ACP Saúde - Ampliação de Leitos

Propaganda
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DE FAZENDA PÚBLICA
ESTADUAL DA COMARCA DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ES
URGENTE - SAÚDE
Ref. INQUERITO CIVIL 011.12.12.083138-3
No momento da propositura desta demanda, cidadãos, usuários do SUS, abrangidos pelos 26
Municípios que compõe a Macrorregião Sul da Superintendência Regional de Saúde do
Estado do Espírito Santo, sediada na cidade de Cachoeiro de Itapemirim/ES, estão na “fila de
espera” da Central de Regulação de leitos do UTI, por absoluta falta de leitos de UTI nos
Hospitais públicos ou privados que atendem pelo Sistema Único de Saúde. Infelizmente, esse
descaso tem ocorrido há anos devido a falta de estrutura hospitalar para atender a demanda.
Clamam por mais médicos, e onde estão os hospitais públicos? A derradeira esperança da
população é a Justiça fazer valer a garantia mínima de viver e morrer com dignidade.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, por seu
Promotor de Justiça, com esteio na Constituição Federal, arts. 6°, caput, 127, caput e 129,
incisos I, II e III, e nos arts. 3º, 5º, inciso I, 11, 12 e 19 da Lei n° 7.347, de 24.07.1985, art.
1°, arts. 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro propõe
A ÇÃO C I VI L P ÚBLI CA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA
em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno,
representada por seu Procurador Geral, com endereço na Endereço: Av. N. Sª Penha, 1590,
Ed. Petrovix, Barro Vermelho, Vitória – ES, CEP 29057-550, em razão dos fatos e
fundamentos jurídicos a seguir delineados.
I – DOS FATOS:
O Inquérito Civil nº MPES-011.12.12083138-3 foi instaurado com base
na problemática crônica, pública e notória, concernente na falta de leitos de Unidade de
Terapia Intensiva – UTI para os cidadãos residentes na Macrorregião Sul da
Superintendência Regional de Saúde do Estado do Espírito Santo, sediada na cidade de
Cachoeiro de Itapemirim/ES, que vem ocasionando de forma recorrente riscos e diversas
1
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
mortes de pacientes enquanto ainda se encontram na “fila de espera” da Central de
Regulação de Vagas de Leitos de UTI.
Infere-se que as investigações foram iniciadas no ano de 2010 com a
informação encaminhada pela Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim,
conforme OF. Nº 272/10, de fl. 02 onde informa “a alta demanda de pacientes graves na
Santa Casa” e a existência de “pacientes de maior complexibilidade, que são referenciados
para hospital que possuem CTI devido à falta de vagas deste hospital” (grifa-se).
Ao realizar diligências, a fim de verificar a realidade local, constatou-se o
déficit de vagas de UTI conforme a demanda mensal de atendimento de pacientes
transferidos da Macrorregião Sul que abrange os 26 (vinte e seis) Municípios: Alegre,
Alfredo Chaves, Anchieta, Apiacá, Atílio Vivácqua, Bom Jesus do Norte, Cachoeiro do
Itapemirim, Castelo, Divino São Lorenço, Dores do Rio Preto, Guaçuí, Ibitirama, Iconha,
Irupi, Itapemirim, Iúna, Jerônimo Monteiro, Marataízes, Mimoso do Sul, Muniz Freire,
Muqui, Presidente Kennedy, Piúma, Rio Novo do Sul, São José do Calçado e Vargem Alta.
O Hospital Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim
(prestador de serviços) informou a fls. 17 que muito embora disponibilize 10% de leitos
para UTI, “a realidade vivenciada pelo hospital, o número de leitos de UTI é insuficiente
para atender a demanda”.
Na oportunidade apontou uma prévia de amostragem sobre o montante
de solicitação e realização de transferência de pacientes daquele nosocômio para outros
hospitais, onde se verificou o déficit de 32 (trinta e duas) vagas numa escala progressiva de
déficit, conforme fl. 17 e documentos de fl. 48/91. Vejamos:
Mês
Solicitadas
Realizadas1
Janeiro/2012
Fevereiro/2012
Março/2012
Abril/2012
Total
Média Mensal
13
03
08
18
42
10,5
03
02
04
01
10
2,5
Quantitativo de Vagas faltantes na
Santa Casa de Misericórdia de
Cachoeiro de Itapemirim naquela
época2
Portanto
10
01
04
17
32
---
As notícias veiculadas nas manchetes de jornais locais colacionadas as fls.
47 e 98 confirmam a lamentável situação vivenciada pelos usuários do Sistema Único de
1
2
Informações prestada pela Santa Casa de Misericórdia à fl. 17, indicando o quantitativo de vagas para.
Cálculo de vagas faltantes realizado pelo Parquet de acordo com os dados fornecidos
2
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
Saúde – SUS e familiares residentes nos Municípios que compõe a Macrorregião Sul
Estadual de Saúde.
A inexistência de leitos para atender toda demanda de UTI da
Macrorregião Sul é notória consoante se observa da informação prestada pela
Superintendência Regional de Saúde – SRSC, à fl. 101/102, onde informa em síntese acerca
da existência de poucos leitos para atender toda região sul, a conferir:
Unidade de Tratamento
Tipo/
especificação
UTI - Unidade de Tratamento
Intensivo
Quantidade de Leitos
Existentes/prestador de serviço
16
Stª Casa de Misericórdia de
Cachoeiro de Itapemirim
10
Stª Casa de Misericórdia de
Guaçuí
UTI Adulto
UTI Cardiológica - Unidade de
Tratamento Intensivo
UADC – Unidade
Dependência e Cuidado
de
Alta
UTI
Cardiológica
Adulta
UADC
Adulto
Total:
----------
Unidade de Tratamento
Tipo/
especificação
UTIN - Unidade de Tratamento
Intensivo
UADC
Unidade
Dependência e Cuidado
UTI - Unidade de
Intensivo
Total
de
Alta
UTI
Neonatal
UADC
Neonatal
Tratamento
UTI
Pediátrica
---------
Total de
Leitos
Existentes
07
Hospital Estadual de São José
do Calçado
10
de
Hospital
Evangélico
Cachoeiro de Itapemirim
08 Hospital
Evangélico
Cachoeiro de Itapemirim
00
43
03
00
de
08
18 Stª Casa de Misericórdia de
Cachoeiro de Itapemirim
42
24 Hospital
Evangélico
de
Cachoeiro de Itapemirim
93
-------------------------------
Quantidade de Leitos
Existentes/prestador de serviço
06 Hospital
Evangélico
Cachoeiro de Itapemirim
Quantidade de Leitos
em ampliação - em
andamento
00
00
10
00
93
Total de
Leitos
Existentes
de
13
Quantidade de Leitos
em ampliação - em
andamento
00
18
12 Hospital Infantil Francisco de
Assis
10 Hospital
Evangélico
de
Cachoeiro de Itapemirim
04 Hospital
Evangélico
de
Cachoeiro de Itapemirim
00 Hospital Infantil Francisco de
Assis
32
------------------------------
08
10
00
04
00
07
32
15
Alerta-se, que dentre os hospitais citados na tabela acima referenciada,
apenas o Hospital Estadual de São José do Calçado integra o quadro da SESA, conforme Lei
3
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
Complementar Estadual nº 4073, e é o hospital com menor quantitativo de leitos, e, além
disso, a Unidade Integrada Jerônimo Monteiro, que também faz parte da estrutura SESA
(fl.256/257) e que é considerado hospital de baixa ocupação com média mensal de 42% de
pacientes, conforme informação de fl. 02, não possui leitos de UTI disponíveis para atender
usuários do SUS.
Os leitos de UTI disponíveis para a Macrorregião Sul não são suficientes
para atender toda a demanda, ensejando inclusive tempo extenso dos pacientes na fila de
espera, segundo a Central de Regulação de Vagas, fl. 128/129, a variação de tempo de
espera já chegou inclusive até 72 (setenta e duas) horas para UTI adulto e 168 (cento e
sessenta e oito) horas para UTIN, entretanto, também foi informado “que não existe um
programa que possa ser monitorado o tempo de espera de vaga”, sendo contabilizado
manualmente as variáveis a seguir referente ao período de junho e julho de 2013:
Totalizando 29 pedidos de UTI adulto:
1ª variável imediata foi de quatorze pacientes.
2ª variável de cinco horas um paciente.
3ª variável seis horas um paciente.
4ª variável doze horas seis pacientes.
5ª variável vinte e quatro horas quatro pacientes.
6ª variável setenta e duas horas três pacientes.
Totalizando 17 pedidos de UTIN:
1ª variável imediata nove pacientes.
2ª variável de sete horas um paciente.
3ª variável doze horas três paciente.
4ª variável setenta e duas horas três pacientes.
5ª variável vinte e quatro horas um pacientes.
6ª variável um paciente cento e sessenta e oito horas.
Além da falta de leitos, a contabilização manual por funcionários da
central de vagas demonstra um despreparo do Estado para lidar com a transferência de
pacientes. É imprescindível implantar um sistema informatizado com objetivo de melhor
regular a situação. A falta de médico regulador e de treinamento da equipe são outros
pontos negativos da central de vagas que regula os leitos no sul do Estado.
Os documentos constantes no apenso do Inquérito Civil demonstram
3
Lei que Cria Mecanismo para o aprimoramento da gestão hospitalar, altera a estrutura organizacional da
Secretaria de Estado da Saúde – SESA: http://www.saude.es.gov.br/default.asp
4
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
diversas situações de falta de vagas de UTI para pacientes desta região sul, demonstrando
nitidamente a falta de estrutura na rede hospitalar.
Vale salientar que a falta de leitos de UTI, e suas respectivas
classificações, I, II ou II, conforme Portaria 3.432/MS/GM/98, fl. 258/259, continuam até
hoje, tendo inclusive os problemas se agravado conforme se depreende das solicitações
recentes do auxílio ministerial para garantia de vagas de UTI aos usuários dos SUS
realizada pela Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim e Hospital
Evangélico, constante às fls. 146/156, 165/173, 222/225, e no atendimento ao Público de
fls. 202/206, de onde se observa que os problemas pioraram significativamente, ensejando
o ajuizamento das ações judiciais individuais n° 0017849-02.2013.8.08.0011, nº 001910055.2013.8.08.0011 e 0019166-35.2013.808.0011, e ainda assim, não são suficientes para
evitar o problema (outras notícias também no apenso – ANEXO 01 do Inquérito Civil).
Frisa-se, que antes do ajuizamento da ação n° 0017849-02.2013.8.08.0011,
onde esta fora pleiteada 07 (sete) vagas de UTI e 03 (três) vagas de UTIN, foram expedidas
as Notificações Recomendatórias n° 026/2013 e n° 027/2013, fl. 158/161 e 175/178,
requisitando fosse assegurado o direito de atendimento eficaz dos pacientes que estavam
na fila de espera, com objetivo de evitar a judicialização desnecessária, entretanto, não se
obteve êxito.
De igual modo, ao cumprir a decisão judicial, houve obstáculo ao
cumprimento Decisão liminar, por ser feriado e não haver servidor habilitado a receber a
ordem em testilha. Ora, pacientes em estado grave de saúde não podem ficar na fila de
espera a mercê da boa vontade do atendimento prestado pelo Estado, mesmo porque se o
tratamento solicitado deve ser prestado em UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI) é
porque o estado de saúde é gravíssimo, carecendo, assim, de atendimento imediato e
satisfatório. Vejamos trecho da Certidão de fls. 191, onde o Oficial de Justiça informa a
dificuldade para cumprir decisão judicial exarada na ação supracitada:
“(...) fiquei impossibilitado de materializar o ato processual, haja vista que a
central de mediação 24 horas não funciona mais há cerca de 30 dias.
Informação obtida após inquirir os vigilantes noturnos, a sabe: Denildo Artuik e
Leornardo Figueiredo. Inclusive, há uma placa na porta da superintendência,
informando que não houve expediente no dia 25/10/2013, em comemoração ao
outubro rosa e que somente retornarão no dia 29/10, terça-feira para
atendimento ao público. A diligência fora encerrada na madrugada, às 01:30h,
do dias 26/10. Por fim, visando das efetividade a medida judicial, retornei, nesta
data, às 10:20h à superintendência regional sul, e novamente não encontrei
nenhuma servidor habilitado para receber a decisão judicial, somente o
vigilante Natalino. (...)”
As informações contidas às fl. 93 e 193 noticiam o óbito de pacientes que
5
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
se encontravam na fila de espera aguardando o atendimento regular, e como se não bastasse,
até a presente data ainda existem pacientes que estão na fila de espera aguardando
transferências para UTI. Infelizmente, esse descaso na estrutura hospitalar regional
prossegue há anos sem grandes avanços, colocando os pacientes que necessitam do Sistema
Único de Saúde em uma situação de grave risco no atendimento de urgência.
De fato, vislumbra-se desde 2010 a insuficiência de leitos de UTI
existentes na Macrorregional Sul para atendimento do SUS. Há uma carência que precisa
ser urgentemente remediada, eis que pessoas agonizam e morrem nesta espera.
Em que se pese a ampliação de 03 leitos de UTI adultos, 10 leitos de
UADC adulto, e 08 leitos de UTIN e 07 leitos UTI pediátricas (totalizando 28 leitos em
andamento) e o montante de 125 leitos existentes, ainda se demonstram insatisfatórios
para a realidade da Macrorregião Sul, pois o Município de Cachoeiro de Itapemirim atende
casos de 26 Municípios, num total populacional de 623.521 (seiscentos e vinte três mil,
quinhentos e vinte um) habitantes, que são dependentes de unidade de tratamento
intensivo, conforme dados oriundos do IBGE de fls. 230/2554, incluindo aí casos de Alta
Complexibilidade.
Segundo a Portaria n° GM 1101/GM5, datada de 12/06/2002, fl. 22/42, o
cálculo de Número de Leitos Habitantes/Ano para Hospitais Regionais é feito com a
programação de 02 leitos para cada 1000 habitantes na área urbana da sede e mais 01 leito
por 1000 habitantes na área rural da sede, e ainda, mais 01 leito para cada 1000 habitantes
nas outras áreas urbanas atingidas, in caso, para a área urbana dos 25 demais Municípios
que a Macrorregional Sul abrange, e, além disso, mais 0,5 leitos para cada 1000 habitantes
das outras áreas atingidas (25 Municípios abrangidos). Senão vejamos teor da norma em
comento:
M) NÚMEROS DE LEITOS/HABITANTE/ANO:
(...)
c) Hospitais Regionais (Clínicas Básicas mais especialidades consideradas estratégicas e
necessárias para a área programática (área geográfica da Programação). O parâmetro de
2 leitos/1000hab.na área urbana da sede, mais 1 leito por 1000hab. na área rural da sede,
mais 1 leito/1000hab. nas outras áreas urbanas atingidas, e mais 0,5 leitos/1000hab. nas
outras áreas rurais atingidas.
Em conceitos mais recentes, a classificação de hospitais. por porte, (acima de 20 leitos),
deve levar em consideração o numero de leitos, leitos de UTI, tipos de leitos de UTI,
procedimentos de alta complexidade que realiza, se possui atendimento de
4
Dados populacionais. Disponível em: http://www.ogenial.com.br/brasil/espirito-santo. Acesso: 02/10/2013, e fl.
230/255 dos autos.
5
PORTARIA nº 1101/GM, em 12 de junho de 2002. Pag. 22/42 do IC e também Disponível:
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/GM-1101.htm. Acesso em 01/10/2013.
6
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
urgência/emergência, atendimento a gestante de alto risco e quantidade de leitos
cirúrgico como itens mínimos de avaliação.
A média Brasil de leitos cadastrados no SIH/SUS/99 / 1.000 habitantes é de 2,57,
apresentando a variação de 4,35 no Maranhão e 1,64 no Pará.
Cerca de 86% do total dos leitos hospitalares dos prestadores do Sistema Único de
Saúde estão cadastrados no SIH/SUS: (1999).
(...)
Quanto aos leitos de U T I, a média Brasil (SIH/SUS) está em torno de 2,64% dos leitos
cadastrados, variando de 5,54% no Rio Grande do Sul e 0,22% em Rondônia. (1999),
segundo a fonte MS/SAS/DECAS/CGCAH/2000-Assistência Hospitalar SUS.
Trazendo a Portaria supra para nossa realidade tem-se:
PLANILHA POPULACIONAL DOS MUNICÍPIOS CREDENCIADOS A REGIÃO SUL DA SECRETARIA
ESTADUAL DE SAÚDE E NÚMERO DE HABITANTE/ANO, PARA OS FINS DA PORTARIA 1101/GM
(12/06/2002)6:
Nº
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
Cidade
Alegre
Alfredo Chaves
Anchieta
Apiacá
Atílio Vivacqua
Bom Jesus do Norte
Cachoeiro de Itapemirim8
Castelo
Divino São Lourenço
Dores do Rio Preto
Guaçuí
Ibitirama
Iconha
Irupi
Itapemirim
Iúna
Jerônimo Monteiro
Marataízes
Mimoso do Sul
Muniz Freire
Muqui
Presidente Kennedy
Piúma
Rio Novo do Sul
População/habi
tantes Total7
30.784
13.960
23.894
7.513
9.840
9.479
189.878
34.826
4.515
6.399
27.853
8.964
12.514
11.729
30.988
27.340
10.888
34.147
25.898
18.387
14.396
10.315
18.123
11.333
População Urbana
Sede
21.521
6.557
18.153
5.212
6.114
8.702
173.572
21.879
1.742
3.542
22.403
3.179
7.273
4.440
19.325
15.640
8.540
27.619
16.226
8.669
9.309
3.440
17.450
5.950
População Rural
9.263
7.403
5.741
2.301
3.726
777
16.306
12.947
2.773
2.857
5.450
5.785
5.241
7.289
11.663
11.700
2.348
6.528
9.672
9.718
5.087
6.875
673
5.383
6
PORTARIA nº 1101/GM, em 12 de junho de 2002. Pag. 22/42 do IC e também Disponível
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/GM-1101.htm. Acesso em 01/10/2013.
7
Dados populacionais. Disponível em: http://www.ogenial.com.br/brasil/espirito-santo. Acesso: 02/10/2013, e fl.
230/255 dos autos.
8
Município Sede da referencia da Região Sul da Secretaria Estadual de Saúde.
7
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
25
26
Tota
l
São José do Calçado
Vargem Alta
-----------------------
10.417
19.141
623.521
8.358
6.724
451.539
2.059
12.417
171.982
Assim, os dados acima descritos se fazem importantes para direcionar em
via de consequência o número de leitos de UTI necessários para atender a população, assim
o déficit existente é público e notório, e reconhecido pelos entes públicos, além disso, não
é demais citar que a Portaria nº 1.101/02 do Ministério da Saúde prevê o número de leitos
de UTI deve ser calculado de acordo com o índice de 4 a 10% do total de leitos hospitalares
existentes, sendo que sobre o resultado ainda deve incidir o parâmetro de 2,5 a 3 leitos
para cada 1.000 habitantes.
Contudo, conforme já salientado, a média de leitos de UTI no Brasil
(SIH/SUS) está em torno de 2,64% dos leitos cadastrados, imperioso é a realização do estudo
de leitos conforme necessidade e média de produção conforme a necessidade da
Macrorregião Sul deste Estado a fim de solucionar a demanda reprimida de leitos de UTI,
mesmo porque ainda que parâmetro da Macrorregião Sul estivesse dentro do que preconiza
a legislação em vigor, não supria a realidade da região, colocando em risco a vida de
cidadãos.
Assim, a responsabilidade do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO quanto
à ampliação de leitos de UTI para a Macrorregião Sul do ES é objetiva e clara, observando
que para habilitação de leitos de UTI são exigidos o cumprimento de vários critérios
previstos na Portaria nº 3.432/989 do Ministério da Saúde fl. 258/259, deste modo, quando
o Ministério da Saúde habilita um leito de UTI atesta que o mesmo se encontra em perfeito
estado de funcionamento e espera que o mesmo esteja efetivamente funcionando, tanto
que encaminha verba para custeio imediatamente.
Destarte, que o Estado do Espírito Santo, notadamente em seu órgão de
administração Secretaria Estadual de Saúde - SESA, por óbvio está ciente do caos que
envolve a Macrorregional Sul, pois a Central de Regulação de Vagas local ante a ausência
de vagas sempre aciona a Central de Vagas de Vitória para atender os casos, que também
não tem condição de prestar cobertura para Macrorregional Sul em sua totalidade de
necessidade.
Falhas na logística dos setores de regulação de leitos tais como ausência
do serviço 24 horas, ausência de sistema computadorizado para gerenciar as solicitações,
não realização de treinamento da equipe da central de vagas e falta de médico regulador
9
Portaria
3.432/98.
Disponível
em:
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/4d02b9004745871490c4d43fbc4c6735/PORTARIA+N%C2%BA+
3.432-1998.pdf?MOD=AJPERES
8
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
são erros conhecidos da Central de Vagas e que agravam a situação dos pacientes da
Macrorregião Sul do ES.
Conforme constatado nos autos do Inquérito Civil nº 011.12.12.086988-3,
também anexo, que apurou irregularidades na Central de Vagas, constatou-se que
efetivamente o serviço não está sendo prestado, a contento, inclusive a própria
coordenadora da central de vagas informou que pessoas morrem na espera por uma vaga.
Vale citar trechos da fiscalização do Conselho Regional de Medicina (fls. 05 – IC nº
011.12.12.086988-3):
“A Coordenadora informou que a Central não possui um mapa
com todas as vagas disponíveis no município de abrangência, e
que funciona da seguinte forma: após recebimento do fax com
solicitação de transferência, iniciam-se os contatos com os
hospitais na busca de vagas, havendo disponibilidade de vaga
para internação ou avaliação, a Unidade solicitante é informada e
a transferência realizada. A Coordenadora tem ciência que em
alguns casos, às vezes, o paciente vai a óbito antes de conseguir
uma vaga.”
O trecho do relatório de fiscalização transcrito acima, cuja diligência
ocorreu em meados de 2005, não teve muitas alterações quando nova visita técnica dói
realizada sete anos após, demonstrando assim a falta de planejamento da Secretaria
Estadual de Saúde na resolução dos graves problemas de transferência de pacientes na
macrorregião sul.
Segue trechos do último relatório do CRM/ES (fls. 31/35 - IC nº
011.12.12.086988-3):
“O serviço abrange 23 municípios da região sul do Estado. No
local, cinco profissionais efetivos (3 enfermeiras e 2 técnicas de
enfermagem), em escala de revezamento, que recebem
solicitações de leitos e exames via fax ou telefone. Os pacientes
são cadastrados e, a partir daí, se inicia uma busca pelas vagas
disponíveis. Estas são disponibilizadas diariamente, em dois
períodos, pelas instituições cadastradas via fax. O sistema ora
citado não é informatizado, sendo o serviço, portanto, realizado de
forma manual.”
“Somado às dificuldades encontradas em asseguras vagas nos
leitos e UTI, há o fato de alguns profissionais formalizarem as
9
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
solicitações com letra ilegível – fato presenciado pela equipe de
fiscalização.”
“Os funcionários informaram que trabalham na Central de
regulação Médica há cerca de 10 anos e nunca receberam
treinamento específico.”
“Diariamente as solicitações chegam à Central de Regulação de
Leitos e outros tantos são encaminhados; em média há cerca de
25 a 30 solicitações de vagas para internação e exames. As
informações colhidas dão conta que aproximadamente 25% das
solicitações são atendidas.”
“Como resultado da visita, concluímos que o local não se
apresenta estruturado para o funcionamento proposto; não há
médico regulador ou responsável técnico; a avaliação da
gravidade do caso para priorizar o atendimento fica por conta de
enfermeiras e técnicas de enfermagem (...) O sistema atualmente
implantado é manual, fato que dificulta o processo como um todo;
a Resolutividade da central é baixa devido a falta de leitos
hospitalares; o horário de funcionamento deve corresponder às 24
horas do dia. A equipe deve receber treinamento específico.”
Conforme constatado pelo Conselho Regional de Medicina, além da
falta de leitos, a Central de Vagas que funciona na Superintendência Regional de Saúde
possui estrutura precária, eis que funciona sem médico regulador, equipe sem treinamento
específico e, ainda, não possui sistema informatizado.
Chama atenção o índice de apenas 25% de solicitações atendidas, o
que reforça a gravidade e o caos da saúde pública na macrorregião sul, razão pela qual é
imprescindível a intervenção judicial para garantir acesso à saúde.
Importante salientar que o treinamento da equipe e a existência de
médico regulador são exigências óbvias e também previstas na Resolução nº 1671/2003 do
Conselho Federal de Medicina. Vejamos:
Fls. 41 - “Na urgência-emergência deverá haver uma ação
integrada com outros profissionais, não médicos, habilitados para
prestar atendimento de urgência-emergência em nível préhospitalar, sob supervisão e coordenação médica. O treinamento
do pessoal envolvido no atendimento pré-hospitalar, em especial
10
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
ao trauma, deverá ser efetuado em cursos ministrados por
instituições ligadas ao SUS, envolvendo as escolas médicas e de
enfermagem locais, sob coordenação das Secretárias Estaduais e
Municipais de Saúde. Deverá haver um programa mínimo que
contemple todo o conhecimento teórico e prático necessário à
realização eficaz dos atos praticados. A aprovação dos treinandos
deverá obedecer ao critério da competência, ou seja, o aluno
deverá demonstrar, na prática, em exercícios simulados, plena
capacidade e competência para realizar os atos. O sistema deverá
dispor de um programa de treinamento continuado e supervisão
médica e de enfermagem em serviço. Deverá existir uma Central
de Regulação, de fácil acesso ao público, com presença
permanente de médico coordenador (médico regulador) que,
quando pertinente, despachará o atendimento emergencial para
a unidade mais próxima, colhendo, ainda, informações adicionais
que poderão exigir a presença do médico no local Igualmente,
deverá ser possível repassar maiores informações, via rádio ou
outro meio, à equipe da ambulância. Também deverá existir uma
rede de comunicação entre a Central e os hospitais conveniados,
para equacionar o encaminhamento do paciente. Considerandose as particularidades regionais, os CRM´s poderão normatizar
sobre outro modo de regulação médica.”
Por fim, conclui-se que concomitantemente ao aumento de leitos de
Unidades de Terapia Intensiva, torna-se imperioso que o requerido providencie o regular
funcionamento da Central de Vagas, com a informatização do sistema para que possa
melhor atender a demanda, funcionamento por 24 horas, com a presença de médico
regulador durante período integral (24hs) e treinamento da equipe, eis que esta
estruturação também é imprescindível para uma melhor resolutividade dos casos de
urgência-emergência.
II – DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA
No direito constitucional brasileiro, notadamente a partir da Constituição
Federal de 1988, podemos afirmar, sem receio de equívoco, que a saúde é um direito
fundamental.
Com efeito, além de encontrar-se expressamente incluída no rol de
direitos sociais (art. 6º), a saúde é definida como “direito de todos e dever do Estado”, a ser
garantido mediante a adoção de políticas públicas voltadas para a redução do risco de
11
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
doença e de outros agravos e para o acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação (art. 196).
Neste contexto, em consonância com os princípios constitucionais, é
assente na doutrina que o direito à saúde, tal como assegurado na Constituição Federal,
configura direito fundamental de segunda geração, na qual são igualmente compreendidos
os direitos sociais, culturais e econômicos, caracterizados por demandarem prestações
positivas do Estado, devendo este agir operativamente para a consecução dos fins
perfilhados na Carta Magna.
A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser humano,
pressupostos da existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de direitos
individuais indisponíveis, razão pela qual merece especial cuidado, sobretudo no caso sub
judice – quando se trata de insuficiência de leitos e UTIS – que atinge a saúde de 623.521
habitantes (26 municípios).
Neste prisma José Afonso da Silva10 preceitua sobre o sobredito direito:
“O respeito à vida humana é a tempo uma das maiores ideias de nossa
civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a
condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não aceitação
do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de
outrem e, até o presente, o feto é considerado como ser humano”.
Cumpre ressaltar ainda que o art. 197 da Constituição Federal qualifica
como de relevância pública as ações e os serviços de saúde. Tal dispositivo possui o
evidente propósito de realçar, ainda mais, o caráter de essencialidade do direito
fundamental à saúde na nova ordem constitucional, portanto todo serviço instituído para
concretizar um direito fundamental ostenta o caráter de relevância pública,
independentemente de ser prestado diretamente pelo Estado ou por meio de entes
privados.
Propósito ao tema e, com efeito, o Protocolo Adicional à Convenção
Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais – Protocolo de San Salvador, adotado em São Salvador, El Salvador, em 17 de
novembro de 1988, ratificado pela República Federativa do Brasil em 21 de agosto de 1996,
dispõe em seu artigo 10 sobre o Direito à Sáude, destacando o seguinte:
10
SILVA, José Afonso da. Curso de Deitos Constitucional Positivo, Ed. Revista dos Tribunais, 7ª ed. 1991, p.
176/177.
12
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
“Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto bemestar físico, mental e social”.
Assim sendo, o descumprimento do dever estatal em propiciar aos
pacientes condições adequadas ao exercício do direito à saúde constitui infração a
disposição de direito internacional contida em Tratado de Direitos Humanos.
Comentando acerca da definição do direito à saúde como matéria de
extrema relevância pública, asseveram os especialistas em Direito Sanitário GUIDO IVAN DE
CARVALHO e LENIR SANTOS:
Ao qualificar os serviços e ações de saúde como de relevância pública, não
pretendeu o legislador constituinte dizer que os demais direitos humanos e sociais
não têm relevância; quis o legislador talvez enunciar a saúde como um estado de
bem-estar prioritário, fora do qual o indivíduo não tem condições de gozar outras
oportunidades proporcionadas pelo Estado, como a educação, antecipando-se,
assim, à qualificação de “relevância” que a legislação infraconstitucional deverá
outorgar a outros serviços, públicos e privados. 11 grifos para destaque
A principal consequência do enquadramento de uma norma na categoria
dos direitos fundamentais é o reconhecimento de sua supremacia hierárquica – não apenas
do ponto de vista formal, mas também sob a ótica axiológica – e, consequentemente, de
sua força normativa diferenciada. Leciona DANIEL SARMENTO, com singular propriedade:
Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos
jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado
como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o
Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa
humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico,
como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em
todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito.
Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário del Derecho es el valor
próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo
de respecto a la persona humana.
Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro
axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento
jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de
relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. A
despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio
em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional,
que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano - razão última do
Direito e do Estado.12
11
12
Sistema Único de Saúde – Comentários à Lei Orgânica da Saúde, 3ª edição, Editora da Unicamp, pág.317.
In A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002; grifo acrescido.
13
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
Como corolário, a saúde surge como bem jurídico fundamental e a sua
não salvaguarda por parte do Estado representa violação à Carta Política. Nessa
conformidade, a fundamentalidade de que se revestem tais princípios não pode passar
despercebida pelo intérprete, a quem cabe, através da hermenêutica constitucional, extrairlhes o significado que proporcione maior possibilidade de gerar resultados concretos. Eis o
que impõe princípio da máxima efetividade: reconhecimento da força normativa da
Constituição e, por conseguinte, em interpretação tópica, a melhor dentre as soluções.
É patente, pois, o dever do Estado de disponibilizar os recursos
necessários para que o direito subjetivo dos indivíduos à saúde, tratado extensivamente
pela Constituição Federal, seja levado a efeito. A prestação desse serviço público essencial
deve se dar de modo imediato, sem que se admita qualquer espécie de escusa ou
justificativa e, ainda, de maneira perfeita e acabada, conforme se depreende do artigo 198
da Constituição Federal, que estabelece, entre as diretrizes dos serviços públicos de saúde,
o seu atendimento integral, in verbis:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
(omissis);
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais; (Grifo acrescido)
Também a Lei nº 8.080/90, regulamentadora dos dispositivos
constitucionais referentes ao direito à saúde e do SUS, ressalta os valores primordiais que
tem a saúde no ordenamento jurídico brasileiro:
Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de
outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal
e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Os usuários do Sistema Único de Saúde necessitam de atendimento
especializado de acordo com a moléstia que os acometem. Logo, imprescindível demarcar
um limite máximo de tempo para atendimento dos pacientes que precisam de Unidade de
Tratamento Intensivo – UTI. A família, os médicos e a população necessita ter
conhecimento do prazo máximo que o leito será disponibilizado e o gestor da saúde deve
organizar a rede para que esta expectativa seja cumprida.
Neste sentido dispõe a CARTA DOS DIREITOS DOS USUÁRIOS DO
SUS que assegura a todo cidadão no Primeiro Princípio, o acesso ordenado e organizado ao
14
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
sistema de saúde, visando atendimento mais justo e eficaz inclusive de acordo com sua
enfermidade em situações de urgência e emergências, no seguinte sentido:
Todos os cidadãos têm direito ao acesso às ações e aos serviços de promoção, proteção
e recuperação da saúde promovidos pelo Sistema Único de Saúde:
I - Acesso se dará prioritariamente pelos Serviços de Saúde da Atenção Básica
próximos ao local de moradia,
II- Nas situações de urgência/emergência, atendimento se dará de forma
incondicional, em qualquer unidade do sistema.
III. Em caso de risco de vida ou lesão grave, deverá ser assegurada a remoção do
usuário em condições seguras, que não implique maiores danos, para um
estabelecimento de saúde com capacidade para recebê-lo.
IV. O encaminhamento à Atenção Especializada e Hospitalar será estabelecido em
função da necessidade de saúde e indicação clínica, levando-se em conta critérios de
vulnerabilidade e risco com apoio de centrais de regulação ou outros mecanismos que
facilitem o acesso a serviços de retaguarda. (grifa-se)
Nogueira13 tece em linhas específicas que são crescentes o número de
pacientes críticos que necessitam de UTI, cujo objetivo é proporcionar acesso de serviço de
alta densidade tecnológica, e tal serviço integra aos demais níveis de atenção a saúde.
Vejamos:
“As Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são unidades que requer espaço
físico diferenciado, equipamento de alta tecnologia e equipe inter e
multidisciplinar, sendo crescente o número de pacientes críticos admitidos
nessas unidades. Essas unidades fazem parte do setor da alta complexidade em
saúde, na qual seus serviços são caracterizados por um conjunto de
procedimentos, cujo objetivo é proporcionar a população o acesso a serviços
de alta densidade tecnológica e alto custo, com necessidade de pessoal
especializado, integrando-se aos demais níveis de atenção à saúde.”
Em especial ao cerne desta demanda, urge destacar, para que não haja
falta de assistência aos pacientes da Macrorregião Sul quando necessitem de UTI, é
imprescindível rever o quantitativo de leitos de UTI existente, de acordo a atual realidade
de pacientes que depende do SUS nesta região, bem como é necessário rever o cálculo da
necessidade de leitos, salienta-se, que em situação similar o Estado de Minas Gerais
realizou um Estudo de Taxa de Ocupação de Leitos de UTI a fim de atender sua demanda.
Neste enfoque Barbosa14 e Gonçalves15 respectivamente lecionam:
13
NOGUEIRA, Lilia de Souza; SOUSA, Regina Marcia Cardoso de; PADILHA, Katia Grillo; KOIKE, Karina
Mitie. Características clínicas e gravidade de pacientes internados em UTIs públicas e privadas. Texto contexto
– enferm, vol. 21, n. 1, p. 59-67, 2012
14
BARBOSA, Arnaldo Prata. Terapia intensiva neonatal e pediátrica no Brasil: o ideal, o real e o possível.
Jornal de Pediatria, v. 80, n. 6, p. 437-438, 2004.
15 GONÇALVES, Renata Melgaço. Coordenadora Estadual de Terapia Intensiva – Secretaria Estadual de
Saúde de Minas Gerais. Endereço eletrônico: [email protected]
15
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
“Percebe-se que na área de terapia intensiva, não há equidade na distribuição
dos leitos, com desigualdades nacionais e regionais, sendo o acesso limitado e
a qualidade dos serviços prestados é extremamente contrastante, variando de
unidades altamente sofisticadas a outras sem a estrutura mínima necessária”.
“O cálculo da necessidade de leitos de UTI destinados a pacientes dependentes
do SUS em Minas Gerais é realizado pela Coordenação Estadual de Terapia
Intensiva (CETI), da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES/MG).
Este cálculo se destina para a necessidade de leitos de UTI Adulto e Neonatal.
Para os leitos de UTI adulto, os dados populacionais são obtidos através do
DATASUS, utilizando como fonte a estimativa populacional utilizada pelo
Tribunal de Contas da União. Para o cálculo de UTI neonatal, é utilizado
como fonte de dados o Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC).
Além desse cálculo de necessidade de leitos de UTI ser importante para que
seja identificado o vazio assistencial no Estado, ele também se torna
indispensável para que não ocorra perda da verba investida nos leitos, pois o
recurso de financiamento desses leitos é exclusivo para o mesmo, não sendo
permitida a utilização para outra finalidade de internação. Os serviços de
saúde trazem consigo a necessidade de otimização de processos e ampliação de
produtividade, resultando em melhor atendimento e em menor custo.”
A jurisprudência dos Tribunais Pátrios é unanime no sentido de
concessão de leitos de UTI para paciente na fila de espera do SUS:
TJ-PE - Agravo AGV 2188650 PE 0014761-42.2010.8.17.0000 (TJ-PE)
Data de publicação: 13/01/2011
Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE
AGRAVO. INTERNAÇÃO EM NOSOCÔMIO PRIVADO. AUSÊNCIA DE
LEITOS DISPONÍVEIS EM HOSPITAIS DA REDE PÚBLICA.
PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE INSCULPIDO NO ART. 196 DA
CF/88 . RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO DE FORMA
INDISCREPANTE. 1. É certo que, a teor do disposto no art. 196 da CF/88 ,
configura-se dever do próprio Estado, através do Sistema Único de Saúde,
custear as despesas com o tratamento e/ou internação de paciente necessitado
em hospital público ou, excepcionalmente, em nosocômio particular nos casos
de ausência de aparelhamento adequado em estabelecimento pertencente à
rede pública de saúde. 2. No caso, noticia a exordial que o menor deu entrada
no atendimento de urgência do Hospital Prontolinda pelo Plano de Saúde
VIVA, tendo sido negada a autorização para a realização dos procedimentos
requeridos. Ato contínuo, fora contactada a Central de Leitos para fins de
informação acerca da existência de vagas em UTI's de nosocômios
credenciados, tendo sido proferida resposta em sentido negativo, de forma
que, à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e do acesso universal
à saúde, outro remédio não restou ao agravado senão a postulação
por vaga em UTI de hospital particular. 3. Registre-se que não há violação à
separação dos poderes quando o Judiciário intervém em questões de mérito
16
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
administrativo com a intenção de garantir a observância ao princípio da
legalidade. 4. Recurso de agravo a que se nega provimento de forma
indiscrepante.
TJ-DF - Remessa de Oficio
15.2011.8.07.0018 (TJ-DF)
RMO 20110112206478
DF
0007293-
Data de publicação: 03/07/2013
Ementa: ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.
DIREITO À SAÚDE. PACIENTE ACOMETIDO DE ENFERMIDADE DE
NATUREZA GRAVE. INTERNAÇÃO EM LEITO DE UNIDADE DE
TERAPIA INTENSIVA - UTI.INEXISTÊNCIA DE VAGA EM HOSPITAL DA
REDE PÚBLICA. INTERNAÇÃO EM UNIDADE HOSPITALAR DA
REDE PARTICULAR. CUSTOS. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. DEVER
CONSTITUCIONAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CUMPRIMENTO.
INTERESSE PROCESSUAL. SUBSISTÊNCIA. REMESSA DESPROVIDA. 1. A
VIABILIZAÇÃO
DA
INTERNAÇÃO
E
TRATAMENTOHOSPITALARES DOS QUAIS NECESSITARA O AUTOR
EM DECORRÊNCIA DA OBRIGAÇÃO COMINADA À ADMINISTRAÇÃO
VIA DE DECISÃO ANTECIPATÓRIA NÃO AFETA O OBJETO DA AÇÃO
AVIADA COM ESSE OBJETIVO NEM O INTERESSE PROCESSUAL DO
ACIONANTE, POIS, EM SE TRATANDO DE OBRIGAÇÃO IMPOSTA DE
FORMA PROVISÓRIA E PRECÁRIA, CARECE DE SER CONFIRMADA
ATRAVÉS DE PROVIMENTO DE NATUREZA DEFINITIVA, NÃO SE
QUALIFICANDO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMO INSTRUMENTO
APTO A RESOLVER DEFINITIVAMENTE A LIDE ( CPC , ART. 273 , § 5.º ).
2. A TRANSCENDÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE, COMO EXPRESSÃO
MAIS ELOQÜENTE DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS BÁSICOS
INERENTES À PESSOA HUMANA E DAS LIBERDADES E GARANTIAS
INDIVIDUAIS, IMPÕE AO ESTADO A IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES
POSITIVAS DESTINADAS À MATERIALIZAÇÃO DO ALMEJADO PELO
CONSTITUINTE, REVESTINDO DE EFICÁCIA PLENA A NORMA
PROGRAMÁTICA QUE ESTÁ INSERTA NO ARTIGO 196 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL , QUE PRESCREVE QUE O DIREITO À SAÚDE
É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO. 3. AO CIDADÃO QUE,
ACOMETIDO DE ENFERMIDADE GRAVE CUJO TRATAMENTO
RECLAMARA INTERNAÇÃO HOSPITALARTEMPORÁRIA EM LEITO DE
UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA - UTI, NÃO USUFRUI DE RECURSOS
SUFICIENTES PARA CUSTEAR O TRATAMENTO DO QUAL NECESSITA,
ASSISTE O DIREITO DE, NO EXERCÍCIO SUBJETIVO PÚBLICO À SAÚDE
QUE LHE É RESGUARDADO, SER CONTEMPLADO COM INTERNAÇÃO
EM LEITO HOSPITALAR DA REDE PÚBLICA OU, SE INDISPONÍVEL, DA
REDEHOSPITALAR PRIVADA A EXPENSAS DO PODER PÚBLICO,
CONSOANTE, INCLUSIVE, APREGOA O ARTIGO 207, INCISO XXVI, DA
LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. 4. REMESSA NECESSÁRIA
CONHECIDA E DESPROVIDA. UNÂNIME.
Nossa Corte Suprema reconhece esse entendimento e elege o direito à
vida como inalienável. Segue o seguinte pronunciamento:
17
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como
direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da
República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa
fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendendo —
uma vez configurado esse dilema — que razões de ordem ético-jurídica
impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.”
(STF– Petição n.º 1246-1-SC - MIN. CELSO DE MELLO).
Ademais, o STF, in RE 248304/RS – MIN. CELSO DE MELLO – DJ.
19.04.2001, já enfatizou as normas que definem o direito constitucional a saúde tem
aplicação imediata, não se tratando de regras programáticas:
“A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA
EM
PROMESSA
CONSTITUCIONAL
INCONSEQÜENTE. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da
Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a Federação brasileira - não pode converterse em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público,
fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto
irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei
Fundamental do Estado.”
A discricionariedade não pode prevalecer quando se trata de garantir o
direito à vida. Há que se assegurar a todos os cidadãos que necessitem o direito de serem
internados em leitos de unidade de terapia intensiva, com respiradores e todos os
equipamentos necessários à sua completa recuperação.
O requerido pode escolher como os seus serviços serão implantados, mas
jamais pode negar ou retardar o acesso aos mesmos. Ao deixar de agir de modo eficiente, o
requerido incorre em omissão passível de impugnação judicial, haja vista a inafastabilidade
do controle jurisdicional que desde 1988 está elevada a cláusula pétrea (art. 5º, XXXV, da
CRFB).
III – DO CABIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA IN LIMINE:
18
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
A tutela antecipada constitui uma forma de tutela de urgência16 que visa a
assegurar a própria efetividade do processo. Sendo assim, pode ser concedida com base em
juízo de probabilidade, prescindindo, pois, de um juízo de certeza.
Assim, com fulcro na cognição sumária, os efeitos da tutela jurisdicional
podem ser antecipados quando, existindo prova inequívoca, o juiz se convença da
verossimilhança da alegação consoante disposto no caput do art. 273 do CPC.
Por outro lado, a verossimilhança das alegações, por si, não se mostra
suficiente para que o magistrado conceda a antecipação dos efeitos da tutela. Assim dispõe
o art. 273, in verbis:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
(...)
Relevante observar, também que a própria Lei da Ação Civil Pública
prevê em seu art. 12 que “Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificativa prévia, em decisão sujeita a agravo”. Assim leciona a doutrina:
Essa liminar, embora tenha disciplina, no que tange aos requisitos, diversa da
antecipação da tutela, na forma que ela vem disciplinada pelo novel art. 273
do Código de Processo Civil, pode ser considerada como modalidade de
provimento jurisdicional de urgência, a meio caminho entre as liminares
concedidas em ação cautelar e a antecipação da tutela jurisdicional, embora
tenha a mesma natureza destas, não deixando também de constituir um
esforço do legislador de 1985 em disciplinar modalidades de provimento de
urgência para melhor tutelar o direito material. (VIGLIAR, José Marcelo
Menezes. Ação Civil Pública, Editora ATLAS, 3ª edição, pág. 71)
Sobre os requisitos do instituto citado, TEORI ALBINO ZAVASCKI pondera
que, “atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição de direitos fundamentais,
estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das
espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da
alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se
que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos
16
BEDAQUE. José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de
Urgência(Tentativa de Sistematização). 2ª Edição.Editora Malheiros. São Paulo:2001.
19
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há
juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a
antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito,
que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como
deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com
os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos
fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (…) Assim, o que a
lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo
quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição
sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade.” 17
No caso ora posto sob apreciação judicial, a verossimilhança da alegação
decorre da própria certeza com relação aos fatos e da documentação acostada que são
cópias fidedignas dos documentos em poder da Superintendência Regional de Saúde,
informando a existência de demanda reprimida sobre a necessidade de Leitos e UTIS em
todas as suas modalidades, bem como da precariedade do funcionamento da Central de
Vagas.
O fumus boni iuris encontra-se induvidosamente presente, assentado
sobre os argumentos jurídicos que apontam para cristalina violação do princípio
fundamental do respeito à dignidade humana (CF, art. 1°, III) e da saúde como direito
fundamental (CF, art. 6°, caput, e 196).
Quanto ao periculum in mora, o risco da demora da tutela final é real e
alto, eis que a demora na prestação do serviço à saúde (LEITOS DE UTI) traz iminente
risco de agravamento da saúde daqueles que aguardam na fila de espera, inclusive com
provável óbito se o tratamento for negado ou retardado.
Insustentável situação que envolve a Macrorregião Sul, valendo lembrar
que já morreram usuários do SUS aguardando a liberação de leitos em UTI, por total
descaso e ineficiência do Estado.
Diante, da carência atual dos serviços prestados pelo Estado do Espírito
Santo, na administração do SUS, com a latente falta de vagas em UTIs e todas suas
modalidades (Adulto: UTI, UTI cardiológica, UADC, Infantil: UTI pediátrica, UTIN
neonatal, UAD, UTI cardiológica pediátrica, etc) para pacientes que se encontrem em de
alto risco, bem como ausência na prestação do atendimento célere para aqueles que
aguardam a vaga de leito de UTI, tem-se o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação à saúde aos pacientes que depende do SUS, privando-lhe até mesmo do bem
maior, que é a vida.
17
In Antecipação da Tutela, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, fls. 75-76.
20
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
Assim, impõe-se que se obrigue o Requerido a comprar, sempre que
necessário, vagas em leitos de UTI’s de acordo com a necessidade dos pacientes, em
unidades hospitalares destinadas para atendimento privado, ou seja, hospitais particulares
ainda que não conveniados, até que surjam vagas em leitos em nosocômios com coberturas
pelo Sistema Único de Saúde.
Nesta linha de raciocínio, o pagamento feito ao hospital particular, pelo
Estado do Espírito Santo, com base na liminar, que ora se requer, deve ser consoante à
tabela do hospital e não do SUS, visto que no hospital particular somente se obriga a
receber por esta liminar que se pleiteia, quando à ele conveniado ou por ele contratado, de
acordo com o art. 199, caput e § 1o. da Constituição Federal.
Outrossim, assevere-se que a medida liminar pleiteada é de caráter
preventivo, ou seja, o Estado só será instado a comprar a vaga na rede privada quando não
houver leitos em UTI’ s em qualquer modalidade de alto risco que está submetido o
paciente e disponíveis pelo SUS.
Insta dizer que para melhor eficácia da presente demanda deve também
haver melhoria no sistema de atendimento da Central de Regulação de Vagas no que
concerne à operacionalização informatizada para regulação de vagas, bem como a
atendimento integral durante 24 horas e presença de médico regulador.
A jurisprudência já tem mostrado ser possível a concessão da antecipação
de tutela em desfavor do Poder Público, notadamente quando se faz necessária a
manutenção do estado de saúde, conforme se pode conferir pela leitura de emblemático
acórdão, da lavra do Superior Tribunal de Justiça:
“1. O Pedido de Obrigação de Fazer em face da Fazenda Pública deve vir
acompanhado da medida de coerção cognominada de multa diária, cujo caráter
patrimonial visa a vencer a obstinação do devedor no cumprimento da obrigação
contraída instuitu personae, sob pena de inutilidade do acolhimento do pedido.
Nesse sentido tivemos a oportunidade de discorrer:
'A influência francesa, responsável também pela concepção 'liberal' do
inadimplemento, remediou a sua pretérita condescendência com os devedores e
instituiu a figura das 'astreintes' como meios de coerção capazes de vencer a
obstinação do devedor ao não-cumprimento das obrigações, principalmente
naquelas em que a colaboração do mesmo impunha-se pela natureza
personalíssima da prestação. A multa diária apresenta, assim, origem e
fundamento nas obrigações em que o atuar do devedor é imperioso mercê de não
se poder compeli-lo a cumprir aquilo que só ele pode fazer – nemo potest cogi ad
factum.'. (In "Curso de Direito Processual Civil", Editora Forense, 3.ª Edição,
2005, págs. 194 e 195).
21
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
(...) 4. Deveras, pacífica a possibilidade de imposição de astreintes consoante se
colhe do teor dos seguintes precedentes de igual conteúdo:
'PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS PELO ESTADO A PESSOA HIPOSSUFICIENTE.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. OBRIGAÇÃO DE FAZER DO ESTADO.
INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES.
INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À
SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE
PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. 1. Recurso
especial que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar,
em ação que tenha por objeto a obrigação de fornecer medicamentos a
hipossuficiente portador de Werdnig-Hoffman (atrofia de corno anterior da
medula espinhal), a concessão de tutela antecipada, implementando medidas
executivas assecuratórias, proferida em desfavor de ente estatal. 3. In casu,
consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no
fornecimento de medicamento ao paciente que em virtude de doença necessita
de medicação especial para sobreviver, cuja imposição das astreintes objetiva
assegurar o cumprimento da decisão judicial e conseqüentemente resguardar o
direito à saúde. 4. 'Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se
tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a
requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que
seja contra a Fazenda Pública.' (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson
Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp
775.567/RS, Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.10.2005; REsp
770.524/RS, Relatora Min.ELIANA CALMON, DJ 24.10.2005; REsp 770.951/RS,
Relator Min. CASTRO MEIRA, DJ 03.10.2005; REsp 699.495/RS, Relator Min.
LUIZ FUX, DJ 05.09.2005. 6. A Constituição não é ornamental, não se resume a
um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de
suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve
partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo,
merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a
dignidade da pessoa humana. 7. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva
deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse
cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de
subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com
o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar
medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado,
revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele
eclipsados. 8. Recurso especial provido.' (REsp 771.616/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, DJ 01.08.2006) 5. Recurso Especial provido, divergindo do E.
Relator.” 18
IV– DOS PEDIDOS:
18In
REsp 790175/SP, Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ o Ac. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 05.12.2006, DJ de
12.02.2007 p. 249.
22
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
ANTE O EXPOSTO, requer o Ministério Público:
a) Seja deferida liminar inaudita altera parte para que o requerido providencie, no
prazo de 24 (vinte e quatro) horas ou outro prazo razoável fixado pelo
Excelentíssimo Magistrado, a compra de vagas em leitos de UTI’s conforme as
classificações contidas na PORTARIA Nº 3.432/MS/GM de 1998, ainda que tais
vagas estejam ofertadas em hospital particulares não conveniados ou contratados,
sempre que a Central de Vagas não conseguir atender imediatamente a
solicitação da unidade hospitalar de transferência de pacientes para leitos de
UTI’s;
b) Seja deferida medida liminar para que o requerido, no prazo de 15 (quinze) dias
ou outro prazo razoável arbitrado pelo Juízo, constitua uma Comissão para
realizar o Estudo de Taxa de Ocupação de Leitos de UTI’ s da Macrorregional Sul
do Estado do Espírito Santo (com acompanhamento e monitoramento
paulatinamente), a fim de ser verificar qual o quantitativo de leitos de UTI’ s
suficiente para atender toda a demanda da região sul do Estado, conforme a
realidade local, para, ao final, determinar-se a ampliação de leitos de UTI’ s,
conforme a demanda da Macrorregião Sul, ampliando a rede própria (Hospitais
Estaduais), ou contratando o quantitativo de leitos necessários, conforme o
referido estudo;
c) Seja deferida liminar para que o requerido, no prazo de 15 (quinze) dias ou outro
prazo razoável arbitrado pelo Juízo, providencie o funcionamento pelo período
de 24 horas da Central de Regulação de Vagas responsável pelo atendimento da
Macrorregião Sul, devendo a Central de Vagas ser coordenada por médico
regulador durante todo o período de funcionamento, bem como providenciar o
início de um programa de treinamento de toda equipe que trabalhe na Central de
Vagas;
d) Seja deferida liminar para que o requerido, no prazo de 30 (trinta) dias ou outro
prazo razoável arbitrado pelo Juízo, providencie a instalação e funcionamento de
um sistema informatizado de regulação das vagas de leitos na Central de
Regulação de Vagas da Macrorregião Sul, em substituição ao sistema manual
atualmente utilizado;
e) A citação do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, na pessoa do Procurador Geral
do Estado, para que responda aos termos da presente demanda, no prazo legal,
sob pena de revelia;
f) A PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO, com a confirmação dos pedidos liminares
23
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
2ª Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim
Rua Araraquara, s/n, Independência, Cachoeiro de Itapemirim/ES - CEP: 29.306-520 - Tel: (28).3515.2050
que reiteramos como definitivos (itens “a”,“b”, “c” e “d”) sem prejuízo das
demais cominações judiciais pertinentes, na forma do art. 461, caput e § 5º do
CPC;
g) Após a instrução sejam julgados procedentes os pedidos contidos nos itens “a”,
“b”, “c” e “d” na presente demanda, condenando o Requerido, a obrigação de
fazer consistente em ampliar, dentro do SUS – Sistema Único de Saúde nesta
Macrorregião Sul, dentro do prazo fixado pelo Juízo, o quantitativo de leitos
suficientes para atender toda a população abrangida pela Macrorregião Sul de
acordo com o Estudo de Taxa de Ocupação de Leitos de UTI requerido no item
“b” desta inicial, sendo certo que o estudo deverá ser monitorado no curso deste
processo, até mesmo com realização de perícia judicial se necessário, para fins
de avaliar se o quantitativo proposto efetivamente está de acordo com a
necessidade da população desta regional;
h) Caso o requerido venha a comprovar que não dispõe de dotação orçamentária
para o cumprimento da decisão judicial ora pleiteada, que seja determinada a
transferência de verbas referentes à propaganda institucional ou de setores não
prioritários da Administração Pública, alocando-as nos Fundo Estadual de
Saúde, conforme o caso, a fim de atender a demanda reprimida de internação
para UTI;
i) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do
disposto artigo 18 da Lei nº 7.347/85;
j) Seja deferida a juntada dos documentos constantes nos Inquéritos Civis nº
MPES – 011.12.12.083138-3 e 011.12.12.086988-3 como provas documentais
nesta demanda;
k) a produção de todo o gênero de provas em direito admitidas, especialmente
prova testemunhal, documental e pericial.
O valor atribuído à causa é de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Cachoeiro de Itapemirim-ES, 28 de novembro de 2013.
24
Download