A Espiritualidade do Coração 1ª parte: Trajetória Histórica da

Propaganda
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A Espiritualidade do Coração
1ª parte: Trajetória Histórica da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus
1. Os padres da Igreja (±150-800)
a. Orígenes (185-253): para Ele S. João “bebe do Coração do Senhor as
correntes de águas vivas”. Coração = “lugar onde entramos em contato
espiritual-real com o divino”
b. S. Justino (+ 165): chama Jesus de o transpassado
c. Santo Hipólito de Roma (+ 235): introduz o costume de meditar todos
os dias, ao entardecer, no ferimento do lado do Senhor.
d. Santo Ambrósio (339-397): Interpreta Jo 7, 24-37: “Bebe de Cristo, pois
é a rocha da qual brota a água. Bebe de Cristo, pois é a fonte da vida.
Bebe de Cristo, pois é a corrente cuja impetuosidade alegra a Cidade de
Deus. Bebe de Cristo, pois é a paz. Bebe de Cristo, pois de seu Corpo
fluem correntes de água viva”.
e. Santo Agostinho (354-430) e S. Paulinho de Nola (sec. V): “João, que
descansou feliz no peito do Senhor, foi embriagado pelo Espírito, porque
bebeu diretamente da sabedoria (S. Paulino). “Adão dorme para que
surja Eva; Cristo morre para que nasça a Igreja. Eva é formada da costela
do adormecido; Cristo é atravessado com a lança depois da morte, para
que brotem os sacramentos que fundamentam a Igreja... Oh, morte pela
qual os mortos ressuscitam! Que há de mais puro que esse sangue, ou
mais redentor do que essa ferida!”(Santo Agostinho)
f. S. Jerônimo (+ 420): “À pergunta sobre o que é mais importante para
que haja um ser humano, Platão responde que é o cérebro; Cristo, que é o
coração”.
g. S. João Crisóstomo (+407): “A lança do soldado abriu o lado de Cristo,
e de sua ferida Jesus formou a Igreja, como foi formada Eva, a primeira
mulher de Adão”. “Ao aproximar-se do grande cálice, faça-o como se
fosse beber do próprio lado ferido...”
2. Amigas e amigos da Idade Média
a. Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109): “A abertura do lado de
Cristo nos revela a riqueza de seu amor, do amor de seu Coração para
conosco”.
b. S. Bernardo de Claraval (1091-1153): “Como a Igreja encontra a
riqueza da divina misericórdia nas aberturas das chagas de Cristo:...
Onde poderá nossa alma encontrar um remanso firme e seguro senão nas
chagas do Salvador? O ferro cruel atravessou sua alma e feriu seu
Coração, a fim de que soubesse compadecer-se de minhas fraquezas. O
segredo de seu Coração está sendo visto pelas chagas de seu corpo.
Podemos contemplar já esse sublime mistério da bondade infinita de
2
c.
d.
e.
f.
nosso Deus, podemos, repito, contemplar as misericordiosas entranhas de
nosso Deus...”
Santa Lutgarda (1182): “O Senhor então lhe apareceu, segundo ela
conta, e mostrou-lhe a ferida de seu lado, ainda sagrando. E lhe disse:
‘Afasta-te das lisonjas de um homem agitado; olha, aqui está o que deves
amar’. Tornou-se cisterciense”.
S. Francisco de Assis (1181-1226): Teve um amor veemente pela
humanidade sofredora de Cristo. O amor de Jesus crucificado possui S.
Francisco de tal maneira que o Senhor não pôde negar-se a partilhar com
tão grande amigo suas gloriosíssimas chagas.
S. Boaventura (1221-1274): “O Coração do Senhor foi atravessado com
a lança para que, pela chaga visível, reconhecêssemos o amor invisível.
A ferida do Coração mostra a ferida da alma”. “Penetremos, finalmente,
no humilde Coração do excelso Jesus. A porta é o lado aberto pela lança.
Aqui está escondido o tesouro inefável e desejável da caridade; aqui se
encontra a devoção, obtém-se a graça das lágrimas, aprende-se a
mansidão e a paciência nas adversidades, a compaixão para com os
aflitos e, sobretudo, aqui conseguimos que nosso coração se torne um
coração contrito e humilhado. Jesus, tão bom e tão grande, deseja teus
braços e para abraçar-te te espera...”
As cistercienses de Helfta (sec. XIII), onde se viveu um
transbordamento de amor pelo Coração de Cristo:
• S. Matilde: A madre lhe ordenou que escrevesse um livro, onde
retratasse sua experiência mística: Jesus lhe diz; “Tudo o que há
neste livro procede de meu divino Coração e a ele voltará...”.
• Santa Gertrude (1256-1301): Jesus lhe diz: “Porque tu
renunciaste totalmente a tua própria vontade, infundirei todas as
graças e gozos de meu coração no teu, e quanto mais
frequentemente comungares, maior será tua alegria. Eu te dei
muitas vezes meu Coração como sinal de nossa intimidade.
Sempre que tu queiras pedir-me algo, apela ao Coração que tomei
na Encarnação por amor aos homens e te concederei as graças
que pedes”. Ela: “ Por teu Coração ferido, queridíssimo Senhor,
fere o meu tão profundamente com teu amor que já não consiga
mais compreender as coisas terrenas e apenas me domine a ação
de tua divindade”.
g. Santo Alberto Magno, OP (+1280): “Em seu imenso amor, seu Coração
estava tomado pela alegria de formar um mesmo ser conosco e encher
nosso coração de gozo e alegria” “Antes que a lança atravessasse seu
Coração, sua alma foi atravessada por um punhal”. “Sofreu a chaga em
seu lado para não nos cansássemos de meditar sobre seu Coração”. “O
Senhor regou o jardim de sua Igreja com o sangue de seu lado e de seu
Coração...”
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h. Mestre Tauler, OP (1300-1361): “Se queres reclinar a cabeça, como
João, sobre o amoroso Coração de nosso Senhor Jesus Cristo, deves
considerar atentamente o que te mostra: sua doçura, humanidade e o
ardoroso amor que teve para com seus amigos e inimigos, assim como
sua obediência e entrega...”“ Ele nos dá seu Coração para que seja nossa
morada, e deseja o nosso para que seja a sua... Dá-nos seu Coração
totalmente ferido para que permaneçamos nele até que nos
transformemos por completo, tornando-nos semelhantes a seu Coração e
para que, sendo dignos dele, possamos ser conduzidos até o divino
coração do Pai”.
i. S. Catarina de Sena (1347-1380): “Queridíssima filha, como no outro
dia eu recebi teu coração, que me oferecias, eis aqui que agora te dou o
meu e, de agora em diante, estará no lugar que o teu ocupava”.
3. Outros Amigos (1400-1673)
a. Tomás de Kempis (1379-1491). Na Imitação de Cristo: “Se te refugias
nas preciosas chagas de Jesus, sentirás grande fortaleza nas
dificuldades... Basta que uma vez adentres no interior de Jesus (seu
Coração) para que experimentes um pouco de seu ardente amor, já não te
importando absolutamente de teus êxitos ou fracassos. Pelo contrário, tu
te alegrarias pelas ofensas que te fazem, pois o amor de Jesus nos torna
humildes...” “Vem, ó homem, Coração adentro, aos escondidos segredos
do Coração de Deus, que te abre a porta. Entra, bendito de Deus, não
fiques fora!” (Sermões)
b. S. Pedro Canísio (1521-1597): Visão que teve no dia da sua profissão
solene, diante do Santíssimo: “Minha alma estava de certo modo
prostrada diante de ti, feia, decaída e manchada por suas inúmeras faltas
e pecados. Mas tu então abriste para mim teu santo peito, e me pareceu
ver diretamente teu Coração. Então, ao me convidar, tu me ordenaste a
beber desse manancial, Redentor meu, ou a tomar de tua fonte a água de
minha salvação. Tive, nesse momento, o ardente desejo de que corressem
sobre mim torrentes de fé, esperança e caridade; tinha sede de ser lavado,
vestido e arrumado completamente por ti”. Atrevi-me a tocar com meus
lábios teu Coração – tão amável amante – e apagar nele minha sede.
Depois me prometeste cobrir a nudez de meu espírito com o triplo hábito
da paz, do amor e da perseverança, presente tão oportuno para a
profissão já próxima. Com essas vestes de salvação tive plena confiança
de que nada me faltaria e deu tudo redundaria em tua maior glória”.
c. S. João Eudes (1601-1680): Um dos precursores da devoção popular ao
Coração de Jesus. Insistia que não há meio mais eficaz de aproximar do
Coração de Cristo os pecadores endurecidos do que através do caminho
do coração de sua Mãe Santíssima. Nosso Ave Admirabile é inspirado na
sua saudação ao Coração de Jesus e de Maria:
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Salve, Coração santíssimo, Coração manso, Coração humilde. Salve,
Coração puro, Coração entregue, Coração sábio. Salve, Coração
paciente, Coração obediente, Coração vigilante, Salve, Coração fiel,
Coração feliz, Coração misericordioso. Salve, Coração muito moroso de
Jesus e de Maria. Nós te adoramos, Nós te louvamos, Nós te
glorificamos, Nós te damos graças, Nós te amamos de todo o nosso
coração, de toda a nossa alma, com todas as nossas forças; Nós te
oferecemos o nosso coração, Nós o entregamos, Nós o consagramos,
Nós o sacrificamos. Aceita-o e possui-o totalmente; Purifica-o,
Ilumina-o, Santifica-o, Para que nele vivas e reines, agora, sempre
e por toda a eternidade. Amem!
d. Jacques Bossuet (1627-1704): “O que me permite entender melhor o
particular afeto do Coração de Jesus pelo discípulo de quem falamos (S.
João) são os três presentes que, de acordo com os Evangelhos, sabemos
que lhe deu: em vida, cristãos, concedeu-lhe sua Cruz; ao morrer, sua
Mãe, e na Última Ceia, seu Coração”. “Portanto, apropriemo-nos do
Coração de Jesus Cristo, coração que não tem limites e a ninguém exclui
de seu amor...”
e. S. Francisco de Sales (1567-1622): No ano de 1610, na sexta-feira
seguinte à oitava de Corpus Christi, escrevia uma carta a Santa Joana de
Chantal: “Bom dia, minha queridíssima filha... Esta noite Deus me fez
pensar que nossa casa, nossa Ordem da Visitação, é suficientemente
importante, por sua graça, para ter seu brasão, seu emblema, seu eficaz
grito de batalha. Pensei, querida Madre, que se está de acordo comigo
devemos adotar nosso escudo de armas um Coração atravessado por duas
flechas, rodeado de espinhos e que sirva de base para uma cruz na qual
estejam gravados os nomes sagrados de Jesus e de Maria” . Anos depois,
será dessa ordem, que surgirá Santa Margarida Maria.
4. Novo amanhecer (de 1673 até o Vaticano II)
a. Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690): Entre 1673 e 1675,
uma jovem religiosa da Ordem da Visitação afirmou que o Senhor Jesus
lhe apareceu em várias ocasiões e mostrou-lhes seu Coração. Queixou-se
da maneira fria como correspondemos a tanto amor que nos deu e ainda
nos dá, e pediu-lhe, entre outras coisas, que promovesse na Igreja a
devoção a seu Coração por meio de uma Festa em sua honra. Poderíamos
dizer que ela foi a responsável por tornar popular a devoção ao Sagrado
Coração, sobretudo a partir da revelação das doze promessas. Essas
ficaram popular a partir de 1882, quando um comerciante nos Estados
Unidos, dedicou-se a propagá-las através de folhetos que distribuiu
gratuitamente.
1ª Promessa: “A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se
achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração”.
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2ª Promessa: “Eu darei aos devotos de meu Coração todas as graças
necessárias a seu estado.”
3ª Promessa: “Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias”.
4ª Promessa: “Eu os consolarei em todas as suas aflições”.
5ª Promessa: “Serei refúgio seguro na vida e principalmente na hora da
morte”.
6ª Promessa: “Lançarei bênçãos abundantes sobre os seus trabalhos e
empreendimentos”.
7ª Promessa: “Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte
inesgotável de misericórdias”.
8ª Promessa: “As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas pela prática dessa
devoção”.
9ª Promessa: “As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta
perfeição".
10ª Promessa: “Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa
devoção o poder de tocar os corações mais endurecidos”.
11ª Promessa: "As pessoas que propagarem esta devoção terão o seu
nome inscrito para sempre no meu Coração”.
12ª Promessa: “A todos os que comunguem nas primeiras sextas-feiras
de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da
salvação eterna”.
b. Beato Cláudio de la Colombiére, SJ (1641-1682): Apóstolo do Sagrado
Coração. Foi diretor espiritual de Santa Margarida
c. Charles de Foucauld (1858 -1916): “Consagro-me ao Sagrado Coração
de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria como eremita de Jesus
Misericordioso por uma vida de oração e contemplação, de conversão
contínua. Imploro humildemente a graça da perseverança na Fé, na
Esperança e na Caridade, e o arrependimento sincero de todos os meus
pecados, para que eu possa continuar amando, adorando e servindo a
Santíssima Trindade agora e no paraíso, após a minha morte, com todos
os demais. Por Cristo, com Cristo e em Cristo, que vive e reina com o
Pai e o Espírito Santo. Amém”
d. O Culto Público: inicialmente a Santa Sé se opôs a uma Festa Litúrgica
dedicada ao Coração de Jesus. A devoção foi crescendo entre o povo. Em
1720 os bispos de Marselha decidiram consagrar a cidade ao Sagrado
Coração. Em 1765, a pedido dos bispos poloneses, a Santa Sé introduziu
uma missa e Ofício próprios do Coração de Jesus. Em 1794, pio VI,
condenando o jansenismo, defendeu a devoção com a Bula Auctorem
Fidel. Em 1856, Pio IX estendeu a celebração da Festa do Coração de
Jesus à Igreja Universal, a pedido dos bispos franceses, pois todas as
dioceses franceses celebravam essa festa. Em 1899, Leão XIII elevou a
Festa do Coração de Jesus para festa de primeira classe, permitindo que
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missa fosse celebrada como missa votiva solene todas as primeiras
sextas-feiras do mês. Nesse ano foram aprovadas as ladainhas do
Coração de Jesus. Em 1956, celebrando o centenário da instituição da
festa do Sagrado Coração, o Papa Pio XII publicou a Encíclica Haurietis
Aquas, tirarão águas com alegria. Esta é a carta magna do culto e da
devoção ao Sagrado Coração. A carta estabelece de maneira clara que a
Devoção não depende absolutamente destas ou de outras revelações
privadas, mas está baseada nas Sagradas Escrituras e na mais sólida
tradição e teologia católicas. “A prática da Devoção deve traduzir-se no
amor comprometido a todos, mas particularmente àqueles dentre nós que
padecem de fome e sede de pão e de justiça social, ou de afeto e
compreensão pessoal”. (Consagração Diária)
5) Devoção pós-conciliar:
a. João XXIII: “A Devoção ao Coração de Jesus me acompanhou toda a
vida... Era recém-nascido quando me consagraram ao Coração de Jesus.
No Coração de Jesus devo encontrar a solução de todas as minhas
dificuldades... Meu desejo mais ardente é poder fazer algo por esse
inestimável objeto de meu amor”. “Para ter sucesso em meu apostolado
não quero conhecer outra escola pedagógica que não seja a do Sagrado
Coração de Jesus: Aprendam de mim, que sou manso e humilde de
coração”. Teria havido certo exagero nestes últimos tempos? Mas se o
Coração de Jesus é, realmente, como gosto de ouvir Santo Agostinho, ‘a
porta da vida’, não é possível qualquer exagero neste ponto. É necessário
passar por aqui a todo custo... E eu quero passar por essa porta”.
b. Paulo VI: dirá que se há uma devoção que cumpre com todos os critérios
estabelecidos pelo Concílio é a devoção ao Coração do Redentor.
c. João Paulo II: A sua encíclica Dives in Misericordia (Rico em
Misericórdia) é um verdadeiro tratado do amor de Deus. “Cristo não só
fala dela (misericórdia) e a explica com o uso de comparações e
parábolas, mas sobretudo Ele próprio a encarna e a personifica. Ele
próprio é, em certo sentido, a misericórdia. Através de Jesus, Deus
tornou-se particularmente ‘visível’ como Pai ‘rico em misericórdia’”
(DM, 47)
d. Bento XVI: “O lado transpassado do Redentor é o manancial ao qual nos
convida a acudir a encíclica «Haurietis aquas»: devemos recorrer a este
manancial para alcançar o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo e
experimentar mais profundamente seu amor. Deste modo, poderemos
compreender melhor o que significa ´conhecer´ em Jesus Cristo o amor
de Deus, experimentá-lo, mantendo o olhar n'Ele, até viver
completamente da experiência de seu amor, para poder testemunhá-lo
depois aos outros. De fato, retomando uma expressão de meu venerado
predecessor, João Paulo II, «junto ao Coração de Cristo, o coração
7
humano aprende a conhecer o autêntico e único sentido da vida e de seu
próprio destino, a compreender o valor de uma vida autenticamente
cristã, a permanecer afastado de certas perversões do coração, a unir o
amor filial a Deus ao amor ao próximo. Deste modo – e esta é a
verdadeira reparação exigida pelo Coração do Salvador – sobre as ruínas
acumuladas pelo ódio e a violência poderá edificar-se a civilização do
Coração de Cristo» (Insegnamenti, vol. IX/2, 1986, p. 843). Conhecer o
amor de Deus em Jesus Cristo Na encíclica «Deus é amor» citei a
afirmação da primeira carta de São João: «Nós conhecemos o amor que
Deus nos tem e cremos nele» para sublinhar que na origem da vida cristã
está o encontro com uma Pessoa (cf. n. 1). Dado que Deus se manifestou
da maneira mais profunda através da encarnação de seu Filho, fazendose «visível» n'Ele; na relação com Cristo, podemos reconhecer quem é
verdadeiramente Deus (cf. Encíclica «Haurietis aquas», 29,41; Encíclica
«Deus é Amor», 12-15). Mais ainda, dado que o amor de Deus
encontrou sua expressão mais profunda na entrega que Cristo fez de sua
vida por nós na Cruz, ao contemplar seu sofrimento e morte podemos
reconhecer de maneira cada vez mais clara o amor sem limites de Deus
por nós: «tanto amou Deus ao mundo, que lhe deu seu Filho único, para
que todo o que crer nele não pereça, mas que tenha vida eterna» (João 3,
16). (Carta ao Geral dos Jesuítas em 15/05/06 por ocasião do 50º
aniversário de Haurietis Aquas)
e. Papa Francisco: “Jesus nos amou muito, não com palavras, mas com
fatos e com a vida”, repetiu várias vezes o papa na homilia de hoje,
solenidade do Sagrado Coração de Jesus, que ele chama de "festa do
amor", de um "coração que amou muito". Um amor que, como repetia
Santo Inácio, "se manifesta mais nas obras do que nas palavras" e que é
especialmente "mais um dar-se do que um receber". “Estes dois
critérios”, destacou o papa, “são os pilares do amor verdadeiro”, e é o
Bom Pastor quem representa todo o amor de Deus. Ele conhece as suas
ovelhas uma por uma, "porque o amor não é abstrato nem geral: é o
amor por cada um". "Um Deus que se torna próximo por amor, que
caminha com o seu povo, e esse caminhar chega a um ponto
inimaginável. Nunca podemos imaginar que o próprio Deus se torna um
de nós e caminha conosco, fica conosco, permanece na sua Igreja,
continua presente na Eucaristia, continua na sua Palavra, permanece nos
pobres, fica conosco para caminhar! E isto é estar perto: é o pastor perto
do seu rebanho, das suas ovelhas, que ele conhece uma por uma".
Explicando uma passagem do livro do profeta Ezequiel, Francisco
ressalta outro aspecto do amor de Deus: o cuidado da ovelha perdida e
da ovelha ferida e doente: "A ternura! Deus nos ama ternamente! Nosso
Senhor conhece aquela linda ciência das carícias, aquela ternura de
Deus. Não se ama com as palavras. Ele se aproxima, chega perto, e nos
dá aquele amor com ternura. Proximidade e ternura! Esses dois estilos
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de Deus que se torna próximo e que dá todo o seu amor inclusive nas
menores coisas: com a ternura. E é um amor forte, porque a proximidade
e a ternura nos fazem ver a fortaleza do amor de Deus". "Mas vocês
amam como eu os amei?", foi a pergunta que o papa destacou,
reforçando que o amor deve "ser próximo", deve ser "como o do bom
samaritano" e, em particular, ter “o sinal da proximidade e da ternura”.
Mas como devolver todo esse amor a Deus? Este foi o outro ponto em
que Francisco se concentrou: "amando-o", ficando "perto dele", sendo
"ternos com Ele". Mas isto não é suficiente: "Pode parecer uma heresia,
mas é a maior das verdades! Mais difícil do que amar a Deus é deixar-se
amar por Ele! A maneira de devolver tanto amor é abrir o coração e
deixar-se amar. Deixar que Ele venha até nós e senti-lo perto. Permitir
que ele seja terno, que ele nos acaricie. Isso é muito difícil: deixar-se
amar por Ele. E é isto o que talvez devamos pedir hoje na missa: Senhor,
eu quero te amar, mas me ensina essa difícil ciência, esse difícil hábito
de me deixar amar por ti, de te sentir por perto e de sentir a tua ternura!
Que o Senhor nos dê esta graça". (Homilia do Papa Francisco, no dia do
Sagrado Coração de 2013)
2ª parte: Fundamento Bíblico/litúrgico da Espiritualidade do Coração
9
“A devoção ao Sagrado Coração, tal como a entende a Igreja, é a devoção ao amor com
que Deus nos amou em Jesus Cristo.” (Const. MSC nº 15)
I) LEITURAS DA MISSA DO SAGRADO CORAÇÃO
ANO A: Deus nos ama com coração de homem
1) Dt 7,6-9: O Senhor vos amou e escolheu
6
Pois você é um povo consagrado a Javé seu Deus: foi a você que Javé seu Deus
escolheu para que pertença a ele como povo próprio, entre todos os povos da terra.* 7
Se Javé se afeiçoou a vocês e os escolheu, não é porque vocês são os mais
numerosos entre todos os outros povos; pelo contrário, vocês são o menor de
todos os povos! 8 Foi por amor a vocês e para manter a promessa que ele jurou aos
antepassados de vocês. É por isso que Javé os tirou com mão forte e os resgatou da
casa da escravidão, da mão do Faraó, rei do Egito. 9 Saiba, portanto, que Javé seu
Deus é o único Deus, o Deus fiel, que mantém a aliança e o amor por mil gerações,
em favor dos que o amam e observam seus mandamentos.
2) SALMO 103 (102),1-10 R.: O amor do Senhor Deus por quem o teme é de
sempre e perdura para sempre.
1*
De Davi.
Bendiga a Javé, ó minha alma, e todo o meu ser ao seu nome santo!
2
Bendiga a Javé, ó minha alma, e não esqueça nenhum dos seus benefícios.
3
Ele perdoa suas culpas todas, e cura todos os seus males.
4
Ele redime da cova a sua vida, e a coroa de amor e compaixão.
5
Ele sacia seus anos de bens e sua juventude se renova, como a da águia.
6*
Javé faz justiça e defende todos os oprimidos.
7
Revelou seus caminhos a Moisés, e suas façanhas aos filhos de Israel.
8
Javé é compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor.
9
Ele não vai disputar perpetuamente, e seu rancor não dura para sempre.
10
Nunca nos trata conforme os nossos erros, nem nos devolve segundo as nossas
culpas.
3) 1 Jo 4,7-16: Foi Deus quem nos amou primeiro
7
Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E todo aquele que
ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. 8 Quem não ama não conhece a Deus,
porque Deus é amor. 9 Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós: Deus
enviou o seu Filho único a este mundo, para dar-nos a vida por meio dele. 10 E o
amor consiste no seguinte: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que
nos amou, e nos enviou o seu Filho como vítima expiatória por nossos pecados. 11
Amados, se Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos
10
outros. 12 Ninguém jamais viu Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus está
conosco, e o seu amor se realiza completamente entre nós. 13 Nisto reconhecemos que
permanecemos com Deus, e ele conosco: ele nos deu o seu Espírito. 14 E nós vimos e
testemunhamos que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15 Quando
alguém confessa que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com
Deus. 16 E nós reconhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse
amor. Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus
permanece nele.
4) Mt 11, 25-30: Sou manso e humilde de coração
-* 25 Naquele tempo, Jesus disse: «Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque
escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. 26
Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. 27 Meu Pai entregou tudo a mim. Ninguém
conhece o Filho, a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a
quem o Filho quiser revelar.28 Venham para mim todos vocês que estão cansados de
carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. 29 Carreguem a minha carga
e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês
encontrarão descanso para suas vidas. 30 Porque a minha carga é suave e o meu
fardo é leve.»
ANO B: Só Deus ama assim
1) Os 11,1.3-4.8-12: Meu coração comove-se no íntimo
1
Quando Israel era menino, eu o amei. Do Egito chamei o meu filho; 3 E não há
dúvida, fui eu que ensinei Efraim a andar, segurando-o pela mão. Mas eles não
perceberam que era eu quem cuidava deles. 4 Eu os atraí com laços de bondade, com
cordas de amor. Fazia com eles como quem levanta até seu rosto uma criança;
para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles. 8 Como poderia eu abandoná-lo,
Efraim? Como haveria de entregar você a outros, Israel? Será que eu poderia tratá-lo
como a Adama? Eu poderia tratá-lo como a Seboim? O meu coração salta no meu
peito, as minhas entranhas se comovem dentro de mim. 9 Não me deixarei levar pelo
ardor da minha ira, não vou destruir Efraim. Eu sou Deus, e não um homem. Eu
sou o Santo no meio de você, e não um inimigo devastador.
2) Is 12, 2-6 R.: Com alegria bebereis do manancial da salvação
2
Sim, Deus é a minha salvação! Eu confio e nada tenho a temer, porque minha força e
meu canto é Javé: ele é a minha salvação. 3 Com alegria vocês todos poderão beber
água nas fontes da salvação».4 E nesse dia, vocês dirão: «Agradeçam a Javé,
invoquem o seu nome, contem aos povos as façanhas que ele fez, proclamem que seu
nome é sublime; 5 cantem hinos a Javé, pois ele fez proezas; que toda a terra as
reconheça. 6 Gritem de alegria e exultem, moradores de Sião, pois o Santo de Israel é
grande no meio de vocês».
11
3) Ef 3, 8-12.14-19: Conhecer o amor de Cristo que ultrapassa todo
conhecimento
8
A mim, o menor de todos os cristãos, foi dada a graça de anunciar aos pagãos a
incalculável riqueza de Cristo, 9 e de esclarecer a todos como se realiza o mistério
que esteve sempre escondido em Deus, o criador do universo. 10 Desse modo, os
principados e as autoridades no céu doravante conhecem, graças à Igreja, a
multiforme sabedoria de Deus, 11 conforme o projeto eterno que ele executou em Jesus
Cristo nosso Senhor. 12 Nele ousamos aproximar-nos de Deus com aquela confiança
que a fé em Cristo nos dá. 14 É por isso que eu dobro os joelhos diante do Pai, 15 de
quem recebe o nome toda família, no céu e na terra. 16 Que ele se digne, segundo a
riqueza da sua glória, fortalecer a todos vocês no seu Espírito, para que o homem
interior de cada um se fortifique. 17 Que ele faça Cristo habitar no coração de vocês
pela fé. Enraizados e alicerçados no amor, 18 vocês se tornarão capazes de
compreender, com todos os cristãos, qual é a largura e o comprimento, a altura e
a profundidade, 19 de conhecer o amor de Cristo, que supera qualquer
conhecimento, para que vocês fiquem repletos de toda plenitude de Deus.
4) Jo 19,31-37: Um soldado abriu-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e
água
31
Era dia de preparativos para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os corpos
ficassem na cruz durante o sábado, porque esse sábado era muito solene para eles.
Então pediram que Pilatos mandasse quebrar as pernas dos crucificados e os tirasse da
cruz. 32 Os soldados foram e quebraram as pernas de um e depois do outro, que
estavam crucificados com Jesus. 33 E se aproximaram de Jesus. Vendo que já estava
morto, não lhe quebraram as pernas, 34 mas um soldado lhe atravessou o lado com
uma lança, e imediatamente saiu sangue e água.35 E aquele que viu, dá testemunho,
e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade, para que também vocês
acreditem.36 Aconteceu isso para se cumprir a Escritura que diz: «Não quebraram
nenhum osso dele.» 37 E outra passagem que diz: «Olharão para aquele que
transpassaram.»
ANO C: O amor que salva os que não amam
1) Ez 34,11-16; Eu mesmo vou apascentar as minhas ovelhas e fazê-las repousar
11
«Assim diz o Senhor Javé: Eu mesmo vou procurar as minhas ovelhas. 12 Como
o pastor conta o seu rebanho, quando está no meio de suas ovelhas que se haviam
dispersado, eu também contarei as minhas ovelhas, e as reunirei de todos os lugares
por onde se haviam dispersado, nos dias nebulosos e escuros. 13 Eu as retirarei do
meio dos povos e as reunirei de todas as regiões, e as trarei de volta para a sua própria
terra. Aí, eu próprio cuidarei delas como pastor, nos montes de Israel, nos vales e
12
baixadas do país. 14 Vou levá-las para pastar nas melhores invernadas, e o seu curral
ficará no mais alto dos montes de Israel. Aí, elas poderão repousar num curral bom, e
terão pastos abundantes sobre os montes de Israel. 15 Eu mesmo conduzirei as
minhas ovelhas para o pasto e as farei repousar - oráculo do Senhor Javé. 16
Procurarei aquela que se perder, trarei de volta aquela que se desgarrar, curarei
a que se machucar, fortalecerei a que estiver fraca. Quanto à ovelha gorda e
forte, eu a destruirei, pois cuidarei do meu rebanho conforme o direito».
2) Sl 22 (23),1-6 R. O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa
alguma
1*
Salmo. De Davi.
Javé é o meu pastor. Nada me falta.
2
Em verdes pastagens me faz repousar; para fontes tranquilas me conduz,
3
e restaura minhas forças.
Ele me guia por bons caminhos, por causa do seu nome.
4
Embora eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei, pois junto
a mim estás; teu bastão e teu cajado me deixam tranquilo.
5*
Diante de mim preparas a mesa, à frente dos meus opressores;
unges minha cabeça com óleo, e minha taça transborda.
6
Sim, felicidade e amor me acompanham todos os dias da minha vida.
Minha morada é a casa de Javé, por dias sem fim.
3) Rm 5,5b-11: Deus mostra seu amor para conosco
5
E a esperança não engana, pois o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 6 De fato, quando ainda éramos
fracos, Cristo, no momento oportuno, morreu pelos ímpios. 7 Dificilmente se encontra
alguém disposto a morrer em favor de um justo; talvez haja alguém que tenha
coragem de morrer por um homem de bem. 8 Mas Deus demonstra seu amor para
conosco porque Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores. 9 Assim,
tornados justos pelo sangue de Cristo, com maior razão seremos salvos da ira por
meio dele. 10 Se quando éramos inimigos fomos reconciliados com Deus por meio da
morte do seu Filho, muito mais agora, já reconciliados, seremos salvos por sua vida. 11
E não só isso. Também nos gloriamos em Deus por meio de nosso Senhor Jesus
Cristo, do qual obtivemos agora a reconciliação.
4) Lc 15,3-7: Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida
3
Então Jesus contou-lhes esta parábola: 4 «Se um de vocês tem cem ovelhas e perde
uma, será que não deixa as noventa e nove no campo para ir atrás da ovelha que se
perdeu, até encontrá-la? 5 E quando a encontra, com muita alegria a coloca nos
13
ombros. 6 Chegando em casa, reúne amigos e vizinhos, para dizer: ‘Alegrem-se
comigo! Eu encontrei a minha ovelha que estava perdida’. 7 E eu lhes declaro: assim,
haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e
nove justos que não precisam de conversão.»
II) LEITURAS DA MISSA VOTIVA DO SAGRADO CORAÇÃO
1) Ex 34, 4b-6.8.9: Senhor, Senhor Deus misericordioso e clemente
2) Dt 10, 12-22: Foi a teus pais que o Senhor se afeiçoou e amou; e depois deles, foi à
sua descendência que ele escolheu
3) Is 49,13-15: Mesmo se alguma mulher esquecer do filho pequeno, eu, porém, não me
esquecerei de ti.
4) Jr 31, 1-4: Amei-te com amor eterno
5) Ap 5, 6-12: Com teu sangue nos adquiriste para Deus
6) Sl 24(25), 4-10.14 R.: Recordai, Senhor meu Deus, vossa ternura
7) Sl 32 (33), 1-2. 4-5.11-12. 18-21 R.: Transborda em toda a terra a graça do senhor
8) Sl 33 (34), 2-9.17-19.23 R.: Provai e vede quão suave é o Senhor
9) Ef 1, 3-10: Segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou profusamente sobre
nós.
10) Fl 1, 8-11: Com a ternura de Cristo Jesus
11) Lc 15, 1-3.11-32: Era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava
morto e tornou a viver
1. Todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam de Jesus para o
escutar.2. Mas os fariseus e os doutores da Lei criticavam a Jesus, dizendo: "Esse
homem acolhe pecadores, e come com eles!"3. Então Jesus contou-lhes esta parábola:
11. Jesus continuou: "Um homem tinha dois filhos. 12. O filho mais novo disse ao pai:
'Pai, me dá a parte da herança que me cabe'. E o pai dividiu os bens entre eles. 13.
Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu, e partiu para um lugar
distante. E aí esbanjou tudo numa vida desenfreada. 14. Quando tinha gasto tudo o que
possuía, houve uma grande fome nessa região, e ele começou a passar necessidade.
15. Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para a roça, cuidar
dos porcos. 16. O rapaz queria matar a fome com a lavagem que os porcos comiam, mas
nem isso lhe davam.17. Então, caindo em si, disse: 'Quantos empregados do meu pai
têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome... 18. Vou me levantar, e vou
encontrar meu pai, e dizer a ele: Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19. já não mereço
que me chamem teu filho. Trata-me como um dos teus empregados'. 20. Então se
levantou, e foi ao encontro do pai. Quando ainda estava longe, o pai o avistou, e teve
compaixão. saiu correndo, o abraçou, e o cobriu de beijos. 21. Então o filho disse: 'Pai,
pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho'. 22. Mas o pai
disse aos empregados: 'Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho. E
coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés. 23. Peguem o novilho gordo e o
matem. Vamos fazer um banquete. 24. Porque este meu filho estava morto, e tornou a
viver; estava perdido, e foi encontrado'. E começaram a festa. 25. O filho mais velho
estava na roça. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26. Então
chamou um dos criados, e perguntou o que estava acontecendo. 27. O criado respondeu:
14
'É seu irmão que voltou. E seu pai, porque o recuperou são e salvo, matou o novilho
gordo'. 28. Então, o irmão ficou com raiva, e não queria entrar. O pai, saindo, insistia
com ele. 29. Mas ele respondeu ao pai: 'Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais
desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com
meus amigos. 30. Quando chegou esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas,
matas para ele o novilho gordo!' 31. Então o pai lhe disse: 'Filho, você está sempre
comigo, e tudo o que é meu é seu. 32. Mas, era preciso festejar e nos alegrar, porque
esse seu irmão estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado".
12) Jo 10, 11-18: O bom pastor dá a vida por suas ovelhas
11. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. 12. O mercenário,
que não é pastor a quem pertencem, e as ovelhas não são suas, quando vê o lobo chegar,
abandona as ovelhas e sai correndo. Então o lobo ataca e dispersa as ovelhas. 13. O
mercenário foge porque trabalha só por dinheiro, e não se importa com as ovelhas. 14.
Eu sou o bom pastor: conheço minhas ovelhas, e elas me conhecem, 15. assim como o
Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas. 16. Tenho também
outras ovelhas que não são deste curral. Também a elas eu devo conduzir; elas ouvirão a
minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor. 17. O Pai me ama, porque eu dou a
minha vida para retomá-la de novo. 18. Ninguém tira a minha vida; eu a dou livremente.
Tenho poder de dar a vida e tenho poder de retomá-la. “Esse é o mandamento que
recebi do meu Pai.”
13) Jo 15, 1-8: Permanecei em mim e eu permanecerei em vós
1. "Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor. 2. Todo ramo que não dá fruto
em mim, o Pai o corta. Os ramos que dão fruto, ele os poda para que dêem mais fruto
ainda. 3. Vocês já estão limpos por causa da palavra que eu lhes falei. 4. Fiquem unidos
a mim, e eu ficarei unido a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar
fruto. Vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim. 5. Eu sou a
videira, e vocês são os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto,
porque sem mim vocês não podem fazer nada. 6. Quem não fica unido a mim será
jogado fora como um ramo, e secará. Esses ramos são ajuntados, jogados no fogo e
queimados." 7. "Se vocês ficam unidos a mim e minhas palavras permanecem em vocês,
peçam o que quiserem e será concedido a vocês. 8. A glória de meu Pai se manifesta
quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos.
14) Jo 15, 9-17: Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu
vos amei.
9. Assim como meu Pai me amou, eu também amei vocês: permaneçam no meu amor.
10. Se vocês obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim
como eu obedeci aos mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. 11. Eu disse
isso a vocês para que minha alegria esteja em vocês, e a alegria de vocês seja completa.
12. O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. 13.
Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos. 14. Vocês são meus amigos, se
fizerem o que eu estou mandando. 15. Eu já não chamo vocês de empregados, pois o
15
empregado não sabe o que seu patrão faz; eu chamo vocês de amigos, porque eu
comuniquei a vocês tudo o que ouvi de meu Pai. 16. Não foram vocês que me
escolheram, mas fui eu que escolhi vocês. Eu os destinei para ir e dar fruto, e para que o
fruto de vocês permaneça. O Pai dará a vocês qualquer coisa que vocês pedirem em meu
nome. 17. “O que eu mando é isto: amem-se uns aos outros.”
15) Jo 17, 20-26: Tu os amaste, como me amaste a mim.
20. "Eu não te peço só por estes, mas também por aqueles que vão acreditar em mim por
causa da palavra deles, 21. para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu
em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me
enviaste. 22. Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para que eles sejam um,
como nós somos um. 23. Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e
para que o mundo reconheça que tu me enviaste e que os amaste, como amaste a
mim.24. Pai, aqueles que tu me deste, eu quero que eles estejam comigo onde eu
estiver, para que eles contemplem a minha glória que tu me deste, pois me amaste antes
da criação do mundo. 25. Pai justo, o mundo não te reconheceu, mas eu te reconheci.
Estes também reconheceram que tu me enviaste. 26. E eu tornei o teu nome conhecido
para eles. E continuarei a torná-lo conhecido, para que o amor com que me amaste
esteja neles, e eu mesmo esteja neles."
3ª parte: A espiritualidade do coração a partir do Pe. Júlio Chevalier:
A) CONTEXTO EM QUE VIVEU O PE. JÚLIO CHEVALIER
(Pe. Chevalier: 15/03/1824- 21/10/1907)
16
I)
O Contexto anterior ao nascimento do Pe. Chevalier:
1. O Jansenismo (fenômeno do a partir do sec. XVII)
2. O absolutismo monárquico “de direito divino”: atinge o auge com Luís XIV (16431715), o Rei-Sol, da França (L’État s’est moi)
3. O Galicanismo: uma Igreja atrelada aos interesses políticos
4. Uma mentalidade racionalista e dessacralizante
5. A Revolução Francesa: uma vitória da burguesia
6. O fenômeno da “descristianização” na Revolução Francesa
7. Napoleão Bonaparte
8. A restauração da Santa Aliança
II)
O Contexto a partir nascimento do Pe. Chevalier:
1. O papa Gregório XVI (1831-1846) condena os “novos tempos”
2. Os Religiosos do sec. XIX
3. Lamennais e a liberdade da Igreja
4. O tradicionalismo do catolicismo do sec. XIX
5. O ultramontanismo
6. O ensino religioso na rede pública e a defesa da escola católica
7. O Concílio Vaticano I (1869-1870)
8 Pio IX diz seu não ao mundo moderno (1864)
8. A perda do poder temporal dos Papas
9. Leão XIII (1878-1903) e a Questão Social
10. A dupla face do pontificado de São Pio X (1903-1914)
11. A França (pós-napoleônica)
12. O Surto Missionário do Século XIX
III)
Influências que Chevalier sofreu:
1) Politicamente, o Fundador era conservador: ele contra o governo
republicano/socialista da França e a favor da restauração da monarquia.
.só percebia o lado mal da Revolução Francesa e das tendências culturais e
sociais que se manifestam na Europa do seu tempo.
2) Apoiava totalmente o Sílabos de Pio IX
3) Males do tempo para Chevalier: indiferentismo, egoísmo, divisão,
negligência, liberalismo, jansenismo, soberba, racionalismo, sensualidade
.doença básica: indiferentismo: ato de considerar Deus e seu Verbo
Encarnado como algo irrelevante (Chevalier chama de filosofia humana ou
liberalismo).
4) Escreve ao Pe. Delaporte sobre o Reino Social do Sagrado Coração (1892)
.diz que gostaria de ter escrito uma série de artigos sobre isto para a Revista
Anais. Ver como uma das principais obras da nossa Congregação
. pede ao Pe. Delaporte que se encarregue disso
. propõe que num artigo o Pe. Delaporte aborde:
.os direitos inalienáveis de Jesus Cristo
.que Cristo quer reinar por seu coração
.que se fundamente nas Sagradas Escrituras, nos Santos Padres, na
teologia e em Santa Margarida Maria
.que o Reino deve se estabelecer :
17
5)
6)
7)
8)
9)
.em cada cristão
.em cada família, em cada pensionato
.em cada paróquia, em cada diocese e nação
.em seguida, o reino social, por meio de uma federação, chegará por si
mesmo
.então poderá se desenvolver o culto perpétuo e universal do Sagrado
Coração
Reparação = restaurar a unidade (tanto na Igreja como na sociedade)
.está relacionado com os males do tempo
Uma sociedade de missionários
.até 1905 tínhamos o voto de estabilidade = disponibilidade.
.um compromisso absoluto com a missão, uma prontidão, mesmo com o
risco de perder a saúde e a vida (inspirado nos jesuítas)
Fidelidade à Igreja, ao Papa e à Hierarquia
.seus professores tinham a influência galicana
.sua fidelidade ao papa era uma questão de convicção
.apesar das dificuldades que teve com a Santa Sé (em relação à NSSC) e
com os bispos, sempre teve uma postura de liberdade incondicional
Influência da Escola Francesa de Espiritualidade
. o fundador dos Sulpicianos, Jean-Jacques Olier (1608-1657) deu
continuidade à espiritualidade de Cardeal de Bérulle (1575-1629)
.um famoso: S. João Eudes (1601-1629)
.elementos chaves desta espiritualidade:
a) um profundo senso do absoluto de Deus, cf. Hb: “eu vim ó Deus para
fazer a tua vontade".
b) um relacionamento pessoal com Jesus (Verbo Encarnado)
c) Espírito Santo é enviado aos nossos corações
d) Maria: seu coração está unido ao de Jesus
e) Apóstolos: um espírito missionário inegável
Influências dos jesuítas:
.o próprio conceito da Sociedade expresso nas primeiras constituições (usou
sempre as constituições dos jesuítas como modelo)
.clara dependência nos paralelos entre a visão que Santo Inácio tinha da
vida religiosa apostólica e a Formula Instituti, de 1877.
.um dos motivos da sua simpatia pelos jesuítas se encontra no fato de que
foram eles que o Senhor mesmo encarregou, nas visões de Santa Margarida
Maria, para, como uma das tarefas na Igreja, divulgarem a devoção ao
Sagrado Coração
.Ranher define os três elementos essenciais da espiritualidade inaciana:
Indiferença (relativização de tudo que não é Deus), religiosidade existencial
(experiência do absoluto de Deus, estando tudo a seu serviço), Espírito de
Igreja (amor incondicional à Igreja, à hierarquia eclesial, ao Papa, às normas
da Igreja)
.esses elementos estão presentes em Chevalier
.numa carta de 1862 chega a considerar Santo Inácio como nosso fundador
18
.também consultou outras Constituições: maristas, vicentinos, redentoristas
.elementos comuns:
a) vários graus de pertença (professos com quarto voto, padres,
escolásticos e irmãos
b) o quarto voto
c) a missão universal: Ubique terrarum
d) a vivência da pobreza: aceitam que a Congregação tenha alguns bens
à serviço da missão
e) a fraternidade em missão (insistência num modelo centralizado, não
somos comunidades isoladas)
f) a formação: o segundo ano de noviciado para os que não eram
sacerdotes, os EE, os votos perpétuos após o 2 º ano de noviciado
(mudado nas Constituições de 1877), os estudos numa casa de
provação e que incluísse o retiro de 30 dias (também deixado fora das
Constituições de 1877)
B) PE. JÚLIO CHEVALIER: A ORIGEM DA DEVOÇÃO AO SAGRADO
CORAÇÃO (Cf. Cuskelly em O Homem e sua Missão, Cap. 5)
ESPIRITUALIDADE, CARISMA E MISSÃO
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Chevalier foi mais do que um homem de ação, foi um homem ativo.
Vendo suas obras não seja ocultado o homem Chevalier: sua motivação
profunda. A sua força espiritual:
o a) a serenidade de sua fé: aconteça o que acontecer, Deus estará sempre
com ele;
o b) a certeza de que ele é chamado a realizar uma missão especial na
Igreja.
Sua confiança só é abalada por duas ocasiões: o período de longos anos em que
Pe. Piperon foi seu único companheiro e por ocasião da crise interna da
congregação.
Júlio Chevalier, por temperamento, muito decidido a ser fiel à vontade de Deus.
Tal maturidade, vem de sua acolhida da graça sobre si, sua cooperação generosa
e total diante de Deus.
Espiritualidade
A espiritualidade é algo que é forjado na alma (chamado por alguns de segunda
conversão): se vê como instrumento da vontade de Deus.
Nas dificuldades da Igreja e na inquietude de seu coração: experiências vitais
para a missão.
A devoção ao Sagrado Coração: apelo da Igreja, de sua vida: descobrir o rosto
cheio de misericórdia e compaixão de Deus.
Seu caminho espiritual: vida sacerdotal, carisma e missão.
Experiências que marcam a sua espiritualidade:
o a queda do rochedo (1842). De fato este ato não fez de imediato a sua
conversão, mas foi um grande meio para que ele sentido a morte muito
perto, se tornasse mais sério e crescesse na fé.
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o a sua renúncia a uma amizade particular que ele tinha com um colega no
seminário, amizade que era inofensiva, mas que Chevalier percebeu que
o interesse pelo amigo o distanciava de Deus e que poderia ser um
obstáculo para sua vocação.
o sua participação num retiro em Bourges, pregado pelo Pe. Mollevault,
sacerdote de S. Sulpício: “sua palavra simples, porém ardente e cheio de
fé, causou profunda impressão à minha alma. Saí desses piedosos
exercícios “convertido” e desejoso de ser um seminarista exemplar”.
Sua formação na Escola Francesa de Espiritulidade, transmitida pelo seu diretor
espiritual e pelos sulpicianos que trabalhavam no seminário de Bourges. Tal
espiritualidade era cristocêntrica e sacerdotal: via o Cristo como o Sacerdote por
excelência, prestando homenagem a Deus e realizando em tudo a sua vontade.
Insistia-se muito sobre a virtude de religião e sobre a adoração que se deve
prestar a Deus.O padre deveria esquecer-se, morrer a si mesmo, para deixar que
Cristo vivesse nele, agisse nele, por ele, de modo que toda a sua vida fosse
orientada para a glória de Deus. Sua vida devia ser centrada na Eucaristia e no
santo sacrifício da missa, lugar da glorificação e da redenção dos homens.
Dois textos eram-lhe familiares: “Eu vivo...” (Gl 2,20) e “Então eu disse: eis-me
aqui, pois é de mim que está escrito no princípio do livro:’ Eu vim , ó Deus, para
fazer a tua vontade’” (Hb 10,7)
Sua maneira de rezar:
o O Cristo diante de nossos olhos: reflexão, meditação e adoração
o O Cristo em nossos corações: resposta afetiva e comunhão
o O Cristo em nossas mãos: união com Cristo na ação.
Apreciava muito os textos Hb 12,2 e 3,1 que nos convidam a fixar nossos olhos
em Jesus, apóstolo e sumo sacerdote de nossa religião.
Deus era seu tudo: entrega-se generosamente à vontade de Deus, com alma
totalmente aberta à influência divina.
Preocupava-se com a redenção dos homens: levando o remédio para os males da
sociedade moderna: misericórdia Divina revelada em Cristo.
Pode-se, resumir a formação da vida espiritual de Chevalier da seguinte forma:
o Seu temperamento e sua educação familiar lhes havia dado um senso
profundo para o serviço de Deus.
o A queda do rochedo leva-o a compreender a supremacia de Deus
o Sua renúncia generosa a uma amizade natural, o habitua ao sacrifício
o O retiro em Bourges traz para ele a graça de uma profunda consagração
o S.Sulpício lhe havia inculcado uma espiritualidade, ao mesmo tempo
cristocêntrica, muito generosa e capaz de ir até a renúncia.
o Por razões naturais quanto sobrenaturais ele preocupa-se pelos homens
oprimidos e pelos males da sociedade moderna.
o Fez um dia a descoberta da devoção ao SC. Ela deveria ser a centelha
que haveria de inflamar sua vida, transformando-a, unificando-a e dandolhe uma finalidade.
Carisma
Carisma: um dom do Espírito Santo para a Igreja e o mundo.
O carisma de Chevalier: uma visão particularmente dinâmica que apela para
uma resposta bem precisa, em indivíduos e pessoas bem determinadas.
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•
•
Olhando documentos das três congregações fundadas por ele (MSC, FDNSC,
MSC de Hiltrup), descobrimos certas características comuns que se relacionam
com o carisma do fundador:
o Um amor profundo para com os homens.
o Fé no amor de Deus revelado no Cristo. Convicção: os homens podem
encontrar nele resposta para as suas necessidades mais profundas.
Conseqüência disso: a missão de revelar este amor aos homens.
o Este amor deve ser revelado na caridade, na doçura, na bondade daqueles
que são chamados a partilhar da missão de Cristo
Vejamos isso na vida de Chevalier:
• 1- O amor de Chevalier pela humanidade
• Via diante de si “os males dos tempos modernos” e a devoção ao SC como o
remédio para os males de seu tempo. Essa preocupação aparece nos primeiros
documentos.
• Num documento de 1866, querendo tornar conhecido os MSC, revela-se
instrutivo. Assim descreve nas duas primeiras páginas:
• O mal moderno
• O remédio ao mal. São enumerados os males: protestantismo, jansenismo
e racionalismo. Queria combater o egoísmo e a indiferença. Pensava nos
pobres com sua indigência material e espiritual
•
2- Sua descoberta (na devoção ao SC) do amor compassivo de Cristo
pelos homens
• A transformação de sua vida e de sua inspiração apostólica ocorreram-lhe
quando descobre a devoção ao SC por meio de um professor de teologia que em
suas aulas atinge Chevalier com grande força. Para Chevalier a devoção ao SC
dava uma visão global da religião, como sendo o amor de Deus revelado ao
homem, para que este possa responder ao seu amor.
• O coração é ,pois, o centro de sua divina humanidade. Esta revelação de Cristo
em seu amor apresenta-se a Chevalier como a última palavra de todas as coisas,
e esta instituição ocorre-lhe no momento em que estava verdadeiramente
inquieto pela salvação dos homens. E assim, para ele, o Coração de Cristo é
“pleno de amor e de misericórdia”, o Coração de Jesus é essencialmente
misericordioso.
• Chevalier mostrava-se impressionado pela idéia do Cristo Bom Pastor. Pensava
no Cristo cujo coração sentia compaixão pela multidão; no Cristo que , por ser
manso e humilde de coração, podia aliviar os fardos daqueles que vinham até
ele, para nele repousar sua alma. Porém, um Cristo humilde e doce não é um
Cristo fraco: o coração de Jesus possui, de modo perfeito, as virtudes de
“coragem, constância e generosidade”
•
• 3 – Uma missão de amor: manifestar a bondade de Deus
• Esta missão se manifesta no serviço e no modo de servir: no amor e na bondade.
o a) O serviço: é ser missionário do amor de Cristo; é trabalhar para
libertar os homens dos males de seu tempo. “De um lado, a excelência
(da devoção ao SC), e do outro, a extensão e a profundidade do mal de
que ela é remédio”.
21
o
o
o
o
o
o O Cristo humilde como remédio para vencer o orgulho;
o a obediência total de Cristo à vontade do Pai como remédio
contra o espírito de independência total e inteira do homem
moderno;
o o amor infinito de Cristo e seu desejo de unir os homens no amor
contra o espírito de divisão;
o
a nobre e generosa firmeza de Cristo como remédio contra o
espírito servil que nos escraviza ao estado e às suas exigências
injustas.
b) A maneira de servir: no amor e na bondade
Nós o serviremos praticando suas próprias virtudes: “seu zelo pela glória
de Deus, sua paciência, sua caridade para com o próximo, sua doçura,
sua humildade, seu espírito de pobreza...”
““Deus é a própria bondade, Deus é amor”.” Com aquela caridade
verdadeiramente eficaz do Cristo pelos homens e, mais especialmente
aquela imensa misericórdia para com a ovelha perdida”
Doçura para ele consistia em: força que nos permite dominar nosso
orgulho, nossa impaciência, nossa fadiga, era a convicção que fazia ver
todo homem “como um irmão em toda a força da sua palavra”.
Piperon dirá que essas virtudes permaneceram em Chevalier mesmo 50
anos depois.
A espiritualidade do Pe. Chevalier
• Chevalier ao escolher o nome de MSC ele quer exprimir uma característica
própria de seu carisma. Não entende missão no sentido estrito da palavra, junto
àqueles que jamais ouviram falar do Evangelho, ou junto às igrejas dos países
estrangeiros. Entendia no ser sentido mais amplo: ser enviados aos necessitados,
a fim de levar-lhes “os tesouros de amor e de misericórdia do Coração de
Cristo.”
• Cristo é o primeiro missionário do seu próprio coração.
• Para ser missionário do seu coração é necessário um esforço para fazer nascer
em nosso coração os sentimentos do Coração de Jesus.
• A maior parte dessas verdades Chevalier tirara do que aprendera na Escola
Francesa de Espiritualidade e da tradição sulpiciana. Toda vida religiosa ativa
requer uma medida de oração e de contemplação que possa conservar o apóstolo
em contato vivo com a fonte de sua missão.
• Esta convencido que devia fundar uma sociedade religiosa, e não simplesmente
uma associação de padres (mesmo contra a vontade do Pe. Champgran, seu
primeiro benfeitor).
• Também tinha clareza de que éramos missionários e não contemplativos. Quer
companheiros que sejam mais que homens de ação; quer homens que se deixem
atrair pelo Cristo, para partilhar seu amor pelos homens...
• Teve duas etapas espirituais, que se complementaram: na primeira etapa a sua
preocupação são os seus semelhantes, na segunda dá-nos a impressão de que tem
mais compaixão pelo pobre Bom Pastor do que por sua ovelhas: o CJ não é
devidamente conhecido e amado. Ora, todo amor de Cristo deve conduzir ao
amor pelos homens. E toda preocupação verdadeiramente cristã para com a
humanidade não pode senão unir-nos a Cristo.
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Coragem
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Coragem, força e constância são as virtudes que via no Coração de Cristo.
Ele próprio teve a coragem de empreender obras difíceis pela causa de Cristo,
esta coragem apoiava-se sobre a fé em seu amor.
Tinha a coragem de ser constante e de perseverar mesmo através das
dificuldades muito numerosas que teve que enfrentar durante sua vida.
Tinha também a coragem de esperar, mesmo quando os outros não o podiam
mais, mesmo quando eles não tinham mais esperança no futuro da vida religiosa,
muito especialmente na França.
Obediência e caridade mútua
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Para ele a obediência era parte integrante de seu carisma, e esta “obediência na
caridade mútua” era o ponto forte ou importante da vida religiosa.
Na Escola Francesa de Espiritualidade ele aprendera a saborear Hb 10,5-9: “para
fazer tua vontade, ó Deus”; assim como o Sl 40:”comprazo-me em fazer tua
vontade, ó meu Deus; tua lei está no meu coração”.
“Aqueles que entrarem para a nossa Sociedade podem sem dúvida sofrer de se
verem sobrepujados por seus confrades quanto à erudição, à mortificação, à
pobreza; mas desde que se trate da obediência e da caridade mútua, que eles não
permitam a ninguém levar-lhes vantagem.”
Ele tirou este texto de Santo Inácio, modificando. Nesse momento estávamos
nos distanciando da influência que sofremos dos jesuítas na primeira hora.
O Pe. Vermin dirá que ele insistia sobre a grande importância da obediência,
sobretudo quanto a um Instituto cuja finalidade primordial não é o serviço, mas
o amor de Deus, se este Instituto quiser manter-se a realizar sua missão.
Comunidade: quando se trata de instituto apostólico esta comunidade deve estar
fortemente unida pela caridade em Cristo.
Renúncia
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Nenhuma espiritualidade pode realizar-se fora desse ritmo: “se alguém quer me
seguir...” (Mt 16,24)
Sua espiritualidade não é de água de rosa. Foi ao olhar para a profundidade da
chaga de seu lado traspassado, que ele compreendeu a verdadeira medida deste
amor.
Seu carisma era o da bondade; porém exigia muito mais que a simples gentileza
para com as pessoas: Há duas espécies de doçura que não devem ser
confundidas, uma vem da graça e dos esforços feitos para adquiri-la; a outra
procede da natureza e é o efeito do temperamento.
Esta última se não for aperfeiçoada, degenera em desinteresse, em moleza, em
indolência. A primeira não é natural ao homem, pois todos nós nascemos
violentos, coléricos, enfurecidos.
Considerava a renúncia como uma condição que deve estar sempre presente e
sempre atuante.
Devoção ao Sagrado Coração?
Seu carisma consistia:
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o Via Jesus por um ângulo particular: o Cristo compassivo, o Bom Pastor,
aquele que nos revelou o amor de Deus por nós.
o Um modo preciso de segui-lo: na caridade e na bondade.
o Tudo isso constituía o modo de viver a devoção ao SC.
Reparação
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Que lugar ocupa o culto de reparação na espiritualidade do Pe. Chevalier? Antes
devemos responder a uma outra questão: que lugar ocupa a reparação na
devoção ao SC?
A partir de Santa Margarida, começou-se a dar uma importância à reparação.
Faltou porém a distinção clássica entre graças místicas e graça carismática.
a) as graças carismáticas são dadas para o bem dos outros.
b) as graças místicas são dadas para o bem de uma pessoa
A maior parte dos escritos da Santa são relatos de sua graças místicas, diferente
das revelações que são para toda a humanidade.
Uma geração ávida de graças místicas não soube fazer a distinção:
a) o apelo para consolar o Coração de Cristo. Não é certamente parte necessária
da devoção ao SC, mesmo sendo ensinado por Santa Margarida Maria.
b) seu aspecto jurídico depende mais do jansenismo do que das revelações feitas
através da Santa: é preciso que um outro, de algum modo, se substitua ao
pecador e lhe mereça a salvação, pela oração e o sofrimento.
c)estaríamos errados ao fazer consistir a reparação na contemplação de um
Cristo dolente, seguida de exercícios expiatórios especiais.
d) a autêntica reparação é nossa própria devoção, o dom de nossa pessoa ao
Coração de Jesus, na fé, na misericórdia... Somente Cristo pode reparar por nós:
é portanto pelo sacrifício da missa que esta reparação se realizará sobretudo.
Chevalier nem sempre fez a distinção entre esses dois tipos de graça. Também
temos que afirmar que ele nunca foi um místico de consolação, sua mística foi
primeiramente uma questão de missão, uma missão no amor e na misericórdia;
uma mística da adoração e do louvor, nos passos da Escola Francesa de
Espiritualidade.
Uma palavra sobre NSSC
Sua devoção a NSSC marcou a sua vida. Escreveu um livro sobre ela.
Sua visão foi a mesma do SC que ama e das necessidades do homem.
Maria ocupa um lugar: muito perto do Cristo, e entre ele e o mundo em seu
estado de miséria.
Vê Maria beneficiando-se do esplendor de seu amor. Ela partilha das solicitudes
de seu Filho para com este mundo e que está pronta a trazer-lhe todas as graças e
o amor que poderão ajudá-lo.
Sua devoção à Maria dirige-se primeiramente ao seu papel de medianeira da
graça para o bem da humanidade.
Conseqüência disso: Maria era aquela mulher “aureolada de todos os
esplendores” das múltiplas manifestações do amor de Deus revelado no Coração
do Cristo.
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C) DESENVOLVIMENTO DA VISÃO DO PE. CHEVALIER DA DEVOÇÃO
AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS (cf. Hans Kwakman em El
Carisma de Julio Chevalier y la identidad da la familia Chevalier, Cap. 3)
Para entender o carisma de Chevalier é importante ter presente que a visão que
Chevalier tinha de Jesus Cristo fui sempre uma visão em desenvolvimento, uma
visão em construção.
1) Jesus nos Evangelhos
a. Bom Pastor: ensinando, curando, abraçando a todos e mostrando seu
coração humano.
b. O conhecimento de Jesus levaria ao amor a Jesus, e o amor a Jesus
levaria a mudança do coração, e a mudança do coração levaria a uma
mudança da sociedade. O conhecimento de Jesus começa vendo a Jeus
nos Evangelhos. “Jesus Cristo não é suficientemente amado porque não é
suficientemente conhecido”.
c. A melhor maneira de conhecer a Jesus é mediante a devoção ao Sagrado
Coração
d. “O maior sinal, a maior revelação deum grande coração é a entrega total,
é o esquecimento de si mesmo, é padecer e morrer por aqueles a quem
ama”. Via o sofrimento de Jesus como “o último grande presente que flui
do Sagrado Coração de Jesus e que é capaz de acabar com a indiferença”
2) Caridade e Religião
a. Caridade e Religião são os presentes do imenso amor de Jesus pelos
homens.
b. Falava da onipotência da caridade
c. Para ele a religião era a Igreja Católica. A religião para ele era “a luz de
nosso espírito, o consolo de nosso coração, a fonte de nossa felicidade”.
3) Jesus e seu pai celestial
a. Nos primeiros escritos via uma oposição entre o Coração de Jesus
(compassivo) e o Coração do Pai (irado). Jesus se entrega na cruz para
acalmar a ira do Pai e para responder a reclamação do Pai por ser
honrado e amado.
b. Era a imagem que seus contemporâneos tinham de Deus. Estava
influenciada pelos costumes da corte real.
c. Junto com isso dizia que não se deve falar somente de um Deus pronto
para castigar, mas também de um Deus disposto a perdoar, não falar
tanto do inferno, mas muito mais do céu e sobretudo dos tesouros da
piedade e ternura que o Coração Jesus encerra.
4) Uma nova imagem de Deus
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a. Em 1900 já fala de um amor que não é amado. No livro “Sagrado
Coração de Jesus” emprega seis capítulos para descrever o céu e suas
delícias.
b. Porém em 1904, num retiro inaciano de 8 dias fala do fogo do inferno: “o
inicia e o mantem a vingança de Deus para castigar aos pecadores que
desprezaram e ofenderam a Deus durante sua vida”.
5) O poderoso amor de Deus
a. A primeira frase do Livro Sagrado Coração: “Deus é amor, ou se prefere,
Deus é totalmente amor, Deus é o mesmo amor, amor em essência”
b. “Deus olha com imenso amor ao pequeno, ao menor dos seres criados
por Ele. Entra em toda magnífica cena com olhar de amor indescritível”.
c. “É bonito pensar na rede do amor com que Deus rodeia em cada
momento a cada uma das almas que criou na terra... A biografia de cada
um é uma história da bondade de Deus”.
d. “Deus não cria a distância, enviando-nos a existência como o sol lança
seus raios. Está dentro de nós, em nossas profundidades mais íntimas,
mais presente a nós que nós a nós mesmos”
e. “Parece que em Deus dominam dois atributos: misericórdia e força...
marca distintiva de sua missão”.
f. “A misericórdia ia com ele a todas as partes, e a fortaleza nunca o
abandonou”.
6) As muitas manifestações do Sagrado Coração
a. Via o Sagrado Coração como o centro da criação, da humanidade e da
Igreja, e também do mundo novo futuro.
7) Criação e Encarnação
a. “Deus para mostrar-nos até onde pode chegar seu amor por nós, envia
sua Palavra à terra... Esta Palavra incriada veste a capa de nossa carne e
já não mais a tirará”
b. “este é o Coração que tanto amou os homens”, existia desde toda a
eternidade na mente de Deus “...Completa todos os tempos com sua
presença; brilha sobre todas as raças, tribos e povos como um suave sol,
plana sobre o universo”
8) Adoração e Ação de Graças
a. “O Coração é o ponto central de sua divina humanidade. Ali, sobre esse
sagrado altar, oferece ele a Deus, seu Pai, uma adoração constante, digna
de sua infinita bondade. Assim este divino Coração é o supremo
adorador da divina majestade”.
b. “Por ele... a humanidade se dá a Deus, se entrega a Deus... e rende a ação
de graças que Deus merece”.
c. “Não é seu Coração o órgão de ação de graças do universo?”
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9) Presença
a. “O Coração de Jesus não só o Coração de sua humanidade, senão que
também o Coração da Igreja, seu Corpo Místico”.
b. “Impulsionado por seu coração, ardendo de amor por nós, instituirá um
sacramento, nele estará real e substancialmente presente até o fim dos
tempos, para conversar familiarmente conosco, para dar-se a nós sem
reservas”. A Sagrada Eucaristia é a obra mestra e o máximo extremo
amor do Coração de Jesus por nós. Flui de seu Coração como um rio da
fonte”.
10) O Coração transpassado
a. “Do Coração do Verbo Encarnado, transpassado no Calvário, vejo surgir
um mundo novo, o mundo dos eleitos. E esta criação, tão fértil, cheia de
grandeza e inspirada pelo amor e pela misericórdia, é a Igreja, o corpo
místico de Cristo, que a esta nova criação está presente na terra até o fim
dos tempos”.
11) O Coração de Jesus é o Coração de Deus
a. “Este infinito amor...se encerrou num coração humano, o Coração de
Jesus...seu sacramento vivo”. “O Coração de Jesus é o Coração de Deus,
o centro do divino amor”, “ a imagem do Coração de Deus”. “Pelo
Coração de Cristo é como o amor de Deus, Deus mesmo, se derrama
sobre o mundo e sobre os homens”.
12) Um conhecimento mais profundo
a. Chevalier investigava e publicava seus escritos não como um estudioso
acadêmico, mas como um missionário.
b. “Um remédio eficaz para curar as enfermidades de um mundo que está
esfriando cada vez mais pela indiferença, e que está consumido por uma
espantosa corrupção”
c. “tudo se pode esperar se os verdadeiros amigos de Jesus
Cristo....penetram com a maior atenção nas profundidades do Coração de
Cristo, se se lembram com mais carinho de seu amor e de seus
benefícios, se se revestem sempre mais e mais com seus sentimentos, se
se fortalecem sempre cada vez mais com os laços de sua caridade e se
entregam mais perfeitamente em espírito e em verdade a seu Divino
Coração”.
d. Funda a Congregação para que ponha em prática e difunda a devoção ao
Sagrado Coração. Esta prática incluía, primeiro, o desenvolvimento de
um amor pessoal por Jesus Cristo, manifestado também mediante a
adoração e a reparação, de modo particular na Eucaristia. Segundo, por o
Coração de Jesus como modelo com o qual se deve modelar o próprio
coração. Terceiro, chamar os missionários a realizar sua missão dando
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testemunho dos tesouros do Coração de Jesus, sobretudo entre os
sacerdotes diocesanos e entre os fiéis.
13) Elementos de uma espiritualidade da Família Chevalier
a. Tem uma visão de Jesus como Supremo Adorador do Pai em nome da
criação “A eucaristia universal”. “O homem...é um animal que reza, que
adora, e que dá graças. A matéria em nós se faz religiosa”.
b. A adoração é a expressão de um coração agradecido, e nos anima a
levantar nossos corações par poder ver o quadro maior que nos permite
encarar o futuro.
c. Dennis Murphy, msc diz que a espiritualidade de Chevalier é uma
espiritualidade orientada para a criação, com aplicações práticas em todo
o campo da ecologia, do respeito pelo mundo material que vivemos...A
atenção ao Sagrado Coração deve desenvolver em nós um sentido da
sacralidade de todas as coisas.
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4ª parte: A espiritualidade do Coração no contexto atual da Igreja e da sociedade.
A) Na Encíclica Deus é amor – Deus caritas Est (Bento XVI, 25/12/2005)
Introdução:
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1 Jo 4,16: Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus e Deus
nele: centro da fé cristã.
Nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós: assim exprimi o
cristão a sua opção de vida
Início do ser cristão: não é uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o
encontro com uma pessoa.
Jesus uniu a amor a Deus ao amor aos irmãos: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo (Lv 19,18, Mc 12,29-31)
Já que Ele nos amou primeiro, o amor deixa de ser um mandamento, mas a
resposta a um dom do amor.
Num mundo que associa o nome de Deus às vezes a vingança, ao ódio e à
violência, esta mensagem se torna atual.
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Parte I: A unidade do amor na criação e na história da salvação
5. Amor a Deus e amor ao próximo:
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É realmente possível amar a Deus, mesmo sem O ver? O amor pode ser
mandado?
O amor ao próximo é uma estrada para encontrar também a Deus. e que
fechar os olhos diante do próximo torna-os cegos também diante de Deus.
Ninguém jamais viu a Deus tal como Ele é em si mesmo. Contudo não ficou
pura e simplesmente inacessível a nós.
Amou-nos primeiro (1 Jo 4,10) e este amor apareceu no meio de nós (1 Jo
4,9)
Fez-se visível em Jesus. Ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos:
na última ceia, trespassado na cruz, nas aparições do Ressuscitado...
Na história da Igreja veio por meio dos homens, dos sacramentos, na liturgia,
na oração
Ele nos amou primeiro e continua a ser o primeiro a nos amar.
Revelou-nos com clareza que este amor não é apenas sentimento. Os
sentimentos vêm e vão. O sentimento pode ser uma centelha inicial, mas não
é a totalidade do amor.
O amor envolve a totalidade do homem: une intelecto, vontade e sentimento
O amor nunca está concluído e completado, transforma-se ao longo da vida,
amadurece e por isso mesmo, permanece fiel a si próprio.
Querer a mesma coisa e rejeitar a mesma coisa, segundo os antigos, é o
autêntico conteúdo do amor.
Esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e
sentimento. A vontade de Deus deixa de ser uma coisa estranha, mas se torna
a minha própria vontade. Cresce o abandono em Deus. (Sl 72/73, 23-28)
O amor ao próximo: eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me
agrada ou que nem sequer conheço. Isto só é possível a partir do encontro
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íntimo com Deus. (a comunhão da vontade se torna a comunhão de
sentimentos)
Eu vejo com os olhos de Cristo, e posso dar ao outro muito mais do que as
coisas externamente necessárias: posso dar-lhe o olhar de amor de que ele
necessita.
Se na minha vida falta o contato com Deus, posso ver no outro sempre e
apenas o outro e não consigo reconhecer a imagem divina.
Se negligencio a atenção ao outro, sendo apenas piedoso e cumprindo os
meus deveres, definha a minha relação com Deus. É uma relação correta,
mas sem amor.
Só minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe
amor é que me torna sensível também diante de Deus.
Só o serviço ao próximo é que abre meus olhos para aquilo que Deus faz por
mim e para o modo como Ele me ama. Ex: Beata Teresa de Calcutá. Santos
como ela tiram sua capacidade da eucaristia.
Já não é mais um mandamento externo que nos impõe o impossível, mas de
uma experiência de amor proporcionada do interior. Um amor que deve ser
comunicado aos outros.
O amor cresce através do amor.
O amor é divino porque vem de Deus e nos une a Deus e, através desse
processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera nossas divisões
e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja tudo em todos (1 Cor 15,28)
Parte II: Caritas – a prática do amor pela Igreja enquanto “Comunidade de
Amor”
2) A caridade como dever da Igreja:
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At 6,5-6: a escolha dos sete homens como início do ofício diaconal da Igreja
Os apóstolos com os ofícios da oração e o do serviço da Palavra sentiram-se
sobrecarregados pelo serviço da mesa decidiram delegar para os 7 o serviço
da mesa.
Este grupo não devia realizar um serviço técnico de distribuição: deviam ser
homens “cheios do E.S. e de sabedoria”. Era um serviço social e também
espiritual.
A diaconia fica instituída
Com o passar dos anos a prática da caridade confirmou-se como um dos
âmbitos essenciais da Igreja.
A Igreja não pode descurar o serviço da caridade, como também não pode
negligenciar os sacramentos, nem a Palavra.
Justino (+ 155) diz que na celebração dominical, as pessoas fazem a oferta e
o bispo as destina para os órfãos, para as viúvas, para os doentes e para os
que passam necessidade.
Meados do séc. IV: diaconia nos mosteiros: instituição responsável pelo
conjunto das atividades essenciais. A partir daí as dioceses também vão
criando essas mesmas instituições.
Ex: S. Lourenço (+258), conhecida por Santo Ambrósio (+397): Lourenço
distribui o dinheiro aos pobres e os apresentou às autoridades como o
verdadeiro tesouro da Igreja.
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Ex: Juliano, o Apóstata (+363). Não crê no cristianismo por ter assistido, aos
seis anos, ao massacre de sua família pelos guardas de Constâncio, que se
dizia cristão. Juliano decide restaurar o paganismo. Inspirou-se no
cristianismo. A única coisa do cristianismo que o maravilhava era o seu
sistema de caridade.
Tríplice dever da Igreja: a) anúncio da Palavra (kerygma-martyria),
celebração dos sacramentos (leiturgia), serviço da caridade (diakonia). Um
não pode ser separado dos outros.
Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de atividade de assistência social,
é expressão irrenunciável da sua própria essência.
A Igreja é a família de Deus no mundo. Nesta família, não deve haver
ninguém que sofra por falta do necessário. A caritas-agape estende-se para
além-fronteiras.
Gl 6,10: “Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com
todos, mas principalmente para com os irmãos na fé."
B) Na Encíclica Salvos na Esperança – Spe Salvi (Bento XVI, 30/11/2007)
39. Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça;
sofrer por causa do amor e para se tornar uma pessoa que ama verdadeiramente:
estes são elementos fundamentais de humanidade, o seu abandono destruiria o
mesmo homem. Entretanto levanta-se uma vez mais a questão: somos capazes
disto? O outro é suficientemente importante, para que por ele eu me torne uma
pessoa que sofre? Para mim, a verdade é tão importante que compensa o
sofrimento? A promessa do amor é assim tão grande que justifique o dom de mim
mesmo? Na história da humanidade, cabe à fé cristã precisamente o mérito de ter
suscitado no homem, de maneira nova e a uma nova profundidade, a capacidade
dos referidos modos de sofrer que são decisivos para a sua humanidade. A fé
cristã mostrou-nos que verdade, justiça, amor não são simplesmente ideais, mas
realidades de imensa densidade. Com efeito, mostrou-nos que Deus – a Verdade e
o Amor em pessoa – quis sofrer por nós e conosco. Bernardo de Claraval cunhou
esta frase maravilhosa: Impassibilis est Deus, sed non incompassibilis [29] – Deus
não pode padecer, mas pode-se compadecer. O homem tem para Deus um valor
tão grande que Ele mesmo Se fez homem para poder padecer com o homem, de
modo muito real, na carne e no sangue, como nos é demonstrado na narração da
Paixão de Jesus. A partir de lá entrou em todo o sofrimento humano alguém que
partilha o sofrimento e a sua suportação; a partir de lá se propaga em todo o
sofrimento a con-solatio, a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim
a estrela da esperança. Certamente, nos nossos inúmeros sofrimentos e provas
sempre temos necessidade também das nossas pequenas ou grandes esperanças –
de uma visita amiga, da cura das feridas internas e externas, da solução positiva de
uma crise, etc. Nas provações menores, estes tipos de esperança podem mesmo
ser suficientes. Mas, nas provações verdadeiramente graves, quando tenho de
assumir a decisão definitiva de antepor a verdade ao bem-estar, à carreira e à
propriedade, a certeza da verdadeira grande esperança, de que falámos, faz-se
necessária. Para isto, precisamos também de testemunhas, de mártires, que se
entregaram totalmente, para que no-lo manifestem, dia após dia. Temos
necessidade deles para preferirmos, mesmo nas pequenas alternativas do dia-a-dia,
o bem à comodidade, sabendo que precisamente assim vivemos a vida de verdade.
Digamo-lo uma vez mais: a capacidade de sofrer por amor da verdade é medida
31
de humanidade. No entanto, esta capacidade de sofrer depende do género e da
grandeza da esperança que trazemos dentro de nós e sobre a qual construímos. Os
santos puderam percorrer o grande caminho do ser-homem no modo como Cristo
o percorreu antes de nós, porque estavam repletos da grande esperança.
C) Na Encíclica A luz da Fé – Lumem Fidei (Papa Francisco, 29/06/2013)
16. A maior prova da fiabilidade do amor de Cristo encontra-se na sua morte pelo
homem. Se dar a vida pelos amigos é a maior prova de amor (cf. Jo 15, 13), Jesus
ofereceu a sua vida por todos, mesmo por aqueles que eram inimigos, para
transformar o coração. É por isso que os evangelistas situam, na hora da Cruz, o
momento culminante do olhar de fé: naquela hora resplandece o amor divino em
toda a sua sublimidade e amplitude. São João colocará aqui o seu testemunho
solene, quando, juntamente com a Mãe de Jesus, contemplou Aquele que
trespassaram (cf. Jo 19, 37): « Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho
delas e o seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós
crerdes também » (Jo 19, 35). Na sua obra O Idiota, Fiódor Mikhailovich
Dostoiévski faz o protagonista — o príncipe Myskin — dizer, à vista do quadro
de Cristo morto no sepulcro, pintado por Hans Holbein o Jovem: « Aquele quadro
poderia mesmo fazer perder a fé a alguém »;[14] de facto, o quadro representa, de
forma muito crua, os efeitos destruidores da morte no corpo de Cristo. E todavia é
precisamente na contemplação da morte de Jesus que a fé se reforça e recebe uma
luz fulgurante, é quando ela se revela como fé no seu amor inabalável por nós, que
é capaz de penetrar na morte para nos salvar. Neste amor que não se subtraiu à
morte para manifestar quanto me ama, é possível crer; a sua totalidade vence toda
e qualquer suspeita e permite confiar-nos plenamente a Cristo.
21. Podemos assim compreender a novidade, a que a fé nos conduz. O crente é
transformado pelo Amor, ao qual se abriu na fé; e, na sua abertura a este Amor
que lhe é oferecido, a sua existência dilata-se para além dele próprio. São Paulo
pode afirmar: « Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim » (Gl 2,
20), e exortar: « Que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações » (Ef 3, 17). Na
fé, o « eu » do crente dilata-se para ser habitado por um Outro, para viver num
Outro, e assim a sua vida amplia-se no Amor. É aqui que se situa a acção própria
do Espírito Santo: o cristão pode ter os olhos de Jesus, os seus sentimentos, a sua
predisposição filial, porque é feito participante do seu Amor, que é o Espírito; é
neste Amor que se recebe, de algum modo, a visão própria de Jesus. Fora desta
conformação no Amor, fora da presença do Espírito que o infunde nos nossos
corações (cf. Rm 5, 5), é impossível confessar Jesus como Senhor (cf. 1 Cor 12,
3).
D) Na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho – Evangelii Gaudium
(Papa Francisco, 24/11/2013)
264. A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela
experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais. Com
efeito, um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a
apresentar, de a tornar conhecida, que amor seria? Se não sentimos o desejo intenso de
comunicar Jesus, precisamos de nos deter em oração para Lhe pedir que volte a cativar-
32
nos. Precisamos de o implorar cada dia, pedir a sua graça para que abra o nosso coração
frio e sacuda a nossa vida tíbia e superficial. Colocados diante d’Ele com o coração
aberto, deixando que Ele nos olhe, reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu
Natanael no dia em que Jesus Se fez presente e lhe disse: «Eu vi-te, quando estavas
debaixo da figueira!» (Jo 1, 48). Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de
joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos
seus olhos! Como nos faz bem deixar que Ele volte a tocar a nossa vida e nos envie para
comunicar a sua vida nova! Sucede então que, em última análise, «o que nós vimos e
ouvimos, isso anunciamos» (1 Jo 1, 3). A melhor motivação para se decidir a comunicar
o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o
coração. Se o abordamos desta maneira, a sua beleza deslumbra-nos, volta a cativar-nos
vezes sem conta. Por isso, é urgente recuperar um espírito contemplativo, que nos
permita redescobrir, cada dia, que somos depositários dum bem que humaniza, que
ajuda a levar uma vida nova. Não há nada de melhor para transmitir aos outros.
270. Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das
chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a
carne sofredora dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais
ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de
aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto com a vida concreta dos outros e
conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre
maravilhosamente e vivemos a intensa experiência de ser povo, a experiência de
pertencer a um povo.
272. O amor às pessoas é uma força espiritual que favorece o encontro em plenitude
com Deus, a ponto de se dizer, de quem não ama o irmão, que «está nas trevas e nas
trevas caminha» (1 Jo 2, 11), «permanece na morte» (1 Jo 3, 14) e «não chegou a
conhecer a Deus» (1 Jo 4, 8). Bento XVI disse que «fechar os olhos diante do próximo
torna cegos também diante de Deus»,[209] e que o amor é fundamentalmente a única
luz que «ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e
agir».[210] Portanto, quando vivemos a mística de nos aproximar dos outros com a
intenção de procurar o seu bem, ampliamos o nosso interior para receber os mais belos
dons do Senhor. Cada vez que nos encontramos com um ser humano no amor, ficamos
capazes de descobrir algo de novo sobre Deus. Cada vez que os nossos olhos se abrem
para reconhecer o outro, ilumina-se mais a nossa fé para reconhecer a Deus. Em
consequência disto, se queremos crescer na vida espiritual, não podemos renunciar a ser
missionários. A tarefa da evangelização enriquece a mente e o coração, abre-nos
horizontes espirituais, torna-nos mais sensíveis para reconhecer a acção do Espírito, faznos sair dos nossos esquemas espirituais limitados. Ao mesmo tempo, um missionário
plenamente devotado ao seu trabalho experimenta o prazer de ser um manancial que
transborda e refresca os outros. Só pode ser missionário quem se sente bem, procurando
o bem do próximo, desejando a felicidade dos outros. Esta abertura do coração é fonte
de felicidade, porque «a felicidade está mais em dar do que em receber» (Act 20, 35).
Não se vive melhor fugindo dos outros, escondendo-se, negando-se a partilhar,
resistindo a dar, fechando-se na comodidade. Isto não é senão um lento suicídio.
Maristelo,msc
JF, 16 e 17/01/14
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