Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos

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Garantia de Acesso a
Medicamentos Pós-Estudos
Clínicos
ABRACRO – Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica
São Paulo, 2011
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Índice
Introdução ............................................................................................................................. 3
ABRACRO - Vitor Harada........................................................................................................ 4
Dr. Freddy Goldberg Eliaschewitz - Endocrinologista ........................................................... 7
Dr. Luis Augusto Tavares Russo - Endocrinologista ............................................................. 10
Dra. Sonia Dainesi - Endocrinologista.................................................................................. 13
Dr. Nelson Keiske Ono - Ortopedista................................................................................... 17
Paula Goldenstein Strassmann e Maristela Precivale - Estatísticas .................................... 19
Dra. Angela Fan Chi Kung - Advogada ................................................................................. 22
ANVISA - Patrícia Ferrari Andreotti e Fanny Nascimento Moura Viana.............................. 25
Instituto Nacional de Salud Publica (México) - Dra. Julieta Ivone Castro Romero ............. 28
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ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Introdução
GARANTIA DE ACESSO A MEDICAMENTOS PÓS-ESTUDOS CLÍNICOS
O fornecimento de medicação pós-estudo é um assunto importantíssimo e que necessita ainda
de discussões para que ocorra um entendimento entre as diversas partes envolvidas com o tema
no país.
Há de se pesar nesta discussão os aspectos clínicos, éticos e jurídicos, bem como considerar o
ponto de vista das CROs, investigadores, indústrias, especialistas, advogados especializados,
ANVISA e CONEP, e tudo isso tendo como cenário o Sistema Único de Saúde (SUS).
Com o objetivo de apresentar aos interessados e à sociedade os pontos e contrapontos da
discussão, a ABRACRO organizou esta publicação que contém a opinião de diversos profissionais
da área de saúde, de advogada especialista em Direito Sanitário, de estatística especialista em
Pesquisa Clínica, bem como o ponto de vista da ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Infelizmente a CONEP, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, não aceitou o convite para
participar desta publicação e expor aos interessados seus argumentos sobre o tema.
Finalizando a publicação, é apresentado o texto da Presidente da Comissão de Bioética do
Instituto Nacional de Saúde Pública do México, um dos principais países na realização de estudos
clínicos na América Latina.
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ABRACRO - Vitor Harada
INTRODUÇÃO
A garantia de acesso ao produto investigacional após o estudo é necessária em algumas situações,
mas pode não ser adequada para todas as indicações terapêuticas. Nossa regulamentação precisa
prever este tipo de fornecimento e autorizá-lo apenas em alguns casos específicos.
Atualmente, a CONEP condiciona a aprovação dos estudos clínicos à garantia por parte do
patrocinador, de acesso gratuito e irrestrito ao produto investigacional, caso o Investigador
Principal o prescreva no final do tratamento. A regra é única e se aplica a todo e qualquer tipo de
estudo clínico conduzido no Brasil, mesmo para estudos de vacinas, profiláticos com cessação do
fator de risco ou de indicações agudas, onde não existe necessidade da continuidade de
tratamento posterior.
A ANÁLISE
Na pesquisa clínica, assim como na prática médica, a maioria das intervenções envolve riscos1.
Para o tratamento de cada paciente é feito um gerenciamento de risco onde se avaliam duas
dimensões distintas: a eficácia ou benefício do tratamento e a segurança e possíveis reações
adversas do tratamento. É o equilíbrio entre estas duas variáveis que definem o valor terapêutico
de um tratamento e se ele é adequado para uma dada indicação.
Ao final de um estudo clínico individual, seja ele de fase II ou III, talvez tenhamos uma boa noção
da eficácia do produto, mas geralmente não sabemos ao certo sobre a segurança do mesmo.
Durante o estudo se coletam todos eventos adversos, que sabidamente ainda não tem relação
causal definida com a droga, e é através da estatística de vários estudos que se descobre quais os
possíveis riscos relacionados.
Para os casos de doenças graves sem alternativa comprovada de tratamento, ou em casos onde
há risco imediato de vida, não há discussão de que o acesso pós-estudo se faz necessário. Nestes
casos, a eficácia e possibilidade de se salvar uma vida se sobrepõem ao risco, independente de
quais sejam os problemas de segurança.
Nos demais casos, mesmo quando a eficácia é evidente, ainda não sabemos todas as estatísticas
sobre a segurança do produto em estudo. Na ausência da possibilidade de se avaliar este
equilíbrio entre eficácia e segurança e havendo alternativas comprovadas e conhecidas de
tratamento, a decisão mais conservadora seria não continuar o uso de um produto ainda em fase
experimental.
1
Parágrafo 8 da Declaração de Helsinque.
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ACESSO AO ESTUDO CLÍNICO VERSUS ACESSO PÓS-ESTUDO CLÍNICO
Aparentemente, há consenso sobre o fato de que não é adequado fornecer o produto
investigacional pós-estudo em todos os casos, mas ainda assim existe um problema.
A necessidade de talvez fornecer um produto ainda em teste e sem registro de modo prolongado
pode ser potencialmente prejudicial ao sujeito de pesquisa e tem embasamento jurídico
duvidoso. Embora a CONEP veja a decisão de fornecimento como uma responsabilidade única do
Investigador, na prática é uma responsabilidade compartilhada entre o investigador, patrocinador
e a instituição onde o sujeito está sendo atendido.
Em certos casos, o próprio fornecimento seria eticamente duvidoso e isso causa receio e coíbe
patrocinadores dos estudos clínicos, sejam de origem privada, pública, acadêmica, nacional ou
internacional.
Em adição ao caso acima, essa mesma possibilidade de fornecimento em indicações em que ela
não faz sentido (vacinas, profiláticos, etc.), faz com que muitos patrocinadores evitem fazer
estudos clínicos no Brasil.
Discute-se muito o acesso pós-estudo, mas não se discute o acesso ao estudo clínico em si.
Somando esta complicação aos nossos longos tempos regulatórios e dupla aprovação ética,
muitos pacientes acabam sendo privados da oportunidade de participar de estudos que são suas
únicas esperanças de tratamento. Vide o caso de nosso ex Vice-Presidente da República que
sabidamente foi aos Estados Unidos participar de um estudo clínico que poderia estar sendo
conduzido no Brasil.
O CONTRAPONTO USUAL
A declaração de Helsinque em seu parágrafo 33 diz que o sujeito de pesquisa deve receber
informação sobre o resultado do estudo e compartilhar benefícios que dele resultem. Nossa
regulamentação brasileira também prevê esse retorno.
Em frente a este ponto levanto que, ao mesmo tempo, o item 6 diz que o bem-estar do indivíduo
deve prevalecer sobre qualquer outro interesse.
Como explicado anteriormente, ao abrirmos a possibilidade de fornecer uma substância não
comprovada, salvo as exceções já citadas, não estamos tomando a medida mais conservativa para
a segurança do paciente.
Existem outros benefícios indiretos, como o nível de atenção e cuidados dados a um sujeito, a
geração de conhecimento e descoberta de novos tratamentos.
As patentes de medicamentos inovadores expiram, mas o conhecimento e alternativas
terapêuticas são bem comuns, universais e duradouros.
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Aproveitando o tema, lembramos os estudos de bioequivalência. Estes estudos são necessários
para a aprovação de medicamentos genéricos, e é inegável que estes medicamentos são um
componente importantíssimo do sistema de saúde público. Estes estudos são feitos com
voluntários saudáveis e é impossível que eles tenham benefício direto do objeto de estudo,
reforçando o ponto de que o benefício coletivo pode somar ao benefício individual direto.
O ARBÍTRIO DO PACIENTE
Nossa legislação não permite o pagamento dos sujeitos de pesquisa para que não haja influência
econômica sobre a decisão de participação no estudo, mas a promessa de possível fornecimento
irrestrito e permanente do produto investigacional é um atrativo forte o suficiente para
influenciar a decisão do paciente. Mais forte do que um pagamento monetário.
CONCLUSÃO
O equilíbrio entre permitir a garantia do bem-estar dos sujeitos e o acesso aos estudos, seria
definir previamente que apenas casos onde há ameaça à vida, ou doenças graves sem alternativa
de tratamento prevejam o fornecimento de produto investigacional pós-estudo clínico.
Nestes casos, não há dúvida sobre o balanço entre eficácia e segurança dos sujeitos de pesquisa e
a sugestão é que apenas estes estudos exijam a frase de garantia pós-estudo nos termos de
consentimento livre e esclarecido, visando a segurança do próprio paciente.
Ficariam de fora as indicações onde há disponibilidade de tratamento aprovados e conhecidos, e
caso haja situações que fogem à regra principal, esta exigência poderia ser feita individualmente
ao estudo clínico em questão, no momento de sua avaliação pelo Comitê de Ética, caso a caso.
Vitor Harada
Diretor Presidente – ABRACRO
Diretor de Operações Clínicas da ICON Clinical Research no Brasil
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Dr. Freddy Goldberg Eliaschewitz - Endocrinologista
ACESSO À MEDICAÇÃO PÓS-ESTUDO CLÍNICO
A questão do acesso à medicação experimental após o término de um estudo clínico é um assunto
complexo que envolve questões éticas, morais, humanitárias, econômicas, legais e principalmente
médicas. Por estes motivos não é possível assumir uma posição reducionista, tipo a favor ou
contra, sem o cuidado de examinar cada caso em suas circunstâncias e peculiaridades.
Na pesquisa clínica, a medicação é utilizada estritamente de acordo com um protocolo, e é nesta
circunstância que as autoridades éticas e regulatórias permitiram o seu uso, dentro de critérios
bem definidos de inclusão, exclusão e de resgate. A aprovação foi concedida porque se julgou que
a relação risco/benefício nessas circunstâncias, e por tempo limitado, era favorável, tendo em
vista que o objetivo de qualquer pesquisa é gerar conhecimento. Assim, mesmo que um
voluntário de pesquisa tenha tido benefício durante o estudo, não significa que este seria o
tratamento mais adequado a ser prescrito. Na condição fora do estudo clínico, o médico deve
decidir qual o melhor tratamento disponível, baseado em risco/benefício e custo/efetividade,
conhecimentos gerados não por uma pesquisa apenas, mas por uma série de estudos que
envolveram centenas ou milhares de pessoas e cujos resultados foram escrutinados pelas
autoridades regulatórias durante o processo de aprovação.
Assumir que, porque um paciente teve beneficio terapêutico em relação a um determinado
comparador durante um estudo clínico, este será o melhor tratamento, é um grave equívoco que
pode trazer conseqüências desastrosas.
Tomemos um exemplo da vida real, que a minha experiência como investigador me permitiu
vivenciar: Há alguns anos conduzimos um estudo em diabetes tipo2 que comparava o controle
metabólico obtido com uma droga experimental denominada rogaglitazar comparada ao
tratamento com uma sulfoniluréia amplamente utilizada até hoje. O estudo tinha 24 semanas de
duração e o desfecho primário era a variação da hemoglobina glicada entre o valor basal e a visita
de término do estudo. Suponha que um determinado paciente (como de fato ocorreu com vários)
tenha atingido, com o rogaglitazar, a normalização da hemoglobina glicada sem apresentar
hipoglicemias, fato comum com as sulfoniluréias. Este foi o maior benefício que se pôde obter
neste estudo. Imaginemos que em função do resultado, o investigador continuasse a fornecer a
droga experimental ao ex-voluntário, agora paciente. Passado algum tempo, o desenvolvimento
da droga foi descontinuado por causar câncer de bexiga e todos os pacientes expostos ao fármaco
tiveram que se submeter por anos a exames de cistoscopia e exames citológicos de urina. Por
outro lado, o paciente em pauta poderia, ao término do estudo, voltar a ser tratado com
metformina (gratuita na farmácia popular), que é tão potente quanto o rogaglitazar e não causa
hipoglicemia, mas este medicamento não fazia parte do protocolo de estudo clínico.
A partir deste exemplo fica claro que o fato de um medicamento se mostrar superior em um
parâmetro em relação a um determinado comparador utilizado em um estudo clínico, não
significa que deva ser prescrito como tratamento.
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Este é um dos motivos, pelo qual a Declaração de Helsinque, no seu parágrafo 30, diz que todos
os participantes devem ter assegurados o acesso aos COMPROVADAMENTE melhores métodos
terapêuticos. Enquanto que a Resolução do nosso CNS 251/97 se refere à SUPERIORIDADE
COMPROVADA (item m) e MELHOR REGIME de tratamento (item v-3). O texto da declaração
refere-se apenas àqueles estudos clínicos comparativos entre duas opções terapêuticas já
aprovadas, cujo perfil de segurança é conhecido, para poder-se estabelecer a superioridade de
um ou outro tratamento.
Além disso, a dispensação de drogas ainda não licenciadas e fora de estudos clínicos pode
configurar o crime de exercício ilegal da medicina ou falta ética As autoridades legais e éticas
estabeleceram estas salvaguardas para impedir que uma medicação não aprovada fosse utilizada
como tratamento.
Portanto, um passo inicial e necessário antes de se estabelecer a exigência de fornecer medicação
experimental pós-estudo, seria o de modificar o marco legal vigente que torna o médico que
fornece o medicamento um criminoso e a CONEP indutora de comportamento criminal.
A responsabilidade da indústria neste caso é limitada, pois fora de um estudo clínico, somente é
responsável pelo que acontece com o uso de sua medicação se o tratamento for conduzido
conforme a bula aprovada no país; portanto, a responsabilidade é inteiramente do médico.
É previsível que nenhum médico queira indicar um tratamento experimental sem a proteção legal
para fazê-lo. Assim, a exigência indiscriminada de fornecimento de medicação pós-estudo termina
por ser ineficaz e gera insegurança nos investigadores, patrocinadores e na classe médica.
No entanto, o término do estudo traz sem dúvida, um dilema ético que é a suspensão de
tratamento que pode estar sendo eficaz.
Para situações que envolvem patologias graves, com risco de vida ou limitantes sem que haja
medicação substitutiva equivalente, ou quando há risco excessivo na substituição da medicação, a
mesma pode ser mantida e é fornecida gratuitamente pelo patrocinador dentro dos marcos legais
do protocolo de extensão para o paciente que teve o benefício, o acesso expandido estando
devidamente justificado perante ANVISA ou perante a doação de medicamentos que está
regulamentada.
Nestas circunstancias, o acesso gratuito da medicação experimental pós-estudo sempre existiu e
deverá continuar existindo.
Em princípio, nenhum medico deveria utilizar uma medicação experimental como tratamento, se
houver uma medicação aprovada equivalente. Principalmente em um país como o nosso em que
o direito a saúde é universal e garantido pela constituição.
Se na prática esse direito constitucional não é cumprido, é este o problema que deve ser resolvido
ao invés de arremessá-lo sobre as costas da classe médica.
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A responsabilidade de minorar a dificuldade de acesso ao tratamento é missão do governo e da
sociedade como um todo, e não pode ser resolvido de modo a que os médicos tenham uma
atitude profissionalmente irresponsável ou induzindo pacientes a exigir tratamentos cuja
segurança ainda não foi comprovada.
Dr. Freddy Goldberg Eliaschewitz
Mestre em Endocrinologia pela Universidade de São Paulo
Diretor Clínico – CPClin Centro de Pesquisas Clínicas
Diretor da APCB – Associação de Pesquisa Clínica do Brasil
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Dr. Luis Augusto Tavares Russo - Endocrinologista
ACESSO APÓS ESTUDO: EM BUSCA DE SOLUÇÃO
O longo debate sobre a responsabilidade dos patrocinadores em fornecer tratamento após os
estudos clínicos necessita de racionalização e uma solução dentro de um espírito de honestidade
intelectual e clareza científica. Após tantos anos de discussão, é hora de se encontrar dentro dos
princípios éticos e de segurança sanitária uma solução factível e racional longe de emoções e
justicialismo.
No âmbito da WMA1 (Organização Médica Mundial) e das revisões da Declaração Helsinki sempre
se buscou uma ‘saída’ justa e plausível para a situação de pós-estudo. As últimas emendas
acabaram sofrendo dupla interpretação: por parte de autoridades de países desenvolvidos de
uma forma mais flexível e nos países pobres e em desenvolvimento de outra, mais intransigente e
abrangente.
No Brasil se condicionou a obrigatoriedade de que se “forneça acesso amplo e irrestrito ao sujeito
da pesquisa caso este mostre superioridade ou tratamento vigente” para aprovação ética na
esfera do comitê central em estudos que envolvam participação estrangeira. Não fica claro se o
fornecimento será si ne di, e em que momento esta superioridade da droga tem que ser
demonstrada e atingida (às vezes carece de tempo e análises mais profundas), sem esquecermos
algo importante, de quem seria a responsabilidade de acompanhar também si ne di estes
pacientes (pois são acompanhados de forma controlada e especial durante a pesquisa)? Mais
ainda: de quem será a responsabilidade em caso danos a saúde após os estudos?
O documento de ‘acesso a droga teste pós-estudo’ passou a condição sine qua non para
aprovação, o que ao final sem dúvida torna-se um dos múltiplos entraves (além da burocracia e
da dupla avaliação ética exigida no país aos estudos com participação estrangeira) e causa de
afastamento de muitos patrocinadores em conduzir estudos no país, sabidamente em franca
queda de números de projetos2.
O MITO DO FORNECIMENTO GRATUITO
Merece atenção a quebra de alguns paradigmas e mitos como a da real motivação de participação
por parte da população nos estudos clínicos. A literatura demonstra que sem dúvida a busca ‘ao
remédio e tratamento gratuito’ não é a principal motivação dos voluntários. Outros fatores mais
importantes e elevados como o puro altruísmo para o bem da humanidade, e a clara
determinação de voluntários de conhecer mais a sua própria condição de saúde, são motivos
que se repetem em análises, estando na frente do ‘acesso a droga’ como principais fatores
determinantes da participação voluntária em estudos. Em trabalho realizado em unidade de
pesquisa3 não apenas se demonstrou claramente estes dados, como também se observou que o
nível sócio econômico cultural dos participantes voluntários se assemelhava ao perfil da
população média da cidade do Rio de Janeiro onde o estudo foi conduzido, não se tratando de
uma população fragilizada3 (outro mito em relação aos sujeitos de pesquisa no nosso país).
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De forma semelhante também se discutiu este aspecto de acesso a droga investigacional noutros
países, não apenas sob a ótica da opinião de sujeitos, mas também de investigadores e membros
de comitê de ética em estudos multinacionais com HIV/AIDS4. Apesar dos voluntários se
posicionarem a favor que à ‘maioria’ dos participantes dos projetos e a toda a população que
necessite da mesma em todo o mundo deva ser fornecida a medicação, tanto os membros de
IRBs/REC (Independent Review Board / Research Ethics Committee) quanto os investigadores
foram bem mais conservadores e menos expansivos ‘para quem e como’ a medicação deva ser
garantida.
SISTEMATIZAÇÃO
Desta forma é mister que se observe algumas regras para condições que possam determinar
vantagens e sobrepujar os riscos do acesso pós estudo de um novo medicamento experimental
para nossa população.
Uma sistematização para o país (que sem dúvida de longe não é mais um país de extrema pobreza
assumindo cada vez mais um papel de liderança em todos os setores no cenário científico), com
regras definidas como ocorreu recente em amplo debate na sociedade americana no documento
‘Final Rules for Expanded Access to Investigational Drugs for Treatment and Changing for
Investigational Drugs’ publicado pelo FDA em 20095. Na busca de uma solução objetiva e racional
de padronização baseada em evidências científicas, com a participação de toda a sociedade e as
partes envolvidas, desde associação de pacientes a ordem de advogados no país, que puderam
opinar sobejamente neste documento. Criaram-se normas para se saber em que circunstâncias
deve ser cobrada a droga experimental, estabelecer critérios de diferentes tipos de expansão de
acesso e os custos a serem cobertos para diferentes grupos e populações. Como fator primordial
debateu-se o que seria a definição para condições médicas graves e complexas para então se
buscar as condições que merecem analise para expansão do uso de medicamentos, entre elas:
- Condições que causem séria incapacidade (ex.: avc, trauma encefálico e raquimedular);
- Condições que causem dor intensa que impeçam as atividades normais diárias (como artrites);
- Condições que requerem monitoração freqüente (como esquizofrenia e outras psicoses);
- Condições que possam levar a sérias complicações e morte (como câncer);
- Incluiu-se também a definição em pesquisa de eventos adversos sérios, que sejam situações que
acarretem hospitalização ou seu prolongamento, incapacidade, anomalias congênitas ou
defeitos ao nascimento;
FUNDO DE ACESSO
Num mundo competitivo de natureza instável, onde o excesso de investimento abruptamente
pode ser substituído por tempos difíceis até para os mais ricos, vide a recente crise de 2008/09,
urge a necessidade de se criar mecanismos onde de forma concreta e consistente se garanta
acesso a droga nas condições em que se requer para todos os países (não apenas os pobres).
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Nos moldes que em alguns países ao fim dos estudos com retrovirais1,6 se desenvolveu ‘fundos’
de assistência pós-estudo como o ‘The HIV Netherlands Austrália Thailand Research Colaboration
(HIV-NAT)’, visando buscar uma solução mais imediata e que nos parece atraente como algo
factível principalmente para países que ainda enfrentam dificuldades com a distribuição de
medicamentos (seja pós-estudos ou mesmo já no mercado). Estes fundos podem de alguma
forma se somar aos programas governamentais, e ao final beneficiar a quem nós investigadores
dedicamos o melhor de nossa capacidade, nossos esforços e por que não dizer a nossa vida:
beneficiar os nossos pacientes!
CONCLUSÃO
A retórica e as dúvidas a quem se deve fornecer a droga experimental após os estudos clínicos
devem ser substituída por uma ação objetiva de sistematização das condições médicas onde se
deva fornecer acesso a droga, assim como a quem, como, e por quanto tempo cabe o
fornecimento. Obviamente este fato requer um debate amplo e transparente entre todas as
partes envolvidas: autoridades, pesquisadores, patrocinadores e a sociedade brasileira. A criação
de um fundo de apoio ao acesso aos novos medicamentos, testes diagnósticos e dispositivos
médicos, pode ajudar o sistema publico e privado de saúde e fortalecer o sistema como um todo
para maior expansão ao acesso como reza nossa Constituição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ananwoworanich J ET col. Creation of a drug fund for post-clinical trail Access to antiretrovirals.
www.thelancet.com Vol 364 July 3. 2004.
2. Thiers F. Globalization in Clinical trials. Nature Vol 7 . Jan 2008.
3. Lacativa P, Russo LA, et col. Perfil dos Sujeitos de Pesquisa Clínica em um Centro Ambulatorial
Independente. Rev. Ciencia e Saúde Coletiva, 13(3)2008.
4. Pace et col. Post-trial Access to tested Interventions: The Views of IRB/REC Chair, Investigators, and
Research Participants in a Multinational HIV/AIDS Study.
5. Final Rules for Expanded Access to investigational Drugs for Treatment Use and Charging for
Investigational Products. www.fda.gov/Drugs/Development.Federal Register Vol 74 . 155. Aug 2009.
6. Cianarelo et al. HIV Clin Trails 10(1):13-24;2009.
Dr Luis Augusto Tavares Russo MD. Ph.D
Diretor da APCB - Associação de Pesquisa Clínica do Brasil
Doutor pela FioCruz em Saúde Coletiva da Criança e da Mulher
Professor Assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro em Endocrinologia e Diabetes – IEDE-RJ
Diretor do CCBR Brasil Centro de Análises e Pesquisas Clínicas
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ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Dra. Sonia Dainesi - Endocrinologista
GARANTIA DE ACESSO PÓS-ESTUDO
A tendência de globalização dos ensaios clínicos, observada nos últimos anos, trouxe à tona
questões antes não discutidas e a continuidade do tratamento com os medicamentos em
investigação, após a conclusão da pesquisa, é uma delas. No Brasil, há cerca de cinco anos, os
Comitês de Ética em Pesquisa, CEPs, e, particularmente, a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, CONEP, passaram a solicitar a manutenção do fornecimento do(s) medicamento(s) do
estudo após sua finalização. Embora baseada nos principais documentos éticos que norteiam a
pesquisa clínica (Declaração de Helsinque e CIOMS, por exemplo, e, no Brasil, as Resoluções
196/96 e 251/97) essa solicitação apresenta dificuldades práticas para implantação,
principalmente no caso de doenças crônicas.
A continuidade dos cuidados médicos, incluindo o tratamento, baseia-se na responsabilidade
ética de compensar os indivíduos que voluntariamente aceitaram participar da pesquisa em prol
do desenvolvimento da ciência, e que foram expostos a riscos desconhecidos, a procedimentos
invasivos adicionais, a questões sobre seus hábitos e vida pessoal, entre outros. Adicionalmente,
os participantes da pesquisa podem não ter, após a conclusão do estudo, acesso ao medicamento
no serviço de saúde de seu país ou mesmo a cuidados de saúde de que necessitem. Essa
preocupação é certamente maior em países em desenvolvimento, pois os participantes de
pesquisa (e a própria população) são particularmente vulneráveis, em conseqüência de pobreza,
analfabetismo, recursos limitados, acesso a cuidados de saúde insuficientes e falta de
familiaridade ou inexperiência com pesquisa.
Tese defendida em maio de 2011, na Faculdade de Medicina da USP, avaliou este tema. O
objetivo da pesquisa foi identificar as questões envolvidas na continuidade do fornecimento de
medicamentos após a conclusão de ensaio clínico e analisar a perspectiva dos diversos atores que
compõem o cenário da pesquisa clínica nacional, isto é, pesquisadores, membros de Comitês de
Ética em Pesquisa (CEPs), patrocinadores e pacientes. Trabalhou-se com amostra por
conveniência, procurando-se gerar amostras que representassem, de forma adequada, a
população da qual foram extraídas, sendo os elementos integrantes selecionados por julgamento
de valor e/ou critério de acessibilidade, e não por questões de randomização estatística.
Questionários baseados na literatura e adaptados ao projeto em questão foram elaborados e
enviados por correio-eletrônico (e-mail), juntamente com os respectivos Termos de
Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE), entre outubro de 2009 e janeiro de 2010, a membros
de CEPs (todos os CEPs credenciados pela CONEP naquela data), pesquisadores (em duas áreas
terapêuticas, HIV/AIDS e Diabetes mellitus) e patrocinadores (todas as empresas farmacêuticas
que fazem pesquisa no Brasil e todas as Organizações Representativas de Pesquisa Clínica,
ORPCs). Aos pesquisadores foi solicitado que aplicassem o questionário a seus pacientes de
pesquisa, através de questionários em papel.
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ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
A taxa de resposta dos CEPs foi de 20,7% (124 responderam, de 599 questionários enviados), 20%
para os pesquisadores (58 de 290) e 45,3% para os patrocinadores (24 de 53). Cinqüenta e quatro
pacientes convidados por seus médicos responderam. Com relação à informação contida no TCLE,
o item menos informado é relativo a como obter o medicamento após o estudo, para todos os
grupos pesquisados. Com relação à motivação dos pacientes ao participar de uma pesquisa,
96,2% dos pacientes responderam como “muito importante”, na decisão, a busca de melhores
cuidados médicos e atenção à própria saúde, e 94,2% o fato de colaborar para o desenvolvimento
da ciência (altruísmo). Entretanto, os demais grupos entrevistados não pensam da mesma forma:
para eles, a maior motivação dos pacientes, ao participar de pesquisas clínicas, é a busca de
melhores cuidados médicos e atenção à sua saúde, seguido da busca pelo acesso a alternativas de
tratamento para sua doença.
Ao serem perguntados sobre quem deveria receber o medicamento em investigação após o
estudo, os pacientes responderam que todas as pessoas deveriam receber o medicamento após o
estudo (60,4%); entre os pesquisadores, a maior parte (43,1%) respondeu que o medicamento
deveria ser fornecido às pessoas participantes do estudo e 39,7% deles responderam que o
medicamento deveria ser fornecido às pessoas que se beneficiariam do medicamento em estudo.
Já os representantes de CEP concordaram com os pacientes que todas as pessoas deveriam
receber o medicamento, mas em proporção bem menor (35,3%). Os patrocinadores opinaram
que o medicamento do estudo deveria ser fornecido aos participantes da pesquisa que dele se
beneficiariam (50%). Houve consenso entre os grupos em que, havendo a continuidade do
tratamento, este deveria ser fornecido pelo patrocinador e de forma gratuita. Ao responder a
questão relativa a quanto tempo deveria o medicamento ser fornecido, pesquisadores e
patrocinadores consideraram que o medicamento deveria ser fornecido até estar disponível na
rede pública, enquanto que os membros de CEP, opinaram que isso deveria acontecer durante o
período que o paciente fosse beneficiado. Os pacientes responderam que o benefício deveria ser
mantido pela vida toda.
Devido às várias limitações do estudo (representatividade da amostra, população restrita a
usuários da Internet, estudo conduzido apenas no Brasil, em duas doenças apenas), seus
resultados não podem ser generalizados, mas contribuem para a discussão do tema, ao analisar
os pontos de vista de vários atores do cenário da pesquisa clínica nacional.
A maioria das diretrizes internacionais (e nacionais) não fornece orientação específica aos
pesquisadores sobre as obrigações pós-estudo. Não há leis explícitas a esse respeito, de modo
que as discussões usualmente se atêm a normas/diretrizes éticas e/ou morais. A continuidade do
fornecimento de medicamentos em investigação, após a conclusão do estudo, é mandatória
quando há benefício ao paciente e ele não tem alternativa de tratamento. Seria desumano, além
de antiético, descontinuar o tratamento, até então, bem sucedido. Esse caso configura a situação
de “necessidade”, e não simplesmente de “benefício” e pode, quase sempre, ser encaixada na
situação de acesso expandido (RDC 26/99). Entretanto, outras situações exigem diferentes
abordagens, como por exemplo, em doenças crônicas, onde outros tratamentos já estão
disponíveis. Nesta situação especificamente, além do benefício, deve-se ponderar o risco de se
continuar um tratamento ainda investigacional fora de ambiente controlado de pesquisa,
lembrando-se inclusive que, de acordo com a Lei 6360/77, nenhum produto pode ser utilizado
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antes de aprovação regulatória pela ANVISA, exceto em uso experimental e sob controle de
médico responsável. Idealmente, após um estudo de fase III, aos pacientes que se beneficiaram
do tratamento poder-se-ia oferecer um protocolo (opcional) de extensão do estudo, mantendo-se
as características de um ensaio clínico controlado. Fora dessa situação, a monitorização dos
pacientes e de potenciais eventos adversos estaria muito prejudicada e conseqüentemente,
também a segurança desses pacientes. Não se pode pensar em benefício apenas, desvinculado de
potenciais riscos.
O tema é suficientemente amplo e complexo para que se busque uma receita única para
atendimento de toda a diversidade de situações, culturas e sociedades. Provavelmente, a solução
não é única e simples, na medida em que cada pesquisa deve ter avaliação própria, pois tem suas
especificidades, da mesma forma que cada doença tem suas características, e cada população,
suas necessidades. Idealmente, deve-se definir um processo no qual os benefícios, após a
pesquisa, sejam incluídos na avaliação inicial de todos os ensaios clínicos de forma clara, como os
demais benefícios e riscos já usualmente considerados.
Se o cuidado em saúde é um compromisso de cada nação, a questão do fornecimento pós-estudo
existirá, mas será sempre uma questão temporária, com fim definido. É o caso dos medicamentos
para HIV/AIDS no Brasil. A pesquisa é apenas um meio de contribuir para a melhoria do cuidado
em saúde. Não pode ser, nem pretende ser, a saída para todos os problemas de saúde pública.
Para qualquer país em desenvolvimento, o fornecimento em longo prazo para pacientes após
estudos clínicos, só pode ser realisticamente mantido após aprovação regulatória do mesmo no
país e incorporação no sistema de saúde local.
As responsabilidades dos pesquisadores e patrocinadores não terminam quando o estudo acaba;
deve-se buscar de um término responsável da pesquisa, assim como da relação criada entre o
pesquisador e o paciente.
Pesquisadores e patrocinadores têm, portanto, obrigação de considerar o tema da provisão de
medicamentos após a pesquisa, mas não a obrigação de diretamente fornecê-los. A pesquisa
clínica é fundamental na geração de evidências que, posteriormente, se tornarão, ou não,
consensos e diretrizes de tratamento. E aí já estaremos falando de assistência e não mais de
pesquisa.
Antes disso, seria precoce (e arriscado) ampliar o uso de medicamento experimental, sem
necessidade e sem o controle rigoroso que habitualmente caracteriza o ambiente de pesquisa.
LITERATURA SUGERIDA
1. Associação Médica Brasileira. AMB. Declaração de Helsinque. [citado 18 set 2010]. Disponível em:
http://www.amb.org.br/Word/helsinki_JAMB.pdf
2. Conselho Nacional de Saúde. CNS. Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196 de 1996. [citado 18 set
2010]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc
3. Conselho Nacional de Saúde. CNS. Resolução 251 de 07 de julho de 1997. [citado 18 set 2010].
Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm
15
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
4. Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS), in collaboration with the World
Health Organization (WHO). International Ethical Guidelines for Biomedical Research Involving Human
Subjects.
CIOMS,
Geneva
2002.
[cited
2010
Aug
25].
Available
from:
http://www.cioms.ch/publications/layout_guide2002.pdf.
5. Dainesi SM. Fornecimento de medicamentos pós-pesquisa. [tese] São Paulo: Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo; 2011.
6. Goldim JR. O uso de drogas ainda experimentais em assistência: extensão de pesquisa, uso compassivo e
acesso expandido. Rev Panam Salud Publ. 2008; 23(3): 198-206. Também disponível em:
http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1020-49892008000300007&script=sci_arttext
7. Grady C. The challenge of assuring continued post-trial access to beneficial treatment. Yale J Health
Policy Law and Ethics. 2005; 1:425-35.
8. Hamilton EP, Lyman GH, Peppercorn J. Availability of experimental therapy outside oncology
randomized clinical trials in the United States. J Clin Oncol 2010; 28(34): 5067-73.
9. Mano MS, Rosa DD, Lago LD. Multinational clinical trials in oncology and posttrial benefits for host
countries: where do we stand? Eur J of Cancer. 2006; 42: 2675-7.
10. Schlemper-Junior, BR. Acesso às drogas na pesquisa clínica. Revista Bioética. 2007; 15(2): 248-66.
11. Schroeder D. Obrigações pós-pesquisa. RECIIS – Rev Eletr Comum Inform Inov Saúde. 2008; 2(Sup1):S6677.
12. Shah S. Post-trial obligations in international research. Presentation done at the Department of Biethics,
NIH Clinical Center, on Oct 27th 2010 as part of the Human Subject Research Course. [Cited 27 Dec 10].
Available at: http://www.bioethics.nih.gov/hsrc/
Dra. Sonia Mansoldo Dainesi
Diretora Médica da Boehringer Ingelheim
Doutora em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Membro da diretoria da SBMF desde 2003; Ex-presidente da SBMF (2004-2005)
Coordenação do projeto NAPesq (Núcleo de Apoio à Pesquisa Clínica) no HCFMUSP de 2005 a 2007 e
membro da Rede Nacional de Pesquisa Clínica (MCT/MS/FINEP), pelo HCFMUSP, no mesmo período
16
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Dr. Nelson Keiske Ono - Traumatologista
ACESSO A MEDICAÇÃO PÓS-ESTUDO
Segundo resolução n° 251/97 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), pacientes beneficiados com
uso de medicamento sob investigação têm acesso garantido ao mesmo pelo patrocinador. Porém
um número significativo de protocolos conduzidos no Brasil não prevê extensão dos referidos
para estes fins. Assim, para casos em que o paciente esteja se beneficiando do fármaco, o médico
julgue ser esta a melhor alternativa terapêutica e que não há uma extensão do estudo, a
Coordenação de Pesquisas em Ensaios Clínicos (CEPEC) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), conciliando a regulamentação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) com
a legislação sanitária, recomenda que o patrocinador permita o acesso a esse medicamento pelo
sujeito da pesquisa.
Isso ainda é um tema que necessita ser amplamente discutido e difundido. O acesso aos
medicamentos como forma de compensar os voluntários que usaram drogas experimentais e dar
continuidade ao tratamento, pode se tornar um risco se o patrocinador for o único responsável
pela saúde do paciente pós-estudo.
Em um país onde a distribuição de renda é extremamente desigual e, muitas vezes, parte da
população não recebe remédios gratuitamente, muito menos os compra, essa Resolução pode
ajudar a fornecê-los. Desse modo, indivíduos carentes, ao invés de interromper seus respectivos
tratamentos, darão continuidade. Porém isso se torna um problema quando o fornecimento
desses remédios é usado para camuflar os defeitos no sistema de saúde e na distribuição de
medicamentos.
O acesso a esses medicamentos só é garantido para os indivíduos que participaram do estudo. Ou
seja, é apenas uma parcela de pessoas, não a comunidade toda. O que pode se tornar injusto, já
que nem todos tiveram a oportunidade de participar da pesquisa clínica e, então, se beneficiar.
Por isso, o Council for International Organizations of Medical Sciences (Cioms) de 2002 defende o
acesso a toda a população desde que o medicamente seja responsivo às necessidades e
prioridades de saúde daquela comunidade.
O uso de medicamentos antes do seu registro na ANVISA não é recomendável. Mesmo que seja
comprovada a eficácia da droga, não há respaldo nenhum de órgãos governamentais.
Como essas drogas estão sob estudo ou pós estudo, não se sabe com certeza seus eventos
adversos e conseqüências a longo prazo. O fato é que baseando-se, não só nos resultados de
exames, mas também no paciente, cabe ao profissional da saúde avaliar se os benefícios são
maiores do que esses possíveis malefícios. Devido a isso, na maioria dos casos, acaba-se optando
pelos medicamentos convencionais.
Concluímos que esta Resolução pode beneficiar os sujeitos da pesquisa, pois mesmo que a
medicação não esteja sendo comercializada, permite que o mesmo continue o seu tratamento,
17
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
desde que este demonstre efetividade. Porém como são medicamentos em estudo clínico não
temos ainda os seus eventos adversos que podem surgir durante um tratamento mais
prolongado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. www.apcb.com.br/upload/pdf/52.ppt
2. www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/doacao_medicamento.htm
3. www.conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2009/24_ago_conep.htm
Dr. Nelson Keiske Ono
Professor Assistente, Doutor, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Santa Casa de São Paulo
Chefe do Grupo de Quadril da Santa Casa de São Paulo
Professor Assistente, Doutor, da Faculdade de Medicina do ABC
18
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Paula Goldenstein Strassmann e Maristela Precivale - Estatísticas
GARANTIA DE ACESSO PÓS-ESTUDO CLÍNICO - VISÃO ESTATÍSTICA
Na realização de qualquer estudo clínico, é praticamente impossível examinar todos os elementos
da população de interesse. Por isso, trabalhamos com amostra. Amostra pode ser definida como
um subconjunto, uma parte selecionada da totalidade de observações abrangidas pela população
em estudo, através da qual se faz inferência sobre as características da população. Uma amostra
tem que ser representativa. A tomada de uma amostra bem como seu manuseio, requer cuidados
especiais para que os resultados não sejam distorcidos. A inferência estatística dá elementos para
generalizar, de maneira segura, as conclusões obtidas da amostra para a população. Essas
conclusões têm um determinado erro, erro este que é inerente à variabilidade presente na
amostra que se recolhe, com o objetivo de tomar decisões, sobre o parâmetro que estamos a
estudar. Uma amostra que não seja representativa da população diz-se enviesada e a sua
utilização pode dar origem a interpretações erradas.
A justificativa teórica para dimensionamento de amostras é praticamente mandatório em
protocolos de pesquisa e tem sido uma preocupação constante de revisores de periódicos
científicos e membros de comissões que julgam projetos de pesquisa.
Embora sejamos freqüentemente questionados sobre este cálculo, convém refletir sobre
questões importantes, tais como problemas éticos e dificuldades logísticas na obtenção dos
dados. Por exemplo, em estudos sobre patologias raras ou com limitações de kits de laboratório,
a palavra que fala mais alto é viabilidade. O cálculo sempre é possível, mas observar o número de
pacientes estimado no período de tempo disponível para coleta de dados pode não ser viável.
Se a viabilidade deve ser considerada, por que nos preocupamos tanto com o tamanho da
amostra? Estatisticamente falando, para interpretar os resultados de uma análise estatística com
segurança é preciso garantir que o teste estatístico seja suficientemente poderoso para detectar
reais diferenças. Em estudos com resultados estatisticamente não significantes, uma preocupação
que surge é: será que não há significância mesmo ou o poder estatístico é baixo? Em uma revisão
de 71 artigos com resultados sem significância estatística, Freiman et al. (1974) concluíram que
mais do que ausência de significância, havia incapacidade em detectar diferenças. Esta
incapacidade é o baixo poder que está diretamente relacionado com o tamanho da amostra. Uma
grande preocupação é o fato de que importantes efeitos terapêuticos estão sendo perdidos
devido a estudos inadequados. Moher et al (1994) concluíram que “a informação do poder do
teste estatístico e o tamanho da amostra precisam ser melhorados”. De fato, é natural concluir
que estudos com muitos pacientes tenham maior poder e estudos com poucos pacientes
provavelmente tenham baixo poder. Enfim, o cálculo da amostra é uma questão muito mais
complexa do que se pode imaginar e depende muito do conhecimento do pesquisador e não só
do estatístico.
19
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
A determinação da amostra é uma etapa fundamental na elaboração de um projeto de pesquisa e
não pode ser entendido somente como um cálculo teórico, mas também como um procedimento
com foco na precisão dos resultados em responder as questões científicas do estudo. A principal
meta é estabelecer, objetivamente, qual o número de indivíduos que necessitam ser estudados
para que se possa ter amostra suficiente para detectar diferenças importantes. É necessário
realizar o cálculo do tamanho da amostra para não se estudar nem mais nem menos pacientes
que o necessário para se obter uma conclusão confiável da pesquisa, bem como atender aos
problemas éticos e logísticos.
É muito importante que o pesquisador conheça o real papel do cálculo do tamanho da amostra,
que começa no planejamento do estudo, e que pode contribuir de maneira importante para a
qualidade do seu estudo. A escolha de diversos métodos de cálculos de tamanho da amostra
obedece a critérios metodológicos. Existem muitos e diferentes métodos de cálculos de tamanho
da amostra que podem ser empregados de acordo com o tipo de variáveis estudadas, e
dependem do tipo ou desenho do estudo, que por sua vez depende da(s) pergunta(s) da pesquisa.
Em amostras mal planejadas, há sempre os dois lados da moeda. Amostras exageradamente
grandes, além de elevar o custo do estudo, podem fazer com que diferenças irrelevantes do
ponto de vista clínico sejam estatisticamente significantes e, além disso, implicam em uma perda
desnecessária de fontes (tempo, custo ou até mesmo de vidas). Mesmo que a amostra seja
grande, ela deve ser não tendenciosa e representativa da população de onde provém. Por outro
lado, estudos com um número muito pequeno de pacientes podem não produzir uma resposta
definitiva e permitir que diferenças importantes passem despercebidas. Os resultados obtidos
com pequenas amostras não são necessariamente errôneos, entretanto, os resultados obtidos
com pequenas amostras podem por vezes ser usados como uma forma de “engano” estatístico.
O fato de haver um resultado positivo na amostra de um dos pesquisadores em um estudo
multicêntrico, não quer dizer que este tenha algum significado, isoladamente. Sem a escolha de
um teste e interpretação adequada, que pode (e deve) ter a ajuda do estatístico, mas que
depende principalmente do poder da amostra considerada, qualquer conclusão ou tomada de
decisão pode ser equivocada. Este resultado pode ser completamente diferente daquele obtido,
após a análise estatística da amostra total. A utilização de um tamanho de amostra menor do que
o calculado está diretamente relacionado à capacidade dos resultados em fornecer uma resposta
confiável para a questão clínica.
Independentemente de questões éticas, o julgamento do pesquisador quanto aos benefícios
clínicos do medicamento em estudo a partir das observações feitas em seu centro de pesquisa
não tem respaldo estatístico e qualquer extrapolação dos resultados para a população é
questionável. Os resultados obtidos com um tamanho menor da amostra calculada, sem análise
estatística, podem não ser confiáveis, porque podem ser fruto apenas do acaso.
20
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Freiman JA, Chalmers TC, Smith H, Kuebler RR. The importance of beta, the type II error, and sample size
in the design and interpretation of the randomized controlled trial: survey of 71 negative trials. N Engl J
Med. 1978;299(13):690-4.
2. Moher D, Cook DJ, Eastwood S, Olkin I, Rennie D, et al. (1994) Improving the quality of reporting of
meta-analysis of randomized controlled trials: The QUOROM statement. Lancet 354: 1896–1900.
Paula Goldenstein Strassmann
CEO da PGS Medical Statistics
Pós-Graduada em Estatística pela USP
Responsável pelo desenvolvimento estratégico e metodologia de pesquisa
Maristela Precivale
Graduada em Estatística pela USP com especialização
em Epidemiologia - Faculdade de Saúde Pública.
Estatística da PGS responsável pelos protocolos de indústrias farmacêuticas
21
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Dra. Angela Fan Chi Kung - Advogada
GARANTIA DE ACESSO PÓS-ESTUDO
ASPECTOS LEGAIS
Pesquisa clínica é “qualquer investigação em seres humanos, objetivando descobrir ou verificar os
efeitos farmacodinâmicos, farmacológicos, clínicos e/ou outros efeitos de produto(s) e/ou
identificar reações adversas ao produto(s) em investigação, com o objetivo de averiguar sua
segurança e/ou eficácia.” (EMEA, 2007)1. A pesquisa clínica está intrinsecamente relacionada ao
desenvolvimento da medicina, e mais recentemente, representa uma etapa obrigatória no
desenvolvimento do medicamento que antecede o registro do produto perante as autoridades
sanitárias.
Os princípios éticos que regem a pesquisa clínica com seres humanos estão estabelecidos na
Declaração de Helsinque. Dentre esses princípios estão aqueles que pretendem assegurar ao
sujeito acesso aos benefícios da pesquisa depois da conclusão do estudo.
No Brasil, as obrigações éticas pós-estudo previstas na Declaração de Helsinque, estão refletidas
nas Resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que tratam das normas éticas para a
pesquisa clínica. Segundo a Resolução CNS nº 196/96, a pesquisa envolvendo seres humanos
deverá assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de
retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa. Complementa a
Resolução CNS nº 251/97 estabelecendo que cabe ao patrocinador ou, na sua inexistência, por
parte da instituição, pesquisador ou promotor, assegurar o acesso ao medicamento em teste,
caso se comprove sua superioridade em relação ao tratamento convencional.
As Resoluções do CNS, no entanto, não definem “acesso ao medicamento em teste”, ou seja, se
seria a obrigação ética de lançamento do medicamento no mercado onde a pesquisa foi realizada,
se seria de forma gratuita ou onerosa, se o fornecimento seria limitado até o lançamento
comercial do medicamento, etc.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Clínica (CONEP) considera que depois de encerrada a
pesquisa e antes da aprovação regulatória do medicamento, em havendo a prescrição do
medicamento experimental pelo médico pesquisador ou qualquer médico do paciente, o
patrocinador deve fornecê-lo gratuitamente ao paciente, independentemente da existência de
outros tratamentos consagrados no mercado ou do efetivo benefício do uso do medicamento em
teste pelo paciente.
Portanto, para a CONEP, “acesso ao medicamento em teste” significa fornecimento gratuito e
incondicional do medicamento experimental pós-estudo, sem limitação de tempo. Para garantir o
acesso ao medicamento em teste aos sujeitos da pesquisa, a CONEP exige, como condição para
aprovação ética dos protocolos clínicos, que o patrocinador, instituição ou investigador apresente
declaração na qual este se compromete a garantir fornecimento do medicamento experimental,
1
European Medicines Agency. http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm
22
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
não permitindo qualquer tipo de ressalva, quer seja temporal ou com relação à adequação do
uso.
Anos podem transcorrer entre o encerramento da pesquisa e o registro sanitário; ou, ainda, se o
resultado da pesquisa não comprovar a segurança ou eficácia do medicamento, este não é
comercializado. Assim, o medicamento experimental, é um produto ainda em desenvolvimento,
cujo uso fora do âmbito do estudo clínico deveria se limitar aos casos em que não existe outro
tratamento disponível.
Sob o ponto de vista jurídico, o medicamento experimental é um medicamento ainda não
aprovado pela autoridade regulatória registrante, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA).
A Lei nº 6.360/76, que trata de registro de medicamentos, determina em seu artigo 12 que estes
só podem ser entregues a consumo se registrados no Ministério da Saúde. Os medicamentos
novos, destinados exclusivamente a uso experimental, sob controle médico, estão isentos de
registro pelo prazo de até três anos, podendo ser importados mediante expressa autorização do
Ministério da Saúde. Findo o prazo de três anos o produto ficará obrigado ao registro, sob pena
de apreensão determinada pelo Ministério da Saúde.
Nesse sentido, a Resolução RDC nº 26/99 da ANVISA regulamentou o acesso dos pacientes, com
doenças graves e que ameaçam à vida, a produtos potencialmente eficazes, não registrados no
País ou com estudos em desenvolvimento no Brasil ou no país de origem, na ausência de
alternativas terapêuticas satisfatórias (programa de acesso expandido). Nos termos da Lei nº
6.360/76 tais programas estão limitados ao prazo de isenção de registro de três anos.
Assim, nos termos da Lei No. 6.360/76 e Resolução ANVISA RDC nº 26/99, o fornecimento de
medicamento experimental, não registrado no Brasil, somente pode ser realizado: (i) mediante
autorização da ANVISA e pelo prazo máximo de três anos; (ii) para pacientes com doenças graves
e se tal medicamento apresente ameaça à vida; e (iii) diante da ausência de alternativas
terapêuticas satisfatórias.
O fornecimento de medicamento experimental em desacordo com as normas supracitadas
caracteriza infração sanitária, nos termos da Lei nº 6.437/77 (Lei de Infrações Sanitárias), bem
como tipifica crime contra a saúde, crime hediondo, conforme artigo 273 do Código Penal,
alterado pela Lei nº 9.677/98.
Ainda que seja possível o fornecimento de medicamento sem registro pós-estudo dentro das
hipóteses acima referidas, tal fornecimento não é exigido pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Segundo o princípio da legalidade, expresso no inciso II do Artigo 5º da Constituição Federal,
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. As
Resoluções do CNS são regras éticas e não normas legais.
Percebe-se que a CONEP procura superar a deficiência legal exigindo a declaração unilateral de
garantia de acesso pós-estudo, compelindo o patrocinador a assumir compromisso contratual,
23
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
sob pena de não aprovação ética do protocolo de pesquisa. Tal procedimento de um lado parece
atender a demanda ética, mas de outro fere o princípio da legalidade.
A CONEP ao compelir o patrocinador, instituição ou investigador a apresentar declaração, sem
permitir qualquer tipo de restrição, inclusive aquelas legais, esta excede em suas atribuições e
compromete a própria declaração, uma vez que a validade do negócio jurídico requer ato jurídico
perfeito que, por sua vez, depende de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa
em lei.
Em razão da fragilidade das normas éticas para regular de forma eficaz a condução de pesquisa
clínica no Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.473/03 do Deputado
Colbert Martins, PPS/BA, que visa transformar os dispositivos da Resolução CNS No. 196/96 em
lei. No próprio voto da relatora do projeto, Deputada Cida Diogo, destaca que o sistema
CEP/CONEP não está amparado em lei.
A fim de assegurar que o princípio ético de garantia de “acesso ao medicamento em teste” seja
exigível, sem afronta à legislação em vigor, a Lei No. 6.360/76 deverá ser alterada, ou lei própria, a
exemplo da iniciativa do Projeto de Lei nº 2.473/ 2003, deverá ser sancionada para se estabelecer
a obrigação legal, e os parâmetros, de fornecimento de medicamento não registrado após o
término da pesquisa clínica.
Dra. Angela Fan Chi Kung
Advogada, sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Mestre (LL.M.) em Common Law Studies, pela Georgetown University e Especialista em Direito Sanitário
pela Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo
Professora de Regulação na Indústria Farmacêutica nos cursos de MBA Executivo da Indústria Farmacêutica,
da FGV/SINDUSFARMA e Business School de São Paulo
Professora de direito sanitário no Instituto de Direito Sanitário (IDISA)
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ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
ANVISA - Patrícia Ferrari Andreotti e Fanny Nascimento Moura Viana
PONTO DE VISTA DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA SOBRE O TEMA: GARANTIA DE ACESSO A
MEDICAMENTOS PÓS-ESTUDO CLÍNICO.
No Brasil, a produção, comercialização e uso de medicamentos só podem ser realizados após a
concessão de registro sanitário pelo Ministério da Saúde1. Para esse registro existem diretrizes
detalhadas e padronizadas que englobam aspectos que contemplam a qualidade dos produtos
(produção e controle), a comprovação de eficácia e segurança (em caso de medicamentos novos)
e a intercambialidade (no caso de genéricos e similares)2.
No entanto, existem situações em que o uso de medicamentos não registrados é autorizado,
como nos ensaios clínicos, nos programas de acesso expandido e uso compassivo e nas doações
pós-estudo. Nesses casos o produto é disponibilizado pelas empresas produtoras e/ou
patrocinadoras, promovendo acesso especial a pacientes ou grupos de pacientes que de outra
forma não teriam alternativa de tratamento no país.
Essa demanda surgiu na década de 1980 com o advento da epidemia da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida – SIDA. Grupos de pacientes e familiares se organizaram para
possibilitar o uso assistencial de drogas ainda em fase de experimentação por pacientes que não
participavam dos estudos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão e/ou exclusão ou
porque não tiveram acesso ao estudo por viverem longe dos centros de pesquisa. Também
exigiam a continuidade do uso de drogas após o término dos estudos pelos participantes que se
beneficiaram do medicamento3,4.
Especificamente sobre a continuidade do uso de medicamentos pelos participantes de uma
pesquisa após a conclusão dos ensaios clínicos, a Declaração de Helsinque já previa essa
alternativa ao propor que os protocolos de pesquisa deviam descrever mecanismos de acesso
pós-estudo aos sujeitos de pesquisa que se beneficiaram da intervenção estudada. A resolução nº
251/97 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), também estabelece que o patrocinador deve
garantir o acesso do medicamento sob investigação para pacientes que se beneficiaram do uso. O
CIOMS (Council for International Ethical Guidelines) também estabelece que o produto deva estar
razoavelmente disponível para o país ou os habitantes da comunidade que hospedou o estudo,
após sua conclusão. A resolução nº 196 do CNS, discorre sobre o assunto ao citar que a pesquisa
deverá “garantir o retorno dos benefícios obtidos através da pesquisa para as pessoas e as
comunidades onde as mesmas forem realizadas” além de “assegurar aos sujeitos da pesquisa os
benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos,
produtos ou agentes da pesquisa”. Em muitos casos esse direito é garantido na extensão do
estudo, que é definida pela ANVISA como a proposta de prorrogação ou continuidade da pesquisa
com os mesmos sujeitos recrutados, sem mudança essencial nos objetivos e na metodologia do
projeto original. No entanto, um grande número de protocolos conduzidos no Brasil não prevê
uma extensão do referido estudo para estes fins.
25
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Na garantia desses direitos várias questões são levantadas, como por exemplo, por quanto tempo
deve durar este acesso pós-estudo, quem é o responsável por fornecer e armazenar o produto em
investigação e como acompanhar, relatar e monitorar os eventos adversos fora do contexto de
um estudo clínico controlado. Além dessas questões é importante destacar que um único estudo
dificilmente prova a eficiência de uma determinada intervenção e os benefícios individuais
algumas vezes não correspondem aos resultados obtidos no estudo como um todo. A
superioridade de uma nova droga deve ser comprovada por meio de uma avaliação estatística dos
dados da pesquisa e não a partir da avaliação clínica de um único paciente5,6.
Outro item importante é relacionado ao gerenciamento de risco, pois a segurança do uso
continuado do medicamento por aqueles que se beneficiaram pode não estar devidamente
avaliada nos estudos em fases iniciais. Nestas fases os efeitos da droga são acompanhados
durante curtos espaços de tempo e a avaliação da segurança é referente ao período do estudo e
não se estende após o seu encerramento4.
Alguns autores interpretam o benefício da pesquisa não apenas relacionado diretamente com o
sujeito de pesquisa que participou do estudo, mas também como retorno de benefícios diversos à
comunidade, como por exemplo, capacitação dos profissionais de saúde, melhorias na infraestrutura dos estabelecimentos de saúde, fornecimento de tratamento padrão disponível,
provisão de medidas de saúde pública, dentre outros5. No entanto, as legislações deixam claro
que os sujeitos beneficiados clinicamente no estudo têm o direito de continuar recebendo
gratuitamente o medicamento que trouxe um bem à sua saúde, além dos benefícios que o estudo
tenha trazido à comunidade. Nestes casos, as responsabilidades dos patrocinadores não se
encerram com a conclusão do estudo, pois estes devem prover condições de segurança e
monitoramento ao uso do fármaco pelo tempo necessário enquanto o sujeito de pesquisa estiver
se beneficiando do tratamento experimental7.
Dessa forma, para os casos em que exista paciente se beneficiando do fármaco sob investigação;
que o médico assistente julgue ser esta a melhor alternativa terapêutica e; que o protocolo do
estudo que se encerra não tenha previsão de extensão do estudo, a ANVISA, buscando conciliar
sua regulamentação com a CONEP, recomenda que o patrocinador proceda à doação do fármaco.
Neste mesmo caso se inclui a doação do medicamento por finalização precoce do estudo.
O entendimento da Agência é que o tratamento dos pacientes com doenças crônicas deve ser
garantido enquanto o paciente estiver se beneficiando, a critério médico. No caso de tratamento
de duração definida no protocolo, deverá ser fornecido o produto necessário para o tratamento
completo do paciente. É atribuição do patrocinador fornecer o tratamento completo e gratuito ao
paciente. Além disso, a preocupação da ANVISA não é apenas com o acesso, mas sim com o
monitoramento. Dessa forma, o patrocinador deverá encaminhar relatórios periódicos sobre o
programa de doação pós-estudo e deverá notificar os eventos adversos graves a Anvisa. Também
é atribuição do patrocinador prover o recurso financeiro da assistência integral às complicações e
danos decorrentes dos riscos previstos no programa de doação pós-estudo.
Cabe ao médico responsável efetuar solicitação formal do produto ao patrocinador, para cada
paciente a ser tratado, justificando o uso através de laudo médico, caso tenha interesse em ter
26
ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
pacientes no programa de doação pós-estudo; armazenar adequadamente o medicamento de
acordo com as instruções do fabricante; notificar o patrocinador sobre a ocorrência de eventos
adversos graves; fornecer ao patrocinador a documentação necessária para o monitoramento do
programa de doação pós-estudo e assumir a responsabilidade de dar assistência integral,
juntamente com o patrocinador, às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos.
Ainda assim, os benefícios esperados devem sobrepor os danos ou prejuízos previstos e a máxima
primum non nocere – acima de tudo não causar danos, deve ser considerada. Desse mesmo
modo, o princípio da justiça que engloba o merecimento (o que é merecido) e a prerrogativa
(aquilo a que alguém tem direito) deve ser preservado8. O tratamento justo, equitativo e
apropriado deve ser garantido a esses pacientes. Esse mesmo princípio também fundamenta a
exigência prevista na Resolução CNS Nº196/96 de que a pesquisa em qualquer área do
conhecimento deverá assegurar aos sujeitos de pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja
termos de retorno social, ou acesso ao tratamento em investigação referindo-se a doação pósestudo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros
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New
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2006.
Disponível
em:
<http://www.newyorker.com/archive/2006/12/18/061218fa_fact>. Acessado em: 16 ago. 2010.
6. GOLDIM, J. R. O uso de drogas ainda experimentais em assistência: extensão de pesquisa, uso
compassivo e acesso expandido. Revista Panamericana de Salud Publica, Washington, v.23, n.3, p.198–
206, mar. 2008.
7. DAINESI, S. M. Como assegurar benefício aos pacientes após sua participação em pesquisas clínicas?
Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 52, n.1, p. 5-6, jan./feb. 2006.
8. DAINESI, S. M. Como fazer valer a máxima da ética médica Primum non nocer ao oferecer continuidade
de tratamento com drogas experimentais a pacientes de pesquisa clínica? Revista da Associação Médica
Brasileira, São Paulo, v. 55, n.3, p. 237-238, 2009.
9. JÚNIOR, B. R. S. Acesso às drogas na pesquisa clínica. Revista Bioética, Brasília, Conselho Federal de
Medicina, v. 15, n. 2, p. 248-266, 2007.
10. CASTILHO, E. A.; KALIL J. Ética e pesquisa médica: princípios, diretrizes e regulamentações. Revista da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, São Paulo, v. 38, n. 4, p. 344-347, jul./ago. 2005.
Dra. Patrícia Ferrari Andreotti
Coordenadora de Pesquisas e Ensaios Clínicos e Medicamentos Novos – COPEM
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Dra. Fanny Nascimento Moura Viana
Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária - COPEM
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
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ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Instituto Nacional de Salud Publica (México) - Dra. Julieta Ivone Castro
Romero
GARANTINDO O DIREITO AO ACESSO A MEDICAMENTOS PÓS-ESTUDOS CLÍNICOS NO MÉXICO.
O México, assim como muitos outros países da América Latina, é considerado um dos principais
alvos da indústria farmacêutica para a implementação de estudos clínicos, em nível hospitalar e
ambulatorial. Isso ocorre porque ele é um dos países com a maior população na região, tem alta
incidência de doenças infecciosas e crônicas, e seus médicos e pesquisadores são relativamente
bem treinados. Além disso, o México tem infra-estrutura de saúde bem estabelecida e leis que
regem o direito individual à saúde, bem como a conduta dos pesquisadores envolvidos em
estudos de pesquisa clínica. O capítulo V da Lei Geral de Saúde do México define as bases jurídicas
para a realização de estudos clínicos, as quais são compatíveis com as disposições da Declaração
de Helsinki e outras normas internacionais.
O cumprimento dessas leis é garantido por duas instituições: 1) a Comissão Federal de Proteção a
Riscos Sanitários (COFEPRIS), cujas funções incluem a regulação, controle e promoção da saúde
em nível nacional, e 2) o Comitê Nacional de Bioética (CNB), cuja função é estabelecer padrões
para bioética em nível estadual e institucional, incluindo comitês de ética em pesquisa,
responsável em última instância pela revisão de ensaios clínicos. De acordo com a
regulamentação em vigor, a aprovação de ensaios clínicos devem ser concedidos pelas duas
instituições, COFEPRIS e um comitê de ética em pesquisa.
De acordo com o banco de dados ClinicalTrials.gov, o México está envolvido em 1370 ensaios
clínicos patrocinados pela indústria farmacêutica e mais de 70% destes ensaios são realizados em
hospitais públicos e instituições de pesquisa; no entanto, o México ainda não tem base de dados
de estudos clínicos publicamente acessível para consulta por médicos, participantes ou população
em geral.
A Declaração de Helsinque (parágrafo 30) afirma que "ao final da investigação, todos os
participantes de um estudo de pesquisa devem ter garantido o melhor dos métodos profiláticos,
diagnósticos e terapêuticos existentes e identificados pelo estudo". No caso da Lei Geral de Saúde
do México e de sua regulamentação de Pesquisa em Saúde em Seres Humanos não existe
nenhum artigo que regula estes aspectos da Declaração de Helsinki. Isto significa que não é
exigido ao patrocinador / investigador do ponto de vista legal fornecer a droga testada uma vez
que os participantes já completaram o estudo, deixando assim a responsabilidade para as
comissões de ética e COFEPRIS para assegurar o cumprimento desta recomendação.
A COFEPRIS atualmente não exige o cumprimento desta recomendação quando um pesquisador
pede autorização para um estudo clínico, e os comitês de ética somente garantem que o produto
em teste seja aplicado para os sujeitos envolvidos no grupo controle (placebo ou tratamento
padrão), uma vez que o tratamento seja revelado. Esta situação coloca um problema ético,
porque embora para alguns estudos, como aqueles com vacinas, não seja necessário tratamento
de longo prazo, não é assim para produtos voltados ao tratamento de doenças crônicas e
degenerativas, como câncer, diabetes, insuficiência renal e AIDS, entre outras.
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ABRACRO – Garantia de Acesso a Medicamentos Pós-Estudos Clínicos
Por isso, é necessário estabelecer diretrizes claras no México que possam ser implementadas para
garantir o acesso à medicação após o final de estudos clínicos.
Dra. Julieta Ivone Castro Romero
Pós-Doutorado, Universidade de Marburg, na Alemanha
Mestre em Bioética, CIEB - Universidad de Chile
Pesquisadora de Ciências Médicas, INSP
Presidente da Comissão de Bioética do INSP desde novembro de 2008
Pesquisadora Nacional Nível I, CONACYT
Membro do Comitê de Bioética do Estado de Morelos
Professora de Bioética para alunos de pós-graduação, INSP
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