientes falecidos por hematêmese de causa
desconhecida. A síndrome passou a ter este nome porque tais autores foram os primeiros
que correlacionaram hemorragia digestiva alta aguda com esforço violento para vomitar
após uma exagerada ingestão de bebidas alcoólicas. Publicações recentes, em todas as partes
do mundo, evidenciam categoricamente sua alta incidência entre as causas mais freqüentes
de hematêmese. Daí sua atual importância clínica entre as doenças comuns do esôfago e seu
interesse prático para os gastroenterologistas.10
A inflamação do esôfago ou esofagite é uma afecção aguda ou crônica, comumente
associada à DRGE (Doença do Refluxo Gastro-Esofágico), distúrbio secundário à
incompetência do esfíncter inferior do esôfago ou à intubação nasogástrica prolongada.8 De
uma maneira geral, a HDA é de pequena a moderada intensidade, podendo, ocasionalmente,
ser vigorosa. Normalmente, o sangramento é reconhecido pela pesquisa de sangue oculto
nas fezes ou por anemia ferropriva. Esta última é comum em pessoas idosas, cujo o
sangramento crônico do esôfago é mais freqüente.
A lesão de Dieulafoy é uma lesão hemorrágica, também conhecida como
“Exulcetatio Simplex de Dieulafoy”, causada por erosão da mucosa e da parede de uma
arteríola ectasiada na submucosa, mais comumente do corpo gástrico. Trata-se de uma
anomalia representada por dilatação de uma arteríola, não se verificando, ao estudo
histológico, ulceração profunda ou aneurisma, tampouco arteriosclerose ou sinais de
vasculite. Não há relação clara com doença péptica ou uso de antiinflamatório/álcool. A
hemorragia ocorre pela erosão da mucosa e da parede arteriolar, sem formação de úlcera
típica. Representa cerca de 0,3% – 6,8% das causas de hemorragia digestiva alta não
varicosa, sendo o estômago e o seu segmento alto (6cm proximais) a localização mais
freqüente.10
Os tumores gástricos representam cerca de 6% dos casos de HDA.8 O
adenocarcinoma gástrico é tumor mais comum do estômago e pode ser encontrado em
qualquer região da víscera, podendo se apresentar como um pólipo, uma úlcera, uma
tumoração ou uma infiltração difusa. A pesquisa de sangue oculto nas fezes é essencial para
a pesquisa da HDA decorrente de uma lesão do CA gástrico. A hematêmese ou a melena é
reconhecida em cerca de 10% dos pacientes.9
Outras causas de sangramento digestivo alto, menos freqüentes, incluem:
septicemia, uremia, leucemia, púrpura, hemofilia, terapêutica anticoagulante, trombose de
veia esplênica, câncer de pâncreas, queimaduras extensas, lesões neurológicas, tumores
5
6
raros (hemangiomas, leiomiomas, etc.), corpos estranhos, esôfago de Barret, etc. Convém
mencionar que 8% das hemorragias digestivas altas têm causas desconhecidas.
Exames Complementares
O diagnóstico da Hemorragia Digestiva Alta deve se apoiar nos exames
complementares. Atualmente, está em grande destaque a endoscopia digestiva alta (EDA),
que atua como método diagnóstico e terapêutico. Além disso, temos a cintilografia, a
arteriografia e os exames radiológicos contrastados.
A endoscopia digestiva alta é o método de eleição (padrão-ouro) para o
diagnóstico das hemorragias digestivas altas. A EDA apresenta especificidade e
sensibilidade acima de 95% com possibilidade terapêutica e baixa mortalidade.11 Além
disso, seus achados possibilitam a triagem dos riscos e o estabelecimento de prognósticos. A
endoscopia deve ser realizada precocemente (dentro das primeiras 24h), logo após o
paciente ter recebido a reposição volêmica e estar hemodinamicamente estável.12 A
EDA localiza a fonte de sangramento com precisão. Se o sangramento apresentar melhora
espontânea ou dificuldade de visualização na endoscopia, é recomendável fazer endoscopia
também após 24h de sangramento. Além de todos os benefícios, a EDA é um exame
disponível na maioria dos serviços, sendo isso um dado bastante importante para o
prognóstico dos pacientes.11
A cintilografia (estudo radioisotópico) pode ser utilizada na investigação da HDA. O
exame é feito mapeando hemácias marcadas com Tecnécio (Tc99m), permitindo a
localização do sítio sangrante. Pode ser empregada em taxas de sangramento baixas (0,1
mL/min.). O mapeamento positivo sugere necessidade de intervenção invasiva e morbidade
intra-hospitalar maior, enquanto que o mapeamento negativo implica melhor prognóstico.9
No entanto, o mapeamento é positivo em apenas 45% dos casos, o que aumenta muito o
número de falso-negativos nesse exame. A cintilografia oferece possibilidade de avaliações
seriadas em períodos prolongados (útil para diagnostico de sangramentos intermitentes). A
utilidade clínica desse teste é para a triagem de candidatos à arteriografia, um teste mais
invasivo que requer taxas maiores de sangramento para resultados positivos. O estudo
radioisotópico é um exame pouco invasivo, contudo não está disponível em todos os
serviços com rotina de urgência e não oferece possibilidades terapêuticas.10
A arteriografia permite rápida localização e potencial terapêutico do sangramento
digestivo quando taxas de sangramento excedem 0,5 mL/min. É indicada nas situações em
que o exame endoscópico não foi elucidativo, ou quando o sangramento é tão ativo que
impossibilita exame adequado. Ela detecta lesões vasculares com precisão (hemangiomas,
fistulas arteriovenosas e telangiectasias dentre outras). Além disso, a arteriografia pode
delinear a anatomia da lesão sangrante .11 No entanto, é um método não disponível em todos
6
7
os serviços com rotina de urgências, é um exame invasivo com necessidade de uso de
contraste, é bastante oneroso e requer profissionais especializados.
Os exames radiológicos contrastados são os que possuem menores especificidade e
sensibilidade no diagnóstico da HDA. Eles fornecem informações morfológicas, permitindo
a avaliação da mucosa do TGI (técnica de duplo contraste). Essa técnica é uma indicação
restrita na avaliação de uma mucosa cicatricial pós-doença ulcerosa péptica com sintomas
obstrutivos, ou seja, necessária somente para acompanhamento após fase aguda. A acurácia
deles é pequena porque eles identificam a lesão que pode ser a fonte do sangramento, mas
não identificam o sangramento. Também não oferecem possibilidades terapêuticas e hoje
têm pouca utilidade na prática clínica.
Diagnóstico
O diagnóstico de Hemorragia Digestiva Alta é orientado pela clínica de hematêmese,
melena com ou sem hematoquezia. Entretanto, sangramento oculto nas fezes e anemia
ferropriva também podem ocorrer na existência de sangramentos crônicos e/ou de pequena
quantidade. A HDA pode ainda ser confirmada pela lavagem gástrica positiva para sangue
ou borra de café, mas esse método não é muito utilizado. Atualmente, são os exames
complementares como a Endoscopia Digestiva Alta que nos fornecem o diagnóstico
definitivo.
Sabe-se, porém, que a etiologia do sangramento pode ser variada, portanto, faz-se
necessário uma boa investigação na anamnese e exame físico para que se possa identificar
possíveis indícios da origem do sangramento. Alguns dados que devem ser questionados e
que podem direcionar o diagnóstico são descritos abaixo na tabela 2.
TABELA 2 - ACHADOS NA ANAMNESE DO PACIENTE COM
HDA
Achados na Anamnese
Uso excessivo de bebida alcoólica
Uso de medicamentos
Cirurgias Prévias no TGI
História familiar de Discrasia Sangüínea
Naturalidade
e
procedência
(áreas
endêmicas)
História de Dispepsia
Patologia
Cirrose
Doença Ulcerosa
Péptica
Complicação
Cirúrgica
Discrasia
Sangüínea
Esquistossomose
Doença Ulcerosa
Péptica
7
8
Sd. De MalloryVômitos claros, repetitivos, espontâneos
Quadro Consumptivo
Weiss
Neoplasia
Fatos de grande relevância como a idade do paciente e a presença de outras doenças
prévias (insuficiência renal, doenças hepáticas e neurológicas, cardiopatias e neoplasia)
devem ser avaliados, pois alteram de forma significativa a evolução, o prognóstico e a
resposta ao tratamento dos pacientes com HDA.8 Pacientes idosos não toleram grandes
perdas sangüíneas e têm maiores riscos de ressangramento.
O exame físico, além de fornecer dados importantes para busca da provável etiologia
(tabela 3), deve ser bem direcionado para avaliar principalmente a perda volêmica do
paciente. Torpor, ansiedade, dispnéia, síncope, extremidades frias e sinais de choque
sugerem estado hipovolêmico que deve ser imediatamente revertido. Os principais sinais de
choque são PAS < 100 mmHg, FC > 100 bpm e elevação de mais de 15 bpm na freqüência
cardíaca quando mudamos a posição do paciente de supina para sentada. Portanto, é
imprescindível que a pressão e a freqüência cardíaca sejam medidas e comparadas nas
posições supina e ereta.
O diagnóstico definitivo, como já foi dito, só se dá através dos exames
complementares, sendo a Endoscopia Digestiva Alta o método de eleição. A EDA deve ser
realizada em pacientes estáveis hemodinamicamente logo nas primeiras 24 horas após o
sangramento.12 Além disso, deve ser repetida em ressangramentos e pode ser re-indicada em
casos com melhora espontânea ou prejuízo na visualização devido a sangramentos ativos.
TABELA 3 - ACHADOS NO EXAME FÍSICO DO PACIENTE COM
HDA
Achados no Exame Físico
Hepatoesplenomegalia
Icterícia
Ascite
Circulação Colateral Abdominal
Aranhas Vasculares
Petéquias
Patologia
Hipertensão Porta
Discrasias
Sangüíneas
Púrpuras
Equimoses
Massa Intra-Abdominal
Neoplasia
Linfonodo Supraclavicular
Telangiectasias na face, cavidade oral,
Sd. de Oslerlábios, cabeça
Weber-Rendu
Hiperpigmentação marrom dos lábio e
Sd. de Peutz-
8
9
cavidade oral
Jeghers
Além de método diagnóstico, a EDA pode ser utilizada para tratamento e para
avaliação de risco de ressangramento através da Classificação de Forrest que classifica
as lesões ulcerosas da seguinte forma:
I) Hemorragia Ativa
Ia) Com sangramento vivo de alto débito (“em jato”)
Ib) Com sangramento lento (“gotejamento”)
II) Hemorragia Recente
IIa) Presença de vaso visível não-sangrante
IIb) Coágulo aderido
IIc) Cobertura de hematina
III) Presença de lesão com base limpa, sem evidência de sangramento
A arteriografia identifica lesões com taxas de sangramento maiores que 0,5 mL/min,
e a cintilografia com taxas de até 0,1 mL/min. Elas são indicadas em pacientes sem
diagnóstico após endoscopia digestiva alta.10,11
Tratamento
O tratamento inicial da Hemorragia Digestiva Alta deve visar principalmente a
estabilidade hemodinâmica do paciente. Dois acessos venosos periféricos de grosso calibre
são instalados para reposição com até 2 litros de cristalóide. Se não houver melhora do
quadro, deve-se passar para o seguinte passo que é a transfusão de concentrado de hemácias.
Idosos e pacientes de alto risco devem manter hematócrito maior que 30%, e pacientes
jovens sem comorbidades maior que 20%. Para tanto, também se faz uso da transfusão.13
Ainda nesse momento, a intubação orotraqueal está indicada apenas em pacientes
com alto risco de aspiração ou com comprometimento da função respiratória. Já a sonda
nasogástrica com lavagem pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico, mas não para
tratamento.
Após a estabilização do paciente, quando disponível, faz-se a Endoscopia Digestiva
Alta que irá identificar a origem do sangramento e, portanto, definir a melhor ação
terapêutica.
Pacientes com Doença Ulcerosa Péptica (DUP) serão tratados de acordo com achado
na EDA. Assim, lesões com base limpa sem coágulo não necessitam de terapia endoscópica,
já lesões com coágulo ou sangramento ativo devem ser tratadas endoscopicamente e com
9
10
inibidor de bomba de prótons (IBP). Se o sangramento persistir, a EDA deve ser repetida e o
tratamento cirúrgico deve ser avaliado. Quando o sangramento cessar, deve-se ainda fazer
tratamento para H. Pylori se necessário.14
Nesses casos, os IBPs são indicados já que aumentam o pH gástrico e, portanto,
inibem a lise dos coágulos formados. Devem ser utilizados em pacientes com classificação
de Forrest Ia, Ib, IIa e IIb na dose 80 mg em bolus seguido por 8 mg/h durante 72 horas. Os
antiácidos e bloqueadores H2 não são recomendados.15
Pacientes com Síndrome de Mallory Weiss devem apenas receber as medidas de
suporte. Entretanto, o tratamento endoscópico pode ser considerado.16
Já os pacientes com varizes esofágicas devem fazer, preferencialmente, a ligadura
elástica endoscópica associada à terlipressina. Na persistência do sangramento, as
coagulopatias devem ser avaliadas e corrigidas, e novas ligaduras podem ser realizadas.
Caso o sangramento não seja controlado, pode-se utilizar o balão esofágico, TIPS ou
conduzir cirurgicamente. A profilaxia para peritonite bacteriana espontânea é recomendada:
norfloxacino 400 mg VO 12/12 horas por 7 dias.17
A combinação indicada acima (Ligadura elástica + Terlipressina) foi resultado de
estudos que comprovam sua eficácia frente a outros tratamentos isolados ou combinados
como a escleroterapia e uso de somatostatina e vapreotide.18
Os principais tipos de tratamento para a HDA varicosa são descritos a seguir:
Fármacos Vasoativos - A terlipressina, somatostatina e vapreotide são fármacos que
reduzem o fluxo sangüíneo nas varizes e, portanto, reduzem o sangramento
temporariamente. São utilizados, principalmente, no tratamento inicial em hospitais que não
dispõem de endoscopia de emergência.
Ligadura elástica - Consiste na colocação de anéis elásticos na variz com o objetivo
de parar o fluxo sangüíneo e causar uma reação cicatricial no local.
Escleroterapia endoscópica - É realizada através da injeção de um agente
esclerosante na área que circunda as varizes com o objetivo de causar inflamação e trombose
da variz.
Balão Esofágico (balão de Segstaken-Blakemore) - Controla o sangramento
através da pressão direta exercida na variz. É utilizado em casos de sangramento maciço
quando a EDA não está disponível ou quando o sangramento não foi controlado com outros
tratamentos. Pode trazer várias conseqüências como ulceração e perfuração esofágica, além
de não ser um tratamento definitivo, já que a recorrência do sangramento é bastante comum
(50%).19
TIPS - Shunt Porto-sistêmico Intrahepático Tranjugular é um procedimetno
radiológico que cria um shunt entre as circulações portal e sistêmica através da veia cava
inferior. É bastante efetivo no controle do sangramento, mas pode trazer complicações como
encefalopatia posto-sistêmica, estenose ou trombose do shunt, trombose da veia porta,
sangramentos.
10
11
Tratamento Cirúrgico - As opções são a criação de um shunt porto-sistêmico e a
transecção esofágica. É indicado como última opção de tratamento quando não se consegue
controlar o sangramento. (Vide tratamento no capítulo de hipertensão portal).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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In: TYTGAT GNJ & CLASSEN M. Prática de endoscopia terapêutica. Revinter, Rio de Janeiro, p.1-16,
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