4 Organização do Tratado do Atlântico Norte – Conselho do Atlântico Norte 1. Histórico do Comitê Para as nações do Continente Europeu, as conseqüências imediatas da Segunda Guerra Mundial foram a ruína e a catástrofe. Os seis anos de combate transformaram a Europa em terra arrasada, destruindo a base material da economia de vários países, graças, sobretudo ao advento do “carpet bombing” (técnica de ataque aéreo de larga escala com bombas incendiárias em centros urbanos, introduzida na Guerra Civil Espanhola de 1936-39). Além disso, a guerra abalou psicologicamente os povos europeus, posto que praticamente todos sofreram o trauma da recente ocupação nazista, o que gerou um profundo senso de insegurança e um medo patológico que essa tragédia se repetisse. Mesmo o Reino Unido, que bravamente resistiu ao massacre da Batalha da Grã-Bretanha e saiu da conflagração mundial como vitorioso, estava completamente esgotado, e suas lideranças tinham a certeza de que, após suportar o peso de duas grandes guerras em menos de meio século, não seriam capazes de resistir a mais uma sozinhos. Para as outras potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, no entanto, tais conseqüências não foram as mesmas. Com seu território e base industriais basicamente intactos, além do trunfo estratégico da Bomba Atômica, os Estados Unidos emergiram como a grande potência do mundo pós-guerra. Após ter enfrentado e derrotado a força máxima do poderoso exército alemão, a União Soviética possuía o maior exército do mundo, com a moral elevada e uma posição político-estratégica privilegiada. Ambos despontaram no cenário global como as duas nações com as condições materiais e políticas para serem as superpotências da nova ordem internacional. No entanto, os aliados de tempo de guerra se posicionavam em campos opostos na questão ideológica: enquanto os Estados Unidos eram a maior nação capitalista do mundo, a União Soviética era o baluarte mundial do Comunismo, sob o domínio totalitário do Stalinismo. Dessa forma, era O Exército Vermelho hasteia bandeira no Reichstag, em Berlim sua pouco provável que a aliança contra o Eixo pudesse ser algo mais que um acordo de conveniência, durando apenas enquanto persistisse a ameaça comum. Em retrospectiva, parece lógico que, após a derrota de Hitler, os Aliados capitalistas iriam se contrapor à União Soviética, num racha Leste-Oeste que seria o foco das tensões internacionais da segunda metade do século vinte. Nos primeiros anos do pós-guerra, contudo, havia ainda certa boa vontade do governo americano, que ao contrário do gabinete britânico liderado por Churchill, relutava em encarar os soviéticos como seus adversários. Além disso, o tradicional isolacionismo norte-americano tornava muito difícil para o governo e o povo dos Estados Unidos enxergarem os “problemas da Europa” como seus. Roosevelt, em Ialta, havia prometido a Stalin, e não há indícios de que não estivesse sendo sincero, que as forças de ocupação americanas só permaneceriam no continente por “não mais que dois anos” e repetidas vezes afirmou que a manutenção da paz e segurança internacionais 5 deveria ser “uma tarefa Britânica e Russa” 1 . Infelizmente, tão irreal quanto a possibilidade de tropas soviéticas e inglesas lutarem lado a lado ao invés de em lados opostos, era a noção que o Reino Unido teria condição de se defender – quanto mais defender outras nações – de um eventual ataque militar por parte do Exército Vermelho. representou a primeira iniciativa pós-guerra de união e cooperação européia. O artigo IV daquele tratado explicitava que se qualquer uma das Altas Partes Contratantes fosse o alvo de “um ataque armado na Europa” (isto é, excluindo o território de suas colônias), as outras iriam fornecer “toda a ajuda e assistência militar ou de outro tipo em seu poder”. Na impossibilidade de uma autodefesa consistente, com a retirada em massa das forças norte-americanas do continente europeu (no dia “VE”, 8 de maio de 1945, o contingente americano na Europa era de 3.100.000 homens; apenas um ano depois, restavam apenas 391.000) 2 e sob a ameaça muito concreta de uma hegemonia ou domínio soviético no continente europeu, as nações recémliberadas no front oeste começaram a discutir uma aliança militar de defesa mútua. A fragilidade de sua situação vis-à-vis a crescente hostilidade russa, em especial o modo como os comunistas se impunham no controle dos países “liberados” pela União Soviética serviu como um catalisador para essas negociações, de outra forma bastante complexas. O estopim se deu quando, em 25 de fevereiro de 1948, o Partido Comunista da Tchecoslováquia deu um golpe de Estado, derrubando o governo moderado de coalizão, aprisionando todos os políticos que defendiam a democracia, inclusive o presidente tchecoslovaco, Edvard Bénes. A queda do governo de Praga trouxe de volta as lembranças de 1938, e a incorporação do país à esfera comunista trouxe reminiscências da anexação dos sudetos à Alemanha Nazista e ao desmembramento da Tchecoslováquia. Por todo o continente europeu, ressoou a pergunta: quem será o próximo? Contudo, para qualquer analista era evidente que mesmo toda a força militar da OTB não era capaz de resistir a uma agressão comunista. E tal circunstância se tornou ainda mais iminente com o Bloqueio de Berlim, em 24 de junho de 1948, marcando o fim da cooperação aliada na Alemanha ocupada. Tais eventos serviram para conscientizar o governo dos Estados Unidos acerca da realidade e da gravidade do cenário internacional, da ameaça que representava a União Soviética, e da necessidade de se forjar uma aliança com os países da Europa Ocidental. Não por acaso, a partir de julho de 1948 os Estados Unidos e o Canadá começaram a enviar membros às reuniões da OTB, como observadores. Sob o impacto emocional da queda do último governo democrático da Europa Oriental, em março de 1948 se reuniram em Bruxelas, Bélgica, representantes dos governos do Reino Unido, França, Bélgica, Luxemburgo e Holanda, para finalizar a discussão de uma aliança militar defensiva. Assim, em 17 de março de 1948, foi assinado o Tratado de Bruxelas de 1948, que criou a Organização do Tratado de Bruxelas (OTB), que 1 2 Paralelamente, a partir de 6 de julho de 1948, começaram em Washington as conversas preliminares entre os representantes da OTB e os governos dos Estados Unidos e do Canadá. Contra a vontade dos Europeus, os Estados Unidos insistiram que fossem incluídos na futura aliança Noruega, Islândia, Dinamarca e Portugal, por suas localizações estratégicas no Atlântico Norte (sendo a Dinamarca inclusa nesse rol por causa da Groenlândia, e Portugal por conta dos Açores). Para contrabalancear a influência nórdica na futura organização e puxar um pouco o seu eixo mais para o sul, a França insistiu na inclusão da Itália, o que foi aceito pelos Estados Unidos.3 A aliança Atlântica ia tomando forma; no entanto, as negociações foram interrompidas em Setembro de 1948 para aguardar o resultado das eleições presidenciais NorteAmericanas, em 2 de Novembro de 1948. KISSINGER, Henry. Diplomacy. pp. 420 ISMAY, Hastings L. NATO: The first five years 19491954. 3 KAPLAN, Lawrence S. NATO Divided, NATO United: The Evolution of an Alliance. pp 3 6 Contra todas as previsões, o democrata Harry S. Truman venceu o republicano Thomas E. Dewey e se reelegeu presidente. Dessa forma, as negociações que já vinham sob sua administração continuaram, e em 10 de dezembro de 1948, representantes das sete nações (as cinco originais da OTB, junto com Estados Unidos e Canadá) reuniram-se novamente para a redação final do tratado. Finalmente, após meses de deliberações, em 15 de março de 1949 o texto foi concluído, e os representantes de Noruega, Islândia, Dinamarca, Portugal e Itália foram formalmente convidados a aderir ao tratado. Assim, em Washington, no dia 4 de abril de 1949 foi celebrada a cerimônia de assinatura do documento constitutivo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como que para enfatizar a urgência de suas situações, no dia seguinte à assinatura do Tratado, 5 de abril, os cinco integrantes da OTB pediram assistência militar e financeira aos Estados Unidos. Inicialmente, Truman considerou tal atitude exagerada, e até certo ponto uma tentativa de se aproveitar da “generosidade” dos Estados Unidos, e impôs algumas dificuldades legais para a transferência de recursos para os membros da OTAN. Contudo, quando a União Soviética explodiu sua primeira bomba atômica, a situação mudou rapidamente de figura; apenas duas semanas depois da divulgação do teste nuclear soviético, o congresso americano aprovou o Mutual Defense Assistance Act, por meio do qual apenas no ano de 1950, foram liberados mais de um bilhão de dólares para a Aliança Atlântica; naquele ano, a Aliança possuía 14 divisões e menos de 1.000 aeronaves na Europa Ocidental. Do outro lado da Cortina de Ferro, o Exército Vermelho possuía 25 divisões e mais de 6.000 aviões de combate, prontos para entrar em ação 4 . A criação da República Federal Alemã (RFA), com a união das zonas de ocupação americana, britânica e francesa, a conseqüente criação da República Democrática Alemã (RDA), na zona soviética, a vitória de Mao Tsé-tung e dos comunistas na Guerra Civil Chinesa e o início da Guerra da Coréia marcaram uma fase de 4 ISMAY, Hastings L. NATO: The first five years 19491954. O Secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson, assina o Tratado do Atlântico Norte em Quatro de abril de 1949, entre o Presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman (à direita) e o Vice-Presidente Alben W. Barkley (à esquerda). agravamento do conflito Leste-Oeste, e a “Guerra Fria”, como já vinha sendo conhecida, parecia esquentar. Ao mesmo tempo, dentro da Aliança começaram a surgir alguns sinais de desunião. Por exemplo, a questão da participação da Alemanha Ocidental na Organização gerou uma grande polêmica; enquanto um bloco liderado pelos Estados Unidos defendia o rearmamento da Alemanha para enfrentar a ameaça soviética, outro bloco liderado pela França, ainda traumatizado pela Segunda Guerra Mundial, rejeitava enfaticamente tropas nacionais alemãs, a não ser dentro do contexto de um “Exército Europeu”. As visões dos Estados Unidos e da França a esse respeito eram diametralmente opostas, e ameaçavam levar a OTAN a um impasse político. Pondo a questão do rearmamento alemão um pouco de lado, a Aliança resolveu avançar, com o convite para se juntar ao Tratado do Atlântico Norte feito à Grécia e a Turquia, em 1951. Com a adesão desses países, a OTAN conseguia expandir sua área de atuação, chegando até aos Bálcãs e ao Cáucaso, incluindo, por meio do Estado turco, uma fronteira com a própria União Soviética. Em 18 de fevereiro de 1952, os dois países acederam formalmente ao Tratado. Apesar das dificuldades, a Aliança prosperava. No entanto, as diferenças entre os Estados Unidos e a França aumentavam; o chanceler francês René Pleval desistiu de negociar com os americanos sua visão para o rearmamento alemão, e apresentou em 27 de maio de 1952 um tratado, que criava a Comunidade de Defesa Européia (CDE), que incluiria apenas França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e a República Federal Alemã. A iniciativa francesa, 7 que poderia destruir a recém-nascida Aliança, paradoxalmente foi derrubada pelo próprio congresso francês, que em meio à crise da Quarta República5 , era cada vez mais hostil às propostas do Primeiro-Ministro Pierre Mendès-France. Em agosto de 1954, a Assembléia Nacional Francesa recusou-se a ratificar o tratado da CDE, precipitando a queda do gabinete de Mendès-France, em janeiro de 1955. Sem a oposição da França, os Estados Unidos puderam impor sua proposta com facilidade, o que ficou acertado com os Acordos de Paris, culminando com a transformação da Alemanha Ocidental no 15° país-membro da OTAN, em 9 de maio de 1955. Os Acordos de Paris também modificaram a antiga OTB, com a mudança de seu nome para União da Europa Ocidental (UEO), a adesão da RFA e da Itália à organização, e sua subordinação em termos militares à OTAN. O papel da UEO foi bastante diminuído; contudo, politicamente, a organização foi um dos fóruns que possibilitaram a futura criação da Comunidade Econômica Européia, em 1957. Como uma resposta direta e imediata ao rearmamento alemão e o conseqüente fortalecimento da Aliança Atlântica, o bloco comunista, liderado pela União Soviética, fundou em 14 de maio de 1955 o Pacto de Varsóvia, na capital polonesa de mesmo nome. O Pacto, integrado pela União Soviética, República Democrática Alemã, Bulgária, Hungria, Romênia, Polônia e Tchecoslováquia, era ostensivamente uma ferramenta de defesa coletiva contra a agressão, que procurava “fortalecer e promover a amizade, cooperação e assistência mútua de acordo com os princípios de respeito à independência e soberania dos Estados, e também com o princípio de nãointerferência em seus assuntos internos”. Contudo, com o passar do tempo, o Pacto de Varsóvia transformou-se em instrumento garantidor da manutenção dos países da Europa Oriental no bloco comunista, voltando-se para o “inimigo interno”, e não para a defesa de um possível ataque ocidental. dentro da OTAN, havia um relacionamento especial entre os Estados Unidos e o Reino Unido – que desde 1952 já havia desenvolvido sua força nuclear própria com ajuda dos Americanos. Politicamente, de Gaulle não poderia aceitar que a França permanecesse com um status inferior dentro da Aliança Atlântica. Assim, em um memorando datado de 17 de setembro de 1958 enviado ao Presidente americano Dwight D. Eisenhower e ao Primeiro Ministro britânico Harold Macmillan, de Gaulle propunha uma nova estrutura política para a OTAN. Em sua visão, a organização deveria possuir acima do Conselho do Atlântico Norte um Diretório composto pelos chefes de governo dos Estados Unidos, do Reino Unido e da França. Tal Diretório se reuniria periodicamente, possuiria um Estado-Maior, definiria uma estratégia político-militar conjunta – incluindo sobre o uso das armas nucleares - e “teria a responsabilidade de tomar decisões sobre todos os assuntos políticos que afetem a segurança mundial” em especial quanto a crises fora da área do Atlântico Norte. De Gaulle concluía o memorando afirmando que “O governo da França [...] considera tal órgão indispensável. Dessa forma todo o desenvolvimento de nossa participação na OTAN depende disso” 6 . A ascensão do General Charles de Gaulle ao poder na França, com sua nova Quinta República, trouxe novos problemas para a Aliança Atlântica. De Gaulle ficou incomodado com a percepção que, 5 Forma como ficou conhecido o governo republicano francês de 1946 a 1958 6 KISSINGER, Henry. Diplomacy. pp. 610-611 8 Talvez acostumados com a instabilidade da política externa francesa que marcou a Quarta República, Eisenhower e Macmillan responderam ao memorando do General de Gaulle com inúmeras questões burocráticas de menor importância, esperando que, com o tempo, a proposta francesa fosse esquecida. Em resposta ao que considerava uma humilhação por parte de americanos e britânicos, de Gaulle começou a criar uma defesa independente General Charles de Gaulle, passando em revista tropas do Exército Francês para seu país fora do contexto da Aliança Atlântica. Em 11 de março de 1959, a França retirou sua Frota do Mediterrâneo do comando da OTAN; ordenou a remoção de armas nucleares norte-americanas que estavam armazenadas em território francês, e anunciou o início de um programa nuclear, para dar a seu país suas próprias bombas atômicas, objetivo que foi atingido em 13 de fevereiro de 1960. Ao mesmo tempo, buscando alternativas e parceiros para garantir a segurança e o status da França, Charles de Gaulle aproximou-se do Chanceler Alemão Konrad Adenauer, formando o embrião da parceria FrancoAlemã que iria gerar o Tratado de Eliseu, em janeiro de 1963. A França se distanciava cada vez mais da política de segurança comum da Aliança, o que eventualmente a levou, em 1966, a se retirar do comando militar integrado da OTAN, e todas as tropas não-francesas da Organização situadas em território francês tiveram que ser evacuadas. O Quartel General da organização na Europa, que era localizado em Paris, teve que ser deslocado para a Bélgica, onde se encontra até hoje. O afastamento da França não significou, contudo, um rompimento total dos laços com a Organização; politicamente, ela continuou participando do Conselho do Atlântico Norte; seu distanciamento dos Estados Unidos e do Reino Unido não implicou em uma aproximação com a União Soviética. A crescente parceria e cooperação francesa com a Alemanha Ocidental - altamente dependente da Aliança Atlântica para sua própria autodefesa - na prática fazia da França um membro “reserva” da OTAN, mas não menos comprometido a empregar suas forças em caso de ameaça à segurança européia. De qualquer forma, em meados dos anos 60, a Guerra Fria entraria em uma nova fase, caracterizada por um relaxamento das tensões entre o bloco ocidental e o oriental, que duraria até o início dos anos 80 7 . A détente, que produziu medidas concretas tais como a Conferência sobre a Cooperação e Segurança na Europa de 1972, que culminou com os Acordos de Helsinki de 1975, representou um período de calmaria e consolidação na história da OTAN. O foco das tensões da Guerra Fria se deslocou do Atlântico Norte para o Sudeste Asiático, com a Guerra do Vietnã. Durante essa época, a OTAN preocupou-se com questões técnicas e de padronização das forças armadas de seus integrantes, como a criação de padrões intercambiáveis de munições e armas. A crise de 1974 no Chipre, em que um golpe de estado militar pró-Grécia derrubou o governo do presidente Makarios III, se seguiu de uma invasão da Turquia naquele país, representando a maior turbulência na Aliança durante esse período, com a retirada dos gregos do Comando Militar Integrado da OTAN. Contudo, após negociações diplomáticas, a Grécia reverteu sua decisão e retornou suas tropas para a Aliança em 1980. 7 EVANS, Grahan; NEWNHAM, Jeffrey. Dictionary of International Relations. pp.125 9 Manter a détente passou a ser um objetivo declarado da Organização, de forma consistente com seu caráter defensivo, a partir da Cúpula de Washington de 1978. Infelizmente, por essa época, esse período de abrandamento da Guerra Fria estava prestes a terminar. A vitória dos comunistas no Vietnã, com o conseqüente colapso do governo de Saigon, bem como seu avanço estratégico em outros pontos no mundo, como em Angola, por exemplo, foram acompanhadas de um incremento nas forças militares do Pacto de Varsóvia, notadamente com a colocação de mísseis balísticos nucleares SS-20 Soviéticos em território de países do Pacto. Para responder a essa nova ameaça a OTAN anunciou em 12 de dezembro de 1979 que instalaria os novos mísseis Pershing II em solo europeu, dando à aliança a capacidade de atacar Moscou dentro de minutos. A détente rapidamente se desintegrava, e mais um passo nesse sentido se deu menos de quinze dias depois, quando em 25 de dezembro tropas soviéticas começaram a entrar em larga escala no Afeganistão. A OTAN se expandiu mais uma vez com a adesão da Espanha à Aliança em 1982, resultado do processo de redemocratização daquele país que se iniciou com a morte de Francisco Franco, em 1975. Ao mesmo tempo, os membros europeus da Organização iniciavam um processo de aprofundamento da aproximação política iniciada décadas atrás, com Adenauer e de Gaulle. Em 1984, a Declaração de Roma decidiu ressuscitar as discussões políticas da UEO, antiga OTB, transformando-a em um fórum para a esfera da segurança dentro do contexto europeu, após o fracasso das iniciativas Genscher-Colombo em 1981. Tais conversações não aconteciam em detrimento da Aliança Atlântica, que só se fortalecia, inclusive do ponto de vista militar, com o investimento maciço do governo de Ronald Reagan nessa área. Do outro lado da cortina de ferro, contudo, a estagnação econômica do bloco comunista aumentava as inquietações sociais na Europa Oriental, como, por exemplo, na crise do sindicato polonês Solidariedade em 1981. Esta situação transformava o Pacto de Varsóvia em um dreno nas forças da União Soviética, em contraste com a OTAN, que aumentava e potencializava as forças dos Estados Unidos. Quando Mikhail Gorbachev assumiu o cargo de Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em 11 de março de 1985, houve uma tentativa de revigorar o sistema comunista, que A queda do Muro de Berlin marcou um momento vitorioso para a OTAN, mas também trouxe dúvidas para o seu futuro há tempos já dava sinais de fracasso. No entanto, a Perestroika e a Glasnost, políticas propostas por Gorbachev para esse fim, só fizeram enfraquecer ainda mais o PCUS e acirrar as contradições internas da União Soviética e dos países do Pacto de Varsóvia. A Guerra Fria, dessa forma, aproximava-se de seu fim, não com uma conflagração militar apocalíptica entre o Pacto e a Aliança, mas simplesmente pela dissolução do bloco oriental. A OTAN vencia o combate para o qual foi criada, simplesmente por não estar perdendo. Com o término da Guerra Fria, no início dos anos 90, desapareceu a ameaça de uma invasão militar soviética na Europa Ocidental. Assim, a política da OTAN sofreu sensíveis alterações estratégicas, passando de uma postura defensiva para uma posição de medidas construtivas, de acordo com o zeitgeist otimista que marcou o início dessa década. Uma dessas medidas, por exemplo, foi a tentativa de maior integração entre os países europeus, principalmente com os do antigo bloco comunista. E para isso, a Organização estava disposta a abrir suas portas a novos membros. Assim foi feito. Em 1990 tem-se a entrada da Alemanha reunificada, após os acordos 2+4 de 12 de setembro daquele ano (RDA e RFA, de um lado, e França, Reino Unido, Estados Unidos e União Soviética - as potências vencedoras da Segunda Guerra - do outro, marcando o fim definitivo da ocupação aliada). Essa tendência seria ainda observada com a adesão em 1999 da República Checa, Polônia e Hungria, todos esses pertencentes 10 ao antigo Pacto de Varsóvia. Já no ano de 2004 mais sete nações que pertenciam de uma forma ou de outra ao bloco oriental assinaram o protocolo de adesão: Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Eslovênia, Bulgária e Romênia. Essas duas últimas também integravam aquele extinto Pacto. Somado a esse objetivo de ampliar os horizontes da Organização, pode-se citar a necessidade de apaziguamento de conflitos locais que surgiam no continente europeu. Percebe-se então, a necessidade da implementação de reformas internas com o escopo de adaptar a Organização para o enfrentamento de novos desafios. A OTAN deixava de ser uma Aliança que objetivava unicamente a defesa coletiva (interna ao Tratado) e tornava-se o apoio central de países que cooperavam em favor da segurança, mesmo em regiões que não pertenciam aos países membros, atuando quase como um mecanismo de Segurança Coletiva no cenário europeu. No ano de 1994, a OTAN criou a Parceria para a Paz (PPP), a principal iniciativa de expansão da Organização na era Pós-Guerra Fria. Formada a partir de parcerias bilaterais, que se adequam às necessidades, possibilidades e pretensões de cada país, a PPP possibilitou a expansão da influência da OTAN sobre territórios tão distantes do Atlântico Norte como a Ásia Central. Em 1995, a Organização firmou o Diálogo do Mediterrâneo, que, contando com a participação do Egito, Israel, Jordânia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia, objetivava uma melhor relação entre as nações mediterrânicas. Uma das formas que o Diálogo se utiliza para consolidar essa melhor relação é a realização de cursos na Escola OTAN em Oberammergau na Alemanha e no Colégio de Defesa da OTAN em Roma para os países participantes do programa. O ano de 1995 marcou ainda um importante fato: o retorno da França ao Comando Militar Integrado da OTAN, após a separação de 1966, demonstrando que a OTAN estava em vias de estabelecer uma convivência produtiva com as instituições continentais, em pleno processo de adaptação à transformação da Comunidade Econômica Européia em União Européia, após o Tratado de Maastricht, em 1992. Em 1997 houve uma aproximação formal entre a OTAN e a Rússia, e entre aquela e a Ucrânia. Desde o término da Guerra Fria já existia um tímido estreitamento de laços entre a Organização e essas nações, contudo, nesse ano foram criados o Conselho Conjunto Permanente OTAN-Rússia e a Comissão OTAN-Ucrânia como forma de facilitar discussões em prol da segurança em regiões internas ou próximas a essas nações. Esse fato constitui um marco solene nessa aproximação. As reuniões desses órgãos debatem questões relacionadas à paz nos Bálcãs, à não proliferação de armas de destruição em massa, proteção ambiental, planejamento de emergências civis, etc. Em 1997, através do Tratado de Amsterdã, o relacionamento da União Européia com a OTAN finalmente chegou a um entendimento há muito esperado. O princípio de “cooperação, não competição” prevaleceu, e houve uma definição básica dos papeis de cada organização: a OTAN seria responsável pela defesa territorial da Europa, e por missões com maior ênfase no aspecto militar, do tipo peace-making. Já a União Européia, orientada pela Política Externa e de Segurança Comum (PESC), seria responsável pelo monitoramento de crises, por missões humanitárias e de peacebuilding. Em 1999, o envolvimento da Organização na Guerra de Kosovo contra a República Federal da Iugoslávia demonstrou a nova forma de atuação da Aliança, com o primeiro engajamento militar em larga escala de suas forças em toda a história. O sucesso obtido naquela missão aumentou bastante o prestígio da OTAN, e comprovou a sua relevância num cenário mundial muito diferente daquele no qual ela havia sido criada. Apesar do grande avanço que já se obteve na definição do relacionamento entre esses dois órgãos, e sobre o papel de cada um, ainda há muito que se esclarecer no tocante à exata função da OTAN no século XXI. Percebe-se que há uma ampla “área cinza” entre as atribuições Européias e da OTAN que não ficaram esclarecidas com o Tratado de Amsterdã. As “ Tarefas de Petersberg”, lista de ações militares e de segurança que a UEO se propunha a executar em 1992, e que foram parcialmente repartidas entre a OTAN e a União Européia em 1997, ficaram assim em alguns aspectos sobre a competência de ambos. Os órgãos Europeus buscam consolidar a sua importância e relevância, mas até aqui esse processo não tem ferido o ideal de 11 “cooperação, não competição” com a Aliança Atlântica. Além disso, o século XXI trouxe um evento divisor de águas na história da Organização: a primeira invocação do art. 5 do Tratado do Atlântico Norte, que prevê a cooperação militar em caso de ataque armado a um dos membros da aliança, nos atentados de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center em Nova Iorque e ao Pentágono, em Washington. A guerra contra o terrorismo, que então se iniciou, trouxe profundos questionamentos ao papel da OTAN, que pela primeira vez levou suas tropas para além da área estipulada no Tratado de Washington, em 1949. A International Security Assistance Force (ISAF), nome dado à missão da Aliança no Afeganistão, em plena Ásia Central, ao mesmo tempo em que representa uma mudança radical no sentido e nos objetivos da Organização, é também uma conseqüência natural de sua expansão, após a admissão de países no Cáucaso e na Ásia Central na PPP, alguns com a intenção explícita de aceder à condição de membro efetivo da Organização. Dessa forma, a OTAN chega aos dias atuais mais fortalecida do que nunca, porém com uma gama de tarefas cada vez mais abrangente, sendo cada vez mais exigida, e com desafios cada vez maiores para enfrentar. 2. Descrição do Comitê O documento constitutivo da OTAN é o Tratado de Washington, conhecido com o Tratado do Atlântico Norte, assinado em 4 de Abril de 1949, entrando em vigor em 24 de Agosto do mesmo ano. A Organização, conforme foi estabelecida pelo Tratado, foi sendo modificada ao longo das décadas, de modo que sua estrutura hoje é bem diferente daquela que foi concebida no final dos anos 40. Apesar disso, algumas características que já existiam naquela época permanecem até hoje. Todas as decisões da OTAN são tomadas observando o total consenso entre os integrantes. Uma ação apenas pode ser executada se a Organização aprová-la por unanimidade. A desvantagem desse sistema é o fato de as reuniões serem, na maioria das vezes, longas e exaustivas. Contudo, essa desvantagem é superada pelo respeito à soberania e independência de cada nação integrante do Tratado. Além disso, essa é uma forma de as ações da OTAN estarem, em princípio, sempre pautadas pelos conceitos de responsabilidade internacional. A OTAN é uma organização sui generis, por ser dividida em duas áreas, cada uma com atribuições e hierarquias diferentes: uma política e uma militar. Na área política, o órgão mais importante deles é o Conselho do Atlântico Norte (CAN), no qual estão representados todos os Estados-Membros da Organização. O CAN se reúne periodicamente em nível ministerial, ocasiões que são aproveitadas para a assinatura formal de documentos e formulações de políticas de longo prazo. No entanto, o CAN é mais freqüentemente composto pelos representantes permanentes dos países aliados junto ao QuartelGeneral da Organização, em Bruxelas, na Bélgica. Cada país é representado na OTAN por um embaixador plenipotenciário assessorado por um corpo diplomático e conselheiros de defesa, formando assim a delegação nacional. De acordo com o Tratado de Washington, cada membro efetivo da OTAN é obrigado a ter um representante permanente em Bruxelas, de modo que o CAN poderá se reunir imediatamente, caso uma situação de crise ocorra. Ordinariamente, o CAN possui reuniões semanais. É importante frisar que as decisões do CAN possuem autoridade suprema dentro da OTAN, estando acima de qualquer órgão da esfera militar, e tendo total validade, não importando qual o nível em que Conselho se reúna (ministerial ou diplomático). As Reuniões do Conselho do Atlântico Norte são presididas pelo Secretário-Geral, estadista internacional proveniente de um dos países membros e com mandato de quatro anos. Ao Secretário-Geral compete, também, a busca pela formação de consenso entre os países membros. Nas atividades de caráter ordinário, ele recebe apoio de um Secretariado Internacional (SI), que é constituído por funcionários e peritos provenientes de todos os países membros da OTAN. Entre as atribuições do pessoal do SI, estão a documentação interna, o planejamento de emergências civis e de resposta a desastres, o planejamento, administração e controle do investimento dos recursos financeiros da Organização, bem como a divulgação e publicidade 12 das atividades da OTAN para a sociedade civil. Fora do âmbito do SI, mas ainda dentro da área política, a OTAN também possui uma série de agências civis, responsáveis por assuntos diversos, tais como logística, padronização e meteorologia. No topo da estrutura da área militar da OTAN está o Comitê Militar, que responde diretamente ao CAN. O Comitê Militar é composto pelos Representantes Militares de cada um dos Estados-membros, que fazem parte da delegação nacional de cada país. Os Representantes Militares são oficiais da mais alta patente de cada uma das Forças Armadas Aliadas, geralmente OficiaisGenerais. A função do Comitê Militar é dar recomendações ao CAN sobre as medidas consideradas necessárias para a consecução dos objetivos militares da Aliança Atlântica. Além disso, o Comitê serve como um elo entre as altas instâncias decisórias da OTAN e os Comandantes Militares das missões em atividade, transmitindo as decisões tomadas no CAN para os chefes militares e ajudando-os a implementá-las. Assim como o CAN, o Comitê Militar também deve poder ser convocado a qualquer momento, em caso de necessidade, e também pode se reunir em um nível superior, ocasião em que os Estados-membros são representados pelos Chefes de Estado-Maior das forças armadas de cada país. Quem chefia as reuniões do Comitê Militar é o Presidente do Comitê Militar, que atua como porta-voz oficial do órgão. Antigamente, a OTAN possuía dois Comandantes Supremos: o Comandante Supremo Aliado Europa (Supreme Allied Commander Europe, SACEUR, na sigla em inglês), e o Comandante Supremo Aliado Atlântico (Supreme Allied Com mander Atlantic, SACLANT), que eram baseados nos dois Quartéis-Generais Militares da Organização, o Supreme Headquarters Allied Powers Europe – SHAPE, na cidade de Mons, na Bélgica, e o Allied Command Atlantic – ACLANT, na cidade de Norfolk, Virgínia, nos Estados Unidos. Tradicionalmente, os Comandantes Supremos eram Oficiais-Generais de quatro estrelas das Forças Armadas Americanas. Em 2003, a estrutura militar da OTAN sofreu uma profunda modificação: reconhecendo que o teatro de operações da Aliança se deslocava cada vez mais para o leste, manter um Comando Supremo do lado oeste do Oceano Atlântico era um desperdício de forças operacionais. A divisão de competências por base territorial, além disso, enfraquecia militarmente a Organização, e causava uma desnecessária sobreposição de órgãos nos dois comandos, especialmente no tocante a toda a estrutura de instrução e adestramento das forças militares aliadas. Assim, em vez de ter dois comandos operacionais, a OTAN passou a ter apenas um Marinheiro Ucraniano hasteia a bandeira da OTAN no URS Ternopil, durante a Operação “Active Endeavour”, em 23 de maio de 2007 Comando Aliado Operacional (Allied Command Operations – ACO), baseado no antigo SHAPE, que manteve o nome; seu comandante manteve o título de SACEUR; no entanto, o ACLANT se transformou no Comando Aliado de Transformação (Allied Command Transformation – ACT), cuja missão institucional passou a ser a promoção e supervisão da transformação contínua das forças e capacidades da Aliança, especialmente através de treinamento das tropas e desenvolvimento de conceitos e doutrina militar. A figura do SACLANT deixou de existir, e o chefe do ACT agora é o Comandante Supremo Aliado de Transformação (Supreme Allied Commander Transformation – SACT). Apesar de ser uma aliança com caráter majoritariamente militar, a OTAN não tem forças armadas próprias. Quando de uma intervenção bélica arquitetada pela Organização, as forças militares deixam temporariamente de serem controladas exclusivamente pelos países aos quais pertencem para passarem ao comandado das estruturas políticas 13 e militares da OTAN, que agem concomitantemente para treinar e executar a missão defendida pela mesma. No entanto, a OTAN possui um contingente próprio de 17 aeronaves Boeing E-3A “Sentry”, responsável por um sistema independente de AWACS (Airbourne Warning And Control System – Sistema de Alerta e Controle Aéreo), que foram notoriamente empregadas para a proteção do espaço aéreo norte-americano em setembro de 2001, logo após os ataques terroristas nos Estados Unidos, naquele ano. Além disso, a Aliança possui um Corpo Aliado de Forças de Reação Rápida (Allied Rapid Reaction Corps, ARRC), composto por 25.000 soldados. Em qualquer dado momento, os elementos do ARRC podem entrar em ação em qualquer cenário de conflito no mundo em apenas cinco dias, período que pode até diminuir caso as tropas já estejam em estado de alerta. A área militar da organização conta com bases aéreas e terrestres espalhadas pelo território dos seus Estados-membros, a partir das quais se podem executar as missões determinadas pelo comando político da OTAN. Tais bases normalmente estão sob o controle nacional de um dos membros (nem sempre do país onde estão instaladas, como o caso da base de Rammstein, na Alemanha, sob o controle dos Estados Unidos), mas são cedidas para uso de forças aliadas sempre que for requisitado pelo SACEUR. São exceções a essa regra o Quartel-General adjunto, localizado em Lisboa, Portugal, e os Comandos Aliados em Brunssum, na Holanda e em Nápoles, na Itália. Os Comandos Aliados possuem componentes terrestres, marítimos e aéreos estacionados em outras bases ao longo do território europeu, enquanto o Quartel-General em Lisboa, focalizado na logística, foi designado para ser Recentemente, a OTAN tem realizado uma grande quantidade de missões de treinamento militar conjuntas com as forças armadas de países que fazem parte da Parceria para a Paz, num processo que exemplifica bem o caráter dual da Organização: tais operações não só ajudam a adestrar as tropas e a expô-las a diferentes cenários, como do ponto de vista político aproximam os países da PPP da Aliança Atlântica, servindo como passo inicial para uma eventual expansão, objetivo que é declaradamente almejado por alguns dos integrantes desse grupo. Além disso, a cooperação militar com os membros da PPP e com os do Diálogo Mediterrâneo tem se expandido recentemente para operações de contra-terrorismo, sob a luz dos esforços da OTAN para prevenir atentados como os que vitimaram não só os Estados Unidos, mas também outros membros, como a Espanha, em 11 de março de 2004 e o Reino Unido em 7 de julho de 2005. móvel, podendo ser deslocado via marítima para um Bandeiras dos Estados-Membros da OTAN, hasteadas no SHAPE, em Mons, Bélgica local mais próximo do campo de batalha, e de lá coordenar os esforços militares, caso surja necessidade.