Prevenção de Infecção Cruzada na Fibrose Cística: Informação

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Prevenção de Infecção Cruzada na Fibrose Cística: Informação sobre iniciativas
relativamente simples que melhoraram o prognóstico de pessoas com FC na
Dinamarca
Por Claus Moser, Médico Doutor e Niels Høiby, Médico
A maioria dos pacientes adultos com fibrose cística (FC) sofre de infecção pulmonar
bacteriológica crónica. Os agentes patogénicos mais comuns mundialmente na FC são:
• Pseudomonas aeruginosa (P. aeruginosa), seguida por
• Staphylococcus aureus (S. aureus),
• complexo Burkholderia cepacia (B. cepacia),
• Achromobacter xylosoxidans (A. xylosoxidans),
• Stenotrophomonas maltophilia (S. maltophilia)
• micobatéria não-tuberculosa (MNT)
A prevalência desta bactéria (ou o número de pessoas infectadas) varia bastante mundialmente
de centro para centro de FC.
Uma vez estabelecida a infecção crónica, esta raramente pode ser erradicada dos pulmões de
pacientes com FC dada a capacidade da bactéria de formar microcolónias protegidas
denominadas biofilmes. Algumas das bactérias poderão ficar muito viscosas (mucóides), o que
dificultará ainda mais o seu tratamento. O modo de crescimento biofilme, juntamente com a
propensão para ficar mucóide, protege a bactéria do sistema imunitário do paciente com FC e dos
antibióticos dados ao paciente para tratar a infecção. Para além disto, é agora geral considerar
que a resposta inflamatória decorrente em relação às infecções pulmonares crónicas é
responsável pelos danos causados ao tecido pulmonar e à perda de funções pulmonares
observados nos pacientes com FC.
“Se os pacientes com FC pudessem escapar à infecção pulmonar crónica ou pelo menos
atrasar o estabelecimento da infecção crónica a maior quantidade de tempo possível, isto faria
aumentar drasticamente a sua esperança de vida”
O maior contribuidor para a esperança de vida prolongada durante os últimos anos – e para a
melhoria dos prognósticos sobre FC – tem sido a melhoria do tratamento de infecções
pulmonares crónicas. Outras iniciativas, tais como o tratamento célere de diabetes, fisioterapia e
tratamento com DNase (Pulmozyme), também ajudam na obtenção de maior qualidade de vida
para os pacientes com FC. Se os pacientes com FC pudessem escapar à infecção pulmonar
crónica ou pelo menos atrasar o estabelecimento da infecção crónica a maior quantidade de
tempo possível, isto faria aumentar drasticamente a sua esperança de vida. Este artigo descreve
como iniciativas relativamente simples implementadas na Dinamarca melhoraram o prognóstico
de pacientes com FC.
Modo de aquisição da infecção
Para evitar a infecção pulmonar, deve ser considerado o modo de aquisição da infecção. Dado
que esta varia de acordo com o organismo presente, iremos descrever o modo de aquisição das
três infecções mais comuns e temidas em pessoas com FC.
Aquisição da Pseudomonas aeruginosa
Normalmente, a P. aeruginosa pode ser adquirida tanto pelo meio ambiente como por pacientes
infectados. Na natureza, a P. aeruginosa encontra-se presente na água doce e solo contaminados
por humanos e animais. Outras origens ambientais são as piscinas e jacuzzis com tratamento
inadequado de cloro.
Foram reconhecidas mais fontes potenciais de P. aeruginosa em
unidades de cuidados intensivos, dentistas, bancas de cozinha,
brinquedos e sabonetes para mãos nas alas hospitalares de FC. Uma
explicação possível para a presença relativamente alta de P.
aeruginosa nas alas de FC é a de que a P. aeruginosa na especturação
pode sobreviver até 8 dias em superfícies secas. Por isso, os locais
hospitalares e o meio ambiente circundante dos pacientes com FC
devem ser considerados como contaminados até serem devidamente
limpos, isto se os pacientes infectados cronicamente estiveram
presentes.
“… A prova mais importante de infecção cruzada é a redução
drástica da incidência de Pseudomonas aeruginosa, resultado da
segregação entre pacientes cronicamente infectados e não infectados”
Dr. Niels Høiby
A infecção cruzada com P. aeruginosa a partir de outros pacientes é considerada provável devido
ao facto de que os irmãos normalmente comportam a mesma estirpe e a transmissão de estirpes
específicas durante eventos sociais, como os campos de verão ou Inverno, de pacientes
infectados cronicamente para pacientes previamente não infectados. O alastrar epidémico de
estirpes resistentes a antibióticos, a relação entre o aumento do número de pacientes infectados
cronicamente e o tempo passado no centro de FC também apontam para a infecção cruzada entre
pacientes. … A prova mais importante de infecção cruzada é a redução drástica da incidência de
P. aeruginosa, resultado da segregação entre pacientes cronicamente infectados e não infectados.
Embora não seja o tema principal deste artigo, é necessário referir que o tratamento imediato
agressivo após o isolamento da P. aeruginosa tem reduzido significativamente os números de
pacientes cronicamente infectados com FC, levando à diminuição da transmissão da P.
aeruginosa.
Aquisição da Staphylococcus aureus
Ao contrário da P. aeruginosa, uma quantidade relativamente alta – de 10 a 30% dos portadores
saudáveis de S. aureus – pode ser observada e considera-se que a fonte de transmissão mais
importante para pacientes com FC é constituída por portadores saudáveis ou pacientes sem FC,
embora tenha sido registada a transmissão entre pacientes com FC de S. aureus resistente à
meticilina. Pensa-se que o modo de transmissão mais comum é o contacto manual. Na época
prévia ao uso de antibióticos, a maior parte dos pacientes com FC morreu antes dos 10 anos de
idade e a maioria dos pacientes sucumbia devido a infecções pulmonares com S. aureus. Exames
microbiológicos regulares, seguidos de um tratamento agressivo com antibióticos podem reduzir
possivelmente a prevalência de pacientes de FC com infecção pulmonar crónica S. aureus para
menos de 10%. Para além disso, o risco de aquisição de S. aureus resistente à meticilina no
centro de FC é reduzido desta forma.
“…Uma razão importante parece ser a infecção cruzada e temos vários registos de
alastramento entre pacientes com FC, incluindo através de contacto social fora dos centros de
FC”
Aquisição do complexo Burkholderia cepacia
O complexo B. cepacia consiste em diferentes genomovares, dos quais alguns podem por vezes
levar a infecções pulmonares crónicas em pacientes com FC. Os mais comuns são B.
cenocepacia e B. multivorans mas também foram reconhecidos como agentes patogénicos o B.
cepacia, B. vietnamensis e B. gladioli. O complexo B. cepacia é responsável por padrões clínicos
de infecções pulmonares diferentes, sendo o mais sério o síndrome B. cepacia. O complexo B.
cepacia é uma parte comum da microflora no solo e pode actuar como um agente patogénico de
planta. Para além disso, o complexo B. cepacia foi isolado a partir de lojas de comida, snack
bars e estufas, podendo ser mais comum em zonas rurais do que ambientes urbanos. Embora a
prevalência total do complexo B. cepacia em centros de FC seja relativamente baixa, alguns
centros têm maior prevalência (por ex., os registos mostram que mais de 31% dos pacientes com
FC em Toronto foram diagnosticados com o complexo B. cepacia) 2.
Uma razão importante parece ser a infecção cruzada e temos vários registos de alastramento
entre pacientes com FC, incluindo através de contacto social fora dos centros de FC. Um
episódio famoso foi registado no Reino Unido entre 1990-92, durante o qual os pacientes
incluídos no índex foram infectados com a estirpe do complexo B. cepacia no Canadá durante
um campo de verão e espalharam-na posteriormente enquanto frequentavam aulas semanais de
exercício físico.
Investigações intensivas identificaram rotas de transmissão por contacto directo entre pacientes
infectados e não-infectados, bem como através de equipamento contaminado, sendo uma
observação importante a de que nos centros de FC que não praticam a segregação estes pacientes
tiveram uma transmissão contínua do complexo B. cepacia.
Controlo de infecção cruzada por intervenção
A intervenção por agrupamento de pacientes com FC e a melhoria das precauções de higiene
foram medidas implementadas na Dinamarca em 1981 de modo a evitar a transmissão de agentes
patogénicos de pacientes infectados com FC para os não-infectados por contacto físico ou tosse a
curta distância 2. O agrupamento consiste em dividir os pacientes em subgrupos separados de
acordo com o seu estatuto de infecção, juntamente com a segregação geográfica de pacientes (em
alas ou quartos diferentes) e/ou segregação por horário (dias diferentes).
O estatuto “ser infeccioso” é baseado em provas bacteriológicas e na possibilidade do paciente
ser infectado intermitentemente (o agente patogénico é erradicado em controlos posteriores e o
paciente não desenvolve uma resposta de imunidade) ou cronicamente (o agente patogénico está
actualmente a ser isolado durante um período de 6 meses e/ou o paciente não desenvolve uma
resposta de imunidade).
Ver os pacientes frequentemente permite uma detecção rápida da infecção, dando a oportunidade
de tratamento agressivo inicial, reduzindo desta forma o risco de transmissão do agente
patogénico. A segregação por grupos (com pacientes que tenham a mesma espécie
bacteriológica) inibe a transmissão da bactéria por contacto físico ou tosse a pessoas não
afectadas. De facto, o tempo médio desde o primeiro isolamento de P. aeruginosa até ao
surgimento da infecção pulmonar P. aeruginosa aumentou de 1 a 3 anos depois da
implementação do agrupamento de pacientes de FC na Dinamarca.
Os pacientes de FC no centro de FC em Copenhaga na Dinamarca são segregados de acordo com
a identificação das seguintes bactérias a partir das vias respiratórias inferiores do pacientes:
1) ausência de P. aeruginosa,
2) infecção intermitente de P. aeruginosa
3) infecção crónica de P. aeruginosa com estirpe sensível aos antibióticos,
4) infecção crónica com estirpes resistentes a medicamentos de P. aeruginosa e
5) infecção intermitente ou crónica com organismos pertencentes ao complexo B. cepacia
(cada paciente com o complexo B. cepacia forma um grupo único).
O número ideal de alas é de cinco, mas isso não é possível na maioria dos hospitais. Os pacientes
no grupo 2 podem ser hospitalizados com pacientes do grupo 1 mas em quartos diferentes, dado
que os pacientes colonizados intermitentemente possuem um número reduzido de bactérias e
muitas vezes não produzem expectoração. Os grupos 1) e 2) também podem ser vistos em regime
ambulatório nos mesmo dias, visto que o grupo 2) ou se encontra livre de P. aeruginosa na última
amostra de expectoração recolhida 4 semanas antes ou em tratamento anti-P. aeruginosa. Os
grupos 3) ou 4) são vistos em dias separados e todos os quartos clínicos são limpos com
desinfectantes de hipoclorito todas as manhãs. Pacientes com o complexo B. cepacia são vistos
em quartos separados, sendo estes limpos depois de cada paciente.
Para além disso, o pessoal hospitalar deve desinfectar as mãos com clorexidina-etanol e mudar a
roupas dos pacientes que pertençam a grupos diferentes, bem como entre cada paciente com o
complexo B. cepacia. A seguir ao teste de função pulmonar, o conector em forma de cotovelo, a
boquilha e o protector de nariz devem ser mudados depois de cada paciente e esterilizados com
etanol.
É aconselhado manter campos e eventos sociais separados para os primeiros quatro grupos, onde
cada paciente com o complexo B. cepacia é considerado único, o que deve levar a evitar o
contacto com qualquer outro paciente com FC. Se um paciente cronicamente infectado (grupo 3)
ou 4)) se livrar da bactéria, tal como indicado em resultados negativos de culturas, e se a resposta
aos anticorpos normalizar, nesse caso poderão frequentar os campos se se mentiverem os
resultados negativos de cultura durante 6 meses.
Para além das precauções universais gerais visando a prevenção da infecção cruzada, o
agrupamento provou ser eficiente na prevenção de infecção cruzada com o complexo B. cepacia
e a P. aeruginosa. Consultar os pacientes em dias diferentes e desinfectar a clínica
exaustivamente entre os grupos permite o agrupamento em regime ambulatório; os pacientes
agrupados que são admitidos no hospital podem ser vistos em alas separadas.
Claus Moser, Médico Clínico, Doutor, é especialista em Microbiologia Clínica.
Trabalhou com o Professor Høiby durante mais de dez anos. Os seus interesses na
área da investigação incluem as infecções crónicas – especialmente as infecções
pulmonares crónicas de Pseudomonas aeruginosa em pacientes com FC, infecção do
tracto urinário em pacientes com lesões na espinal medula e a importância de
respostas imunitárias durante infecções crónicas.
Niels Høiby, Médico Clínico, é o Presidente do Departamento de Microbiologia Clínica
na Universidade de Copenhaga, Dinamarca. É o Presidente da Conferência Europeia
da Sociedade de Fibrose Cística 2006, tendo sido recentemente galardoado com o
Prémio Richard C. Talamo para a Distinção na Prática Clínica.
Nota do Editor
O Dr. Moser e o Dr. Høiby tratam pacientes segundo padrões de cuidado médico superiores na
Dinamarca. Agradecemos a informação detalhada que proporcionaram sobre microbiologia,
modos de infecção e Medidas de Controlo de Infecção. É importante compreender que existem
Medidas de Controlo de Infecção bem definidas, tais como as definidas pela CDC – U.S.
American Centers for Disease Control and Prevention (Centros Americanos para o Controlo e
Prevenção de Doenças). Este artigo é um produto de consideração longa e cuidadosa por parte de
peritos internacionais em FC e agradecemos o esforço que o Dr. Moser e o Dr. Høiby efectuaram
para escrever este artigo.
Referências
1. Conferência sobre o Consenso em relação a Recomendações para o Controlo de Infecções
2. Cystic Fibrosis and Bronchiectasis; Editor in Chief, Joseph P. Lynch, III, M.D.; Guest Editor,
Bruce K. Rubin, M.D. Patient cohorting and infection control. Christian Koch, Birgitte
Frederiksen, Niels Høiby. Seminars in Respiratory and Critical Care Medicine, 24 (6):703-715.
2003.
3. Johansen HK, Kovesi TA, Koch C, Corey M, Høiby N, Levison H. Pseudomonas aeruginosa
and Burkholderia cepacia infection in cystic fibrosis patients treated in Toronto and Copenhagen.
Pediatric Pulmonology, 26: 89-96. 1998.
Artigo traduzido por: Nuno Marques
Contacto: [email protected]
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