HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA Frederico Costa dos Santos1; Bruno Roberto da Silva Ferreira2; Lígia Campêlo Mota2 Introdução O sangramento de origem no tubo digestivo decorrente de lesões proximais ao ligamento de Treitz, que marca a junção entre duodeno e jejuno é denominado de Hemorragia Digestiva Alta (HDA). A hemorragia digestiva alta é uma emergência comum, com expressivas taxas de morbidade e mortalidade. Mesmo com os progressos da prática da Medicina, nas últimas décadas, o declínio dessas taxas foi desprezível.1 A hemorragia digestiva alta (HDA) representa um gasto elevado para o Sistema de Saúde. Nos Estados Unidos, a prevalência da HDA é de, aproximadamente, 170 casos por 100000 de adultos, por ano, com um custo total estimado em 750 milhões de dólares.2 Em nosso meio, a HDA não varicosa, isto é, aquela que não se deve a sangramento de varizes esofágicas, tem, como causa mais comum, a doença ulcerosa péptica, responsável por 50% a 70% dos casos. 2 Enquanto que a hemorragia conseqüente à ruptura de varizes esôfago-gástricas é a principal complicação da hipertensão portal e cursa ainda com uma expressiva mortalidade, em torno de 30%.3 A despeito dos recentes avanços na terapia, principalmente dos relacionados às novas técnicas de hemostasia endoscópica, a taxa de mortalidade tem se mantido, essencialmente, inalterada, entre 6% e 8%, o que pode ser explicado pelo fato de os pacientes estarem mais velhos e apresentarem co-morbidades numerosas. 2 Etiologia Geralmente, a hemorragia digestiva alta se apresenta como um quadro agudo. A correta propedêutica na abordagem do paciente com HDA irá depender de sua etiologia. Elas estão listadas na tabela abaixo. Existem variações nas proporções entre as diversas causas entre diferentes estudos, sendo as apresentadas na tabela uma compilação obtida de diferentes revisões. 1 Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará, residência médica em Cirurgia Geral pelo Instituto Doutor José Frota, Especialização em Cirurgia Geral pelo Hospital Geral Doutor César Cals. Residente em Urologia (R3) pela Universidade Federal do Ceará. Coorientador do Grupo de Estudos em Cirurgia (GEC). 2 Acadêmico de Medicina da UFC e integrante do Grupo de Estudo em Cirurgia (GEC). 1 Fonte: Conrad SA. Acute upper gastrointestinal bleeding in critically ill patients: causes and treatment modalities. Crit Care Med 2002;30:s365-s368. Quanto à etiologia, a hemorragia digestiva alta pode ser classificada em dois grandes grupos, como mencionados anteriormente: HDA varicosa e HDA não varicosa. Para tornar o raciocínio mais simples e didático, vamos abordar esses dois tipos de hemorragias em tópicos diferentes, contudo o raciocínio clínico não deve ser dissociado, sendo o médico capaz de pensar em todas as possíveis causas de sangramento digestivo alto quando se deparar com tal situação em uma emergência hospitalar. HDA Varicosa A HDA varicosa é causada primordialmente pela ruptura de varizes esofágicas. A maioria dos pacientes com hipertensão portal e sangramento digestivo alto (60% a 90%) tem como principal etiologia as varizes esofagianas, cujo episódio hemorrágico pode causar choque hipovolêmico e morte se não for tratado adequadamente.5 As varizes aparecem como veias tortuosas e dilatadas localizadas principalmente dentro da submucosa do esôfago distal e do estômago proximal; canais venosos diretamente debaixo do epitélio esofagiano também podem sofrer dilatação maciça. O efeito global é a protusão irregular da mucosa suprajacente para dentro da luz, apesar de as varizes estarem colapsadas nas peças cirúrgicas ou post-mortem. Quando a veia não sofrer ruptura, a mucosa pode ser normal, mas a maioria das vezes apresenta-se com erosão e inflamada, em virtude da posição exposta. A ruptura varicosa produz hemorragia maciça para dentro da luz, assim como sufusão da parede esofagiana com sangue. Nessas circunstâncias, a mucosa suprajacente parece ulcerada e necrótica. Se ocorreu ruptura no passado, pode haver trombose venosa e inflamação superposta.6 As varizes aparecem quando há hipertensão portal. Esta, seja qual for sua causa, quando suficientemente prolongada ou grave, induz a formação de canais colaterais, sempre que os sistemas portais e cava se comunicam. Aqui estamos interessados nas colaterais que se formam na região do esôfago inferior, quando o fluxo de veias esofagianas 1 2 subepiteliais e submucosas, daí para a veia ázigos e, finalmente, para a circulação sistêmica. A maior pressão no plexo esofagiano produz as varizes. Estas ocorrem aproximadamente em dois terços de todos os pacientes cirróticos e estão associadas mais freqüentemente com cirrose alcoólica.5 São encontradas menos comumente em associação com outras causas de cirrose e podem representar o problema inicial nos pacientes com hipertensão portal não cirrótica, como ocorre com a trombose da veia porta e com a esquistossomose. O mecanismo fisiopatológico mais aceito para explicar a rotura das varizes considera a tensão na parede o principal fator de rotura do vaso varicoso. Os fatores regulando a tensão exercida pela parede das varizes estão inter-relacionados de acordo com a Lei de Laplace na equação: T=(P1-P2) x R/W, onde P1 é a pressão no interior das varizes, P2 a pressão no lúmen esofagiano, R o raio das varizes e W a espessura da parede. Isso indica que o risco de sangramento é maior naqueles com varizes maiores (↑ R) e paredes mais finas (↓ W) e que apresentam sinais da cor vermelha (spiders, cherry red spots) (6). Dados clínicos falam a favor de valores pressóricos portais maiores que 12 mmHg (↑ P1). Pelo menos por este motivo, a medida da pressão portal torna-se um importante parâmetro na avaliação do paciente portador de doença crônica do fígado, embora todos os métodos disponíveis para quantificá-la sejam de natureza invasiva, o que limita a sua utilização de forma rotineira. É importante salientar que as varizes não produzem sintomas até sofrerem ruptura, quando se observa uma hematêmese maciça. Entre os pacientes com cirrose em fase avançada, metade das mortes resulta da ruptura de uma variz. Alguns pacientes morrem em conseqüência direta da hemorragia; outros do coma hepático induzido pela hemorragia. Entretanto, convém lembrar que, até mesmo quando existem varizes, elas são responsáveis por menos da metade de todos os episódios de hematêmese.5 O sangramento proveniente de uma gastrite concomitante, de uma laceração esofagiana ou de uma úlcera péptica também pode ser profuso. Os fatores que resultam em ruptura de uma variz são obscuros: erosão inflamatória silenciosa da mucosa suprajacente adelgaçada, aumento da tensão nas veias progressivamente dilatadas e vômitos com maior pressão hidrostática vascular são fatores que podem representar algum papel. O sangramento decorrente das varizes esofagianas pára espontaneamente em cerca de 50% dos pacientes e a taxa de mortalidade neste primeiro episódio é de 30% a 50% dos casos. Nos pacientes esquistossomóticos a mortalidade é menor devido à melhor reserva hepática.6 O risco de ressangramento precoce (dentro das primeiras seis semanas) corresponde em geral a 40% dos casos, sendo ainda maior quando presente um ou mais dos seguintes fatores: dentro dos primeiros cinco dias pós-sangramento, idade acima de 60 anos, insuficiência renal, ascite, episódio hemorrágico inicial severo (hemoglobina < 8mg/dL), presença de sinais vermelhos sobre as varizes, hipoalbuminemia e gradiente de pressão venosa hepática acima de 15 mmHg. No intervalo de um ano, os que já sangraram irão ressangrar em mais de 70% dos casos se nenhum tratamento for instituído, apresentando este grupo de pacientes uma taxa de mortalidade de 30% a 50% a cada novo episódio de 2 3 sangramento.5,6 O óbito que ocorre nas primeiras seis semanas pós-sangramento é considerado óbito relacionado ao sangramento das varizes. HDA Não Varicosa A HDA não varicosa possui diversas causas e dentro desse grupo podemos fazer uma subdivisão, baseando-se na etiologia péptica ou não péptica do sangramento. O sangramento péptico é devido às úlceras pépticas (duodenais e gástricas) e à lesão aguda da mucosa gastroduodenal (LAMGD). Já a hemorragia não péptica é representada por várias lesões da mucosa do trato gastrointestinal: síndrome de Mallory-Weiss, esofagite, lesões vasculares (hemangiomas, lesão de Dieulafoy), etc. A. Sangramento Péptico A úlcera péptica duodenal é a causa mais comum de HDA, respondendo por 40% a 50% dos casos.8 As úlceras são definidas como uma solução de continuidade na mucosa do trato alimentar, que se estende através da muscular da mucosa até dentro da submucosa ou, ainda mais profundamente. A natureza péptica da úlcera indica uma lesão crônica que aparece em qualquer porção do trato gastrointestinal exposto à ação agressiva dos sucos ácido-pépticos. São lesões remitentes e recidivantes diagnosticadas mais freqüentemente em adultos de meia idade ou mais velhos. Aparecem com freqüência sem influências desencadeantes óbvias e cicatrizam com ou sem terapia depois de semanas ou meses.7 A prevalência é discretamente maior em homens. As mulheres são mais afetadas depois da menopausa. A úlcera duodenal é mais freqüente nos pacientes com cirrose alcoólica ou pulmonar obstrutiva crônica e hipertireoidismo (a hipercalcemia estimula produção de gastrina e conseqüentemente a secreção ácida). 98% das úlceras pépticas estão localizadas na primeira porção do duodeno ou estômago (relação 4:1). A maioria das úlceras duodenais ocorre na primeira porção do duodeno, próximo do anel pilórico, na parede anterior. As úlceras gástricas estão localizadas predominantemente na pequena curvatura (limite entre corpo e antro). É menos comum estarem nas paredes anterior e posterior ou na grande curvatura. Não é comum, mas 10 a 20% dos pacientes têm ulceração gástrica e duodenal coexistentes. A úlcera péptica clássica é um defeito escavado, arredondado ou aval, com paredes relativamente retas. A profundidade varia desde superficial (acomete apenas a mucosa e a muscular da mucosa) até profundamente escavadas (até muscular própria). Pode ocorrer perfuração para cavidade peritoneal. Às vezes, vasos sanguíneos trombosados ou permeáveis são evidentes na úlcera e são fontes de hemorragia. A fibrose (cicatrização) pode acometer toda a espessura do estômago. As paredes dos vasos sanguíneos dentro da área fibrosada são espessadas pela inflamação circulante e às vezes trombosadas. As úlceras pépticas são produzidas por um desequilíbrio entre os mecanismos de defesa da mucosa 3 4 gastroduodenal e forças lesivas. O ácido gástrico e a pepsina são pré-requisitos para todas as ulcerações pépticas.4 A hemorragia digestiva alta secundária à úlcera duodenal tem três origens possíveis: erosão de um grande vaso, exsudação do tecido de granulação existente na base da úlcera ou duodenite erosiva. O sangramento digestivo secundário à úlcera gástrica também ocorre pela erosão de um vaso subjacente (artéria gastroduodenal) e tende a ser mais abundante do que nas úlceras duodenais, provavelmente pela erosão de artérias de maior calibre, isto é, das artérias gástricas direita e esquerda.8 A lesão aguda da mucosa gastroduodenal (LAMGD) representa um grupo de lesões descritas como gastrite erosiva aguda, gastrite hemorrágica aguda, úlcera gástrica aguda, úlcera de Cushing, úlcera de Curling, duodenite hemorrágica aguda, duodenite erosiva aguda e úlcera de estresse.8 Aproximadamente 25% dos sangramentos digestivos altos ocorrem por LAMGD. A prescrição indiscriminada de AINES e o uso crônico de AAS contribuíram, na última década, para um aumento significativo das lesões gástricas agudas sangrantes em pacientes com ou sem sintomatologia ou história prévia de doença ulcerosa péptica. A LAMGD é caracterizada por múltiplas lesões hemorrágicas puntiformes associadas a alterações do epitélio e a edema, que geralmente se complicam com HDA que, na maioria dos casos, é exteriorizada como hematêmese e melena. B. Sangramento Não-Péptico A HDA não varicosa decorrente se sangramento digestivo alto não péptico possui diversas etiologias. Nesse tópico, discutiremos as lesões mais prevalentes com as principais conseqüências de cada uma. A síndrome de Mallory-Weiss responde por 5% a 15% dos sangramentos digestivos 8 altos. Ela caracteriza-se por hematêmese precedida por vômitos explosivos de material nãohemorrágico, a hemorragia originando-se em lacerações situadas na junção esofagogástrica e podendo exteriorizar-se também através de melena ou hematêmese associada à melena. Os vômitos enérgicos seguidos de hematêmese, em geral, aparecem de forma súbita em pacientes assintomáticos; contudo, sintomas como náusea, sensação de plenitude, desconforto abdominal, epigastralgia, azia, pirose, eructação e regurgitação podem manifestar-se previamente e, quando presentes, variar em sua apresentação, pois resultam de outras patologias esofagogástricas existentes antes das lesões traumáticas agudas características desta síndrome. Tais lacerações são longitudinais, com 3 a 20 milímetros de comprimento e 2 a 3 milímetros de largura, aprofundando-se na mucosa, submucosa e, não raramente, até nas camadas mais profundas da parte alta do estômago e extremidade distal do esôfago. No mecanismo de produção dessas rupturas parciais, igual ao das perfurações espontâneas do esôfago, ocorre um choque entre o esforço enérgico para vomitar e a resistência da cárdia e esôfago fechados. A intensidade do sangramento, ou seja, sua velocidade e persistência, varia em função do calibre dos vasos atingidos por esta lesão, de 4 5 natureza eminentemente aguda e traumática. Estudos estatísticos demonstram maior incidência em homens do que em mulheres, e também maior em adultos e velhos do que nos jovens. Revisões ultimamente publicadas assinalam sua associação com a ingestão prévia de álcool em cerca de 65% dos pacientes; o alcoolismo não é pois condição necessária para diagnosticá-la.9 A presença de hérnia de hiato é assinalada como sendo uma condição predisponente. Identificada pela primeira vez por Quinche, em 1879, foi definitivamente reconhecida a partir de 1929, depois da histórica publicação de Mallory e Weiss, que constataram sua presença post-mortem em 4 de 15 pacientes falecidos por hematêmese de causa desconhecida. A síndrome passou a ter este nome porque tais autores foram os primeiros que correlacionaram hemorragia digestiva alta aguda com esforço violento para vomitar após uma exagerada ingestão de bebidas alcoólicas. Publicações recentes, em todas as partes do mundo, evidenciam categoricamente sua alta incidência entre as causas mais freqüentes de hematêmese. Daí sua atual importância clínica entre as doenças comuns do esôfago e seu interesse prático para os gastroenterologistas.10 A inflamação do esôfago ou esofagite é uma afecção aguda ou crônica, comumente associada à DRGE (Doença do Refluxo Gastro-Esofágico), distúrbio secundário à incompetência do esfíncter inferior do esôfago ou à intubação nasogástrica prolongada.8 De uma maneira geral, a HDA é de pequena a moderada intensidade, podendo, ocasionalmente, ser vigorosa. Normalmente, o sangramento é reconhecido pela pesquisa de sangue oculto nas fezes ou por anemia ferropriva. Esta última é comum em pessoas idosas, cujo o sangramento crônico do esôfago é mais freqüente. A lesão de Dieulafoy é uma lesão hemorrágica, também conhecida como “Exulcetatio Simplex de Dieulafoy”, causada por erosão da mucosa e da parede de uma arteríola ectasiada na submucosa, mais comumente do corpo gástrico. Trata-se de uma anomalia representada por dilatação de uma arteríola, não se verificando, ao estudo histológico, ulceração profunda ou aneurisma, tampouco arteriosclerose ou sinais de vasculite. Não há relação clara com doença péptica ou uso de antiinflamatório/álcool. A hemorragia ocorre pela erosão da mucosa e da parede arteriolar, sem formação de úlcera típica. Representa cerca de 0,3% – 6,8% das causas de hemorragia digestiva alta não varicosa, sendo o estômago e o seu segmento alto (6cm proximais) a localização mais freqüente.10 Os tumores gástricos representam cerca de 6% dos casos de HDA.8 O adenocarcinoma gástrico é tumor mais comum do estômago e pode ser encontrado em qualquer região da víscera, podendo se apresentar como um pólipo, uma úlcera, uma tumoração ou uma infiltração difusa. A pesquisa de sangue oculto nas fezes é essencial para a pesquisa da HDA decorrente de uma lesão do CA gástrico. A hematêmese ou a melena é reconhecida em cerca de 10% dos pacientes.9 Outras causas de sangramento digestivo alto, menos freqüentes, incluem: septicemia, uremia, leucemia, púrpura, hemofilia, terapêutica anticoagulante, trombose de veia esplênica, câncer de pâncreas, queimaduras extensas, lesões neurológicas, tumores 5 6 raros (hemangiomas, leiomiomas, etc.), corpos estranhos, esôfago de Barret, etc. Convém mencionar que 8% das hemorragias digestivas altas têm causas desconhecidas. Exames Complementares O diagnóstico da Hemorragia Digestiva Alta deve se apoiar nos exames complementares. Atualmente, está em grande destaque a endoscopia digestiva alta (EDA), que atua como método diagnóstico e terapêutico. Além disso, temos a cintilografia, a arteriografia e os exames radiológicos contrastados. A endoscopia digestiva alta é o método de eleição (padrão-ouro) para o diagnóstico das hemorragias digestivas altas. A EDA apresenta especificidade e sensibilidade acima de 95% com possibilidade terapêutica e baixa mortalidade.11 Além disso, seus achados possibilitam a triagem dos riscos e o estabelecimento de prognósticos. A endoscopia deve ser realizada precocemente (dentro das primeiras 24h), logo após o paciente ter recebido a reposição volêmica e estar hemodinamicamente estável.12 A EDA localiza a fonte de sangramento com precisão. Se o sangramento apresentar melhora espontânea ou dificuldade de visualização na endoscopia, é recomendável fazer endoscopia também após 24h de sangramento. Além de todos os benefícios, a EDA é um exame disponível na maioria dos serviços, sendo isso um dado bastante importante para o prognóstico dos pacientes.11 A cintilografia (estudo radioisotópico) pode ser utilizada na investigação da HDA. O exame é feito mapeando hemácias marcadas com Tecnécio (Tc99m), permitindo a localização do sítio sangrante. Pode ser empregada em taxas de sangramento baixas (0,1 mL/min.). O mapeamento positivo sugere necessidade de intervenção invasiva e morbidade intra-hospitalar maior, enquanto que o mapeamento negativo implica melhor prognóstico.9 No entanto, o mapeamento é positivo em apenas 45% dos casos, o que aumenta muito o número de falso-negativos nesse exame. A cintilografia oferece possibilidade de avaliações seriadas em períodos prolongados (útil para diagnostico de sangramentos intermitentes). A utilidade clínica desse teste é para a triagem de candidatos à arteriografia, um teste mais invasivo que requer taxas maiores de sangramento para resultados positivos. O estudo radioisotópico é um exame pouco invasivo, contudo não está disponível em todos os serviços com rotina de urgência e não oferece possibilidades terapêuticas.10 A arteriografia permite rápida localização e potencial terapêutico do sangramento digestivo quando taxas de sangramento excedem 0,5 mL/min. É indicada nas situações em que o exame endoscópico não foi elucidativo, ou quando o sangramento é tão ativo que impossibilita exame adequado. Ela detecta lesões vasculares com precisão (hemangiomas, fistulas arteriovenosas e telangiectasias dentre outras). Além disso, a arteriografia pode delinear a anatomia da lesão sangrante .11 No entanto, é um método não disponível em todos 6 7 os serviços com rotina de urgências, é um exame invasivo com necessidade de uso de contraste, é bastante oneroso e requer profissionais especializados. Os exames radiológicos contrastados são os que possuem menores especificidade e sensibilidade no diagnóstico da HDA. Eles fornecem informações morfológicas, permitindo a avaliação da mucosa do TGI (técnica de duplo contraste). Essa técnica é uma indicação restrita na avaliação de uma mucosa cicatricial pós-doença ulcerosa péptica com sintomas obstrutivos, ou seja, necessária somente para acompanhamento após fase aguda. A acurácia deles é pequena porque eles identificam a lesão que pode ser a fonte do sangramento, mas não identificam o sangramento. Também não oferecem possibilidades terapêuticas e hoje têm pouca utilidade na prática clínica. Diagnóstico O diagnóstico de Hemorragia Digestiva Alta é orientado pela clínica de hematêmese, melena com ou sem hematoquezia. Entretanto, sangramento oculto nas fezes e anemia ferropriva também podem ocorrer na existência de sangramentos crônicos e/ou de pequena quantidade. A HDA pode ainda ser confirmada pela lavagem gástrica positiva para sangue ou borra de café, mas esse método não é muito utilizado. Atualmente, são os exames complementares como a Endoscopia Digestiva Alta que nos fornecem o diagnóstico definitivo. Sabe-se, porém, que a etiologia do sangramento pode ser variada, portanto, faz-se necessário uma boa investigação na anamnese e exame físico para que se possa identificar possíveis indícios da origem do sangramento. Alguns dados que devem ser questionados e que podem direcionar o diagnóstico são descritos abaixo na tabela 2. TABELA 2 - ACHADOS NA ANAMNESE DO PACIENTE COM HDA Achados na Anamnese Uso excessivo de bebida alcoólica Uso de medicamentos Cirurgias Prévias no TGI História familiar de Discrasia Sangüínea Naturalidade e procedência (áreas endêmicas) História de Dispepsia Patologia Cirrose Doença Ulcerosa Péptica Complicação Cirúrgica Discrasia Sangüínea Esquistossomose Doença Ulcerosa Péptica 7 8 Sd. De MalloryVômitos claros, repetitivos, espontâneos Quadro Consumptivo Weiss Neoplasia Fatos de grande relevância como a idade do paciente e a presença de outras doenças prévias (insuficiência renal, doenças hepáticas e neurológicas, cardiopatias e neoplasia) devem ser avaliados, pois alteram de forma significativa a evolução, o prognóstico e a resposta ao tratamento dos pacientes com HDA.8 Pacientes idosos não toleram grandes perdas sangüíneas e têm maiores riscos de ressangramento. O exame físico, além de fornecer dados importantes para busca da provável etiologia (tabela 3), deve ser bem direcionado para avaliar principalmente a perda volêmica do paciente. Torpor, ansiedade, dispnéia, síncope, extremidades frias e sinais de choque sugerem estado hipovolêmico que deve ser imediatamente revertido. Os principais sinais de choque são PAS < 100 mmHg, FC > 100 bpm e elevação de mais de 15 bpm na freqüência cardíaca quando mudamos a posição do paciente de supina para sentada. Portanto, é imprescindível que a pressão e a freqüência cardíaca sejam medidas e comparadas nas posições supina e ereta. O diagnóstico definitivo, como já foi dito, só se dá através dos exames complementares, sendo a Endoscopia Digestiva Alta o método de eleição. A EDA deve ser realizada em pacientes estáveis hemodinamicamente logo nas primeiras 24 horas após o sangramento.12 Além disso, deve ser repetida em ressangramentos e pode ser re-indicada em casos com melhora espontânea ou prejuízo na visualização devido a sangramentos ativos. TABELA 3 - ACHADOS NO EXAME FÍSICO DO PACIENTE COM HDA Achados no Exame Físico Hepatoesplenomegalia Icterícia Ascite Circulação Colateral Abdominal Aranhas Vasculares Petéquias Patologia Hipertensão Porta Discrasias Sangüíneas Púrpuras Equimoses Massa Intra-Abdominal Neoplasia Linfonodo Supraclavicular Telangiectasias na face, cavidade oral, Sd. de Oslerlábios, cabeça Weber-Rendu Hiperpigmentação marrom dos lábio e Sd. de Peutz- 8 9 cavidade oral Jeghers Além de método diagnóstico, a EDA pode ser utilizada para tratamento e para avaliação de risco de ressangramento através da Classificação de Forrest que classifica as lesões ulcerosas da seguinte forma: I) Hemorragia Ativa Ia) Com sangramento vivo de alto débito (“em jato”) Ib) Com sangramento lento (“gotejamento”) II) Hemorragia Recente IIa) Presença de vaso visível não-sangrante IIb) Coágulo aderido IIc) Cobertura de hematina III) Presença de lesão com base limpa, sem evidência de sangramento A arteriografia identifica lesões com taxas de sangramento maiores que 0,5 mL/min, e a cintilografia com taxas de até 0,1 mL/min. Elas são indicadas em pacientes sem diagnóstico após endoscopia digestiva alta.10,11 Tratamento O tratamento inicial da Hemorragia Digestiva Alta deve visar principalmente a estabilidade hemodinâmica do paciente. Dois acessos venosos periféricos de grosso calibre são instalados para reposição com até 2 litros de cristalóide. Se não houver melhora do quadro, deve-se passar para o seguinte passo que é a transfusão de concentrado de hemácias. Idosos e pacientes de alto risco devem manter hematócrito maior que 30%, e pacientes jovens sem comorbidades maior que 20%. Para tanto, também se faz uso da transfusão.13 Ainda nesse momento, a intubação orotraqueal está indicada apenas em pacientes com alto risco de aspiração ou com comprometimento da função respiratória. Já a sonda nasogástrica com lavagem pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico, mas não para tratamento. Após a estabilização do paciente, quando disponível, faz-se a Endoscopia Digestiva Alta que irá identificar a origem do sangramento e, portanto, definir a melhor ação terapêutica. Pacientes com Doença Ulcerosa Péptica (DUP) serão tratados de acordo com achado na EDA. Assim, lesões com base limpa sem coágulo não necessitam de terapia endoscópica, já lesões com coágulo ou sangramento ativo devem ser tratadas endoscopicamente e com 9 10 inibidor de bomba de prótons (IBP). Se o sangramento persistir, a EDA deve ser repetida e o tratamento cirúrgico deve ser avaliado. Quando o sangramento cessar, deve-se ainda fazer tratamento para H. Pylori se necessário.14 Nesses casos, os IBPs são indicados já que aumentam o pH gástrico e, portanto, inibem a lise dos coágulos formados. Devem ser utilizados em pacientes com classificação de Forrest Ia, Ib, IIa e IIb na dose 80 mg em bolus seguido por 8 mg/h durante 72 horas. Os antiácidos e bloqueadores H2 não são recomendados.15 Pacientes com Síndrome de Mallory Weiss devem apenas receber as medidas de suporte. Entretanto, o tratamento endoscópico pode ser considerado.16 Já os pacientes com varizes esofágicas devem fazer, preferencialmente, a ligadura elástica endoscópica associada à terlipressina. Na persistência do sangramento, as coagulopatias devem ser avaliadas e corrigidas, e novas ligaduras podem ser realizadas. Caso o sangramento não seja controlado, pode-se utilizar o balão esofágico, TIPS ou conduzir cirurgicamente. A profilaxia para peritonite bacteriana espontânea é recomendada: norfloxacino 400 mg VO 12/12 horas por 7 dias.17 A combinação indicada acima (Ligadura elástica + Terlipressina) foi resultado de estudos que comprovam sua eficácia frente a outros tratamentos isolados ou combinados como a escleroterapia e uso de somatostatina e vapreotide.18 Os principais tipos de tratamento para a HDA varicosa são descritos a seguir: Fármacos Vasoativos - A terlipressina, somatostatina e vapreotide são fármacos que reduzem o fluxo sangüíneo nas varizes e, portanto, reduzem o sangramento temporariamente. São utilizados, principalmente, no tratamento inicial em hospitais que não dispõem de endoscopia de emergência. Ligadura elástica - Consiste na colocação de anéis elásticos na variz com o objetivo de parar o fluxo sangüíneo e causar uma reação cicatricial no local. Escleroterapia endoscópica - É realizada através da injeção de um agente esclerosante na área que circunda as varizes com o objetivo de causar inflamação e trombose da variz. Balão Esofágico (balão de Segstaken-Blakemore) - Controla o sangramento através da pressão direta exercida na variz. É utilizado em casos de sangramento maciço quando a EDA não está disponível ou quando o sangramento não foi controlado com outros tratamentos. Pode trazer várias conseqüências como ulceração e perfuração esofágica, além de não ser um tratamento definitivo, já que a recorrência do sangramento é bastante comum (50%).19 TIPS - Shunt Porto-sistêmico Intrahepático Tranjugular é um procedimetno radiológico que cria um shunt entre as circulações portal e sistêmica através da veia cava inferior. É bastante efetivo no controle do sangramento, mas pode trazer complicações como encefalopatia posto-sistêmica, estenose ou trombose do shunt, trombose da veia porta, sangramentos. 10 11 Tratamento Cirúrgico - As opções são a criação de um shunt porto-sistêmico e a transecção esofágica. É indicado como última opção de tratamento quando não se consegue controlar o sangramento. (Vide tratamento no capítulo de hipertensão portal). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - HUANG CS & LICHTENSTEIN DR. Nonvariceal upper gastrointestinal bleeding. Gastroenterol Clin North Am 32: 1053-78, 2003. 2 - LEUNG JW & CHUNG SSC. Tratamento prático do sangramento gastrintestinal alto não-varicoso. In: TYTGAT GNJ & CLASSEN M. Prática de endoscopia terapêutica. Revinter, Rio de Janeiro, p.1-16, 2000. 3 - Berzigotti A, García Pagán JC, Bosch J. Therapy of acute variceal bleeding. In: Arroyo V, Bosch J, Bruix J, Ginès P, Navasa M, Rodés J, editors. Therapy in hepatology. 4th ed. 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