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REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
Do n?o de licitantes aptos a participar da fase dos lances verbais no preg?presencial
A licitação sob a modalidade pregão, consolidada a partir da edição da Lei 10.520/2002, trás em seu bojo duas grandes inovações, de muita valia à
Administração, na condução de seus certames.
A primeira, por certo, traduz-se na celeridade do processo, notadamente tendo em vista a inversão das fases de habilitação e julgamento das
propostas, sendo, como regra, desnecessária a análise dos documentos de todos os licitantes.
A segunda dirige-se à possibilidade de diminuição do valor das propostas, na fase dos lances verbais, com maior economicidade ao erário e,
outrossim, favorecendo maior disputa entre os licitantes.
Especificamente no que se refere a apresentação de lances verbais no pregão presencial, saliente-se que há uma divergência na interpretação da lei
em epígrafe, em face dos ditames do Decreto 3.555/2000 ( que é o regulamento do pregão presencial).
Com efeito, dispõe a referida lei, em seu art. 4º, incs. VIII e IX que:
“VIII – no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela poderão
fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor;
IX – não havendo pelo menos 3 (três) ofertas nas condições definidas no inciso anterior, poderão os autores das melhores propostas, até o máximo
de 3 (três), oferecer novos lances verbais e sucessivos, quaisquer que sejam os preços oferecidos”.
Por sua vez, estabelece o decreto em comento, em seu art. 11, VI e VII:
“VI – o pregoeiro procederá à abertura dos envelopes contendo as propostas de preços e classificará o autor da proposta de menor preço e aquelas
que tenham apresentado propostas em valores sucessivos e superiores em até dez por cento, relativamente à de menor preço;
VII – quando não forem verificadas, no mínimo, três propostas escritas de preços nas condições definidas no inciso anterior, o pregoeiro classificará
as melhores propostas subsequentes, até o máximo de três, para que seus autores participem dos lances verbais, quaisquer que sejam os preços
oferecidos nas propostas escritas”.
A palavra “subsequente” inserta no texto do decreto, parece-nos trazer interpretação diversa, senão vejamos.
Imaginemos, à título exemplificativo e para melhor vislumbrar a questão, que numa licitação sob a modalidade pregão presencial, foram apresentadas
propostas escritas com os seguintes valores: R$1.000,00, R$1.100,00, R$1.150,00, R$1.200,00 e R$1.250,00.
Adotada a exegese legal, temos que R$1.000,00 seria a proposta de menor valor e apenas a oferta de R$1.100,00 se encontraria no limite de 10% ali
inferido.
Ora, a lei estabelece que não obtido no mínimo três propostas mediante a aplicação do seu citado inc. VIII, poderão concorrer nos lances os autores
das melhores propostas, até o máximo de três.
Portanto, no exemplo trazido à colação, como não logrou-se êxito na aplicação do dito inc. VIII do texto da lei, temos que as melhores propostas, até
o máximo de três, seriam as de R$1.000,00, R$1.100,00 e R$1.150,00.
Destarte, teríamos, neste caso, três licitantes concorrendo na fase dos lances verbais.
De outra banda, utilizados os preceitos do mencionado decreto, teríamos duas outras interpretações possíveis.
Dispõe o decreto, consoante já afirmamos, que não havendo no mínimo três propostas mediante a aplicação do critério do percentual de 10% em
relação à menor oferta, o pregoeiro classificará as melhores propostas subsequentes, até o máximo de três.
A palavra “subsequente” nos leva a duas interpretações possíveis, sendo que nenhuma delas coincide com a exegese baseada nos termos da lei.
A primeira depreende-se da seguinte premissa: se não tenho três propostas no percentual de 10% em relação à de menor valor, considero que estão
legitimados a concorrer nos lances, além da oferta de menor valor, as três subsequentes. Logo, no citado exemplo, além da proposta de R$1.000,00,
participariam dos lances os autores das ofertas de R$1.100,00, R$1.150,00 e R$1.200,00.
Mas posso adotar uma posição ainda mais ampliativa dos termos do decreto e considerar que o texto dispõe que, além daquelas propostas contidas
no referido inc. VI (quais sejam, a de menor valor e as que estejam dentro do percentual de 10% em relação àquela), quando não obtido o número
mínimo, devo também admitir, no lance, as outras três propostas subsequentes. Nesse caso, teríamos admitido na fase de lances, os autores das
propostas de R$1.000,00 (já que esta é a de menor valor), de R$1.100,00 (que está dentro do limite de 10%) e as três propostas subsequentes, ou
seja, as de R$1.150,00, R$1.200,00 e R$1.250,00.
Diversos são os reflexos destas interpretações na competição do certame, na medida em que, no primeiro exemplo, apenas três empresas
participariam da etapa dos lances, no segundo quatro e, no último, todos os licitantes concorreriam nesta fase.
Indaga-se, portanto, neste singelo trabalho, qual posicionamento deve ser adotado, face às divergências apontadas.
Pode-se sustentar, em uma primeira análise, que a lei, segundo a hierarquia das normas jurídicas, prevalece em face de um decreto.
Com efeito, lei “ (...) é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato que lhe é outorgado pelo povo”[1]
Quanto aos decretos, são definidos como “(...) atos administrativos de competência exclusiva dos chefes do Executivo, destinados a prover situações
gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação... Como ato administrativo, o decreto está
sempre em situação inferior à da lei, e, por isso mesmo, não a pode contrariar”.[2]
Nesse prisma, vale citar as lições de Miguel Reale, que assim ponderou: “... não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem
ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que as normas regulamentares ou executivas
esteja em conflito com o disposto ali não tem validade, e é suscetível de impugnação por quem se sinta lesado”.[3]
Consoante todas estas orientações doutrinárias, poder-se-ia concluir que a lei deveria prevalecer em face dos termos do referido decreto. E, no
presente caso, isso seria sustentável com maior propriedade, na medida em que a lei é posterior à edição do decreto em análise, o que equivaleria a
afirmar que os termos do decreto conflitantes com os comandos da lei, não teriam sido por esta recepcionados.
Contudo, não nos parece tão simplista a solução do conflito, na medida em que a lei, por certo, sobrepõe-se hierarquicamente em face do decreto.
Todavia, não prevalece diante de um princípio e não se pode olvidar que as disposições contidas no decreto ampliam a participação na disputa,
atendendo ao princípio da competitividade que deve esgueirar a condução dos trabalhos licitatórios.
Princípio, na inteligência do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, “... é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido do harmônico. É o
conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
Violar um princípio é muito mais grave que trasgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra"[4]
Vale dizer, a mais grave violação de um ordenamento jurídico, é a inobservância dos princípios que o norteiam.
Seguindo neste trilho, podemos afirmar que, havendo divergência entre uma lei e um princípio, deve o exegeta manter-se fiel ao último, uma vez que
este retrata não apenas um conteúdo legal específico, mas toda a estrutura de um ordenamento jurídico.
Pois bem, à luz de todas essas considerações, parece-nos que podemos nos arrimar em alicerce mais seguro, para a interpretação das normas do
pregão em referência.
Nesse diapasão, veja que a norma contida no aludido decreto atende, com maior amplitude, o princípio da competitividade, na medida em que
admite, na disputa, maior número de licitantes.
O próprio decreto em tela, ex vi de seu art. 4º, parágrafo único, contém preceito no sentido de que “ as normas disciplinadoras da licitação serão
sempre interpretadas em favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse da Administração, a
finalidade e a segurança da contratação”.
Destarte, entendemos, quando não obtido o número mínimo de três ofertas mediante a adoção do critério afeto à aplicação do percentual de 10%,
ser adequada a ampliação da competição, adotando-se, então, a interpretação mais abrangente do decreto. Neste caso, admitiríamos, portanto, na
fase dos lances, além da proposta de menor preço e das demais ofertas até 10% deste valor, até outras três propostas.
Esse nos parece, de fato, ser o expediente que melhor atende o interesse público, na medida em que, ampliando-se a disputa, não raro, pode o
Poder Público obter melhores propostas, que é o fim precípuo da licitação. Outrossim, a adoção desse procedimento não fere, em nada, o direito dos
licitantes ou a segurança jurídica da contratação.
Em que pese o aludido e muito embora o TCU (Tribunal de Contas da União), não tenha se manifestado a respeito, posto que nenhum caso concreto
sobre o tema foi levado à sua apreciação, temos conhecimento de que, em seus pregões, têm adotado a posição mais restritiva, emanada da lei, o
que nos induz a considerar que será esta a exegese por este proferida, quando da apreciação de certames sob a sua fiscalização. Mas frise-se, a
nosso sentir, salvo engano, dificilmente a Egrégia Corte de Contas Federal penalizará o órgão que adotar o posicionamento que, sem qualquer
prejuízo à disputa ou ao interesse público, optar pela ampliação da competitividade.
Notas: [1] SILVA, De Plácido E, Vocabulário Jurídico, 23ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 826. [2] MEIRELLES, Hely Lopes, Direito
Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 162. [3] REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direit, ª ed., São Paulo, Saraiva,
1980, p. 163). [4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administratvo, 8ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 545/546)
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