As Fronteiras e as Identidades: leituras de subordinação, inclusão e exclusão. José Jaime Freitas Macedo É fácil achar que o período histórico em que vivemos é a culminância da civilização, o fim da história. Difícil é vê-lo como mais um. Afinal, poderíamos dizer que não é só esse período histórico que é mais um, também as nossas vidas são apenas mais umas, iguais a qualquer outra. Nada mais natural que conceber a nossa existência enquanto indivíduo como a vida, afinal cada pessoa na sociedade ocidental moderna constrói a sua relação com o mundo de uma maneira profundamente centrada no eu. Essa forma de encarar o mundo das relações interpessoais, que tem origem no Iluminismo, acabou por ser transferida para a forma pela qual as pessoas encaram a história coletiva, até porque era essa a intenção da ideologia iluminista, o primado do individual sobre o coletivo. Porém, a base dessa forma de pensar não é invenção iluminista. Todos os povos que quiseram dominar o mundo acharam que tinham essa missão histórica, porque se consideravam o povo. Essa visão pode ser melhor compreendida se observarmos que todas as formações sociais, ao construírem um discurso justificador de si mesmas, o fazem traduzindo as suas relações e estrutura social como aquelas que são mais viáveis para a vida humana, devendo, portanto, ser imitadas. Alguns desses povos atribuíam essa organização social a uma dádiva dos deuses, outros ao engenho humano. E todos aqueles que se lançaram à conquista do mundo o fizeram como portadores de um projeto civilizador que era refletido pelas suas formas de organização social. O que chamamos de Sociedade Moderna tem uma história que remonta à formação do capitalismo na Europa. Ambos se confundem. Falar de Modernidade tem sido falar de relações sociais e econômicas capitalistas. Mesmo com o advento de uma teoria social e de um programa político que o contestava na essência, o capitalismo não perdeu as suas características que o fizeram semelhante à Modernidade. Não surge o marxismo como o produto autônomo de uma experiência histórica, mas como processo do próprio capitalismo, fruto da crítica social às contradições do mesmo. Antípoda e figura-espelho que é, traz consigo as mesmas marcas da Modernidade que norteiam o capitalismo. Assim, ao nos referirmos à Modernidade, estamos nos referindo à sociedade industrial-ocidental que se desenvolveu a partir da frutificação do processo histórico a que chamamos capitalismo. A Modernidade é um processo histórico que tem como importante elemento constitutivo o desenvolvimento das possibilidades de ação individual, uma vez que o homem moderno passa a interpretar o mundo distanciando-se das forças coercitivas que o prendiam a formações coletivas como os clãs, as famílias extensas, as corporações de ofício (as quais nas fases inicias do capitalismo ainda desempenham um papel importante), as casas dinásticas, dentre outras. O indivíduo, com o contrato social e com outros instrumentos de legitimação da sua nova condição social e política, passa a ter um novo significado, mais representativo da condição de pessoa, de ser humano independente dos poderes constituídos, do que tinha até então. O individualismo ganha contornos de teoria explicativa das relações sociais e como moeda de troca na justificação da organização do mundo. Ortega y Gasset entende, por exemplo, que homem moderno pensa ser possível excluir determinadas realidades e construir um mundo segundo as próprias preferências. As novas relações sociais que são estabelecidas abrem espaço para as transformações sociais que chegam até os nossos dias. A aceleração do ritmo de vida, que começa com a mudança do regime de vida do aldeão da Europa Medieval e chega ao frenesi citadino das metrópoles desse início de século XXI, é fruto dessa alteração nos costumes. Para Sérgio Paulo Rouanet, a Modernidade é a configuração histórico-social, onde há um desempenho sistêmico satisfatório, existe, também, uma estrutura de fins. Elias nos alerta, contudo, que esse e qualquer outro processo social, não resulta de uma articulação de forças deliberadamente determinadas a realizar esse intento. Para ele, todos os processos sociais derivam da relação de interdependência entre as sociedades, variando, portanto, conforme o momento histórico. Dessa forma as lutas sociais no capitalismo são diferentes das lutas do período feudal porque os processos sociais que constituíram essas formas sociais são, também, diferentes. Isso é válido, pelo mesmo motivo, quando comparamos sociedades que vivem num mesmo momento histórico e numa mesma formação social. A Inglaterra do século XII era diferente do Portugal daquele século, tanto quanto o Japão atual o é dos Estados Unidos. Relações de interdependência entre os indivíduos e as formações sociais são construídas por processos sociais diferentes e, logicamente, conduzem a resultados diferentes. E essa leitura vale, também, para as relações intersocietárias mais gerais que ocorram no mesmo período histórico ou em períodos diversos. Por isso inúmeras tentativas de globalização já ocorreram ao longo da História com resultados os mais variados possíveis. A leitura desses processos serve para entendê-los, mas não serve para estabelecer como os processos atuais e futuros estão ou vão se desenvolver. É preciso observar que, segundo Elias, como as sociedades são configurações que os indivíduos formam entre si, parece dar a impressão que elas restringem aquilo que cada um pode ou não fazer. Isto não é verdade. A limitação é da ação individual. Esta limitação não ocorre pela ação de forças exteriores ao indivíduo, mas pela própria inter-relação deste com os seus semelhantes. Neste sentido o aldeão europeu do século XV ou o industrial americano do século XXI, agem de acordo as limitações que as relações sociais lhe impuseram, não podendo, por exemplo, trocar de papéis. Mesmo que a comparação fosse entre dois aldeões, as distâncias históricas e sociais seriam determinantes nas discrepâncias comportamentais entre ambos. O movimento e a mudança históricos são pouco influenciados pelos agentes individuais, no entanto, situações particulares são extremamente dependentes da ação de pessoas particulares, " apesar da fixidez da direção geral ". (Elias, 1994:47). E cada indivíduo tem níveis variados de flexibilidade para agir dentro de uma determinada estrutura social e conjuntura histórica, pois sua margem de decisão nunca é ilimitada. Desta forma, o individualismo da época de Descartes não pode ser aplicado ao século XIX, na mesma medida que o despotismo esclarecido de Catarina da Rússia não podia ser transposto para a Prússia da mesma época onde reinava outro déspota esclarecido: Frederico II. Isto porque, além de serem contextos históricos e formações sociais diferentes, eram pessoas diferentes agindo em situações específicas. Por isso é totalmente sem sentido afirmar que o processo histórico é repetitivo. Pode haver a ocorrência de ingredientes semelhantes, mas o tempero sempre será diferente. Isso pode ser um importante elemento explicativo para as relações estabelecidas pelos indivíduos entre si e com as formações sociais globais nas regiões periféricas do capitalismo: situações específicas fazendo emergir soluções específicas, que podem contrariar, ou não, as respostas gerais. Assim, o que pode servir de modelo para as escolas dos centros urbanos brasileiros não deve servir para regiões com perfil rural, pois os alunos e professores têm processos interpessoais construídos de maneira diferente. Dessa forma qualquer adaptação dos livros didáticos ou conteúdos programáticos será sempre isso: uma adaptação. Essa análise geral também é válida para os vários processos de globalização ocorridos até hoje. Estes processos tiveram características diferentes porque as formas de articulação que estavam envolvidas em cada um deles eram diferentes e não porque fossem melhores ou piores uns que outros. Sendo assim, os resultados alcançados estão diretamente relacionados a estes fatores de inter-relação. A ciência não é exceção à regra e todos os trabalhos científicos, mesmo aqueles que mudam os rumos da ciência, são produto das condições histórico-sociais das formações societais em que estão inseridos. Com a sociologia não seria diferente. Vários são os exemplos de limitações teóricas, mesmo entre os pensadores mais renomados da disciplina, devido aos fatores limitantes do período histórico e da formação social. Devemos ressaltar que as ciências sociais nascem com um espírito universalista, que pode ser observado nas obras de Saint-Simon, Auguste Comte e Karl Marx, mas no final do século XIX volta-se para um caráter mais nacional devido ao fortalecimento do nacionalismo e à expansão do Estadonação. As obras de Emile Durkheim e Max Weber, num grau mais alto, e Georg Simmel, num grau menor, refletem isso. Busquemos, então, exemplos para ilustrar aquilo que estamos afirmando. O marxismo, em sua leitura sobre a Modernidade, destaca a importância das condições materiais objetivas e subjetivas não só para o desenvolvimento da ordem social bem como para a sua transformação. No entanto, o papel do indivíduo no desenvolvimento e transformação social é pouco evidenciado por essa teoria social, pois a mesma entende o devir histórico como algo coletivo, sem nenhuma possibilidade de interferência individual, tanto pela via das relações interpessoais, como nas intersocietais. Por esse motivo essa teoria da sociedade e da mudança social constrói uma argumentação para a mudança social que parece permitir que uma determinada conjuntura histórica engendre outra como um processo autônomo, porém não mecânico, das forças sociais, que já estariam com a sua composição determinada desde o período imediatamente anterior, pois a nova ordem surge, necessariamente, da formação cultural precedente. À primeira vista temos a impressão que o ideário de Karl Marx e, por conseqüência, as propostas de seus seguidores fogem ao concerto individualista da Modernidade européia ocidental. No entanto, temos que lembrar que o marxismo surge como postura antagônica a essas idéias individualistas e, como todo aquele que faz oposição, principalmente no grau em que o marxismo faz ao capitalismo e ao individualismo, essa teoria social tendeu a carregar nas tintas de uma postura coletivista. Em relação à visão marxiana e marxista sobre a mudança social, parece-nos que o problema está em entender períodos históricos como processos marcados com uma continuidade, que não se expressa ao dizer que um engendra o outro, mas porque eles são o resultado das práticas sociais dos indivíduos, que, por sua vez, produzem as formações sociais. As práticas sociais dos indivíduos não são interrompidas para que tenha inicio um novo período histórico e nem são remodeladas quando uma nova ordem se instaura. As épocas de transição presenciam a vida de milhares, milhões de pessoas que, efetivamente as constróem, no mais das vezes sem dar-se conta de que o fazem. E que vão tendo suas práticas sociais modificadas aos poucos muitas vezes sem se dar conta, outras tantas vezes tendo a vida turbilhonada sem conseguir apoio, sendo tratadas na maior parte das vezes como um número. Consideramos o período histórico em que vivemos como um período de transição que tem dois diferenciais importantes. Um deles é que pela primeira vez as pessoas estão se dando conta de que o período histórico em que estão vivendo é um momento de transição e estão discutindo isso. Tal processo não ocorreu com as reações dos trabalhadores fabris luditas. Elas foram conseqüência de uma dinâmica contestatória que se estabeleceu quando a instituição fabril já estava consolidada e o capitalismo industrial já havia superado o modelo manufatureiro como fator de produção. É bastante diferente do nosso período em que as técnicas produtivas estão se modificando e toda a discussão e reação a essas mudanças estão ocorrendo ao mesmo tempo em que esse desenvolvimento técnico se dá. Todavia não devemos entender que há uma homogeneização do nível de informação e de discussão. Temos, na verdade, uma estratificação da informação e da discussão. Essa estratificação ocorre dentro de uma população e dentro de um território. Dessa forma, a informação e a discussão sobre o período atual têm características diferenciadas para os diversos habitantes das regiões que são objeto do presente estudo. Isso contribui para o aprofundamento da exclusão social e é conseqüência das relações de expropriação e exclusão preexistentes. O outro diferencial a ser destacado é que a ordenação histórica e sua compartimentalização da forma como conhecemos é uma invenção da Modernidade. Assim, nossa maneira de pensar a cerca dos processos históricos ficou presa a essa camisa de força conceitual. Isso nos traz de volta ao problema de discutir a Modernidade tentando entendê-la pelos seus próprios conceitos ou buscando conceitos novos para rever antigas questões. Richard Sennett destaca mais um aspecto que nos parece complementar a esses dois. Ele lembra que esse quadro de instabilidade não é próprio apenas à nossa época, mas que já aconteceu em outros momentos por uma série de fatores: fome, guerras, desastres. "O que é singular na incerteza de hoje é que ela existe sem qualquer desastre histórico iminente, ao contrário, ela está entremeada nas práticas cotidianas de um vigoroso capitalismo.” ( Sennett, 1999:33 ). Essa incerteza está, então, associada às formas de desenvolvimento do capitalismo e aos processos de exclusão de pessoas, formações sociais e territórios que nessas formas de desenvolvimento estão embutidos. O período de formação do capitalismo, que foi um momento histórico de transição e de profundas mudanças, atravessou várias guerras, conflitos étnicos e religiosos, tantos quantos os que vivemos hoje e, parece-nos que estes conflitos não trouxeram tanta instabilidade para aquele momento como as transformações sócio-culturais-econômicas trazidas pelo advento do capitalismo. Devemos ressaltar que alguns desses conflitos tiveram íntima relação com o processo de formação do capitalismo, não podendo ter os seus efeitos contabilizados em separado do fenômeno social mais amplo. Entendemos que algo similar ocorre hoje, pois temos inúmeros conflitos de baixa intensidade, tivemos as piores guerras da História durante o século XX, mas a magnitude das transformações nas práticas sócio-culturais-econômicas, sobrepuja esses eventos e, além disso, muitos deles, tais como as duas Guerras Mundiais e a Revolução Bolchevique de 1917, não podem ser contabilizados como fenômenos exteriores ao processo de transformações que estamos vivendo. Dessa maneira, parece-nos que a singularidade observada por Sennett não é tão particular assim, mas vale o destaque da especificidade da pujança do capitalismo. Nos dias atuais essa instabilidade tem gerado um fenômeno chamado de flexibilização que, como nos mostra Sennett com o personagem Rico exposto em seu livro A Corrosão do Caráter, induz as pessoas a não procurar culpados por sua condição de instabilidade, mas a se considerarem os únicos responsáveis por essa situação. Desta forma, se não há culpados não há reivindicação social a fazer, logo há uma diminuição do grau de participação política e de luta de classes numa sociedade flexibilizada. Para as pessoas do século XX (do início até os anos setenta do mesmo) a narrativa de suas vidas era linear e cumulativa, ao contrário daqueles que vivem atualmente na flexibilidade e no curto prazo. As fábricas, as atividades do setor de serviços e as culturas agrícolas surgem e desaparecem, os empregos vem e vão e as pessoas não sabem o que acontecerá depois. Sennett entende que a rotina pode ser um fator de degradação, mas também de proteção, uma vez que ao mesmo tempo ela atomiza as pessoas e as embrutece pela repetição, sob outro aspecto a rotina traz a certeza da continuidade e da permanência; e isso pode acontecer no ambiente de trabalho. Sennett faz uma conexão etimológica da palavra carreira em inglês arcaico dizendo que ela se referia originalmente a estrada para carruagens, e foi associada a trabalho por designar uma coisa para toda a vida. A rotina foi leito seguro no qual as pessoas navegaram pela Modernidade. Ele diz que a geração de 25 anos atrás trabalhava com dois parâmetros: o tempo linear e os ganhos cumulativos. As coisas eram previsíveis. A desrotineirização do mundo promovida pela Pós-modernidade destruiu este leito. A leitura sobre a Modernidade não pode ser feita sem se discutir o pensamento weberiano. Roland Robertson entende que, para Weber, o mundo como um todo era basicamente uma arena de luta entre as nações. E Weber via tal luta ocorrendo dentro de uma economia mundial crescente e singular. A partir da imagem que Weber constrói do mundo do seu tempo podemos dizer que ele tinha uma imagem parcial da compreensão do mundo, produzindo uma leitura unidimensional do que agora é chamado de globalização. A importância da cultura na construção do processo civilizatório global foi percebida por ele, mas, como entende Robertson, apenas num sentido negativo quando disse que a luta entre as nações visava, parcialmente, a preservação e o enriquecimento dos valores societários. Conforme Robertson esclarece: " Weber quase reagia e tentava redefinir os impulsos global e universal contidos nos escritos de Kant, Hegel e Marx, empregando as idéias de Nietzsche de politeísmo de valores às relações entre as nações. Herdando muito do aparato conceitual de Hegel no seu trabalho sobre religião, Weber via-se ansioso em promover o que, às vezes, alguns chamam de perspectiva comparativo-diferencial concretamente histórica da "história universal”, em vez de apenas a visão histórica abstrata, espiritual ou utópica dos seus grandes predecessores alemães." (Robertson, 2000:44). Tomando a perspectiva de Jessé de Souza sobre Weber, devemos destacar dois comentários desse autor: "A atenção de Weber dirige-se à genealogia deste processo: porque apenas no Ocidente, melhor, porque apenas no Ocidente moderno temos a vitória daquilo que se chama "Racionalismo da dominação do mundo"?”. (Souza, 2000:21). E: "A noção central para a interpretação dessa complexa multicausalidade é o conceito de "afinidade eletiva" (wahlverwandschaft). Este conceito permite a Weber, em distinção por exemplo com relação a Marx, tratar das relações de reciprocidade entre as diversas esferas da sociedade sem reduzir a uma simples função de outras, assim como evitar premissas tecnológicas e de filosofia da história típicas de evolucionismo do século XIX. Em vez de necessidades ou funções refere-se Weber sempre a 'chances' ou 'probabilidades'. Também em contraposição ao marxismo ortodoxo não existe nenhum vínculo a priori entre o mundo material e simbólico, ou seja, entre idéias e interesses. Também aqui fala Weber apenas de 'chances'." (Idem:22). Entendemos que a crítica que Sennett(2000) faz acerca da ausência de uma leitura sobre a motivação para o consumo como impulsionadora da sociedade capitalista na obra weberiana está relacionada à forma como Weber trata a cultura e, mais ainda, nos recursos para entender os mecanismos de construção da sociedade de consumo, que ainda não estavam plenamente desenvolvidos ao tempo de vida de Weber, trazendo, portanto, limitações para a leitura sociológica desse autor. Evidentemente não podemos fazer vistas grossas ao fato que Weber tomou conscientemente uma direção teórica que limitou o seu olhar sobre o mundo em que vivia. Essa limitação, como bem nos alerta Robertson, tem referências históricas fortes no pensamento filosófico alemão, mas teve também importante contribuição weberiana como atesta-nos Souza. Como contraponto a essas idéias temos o pensamento de Georg Simmel que sofrendo as mesmas influências teóricas e sendo contemporâneo de Weber, trouxe-nos uma outra leitura sobre a influência da cultura e o papel dos indivíduos na vida social. Assim, não podemos carregar nas tintas do tempo histórico para justificar as limitações conceituais do pensamento weberiano. Sobre a questão do Racionalismo da dominação do mundo e do conceito de afinidade eletiva, podemos dizer que a construção weberiana desses conceitos nos remete à discussão do caráter evolucionista, ou não, da obra de Weber. Souza, citando [W.] Schluchter, diz que: "Apesar de Schluchter concordar, em princípio, com [Friedrich] Tenbruck sobre o conteúdo evolucionista da teoria weberiana, discorda, por outro lado, de três aspectos essenciais da interpretação desse último autor: 1) inicialmente refuta em Tenbruck que tenhamos em Weber uma teoria da formação e desenvolvimento de todas as grandes culturas mundiais. Contra esse "paradigma evolucionista máximo" defende Schluchter um "paradigma mínimo" referente unicamente à singularidade do desenvolvimento ocidental; 2) também rejeita ele o lugar dominante, uma astúcia (List) das idéias em relação aos interesses e ao mundo institucional; 3) finalmente, Schluchter refuta ainda a seqüência necessária de etapas de desenvolvimento, o que marca sua postura neo-evolucionista.” (Idem:23, nota 7). Essa interpretação de Schluchter acerca do pensamento weberiano nos traz alguns atenuantes para a crítica ao entendimento sobre a Modernidade. Comecemos com a noção de que Weber não buscava explicar o desenvolvimento de todas as grandes culturas mundiais, mas, apenas, o desenvolvimento da Cultura Ocidental. Tomando este ângulo de análise, podemos dizer que a preocupação de Weber era a sociedade européia e, num aspecto mais limitado sua própria sociedade, se encararmos a sua produção sociológica como representativa do período das sociologias nacionais. Sob este prisma, podemos caracterizar a leitura sociológica weberiana como profundamente adaptada ao seu tempo e, portanto, bem construída para as necessidades acadêmicas e sociais daquele momento. No que concerne a uma lógica neo-evolucionista do pensamento weberiano, podemos retomar o entendimento anterior dizendo que a superação do evolucionismo tradicional não se deu, num primeiro momento, por sua negação, mas por sua reelaboração em função das críticas feitas à sua forma primária. Mas, o próprio Souza tenta responder às questões postas por Schluchter ao afirmar que: "A reificação e a conseqüente atitude instrumental em relação a si aos outros e à natureza seriam, portanto, resultado do específico caminho de salvação da ética protestante. A concepção de mundo teocêntrica e dualista seria desvalorizada pela absolutização do ponto de partida do racionalismo da motivação do mundo motivado religiosamente, o que expressa o caráter autodestrutivo da ética protestante." (Idem:36) Ele prossegue e argumenta que as condições de vida que privilegiam apenas a atitude orientada ao sucesso representariam exatamente o modo de vida adotado pelos últimos homens, no sentido nietzschiano do termo apropriado por Weber, que renunciam a qualquer fundamentação ética para as suas ações. Na interpretação de Schluchter, os últimos homens promoveriam uma dominação inconsciente do mundo. Uma vez que: "Uma atitude "consciente” de dominação do mundo exigiria a elaboração reflexiva da tensão típica das formas de consciência peculiares da concepção de mundo moderna nos termos de um imanente dualismo entre orientação para o sucesso e atitude ética, ou seja, uma mistura bem temperada entre sucesso e moralidade." (Idem:37). Estamos falando, segundo Souza, da leitura conceitual de um antropocentrismo dualista, que mantém a tensão entre ser e dever ser, que promove o reconhecimento do conteúdo ético da problemática do autocontrole e da dominação do mundo e que pauta o seu comportamento de acordo com essa dualidade necessariamente instável. E ele retoma: "A nova concepção dualista do mundo, típica da Modernidade desencantada, renuncia à noção de um "além”, o que justificaria a sua noção de "imanente”. A concepção do mundo moderna continua dualista, na visão de Weber, precisamente pela permanência do confronto entre um mundo causalidade natural e um mundo "posturado" de uma causalidade compensatória de fundo ético. No entanto, ao contrário do dualismo anterior, religiosamente motivado, temos agora um dualismo imanente, já que o mundo da realidade ética posturada é pelo próprio homem desenvolvido acarretando, consequentemente, uma "responsabilidade" bastante peculiar com respeito à esfera ética." (Idem:37-38). Esse desencanto da Modernidade resultante dessa racionalidade dualista torna-se a representação mais acabada da Modernidade. Souza continua dizendo que a ética da convicção, típica das sociedades tradicionais, é superada pela ética da responsabilidade (a ética posturada que caracteriza a racionalidade weberiana) apenas e tão somente no Ocidente, que faz uma transição "espontânea" de uma forma de produção não capitalista para o modo de produção capitalista e a luta cada vez mais fratricida para realizar os pressupostos do capitalismo (a acumulação do capital e a maximização do lucro), é algo que zomba dessa ética e dessa racionalidade. Para Souza há uma confusão gerada por aqueles que entendem ter sido a vida reificada gerando uma nova ética da convicção em conseqüência do processo de secularização promovido pelo incremento do capitalismo em todas as esferas da vida social. Estas formas de leitura casam-se com as experiências de vida que temos neste início de século XXI, em que todos discutem as mudanças, a Modernidade, a Pós-modernidade e a globalização. É a discussão sobre o universal e o diferente, sem conceber que ambos possam excluir-se, tratando, ao contrário, da possibilidade de articulação entre ambos. Entretanto, para a Modernidade européia a relação entre os indivíduos processava-se com base na diversidade, que não é similar à lógica da diferença da Pós-modernidade. O outro é visto pelo etnocentrismo europeu como algo a ser excluído para ser explicado. O etnocídio praticado pelos europeus nas Américas, na África e na Ásia durante o chamado período colonial, colonialismo este que serviu de base material para a sedimentação da Sociedade Ocidental Moderna, é um dos exemplos mais cruéis dessa construção/desconstrução do outro. O outro perde a possibilidade de exprimir o seu poder de significar, de romper o seu padrão de identidade, de estabelecer o seu próprio discurso institucional e oposicional porque é aniquilado fisicamente, invisibilizado socialmente. Essa leitura que privilegia a existência do outro pode ser entendida como moderna, pois privilegia a leitura da diversidade cultural em detrimento da diferença, que seria uma leitura pós-moderna. Estamos aqui tomando de empréstimo alguns conceitos de Homi Bhabha. Este autor entende que: "A diversidade cultural é um objeto epistemológico - a cultura como objeto do conhecimento empírico - ao passo que a diferença cultural é o processo de enunciação da cultura como 'conhecível', legítimo, adequado à construção de sistemas de identificação cultural." (Bhabha, 2000:25). Para ele a diversidade é uma categoria da ética, estética ou etnologia comparativas, que reconhece conteúdos e costumes culturais de um determinado tempo histórico-cultural, dando origem a noções de multiculturalismo, intercâmbio cultural ou cultura da humanidade. A diversidade como conceito é a representação de um discurso que separa culturas totalizadas, que mantém uma mística de uma identidade coletiva única. A diversidade cultural pode, inclusive, emergir como um sistema de articulação e de intercâmbio de signos culturais em certos relatos antropológicos do início do estruturalismo. Já a diferença cultural é um processo de significação através do qual afirmações da cultura ou sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade. O conceito de diferença cultural concentra-se no problema da ambivalência da autoridade cultural: a tentativa de dominar, em nome de uma supremacia cultural que é, ela mesma, produzida apenas no momento da diferenciação. Podemos tomar como exemplo a relação de supremacia que se estabelece entre uma cultura dita global e as culturas locais, relação esta que vale apenas e tão somente para aquele determinado contexto. E é a própria autoridade da cultura como conhecimento da verdade referencial que está em questão no conceito e no momento da enunciação. Esse entendimento acerca da diversidade cultural ao enunciar a possibilidade do multiculturalismo e, consequentemente, da possibilidade de construção de formações sociais diversas, contrapõe-se à idéia weberiana de exclusividade da sociedade européia como única detentora das condições para a difusão do capitalismo isto porque, como nos diz Peter Berger, não é só o protestantismo, ao contrário do que pensava Weber, que tinha uma ética que poderia se casar com o espírito capitalista. Várias ou quase todas as grandes religiões orientais têm inúmeros elementos que poderiam fazer parte do ideário capitalista. Entendemos, outrossim, que no lugar de uma leitura multicultural deva ser proposta uma interpretação transcultural da realidade pois, ao passo que a primeira acaba por compor uma tradução da realidade social que enxerga, no caso do Brasil, uma sociedade mestiça, sem conflitos, a interpretação transcultural valoriza o encontro, conflituoso ou não, de culturas, expressões étnicas, processos civilizatórios. Esta última interpretação está de acordo com as mais recentes leituras sociológicas, antropológicas e históricas que serviram de base à compreensão de transdisciplinaridade e transversalidade de conteúdos culturais e civilizacionais que são o eixo norteador dessa questão. Autores como Norbert Elias, Anthony Giddens, Zigmunt Bauman, Milton Santos, Guy Debord, Antônio Sérgio Guimarães, Rolad Robertson, Sérgio Costa e David Harvey, dentre outros, falam das diferenças, das fronteiras, da construção/desconstrução do 'outro' moderno e pós-moderno. Divergem entre si, mas confluem na compreensão de que a interpretação das sociedades atuais passa pela afirmação, ao mesmo tempo, do conflito e da convergência de valores e interesses culturais, políticos, ideológicos e não da uniformidade, da pasteurização, da universalização. Voltando ao marxismo, parece-nos que a Pós-modernidade seria tratada como um substituto deste como teoria libertadora. Isto porque, assim como o marxismo, a Pósmodernidade seria uma teoria que permitiria, numa visão evolucionista do processo histórico, saltar etapas, tirando uma sociedade do estágio primitivo da Pré-modernidade diretamente para a Pós-modernidade. Essa noção é um tanto simplista, uma vez que não inclui uma análise dos mecanismos que levam uma sociedade a ser classificada como Prémoderna, Moderna ou Pós-moderna. Nem, tampouco, estabelece as relações para identificar a possibilidade de manutenção, ou não, das condições para a existência de uma sociedade Pré-moderna. Da nossa parte entendemos que é impossível uma sociedade ser caracterizada como Pré-moderna porque o grau de penetração dos elementos característicos da Modernidade em todas as sociedades do mundo é tal que não se pode falar em não influência dos aspectos modernos sobre qualquer sociedade. Aquilo que parece ser indicador de resquícios de Pré-modernidade pode ser entendido como resultante da dinâmica do desenvolvimento da Modernidade que relegou à exclusão as populações e regiões que possuem esses indicadores. Assim, ao encontrarmos nas sociedades africanas elementos indicadores de exclusão não podemos tomá-los como indício de Prémodernidade. Até mesmo porque essas noções de Pré-modernidade e Modernidade fora do contexto da Europa Medieval e Renascentista, tem um forte tom de evolucionismo, de etapas a serem, necessariamente, vencidas. A dinâmica da História da Humanidade não deve, entretanto, ser vista por este ângulo, mas como um processo de relações intersocietais que se influenciam mutuamente e sofrem, internamente a influência das ações dos indivíduos. Dessa forma, quando entendemos que o mundo atual vive sob o signo da Modernidade, estamos dizendo que há um processo de relações intersocietais que produziu uma hegemonia ideológica que chamamos de Modernidade. Esse processo se constituiu de tal forma que excluiu, por excelência, qualquer outro processo que lhe antecedeu. Assim, aquilo que chamamos Pré-modernidade só pode ser entendido como referência histórica, e não presente. Para Robertson as relações entre indivíduo e sociedade têm outros componentes. Ele trabalha com a hipótese de campo global. Este campo teria quatro aspectos centrais: as sociedades nacionais, os indivíduos, o sistema mundial de sociedades, a humanidade e procura explicar o modo como o mundo é ordenado, formando o mundo-como-um-todo. Seria um processo de ordenamento em que cada um dos campos estaria relacionado aos outros formando uma espécie de rede de relações com múltiplos desenvolvimentos. Por outro lado, Immanuel Wallerstein entende que há um sistema-mundo que governa as práticas sociais impondo uma forma de organização que é a da economia-mundo capitalista. Dessa forma as sociedades nacionais não poderiam manter um processo de desenvolvimento autônomo porque o que se desenvolve é o sistema-mundo. Já Elias entende que não há determinismo, mas há processo histórico. E este não pode ser previamente delimitado, ele se constitui a partir dos condicionantes históricos inerentes a cada época e lugar. Zigmunt Bauman afirma que, "a Modernidade viveu a maior parte da sua história na e da auto-ilusão. O centro disso seria a noção que 'aquilo' que não é universal na sua particularidade apenas não o é ainda, de que o projeto da Modernidade pode ser incompleto mas perdura em definitivo." (1998:245). Bauman questiona "se o desaparecimento da auto-ilusão é uma satisfação final, uma emancipação ou o fim da Modernidade." (Idem). Estas leituras sobre a Modernidade tem a ver com o próprio processo de ambivalência produzido pelas formações sociais da Modernidade Ocidental. A aparente 'con-fusão' entre as leituras interpretativas da Modernidade e da Pós-modernidade sobre o mundo é resultante do imbricamento dessas duas explicações teóricas sobre esse mundo. É muito difícil, se não impossível, fazer uma separação plena das leituras da Modernidade e da Pósmodernidade acerca das regiões e/ou populações que estão excluídas do eixo dominante da Sociedade Ocidental. Essas teorias têm muito mais de proximidade do que de afastamento. Sobre a auto-ilusão moderna concordamos plenamente com Bauman e entendemos que o seu desaparecimento implica numa revisão das formas explicativas do mundo dela derivadas. O problema é se não surgiram outras formas de auto-ilusão na Pós-modernidade que a substituam. Com relação ao desenvolvimento do capitalismo, Berger entende que o capitalismo não é um processo monolítico e que podem se formar ou ter-se formado diferentes tipos de capitalismo em diferentes formações sociais. Para ele o que importa é saber quais as agregações históricas e empíricas são essenciais ao fenômeno histórico, ou seja, o que faz do capitalismo, capitalismo. Berger ainda afirma que da mesma forma que o Império Romano se desagregou, ou melhor, transmutou-se, o mesmo pode acontecer com o capitalismo. Atualmente, por exemplo, o regime de acumulação flexível substitui o regime fordista de produção. Destacamos também que as técnicas dominantes atuais alcançam todos os pontos do planeta sem exceção, diferentemente dos períodos anteriores. As linhas férreas, por exemplo, alcançavam uma parte do território, mas não produziam efeito sobre o restante. Ao afirmarmos isso temos em mente que essa abrangência deve levar em conta que esse alcance é diferenciado, de acordo com a importância e interesse de cada região. No entanto, a tecnologia, em maior ou menor grau, chega a todas as partes. Apesar disso, nada impede que as formações culturais propostas como pós-moderna sejam a nova face do capitalismo ou o gérmen de algo novo surgido das cinzas do capitalismo como preconizava Karl Marx, respeitando-se as relações e tensões próprias de cada formação social. Assim, autores como Manuel Castells, que advoga o surgimento do Modo de Desenvolvimento Informacional, que para ele não substitui, num primeiro momento, o capitalismo, mas que pode vir a entrar em choque com o mesmo no futuro (devemos esclarecer que esse autor faz ressalvas sobre o caráter não-determinista dessa afirmação, afastando-se do pensamento marxista), ou como Jeremy Rifkin que prega o surgimento de uma nova Era do Acesso, caracterizada como uma nova etapa do capitalismo, estariam numa linha muito próxima ao pensamento de Peter Berger. Devemos frisar que este autor compreende que o capitalismo é um processo cultural, porque toda atividade econômica é, em si mesma, um fenômeno próprio do mundo da cultura. Já Robertson entende que é a globalização que tem esse componente cultural. Atualmente o próprio marxismo trata a cultura com outra perspectiva e compreende que a dimensão cultural tem influenciado nos ritmos de vida, do desenvolvimento técnico, da velocidade próprias do capitalismo e da Modernidade, bem como, a insegurança, traço característico das épocas de transição. Sob este ponto de vista, o momento histórico que atravessamos não é especial, mas, ao contrário, típico, não porque se repete, pois cada momento histórico é irrepetível por suas características conjunturais e relações sociais próprias, mas porque apresenta traços de semelhança com outros momentos, o que permite-nos estabelecer uma tipologia e analisar o momento atual não pelo que ele tem de extraordinário, mas pelo que ele é típico e, portanto, por aquilo que o faz parte de um longo processo histórico. Entretanto, há uma característica especial desse processo histórico que merece ser destacada. Tomemos de empréstimo as palavras de Norbert Elias: "Mas, como sociólogo, não posso fechar os olhos para o fato de que, em nossa época, no lugar dos estados individuais, é a humanidade dividida em estados que vai se tornando cada vez mais o quadro de referência, como unidade social, de muitos processos de desenvolvimento e mudanças estruturais. Sem quadros de referência globais, esses processos e mudanças estruturais não podem ser adequadamente diagnosticados e explicados. O incipiente avanço para o novo nível de integração que se pode observar em todos os lados exige que avancemos na sociologia para um novo nível de síntese." (Elias, 1994:135-136). Essa característica de incorporação de toda a humanidade que ocorre pela primeira vez na História é extremamente significativa para a nossa discussão, pois todos os outros processos de globalização, a bem da verdade, apesar de merecerem o nome, ou não atingiram todo o planeta, ou não atingiram toda a humanidade quando se desenvolveram por todos os continentes, sendo exemplo deste último, o Império Britânico, "onde o Sol nunca se punha". No atual processo o impacto é global. Não há como se furtar ao influenciamento. Mesmo nas regiões mais excluídas, com as populações mais expropriadas, o processo atual de globalização faz eco, nem que seja pela exacerbação das formas de exclusão. Afinal, para ser identificado como excluído torna-se necessário um referencial, dado no caso presente pela vitrine globalizada. Para Giddens, por exemplo, o Estado nacional foi orientado por normas cada vez mais globais em relação à sua soberania. Na Opinião de Robertson, "Deveríamos reconhecer que a preponderância da sociedade nacional no século XX é um aspecto da globalização." (Robertson, 2000:87). Ele afirma, contra a posição de Luhmann, que: "O sistema global não é o resultado de processos de origem basicamente intra-societais ou mesmo resultado de um sistema interestados." (Idem:91). Robertson constrói uma teoria voluntarista cujos pontos básicos são: 1) O sistema global não é redutível a um cenário que consista apenas de sociedades e/ou outros atores de grande amplitude; 2) Evitar o reducionismo ao operar com as dimensões analíticas do processo de globalização. Não ficar só na política e na economia, colocar a cultura na teoria dos sistemas mundiais. "Em especial, quero salientar que o pluralismo cultural é, em si mesmo, um traço constitutivo da circunstância global contemporânea e, ainda, que as conceituações do sistema mundial, incluindo respostas simbólicas à globalização e às interpretações dela são, basicamente, fatores importantes na determinação das trajetórias de tal projeto." (Idem:92). E, como terceiro e último ponto, o problema da ordem global e o problema da ordem social e societária. Esses aspectos estão relacionados à abrangência do atual processo de globalização e suas possíveis variantes e são de importância fundamental na nossa discussão, já que dá por estabelecido que estamos vivendo um processo que, absolutamente, não é do nosso domínio, que não temos o controle, mas que está nos afetando diretamente, e a todos, indistintamente, muito embora em graus variados. Devemos atentar que esse processo traz as reações as mais diversas e que as formas de inserção são as mais díspares. Para analisarmos determinada população e/ou região devemos ter em mente todos esses fatores. Outra idéia de Elias merece destaque: "Sem dúvida, a transição para a integração da humanidade num plano global ainda se acha num estágio primitivo. Mas, as formas primitivas de um novo ethos mundial e especialmente a ampliação da identificação entre pessoa e pessoa já são claramente discerníveis. " (Elias, 1994:139). Elias lembra das cruzadas internacionais em prol dos Direitos Humanos e nós pensamos em coisas mais prosaicas como os filmes Independence Day e Armageddon, impensáveis como mensagens de humanidade unida em outras épocas, mas revelando o seu caráter primitivo em ver essa unidade protagonizada por um efeito de liderança hegemônica, no caso norteamericana. Isso, sem dúvida, nos conduz a outra afirmação de Elias: "No auge do seu poderio, os grupos dominantes das nações ou das classes sociais e outros grupamentos de seres humanos são dados a idéias de grandeza." (Idem: 44). Esse trecho nos faz lembrar da Administração George W. Bush e da sua Guerra contra o Terror com os seus slogans e suas frases de efeito, levando a sua ação militar bombástica contra o Iraque. Outro aspecto interessante a ser destacado é que, mesmo depois de ter atingido e saído de uma posição de mando, uma sociedade, classe social ou outro grupo humano continua a raciocinar como se mantivesse os mesmos privilégios anteriores não percebendo, com isso, ou não querendo perceber, que uma nova ordem se instaurou. Daí surgem muitos dos conflitos associados ao atual processo de globalização quando os antigos grupos dominantes das regiões afetadas pelo processo global resistem à onda globalizante tentando manter os seus privilégios. Surgem, então, os choques entre as leis locais e as leis do Direito Internacional de caráter translocal no qual estão inseridas as lutas anti-racistas atuais, especialmente após a III Conferencia Mundial contra o Racismo e outras formas de Discriminação, ocorrida em Durban – África do Sul, em 2001. Nessa perspectiva, as políticas anti-racistas estão diretamente relacionadas à forma de construção do Estado dentro dos limites do ideário da Modernidade. A relação entre movimentos sociais que se propõem a defender os negros e afrodescendentes e poder público vai ser estabelecida de acordo com essa lógica. Os conflitos daí advindos estão em consonância com o momento histórico que vivemos lastreado de neoliberalismo e políticas de globalização hegemônica e excludente. Estes conflitos acabam por acelerar ou fomentar processos de exclusão de grupos humanos, classes ou sociedades do processo histórico, ou pelo menos de uma posição central. Isso, entretanto, não é um atributo da Modernidade, nem do momento atual. A exclusão social tem existido ao longo de toda a história humana. O que existe de novidade é a intensidade do processo, mas, também esta, não é fato isolado na História. Recordemos que a transição do período feudal para o capitalismo jogou grande parte da população européia nas calçadas e asilos das cidades, pois estas pessoas, de uma hora para outra, perderam a sua terra ou a possibilidade de ficar nas terras de determinado senhor feudal, uma vez que este tinha se tornado um empreendedor capitalista ou tinha vendido as suas terras para um desses. Cabe destacar que se as condições sociais do conjunto da população desses países afetados foi melhorando ao longo do tempo, para milhões de indivíduos que viveram aquele processo isso foi uma tragédia e, para a maioria sua vida nunca mais melhorou, sem contar que, por causa desse processo, muitos, ou talvez famílias inteiras, aos milhares, tenham perdido a vida. Esse exemplo nos dá a magnitude da influência que um processo de transformação muito pronunciada tem na vida das pessoas, mas não justifica a brutalidade das mudanças. A sociologia tem relegado a um segundo plano os efeitos na vida das pessoas das grandes mudanças sociais. Ressaltemos como exceção Georg Simmel que, ao mesmo tempo de Weber, preocupava-se com a socialidade, as relações entre as pessoas, enquanto que Weber fazia a sociologia da Burocracia, do Estado e, principalmente, da Religião. Todavia, se são as pessoas que, a partir das suas relações interpessoais, constróem as formações sociais, cumpre entender esse influenciamento para saber como os indivíduos vão reagir a essas transformações e qual o efeito dessa reação na construção da formação social. Para Bauman, esses processos de mudança para uma sociedade global, pela sua brutalidade, conduzem as pessoas a reafirmar e fortalecer a localidade. Os movimentos tem tendido a voltarem-se para o gueto e não participar das decisões políticas mais amplas. A mudança da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica produziu, para Emile Durkheim, uma alta vulnerabilidade, na pessoa moderna, conhecida como anomia, "uma condição de não ter raízes, nenhum senso de pertinência, nem normas estáveis." (Berger, 1992:34). Estas palavras de um homem da Modernidade trazem dentro de si toda a carga conceitual daquilo que chamamos Pós-modernidade. Elas estão voltadas para um dos aspectos centrais dessa mesma Pós-modernidade que é a noção do lugar do indivíduo no mundo. A idéia de Durkheim não está alicerçada sobre o arcabouço da Modernidade, ou seja, do individualismo, mas da noção de completa impotência do indivíduo em relação ao desenvolvimento da sociedade. Este indivíduo recebe (o termo é exatamente este: recebe), então, uma formação social já pronta e acabada, se o ordenamento desta mudou cabe a ele, indivíduo, particularmente, se reencaixar no ordenamento social. Segundo Robertson, "as mudanças societárias, de mecânica para orgânica, de feudal para capitalista, de gemeinschaft para gesellschaft, de baseada no status para baseada no contrato, entre outras, é abrangido mas não eliminado, nas últimas décadas, pelo problema da globalização." (Robertson, 2000:125). Como vemos, para Durkheim, a solução dos problemas de exclusão social num processo de transição passa por vias pessoais, não é um problema coletivo. A forma como outros autores encaram o problema é diversa. A resposta de Elias a essa questão é totalmente diferente. Ele vê uma íntima articulação entre a vida social e as questões postas para o indivíduo, pois, reafirmamos, é o processo de relação entre os indivíduos que faz o ordenamento social e é esse ordenamento social que garante a vida de cada indivíduo. Se a complexidade das relações e necessidades humanas gerou formações sociais com um grau tal de complexidade que aquilo que ocorre com um único indivíduo não afeta diretamente a vida do conjunto da sociedade e seu progresso, é fato que essa sociedade tem como finalidade última garantir, da melhor forma possível, a vida de cada um desses indivíduos. Para isso existem as normas que restringem essas garantias ao nível particular e permitem que haja uma negociação sobre essas restrições entre as várias partes de uma formação social. As tensões daí advindas e as formas de exclusão são, portanto, conseqüência das disputas internas a uma formação social. Para Elias, a formação de uma racionalidade própria a cada formação social deriva, justamente, deste processo de formação das normas reguladoras desse ordenamento social. O indivíduo vai aprendendo ao poucos essas normas no seu processo de formação desde a infância. A diferença para Durkheim é que, para Elias, o indivíduo aprende as normas, mas as reelabora tentando negociar os pontos que mais lhe beneficiam. É nesse processo que surgem as tensões sociais e que as primeiras formas de exclusão do indivíduo começam a se fazer sentir. Aqui o racismo colhe muitas vítimas que não perecerão a sua exclusão como uma prática racista, mas como um componente natural da vida social. Temos aí uma mudança das normas, que reduz ou extingue os privilégios do antigo grupo dominante, modificando a sua posição social. A exclusão dos não-europeus é definidora para o surgimento e fortalecimento da sociedade moderna. Não foi é claro o racismo da burguesia européia que produziu a sua ascensão ao poder, até porque a prática do racismo é historicamente posterior à ascensão à condição de classe dominante, mas ele foi fundamental para a sua perpetuação no mesmo. Dessa forma o processo de exclusão dos não-europeus não é uma exibição de arrogância, mas parte de um processo de disputa e defesa do poder e preservação da ordem social. Assim, as sociedades não-européias foram excluídas como fator de poder no mundo. Foi a Sociedade Ocidental Moderna a primeira a pensar a si mesma como cultura e/ou civilização. Em outras palavras, todos os conceitos que estamos discutindo são uma invenção da Modernidade, pois caldeus, romanos, astecas ou frígios não se viam como aquilo que hoje denominamos civilização, muito embora tenham contribuído para o desenvolvimento desse processo. Estamos, pois, falando das mudanças sócio-históricas que ocorrem atualmente utilizando-se de uma visão de mundo que é da Modernidade e que tomamos como sendo natural e eterna. Assim, toda a discussão que estamos fazendo aqui representa também a perpetuação de um sistema de crenças e de normas, pois construímos e mantemos conceitos que nos dizem que nós produzimos uma boa sociedade e que, portanto, devemos fazer todo esforço para reproduzi-la e preservá-la. Nesse sentido devemos entender o que significa para a Modernidade os termos civilização e cultura. A tradição alemã é aquela que melhor faz uma distinção entre cultura como sinônimo de cultivado, cultivo, culturalmente único e civilização como sendo a caracterização negativa do mundo moderno. O sentido de civilização está associado à idéia da Modernidade, do progresso técnico e material. A noção de cultura está próxima à da Pós-modernidade (e à da Prémodernidade), do desenvolvimento humano (e da tradição), do cultivo espiritual. Choca-se com a ambivalência da Pós-modernidade ao afirmar o culturalmente único, mas casa-se perfeitamente com o isolamento necessário à preservação da tradição da Pré-modernidade. Todavia, a tradição filosófica alemã mantém-se próxima do pensamento moderno ao entender que o conceito de progresso, em qualquer sentido que fosse aplicado, significava inserção, proteção ao caos. Bauman expressa, ao nosso ver, as transformações por que passou o entendimento conceitual sobre a cultura nestes dois trechos. Passamos de cultura a culturas. Mas permaneceram a idéias de que: "a cultura (no sentido de refinamento, aculturação) é uma entidade ou processo estabelecedor da ordem; portanto, as normas promovidas ou instaladas por meio da cultura são (ou pelo menos deveriam ser) coerentes e não-contraditórias, tal como a própria ordem; se acontece de não o serem - essa é uma situação anormal e mórbida, que necessita de corretivo e retificação; sendo a cultura um sistema coerente de prescrição e proscrição, somente podem pertencer ao sistema as normas e artefatos culturais que sejam indispensáveis à auto proteção do sistema; se deparamos com uma norma ou artefato, temos então o direito de perguntar que papel isso desempenha no sistema; se não conseguimos determinar-lhe a função, devemos presumir que a norma ou artefato em questão é um resíduo de um estado anterior do sistema, agora inútil e destinado a desaparecer – ou uma inserção estranha, desintegradora da engrenagem do sistema; o sistema cultural possui uma 'estrutura', sendo uma variedade impessoal da estrutura encontrada em todas as 'fábricas de ordem'; analogicamente à mesa de controle ou aos 'objetivos da organização', deve haver um 'sistema de valores centrais' no topo do sistema cultural - e tudo no sistema, até a base, deve ser considerado a particularização e aplicação de tais valores." (Bauman, 1998:164). Ele prossegue e completa o seu raciocínio dizendo que a cultura é cada vez mais raramente pensada dessa maneira e que Thomas Kuhn diria que o discurso cultural contém todos os sintomas da crise dos paradigmas. Em outras palavras, chegou o momento de se desfazer do velho paradigma e construir um novo que atenda às necessidades do momento, consolidando uma nova normalidade. Em outro trabalho, Bauman diz que: "A cultura da sociedade de consumo envolve sobretudo o esquecimento, não o aprendizado." (Bauman, 1999b:90). Sobre esta afirmação lembramos que nessa sociedade o consumo é instantâneo e a perda da satisfação também. "A construção da ordem coloca os limites à incorporação e à admissão. Ela exige a negação dos direitos e das razões de tudo o que não pode ser assimilado - a deslegitimação do outro." ( idem:16 ). Assim, o não-europeu foi desincorporado da civilização, deslegitimado como portador de cultura e civilização. Quando ele tenta se apropriar de estruturas de poder ligas à civilização que o renegou ele é descredenciado a participar do processo pela sua própria condição de desincorporado, de deslegitimado. Como nos diz Bauman, não existe "estrutura" global da cultura "como um todo" (nem da "sociedade como um todo"). As culturas, como as sociedades, não são "totalidades". Em vez disso, existem processos de estruturação contínuos e perpétuos em diversas áreas e dimensões da prática humana, raramente coordenados e submetidos a um plano abrangente. Disso decorre que a cultura não é algo estacionário, mas processo que flui. A cultura não é senão uma atividade perpétua e a "estrutura" não é senão a constante manipulação de possibilidades; A luta por afirmação identitária dessas pessoas, comunidades e povos colocados à margem da Modernidade, transformados em párias, mas construindo, reelaborando e re-significando representações culturais de si mesmos, pode ser exemplo daquilo que essa afirmação de Bauman quer dizer. Nessa mesma linha, o agir moderno pauta-se pela luta entre a individualidade e a coletivização, esta última sendo utilizada como anteparo à individualidade grupal, solapando todas as tentativas de existência de expressões identitárias autônomas dentro de uma mesma comunidade. A noção de identidade social assume as mais variadas formas, indo da identidade grupal até a tentativa de construir uma identidade-nós, com diz Elias, que se iguale ao sentido de humanidade. Para Bauman, "Definições são inatas; identidades são construídas. As definições informam a uma pessoa quem ela é, as identidades atraem-na pelo que ela ainda não é, mas pode ainda tornar-se." (Idem:94). Elias nos diz que a balança passou a pender para a identidade-eu a partir do Renascimento. Essa forma de olhar o mundo acabou por trazer toda uma problemática na relação com o outro. Na perspectiva de Homi Bhabha, "Embora o conteúdo de uma 'outra' cultura possa ser conhecido de forma impecável, embora ela esteja representada de forma etnocêntrica, é seu 'local' como fechamento das grandes teorias a exigência de que, em termos analíticos, ela seja sempre o bom objeto de conhecimento, o dócil corpo da diferença, que reproduz uma relação de dominação e que é a condenação mais séria dos poderes institucionais da teoria crítica." (Bhabha, 2000:23). E continua: "devemos re-historicizar o momento da "emergência do signo", a "questão do sujeito" ou a "construção discursiva da realidade social", para citar alguns poucos tópicos em voga na teoria contemporânea. E isso só poderá acontecer se relocarmos as exigências referenciais e institucionais desse trabalho teórico no campo da diferença cultural - e não da diversidade cultural... O processo de tradução é a abertura de um outro lugar cultural e político de enfrentamento, no cerne da representação colonial." (Idem:24). O outro é expropriado da sua identidade, desmontado, desconstruído, destruído para ser absorvido. A Modernidade precisa do outro para lhe negar a identidade e afirmar a identidade dos grupos hegemônicos da Modernidade. A tradução do processo de globalização seria na interpretação dos globalizados, numa perspectiva de construção de uma nova hegemonia, a re-significação dos conceitos sobre o mesmo. As formas de dominação e de exclusão da Modernidade apresentam um componente conceitual muito interessante. A noção do estranho ou do estrangeiro. Alguns autores, como Zigmunt Bauman, fazem a distinção entre um conceito e outro, designando o estrangeiro como um inimigo em potencial e o estranho como um inimigo concreto e impossível de se tornar amigo. Já Georg Simmel definia o outro oposicional da Modernidade como sendo o estrangeiro. Achamos que atualmente essa distinção não faz mais muito sentido pela própria modificação do enfoque da exclusão dada pela Pós-modernidade que trataremos com mais profundidade no capítulo seguinte. Feitas essas ressalvas, falemos do estranho/estrangeiro. Quem nos apresenta esse conceito é o próprio Bauman, que citando em parte Schültz, afirma: "O estranho despedaça a rocha sobre a qual repousa a segurança da vida diária. Ele vem de longe; não partilha as suposições locais" (Bauman, 1998:19) - e, desse modo, " torna-se essencialmente o homem que deve colocar em questão quase tudo o que parece inquestionável para os membros do grupo abordado " (Schültz apud Bauman, 1998:19). Para Bauman, "Ele "tem de" cometer esse ato perigoso e deplorável porque não tem nenhum status dentro do grupo abordado que fizesse o padrão desse grupo parecer-lhe "natural", e porque, mesmo se tentasse dar o melhor de si, e fosse bem-sucedido, para se comportar exteriormente da maneira exigida pelo padrão, o grupo não lhe concederia o crédito da retribuição do seu ponto de vista." (Bauman, 1998:19). O estranho é, portanto, na leitura de Bauman, aquele que não tem vínculos com o lugar, mas é, também, o que traz a novidade e com ela o risco do novo, do inexplorado. Por isso ele é posto no seu lugar, ou seja, em lugar nenhum. Para o estranho nada é natural, tudo é colocado como um problema e uma tarefa. Para Bauman o estrangeiro é o inimigo em potencial, já o estranho não pode ser nem amigo, nem inimigo, ele foge a todas as categorias, sendo não-classificável. Ele é apenas o diferente. Entendemos que atualmente essa distinção perdeu seu vigor porque tanto estrangeiros como estranhos passam pelo mesmo processo de descrito abaixo de assimilação/exclusão sem distinções perceptíveis, isto porque o processo de globalização, apesar de toda a proposta da Pós-modernidade conserva muito da característica da Modernidade de homogeneização. O estranho é o primeiro a ser excluído e é o culpado de todos os males, pois, sendo de fora, ele é o impuro e se há uma coisa que causa tanto pavor à Modernidade quanto o caos, é a poluição, a sujeira. O estrangeiro é portador do caos porque traz a novidade desestabilizadora da ordem e é sujo porque não está localizado dentro do sistema social daquele lugar. Bauman fala dessa maneira sobre a exclusão do estrangeiro pela Modernidade: na guerra da Modernidade contra os estranhos. A própria definição da categoria nativo indica uma visão de estranheza do estranho. O nativo é aquele fixo, pertencente ao lugar, sendo, portanto, uma categoria inferior, já que, ao contrário do estrangeiro, não pode transcender àquela fixidez. Observemos a relação dos habitantes do Primeiro Mundo com os nativos do Terceiro Mundo, ou destes, na condição de nativos em oposição à daqueles como estranhos. Georg Simmel já alertava, no início do século XX, para o papel do estrangeiro na sociedade moderna e destacava a sua posição de anteparo rearfirmador das virtudes da sociedade moderna, uma vez que o estrangeiro representava tudo aquilo que os membros legítimos da sociedade não deveriam ser ou fazer. Ele destacava que as únicas formas de sociação possíveis seriam a amizade e a inimizade. Além disso, o estranho é uma afronta à própria sociação porque ele foge dos esquemas tradicionais de identificação e não pode ser caracterizado como amigo ou inimigo. "O compromisso declarado pelo estranho, a lealdade que ele promete, a dedicação que demonstra não são dignos de confiança: são acompanhados de uma válvula de escape que a maioria dos nativos muitas vezes inveja mas raramente possui." (Bauman, 1999a:70). O próprio ato de escolha daquele grupo social pelo estranho atrai a desconfiança sobre ele. Quem acreditaria nas boas intenções de um extraterrestre, na suposição que eles existam e sejam inteligentes, se ele chegasse ao Planeta Terra e, por mais que ele fosse parecido conosco, se declarasse nosso amigo e buscasse assimilar nossas práticas culturais e ao mesmo tempo nos fizesse críticas sobre a nossa maneira de ser ou agir, ou pior, quisesse dizer o que fazer? Exemplos de que isso não é bem visto, existem aos montes nos conflitos entre nações. As comunidades pré-modernas de pequena escala caracterizavam-se por uma dual sociabilidade, que significava que seu espaço de sociação era constituído somente de amigos e inimigos. O outro é visto pelo etnocentrismo europeu como algo a ser excluído para, somente depois, ser explicado. Somente quando o outro é dominado pela exclusão é que a visão etnocêntrica européia consegue relacionar-se com ele e produzir uma explicação. As culturas não-européias foram, primeiro, levadas à submissão ou ao extermínio para depois serem interpretadas. Sob esse ângulo de leitura o Pensamento Ocidental Moderno assemelha-se muito, especialmente nos resultados, às construções societais Pré-modernas. Bauman entende que enquanto os estranhos modernos eram vistos como seres que deveriam ser aniquilados das mais variadas formas, os pós-modernos estão aí para ficar. Porque, ao contrário da Modernidade a Pós-modernidade seria o primado da des-ordem, ou seja, a negação do controle e da regulamentação. Ele diz que a Modernidade e a Pós-modernidade produziram heróis e vítimas. Na Modernidade o herói é o arrivista e a vítima, o pária. O arrivista representa o arquétipo da Modernidade: ele está sempre se deslocando, sem fixar, mas pensando em fixar-se em algum lugar. Para Bauman, o arrivista é, "alguém já no lugar, mas não inteiramente do lugar, um aspirante a residente sem permissão de residência." (Bauman, 1998:92). O arrivista inicia a jornada pensando em encontrar um lugar para estabelecer-se, confundindo, na visão de Bauman, o seu ideal com o da Modernidade, pois "a Modernidade é a impossibilidade de permanecer fixo. Ser moderno significa estar em movimento." (ibidem). A aparente contradição justifica-se com outra leitura de Bauman sobre a Modernidade, que afirma: "Nesse mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a fim de se fixar. Além da curva, existe, deve existir, tem de existir uma terra hospitaleira em que se fixar, mas depois da curva sempre surgem novas curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não destroçadas." (Ibidem). Sempre há um novo ano ou campeonato em que seu time pode ser campeão, sempre haverá um novo amor e aí sim seremos felizes, sempre há uma nova semana, ou metade dela, com um novo concurso lotérico que nos fará milionários e todos os problemas acabarão. Já o pária não tem esperanças de se fixar. Ele sabe que sempre será expulso porque revela aos outros aquilo que de horror há para aqueles que não se aventurarem a ser arrivistas, sempre em busca de um lugar ao sol. O vagabundo é, na Pós-modernidade, o antípoda do turista, assim como o pária é, na Modernidade, o antípoda do arrivista, seu lado podre, tudo o que a sociedade quer esquecer. Deixar um pária se fixar ao seu lado é encontrar todos os dias com a impureza e com a desordem, é fazer-se igual a eles, é, portanto, negar a si mesmo o direito de pertencer à Modernidade. O pária sabe disso e tenta fugir a sua condição de pária para ser, finalmente, aceito, ser deglutido antropofagicamente pela Sociedade Moderna. Já na Pós-modernidade, segundo Bauman, papéis muito parecidos são representados por turistas e vagabundos. Diz ele: "Sugiro-lhes que a oposição entre turistas e vagabundos é a maior, a principal, divisão da sociedade pós-moderna." (Bauman, 1998:118). O turista está também se deslocando, mas, ao contrário do arrivista, não quer se fixar. Para ele há um ponto de partida, mas não há um ponto de chegada, não há nem sequer um roteiro, uma trajetória, a ser seguida. O turista sai de casa porque esta é para ele como uma prisão. Ele vai para o mundo em busca de aventuras, não tem compromisso com lugar nenhum, o mundo o liberta. O turista se desloca à vontade, quando quer e não se sente desterrado. São os homens de negócios globais, os controladores da cultura, os acadêmicos globais. São seduzidos e adulados. Não são presos ao espaço. Vivem no tempo (no presente absoluto). Não sofrem restrições de locomoção. Seu lar é qualquer lugar, pois não se sentem deslocados e desconfortáveis em lugar nenhum. Viajam porque querem. O turista é o consumidor pós-moderno. Aquilo que o move é: " Não tanto a avidez de adquirir, de possuir, não o acúmulo de riqueza no sentido material, palpável, mas a excitação de uma sensação nova, ainda não experimentada - este é o jogo do consumidor." ( Bauman, 1999b:91). O vagabundo, ao contrário, inicia sua viagem impelido por forças que lhe são exteriores. Ele não deseja sair de casa, mas é obrigado a fazê-lo. Ele, assim como o turista, não tem destino, mas, diferentemente deste, não tem mais casa. O turista pode voltar a sua casa, mas não o faz porque não quer. O vagabundo quer voltar para uma casa, a sua casa, mas não pode. O mundo para o vagabundo é a sua prisão, ele não pode fugir dele. Podemos identificar como turistas todos aqueles que tem condições de fazer, a hora que quiserem as mais variadas viagens, sejam elas para lugares distantes, para o mundo da cultura geral ou acadêmica, pelo ciberespaço ou por qualquer outro lugar que se diferencie bastante do seu lugar de origem, mas o turista só pode circular livre se o vagabundo ficar acorrentado à sua sina. Já os vagabundos podem ser vistos como os desterritorializados, os desenraizados culturalmente, os pobres, os trabalhadores sazonais, dentre outros. O vagabundo é um consumidor frustrado. Ele deseja mais não pode consumir. A sua condição o impede de satisfazer qualquer desejo de consumo. Façamos um destaque para a questão econômica. Devido à dinâmica da economia capitalista nos dias atuais, o capital, de qualquer tipo, pode ser considerado, vis-à-vis o trabalho, como sendo o turista, devido a sua alta mobilidade, que segue as suas determinações autônomas, e o trabalho, pela sua menor autonomia de deslocamento, como o vagabundo. "O que se aclama hoje como 'globalização' gira em função dos sonhos e desejos dos turistas."(Bauman,1999b:101). Como efeito colateral milhares de outros são transformados em vagabundos. "Os verdadeiros vencedores não sofrem com a fragmentação. Ao contrário, são estimulados por trabalhar em muitas frentes diferentes ao mesmo tempo; é parte da energia da mudança irreversível." (Sennett,1999:72-73). Turistas e arrivistas, parias e vagabundos formam pares de elementos muito similares, tal qual Modernidade e Pós-modernidade, de modo que podemos até supor uma relação de continuidade entre os seus elementos constitutivos, tanto que as formas de exclusão nas regiões em estudo não nos mostram evidências de ruptura porque teriam se transmutado de formações da Modernidade em elementos da Pós-modernidade. Ao contrário, as formas de exclusão são exacerbadas, o que parece-nos representar um desenvolvimento de processos societais que continuam a caminhar numa mesma direção. Assim, o pária é transformado em vagabundo e é tomado como caso perdido. Já não cabe mais solucionar o problema da seca, agora basta fazer a assistência aos desvalidos. A discussão sobre a mobilidade na Modernidade traz à pauta um outro aspecto que merece ser analisado no bojo do nosso problema. Trata-se da noção de tempo. O tempo como contagem linear marcadora dos ritmos de vida foi disseminado na Modernidade. As populações das regiões periféricas ao sistema global associam a conceituação de Modernidade com o futuro. Poderíamos entender isso sob dois aspectos: a) estas sociedades estariam em estágios pré-modernos do desenvolvimento, e, então, teríamos que aceitar a idéia de evolução por etapas, ocorrendo degrau por degrau, cada estágio superior, e melhor, ou imediatamente anterior; b) estas sociedades estão imersas por inteiro na Modernidade e toda a referência que têm é da Modernidade, não conseguindo ver nada além da mesma. Talvez seja exatamente isso que as coloca numa posição periférica. Esta última alternativa distancia-se de uma proposta evolucionista à medida que a própria Pós-modernidade não se vê como um estágio mais evoluído da Modernidade, mas uma alternativa a esta, e alternativas podem ser melhores ou piores. Percorrendo o debate conceitual entre Modernidade e Pós-modernidade ficamos com a impressão de que não há nada de novo ou revolucionário entre os conceitos de uns e outros tipos de formações sociais. Nem mesmo nos dias em que vivemos. Nem tecnologia, nem velocidade, nem conhecimento. Cada uma dessas coisas é diferente das que lhes antecederam em outros períodos históricos. O que faz esse período histórico diferente é que as tecnologias e as informações se interconectam produzindo níveis diferenciados de relação entre as pessoas chegando à esfera do global, mas não do universal. Isso, como afirma Elias, permitiu um avanço nas formas sociais em direção a uma sociedade universal. Nem isso é novo. Como já vimos, várias tentativas foram feitas objetivando criar uma sociedade de caráter global e, talvez, universal. Assim, estamos no final de um longo processo de amadurecimento que gerou uma série de mudanças pontuais que, acumuladas e concentradas num único momento histórico, parecem ser absolutamente novas, quando não passam do resultado final, pelo menos para nós, desse processo de maturação. Para as gerações futuras aquilo que para nós é o supra-sumo do desenvolvimento será, para elas, uma etapa do seu processo de desenvolvimento. Como fim de processo podemos ter, proximamente, uma nova etapa ou fase do desenvolvimento espiral da História Humana sem que isso signifique, necessariamente, algo revolucionário ou muito parecido com o atual processo. Somente as relações interpessoais e intersocietais irão determinar esse resultado. Entretanto, Robertson discorda dessa noção de continuidade entre Modernidade e Pós-modernidade e, debatendo com Giddens, diz: "Nos últimos anos foi muito ressaltada a idéia de que a Pós-modernidade é 'simplesmente' uma continuação da Modernidade e a proposta mais específica de que não poderia haver caracterização mais geral - pondo de lado a teoria da totalidade e das fundações - da Pós-modernidade sem decompor a maioria dos argumentos daqueles que anunciaram o fim das grandes narrativas. Mesmo assim, Giddens não consegue transmitir tal reconhecimento. Alguns escritores tentaram criar uma sociologia direta da Pós-modernidade, ao passo que Giddens prefere duvidar da existência da condição da Pós-modernidade porém, abordando temas centrais àqueles que anunciaram a sua presença, pela análise das instituições da Modernidade. Ele, portanto, tenta, embora não use o termo, dar sustentação ao florescimento pós-moderno. O discurso da Pós-modernidade é visto como sintoma de desvio dentro da Modernidade."(Robertson, 2000:193-194). Parece-nos que a questão central está na permanência ou não das grandes narrativas e, por conseqüência da existência de certezas. Entendemos que essas questões não devem ser tomadas como centrais para este período histórico porque elas fazem parte de todos os momentos de transição. Quando ocorre um processo de transição que resulta emergência de uma nova formação social, naturalmente que os antigos projetos das narrativas totalizadoras que davam sustentação à antiga formação social irão ruir, assumindo no seu lugar, por um momento, um período de instabilidade, de ambivalência, que será substituído por outros corpos de teoria totalizadora que tentam dar explicação e justificação ao mundo, pois nenhuma formação social deixa de construir uma justificação ideológica, tentando lhe dar uma coerência lógica e explicativa do seu sistema social. Estas justificações ideológicas procuram se organizar como um corpo teórico coerente que dê à formação social que surge um papel de relevância no mundo. A argumentação daqueles que defendem a idéia de Pósmodernidade de que esta é o reino da ambivalência e, por isso, as grandes narrativas têm, com ela, um fim, só é coerente se considerarmos a Pós-modernidade como esse momento de transição entre a Modernidade e uma outra formação social ainda não determinada, e que tem características muito similares a todos os outros momentos de transição. Se a Pósmodernidade quiser ser vista como uma alternativa à Modernidade e não como um período de transição, vai ter que construir uma nova narrativa explicativa como totalidade. Afinal parece-nos ser incoerente que aqueles que defendem a Pós-modernidade afirmem a ambivalência e, ao mesmo tempo, a decretem para todos, como totalidade. Se aqueles que defendem a Pós-modernidade passarem a afirmar que se trata da construção de um novo campo que disputa hegemonia com a Modernidade, eles podem até afirmar que o seu discurso explicativo do mundo entende que agora vivemos o reino da ambivalência, mas isso vai significar que a partir da noção de ambivalência está sendo construída uma noção de totalidade, agora sim, radicalmente diferente da noção de totalidade da Modernidade baseada na certeza. Robertson continua a exposição da sua idéia entendendo que: "uma das principais conseqüências da globalização é a relativização das 'narrativas' que muito, mas não tudo o que os defensores da ruptura da Pós-modernidade acentuam pode ser entendido no contexto do fenômeno da globalização. Se uma das características principais da globalização é a compressão do mundo, uma das suas principais conseqüências é a exacerbação das colisões entre as narrativas civilizacionais, societárias e comunais. O problema sociológico, do ponto de vista de alguns cientistas da globalização, é entender os contextos nos quais tais encontros ocorrem e também os movimentos em direção a conflitos no que refere ao que chamo 'definição da situação global'. Assim, de certa forma, os interesses culturais e epistemológicos dos 'pós-modernistas' podem, e na verdade devem, ser sustentados; mas, ao contrário do modo geral de pensar dos pós-modernistas, boa parte da teoria da globalização está preocupada em analisar a heterogeneidade sem reduzi-la a uma nova homogeneidade." (Idem:194). Todos os processos civilizatórios ocorridos e percorridos e que resultaram na História da Humanidade foram tentativas de chegar a um destino: uma sociedade universal. A diferença da nossa formação social para as que nos precederam é que nós temos uma consciência e conceitualização mais apurada e mais disseminada sobre quem somos. Mas nem isso é novo. Não podemos nos esquecer da Filosofia Grega. Talvez a diferença esteja no grau de penetração dessa consciência no conjunto das sociedades atuais. O fato de nem todos numa sociedade de massa com a nossa serem aquinhoados com a ciência de quem somos não é novidade também. Os processos de globalização que se formaram desenvolveram-se na perspectiva de relativizar as narrativas civilizacionais que então existiam, mas acabaram por construir, ou tentaram construir, uma narrativa civilizacional que as substituísse. Sempre existiram excluídos. Sendo considerados excluídos pelos mais variados motivos. Nossa sociedade é uma sociedade de desregulamentação e instabilidade? Imaginemos como foi a sociedade medieval que enfrentou a transição do trabalho rural para o urbano, da servidão para o homem livre. A diferença está apenas no grau de velocidade e de intensidade das mudanças. Tudo o que ocorre agora, inclusive a aceleração dos processos, só ocorre assim porque um conjunto de fatores contribuiu no nosso tempo para ensejar esse processo. E isso ocorreu não de forma deliberada, mas por conseqüência dos imprevisíveis processos sociais que ocorreram antes. Por exemplo, a desigualdade social e as práticas políticas no Brasil não mudaram significativamente nos últimos cinco séculos porque a nossa sociedade não sofreu mudanças de profundidade significativa que conduzissem a transformações da ordem político-social mais radicais que alterassem as relações entre as classes sociais ou que modificassem as relações interétnicas. As relações interpessoais permaneceram mais ou menos estáveis numa sociedade que tem sido fundamentalmente autoritária. O sistema educacional nacional desempenhou as suas funções de reprodutor das diversas formas de discriminação a contento sempre que convocado. Se compararmos períodos históricos, veremos que o período que vai do final do século XVIII até inícios do século XX é muito parecido com o nosso. Os termos civilisation, bildung ou refinement evocam-nos a idéia de avanço social, progresso para a humanidade e progresso que deveria ser direcionado, não poderia ser deixado à margem. Há uma urgência em educar as pessoas para que elas possam estar adaptadas à Modernidade (ou à Pósmodernidade). A discussão sobre respeitar os saberes de outra formação sociocultural tem que levar em conta que tipo de saber prevalece para que os indivíduos possam desempenhar a contento suas funções e que tipo de sociedade se estabelece nessa zona de contato entre duas ou mais formações sociais. Ao tratarmos dos efeitos de uma formação social sobre outra, afinal é disso que fala a globalização e o nosso trabalho, temos de refletir sobre o tipo de sociedade está sendo construída para entendermos a forma de socialização dos indivíduos nesse processo específico. As sociedades da Modernidade sempre procuraram construir o mundo a partir das suas próprias necessidades, nem que para isso fosse preciso destruir outros processos civilizatórios. O processo de globalização em andamento é a sua tentativa mais acabada de fazer isso. Portanto, entender as zonas de contato entre a Sociedade Ocidental Moderna e outras formações sociais, é estar preparado para analisar choques violentos entre processos sociais, que, até hoje, têm resultado ou na assimilação antropofágica ou na exclusão destrutiva. O processo de formação de uma zona de contato que se dá nas regiões analisadas tem os dois componentes. Por um lado temos a assimilação dos valores globais e o processo de reaprendizado realizado por parcela significativa dessa população. Por outro lado, aqueles setores que já tinham um baixo grau de inserção na antiga formação social tendem a ficar mais excluídos nas novas condições socioculturais. A possibilidade desses últimos conseguir tornar-se integrantes da sociedade global é baixa, quer os vejamos como párias ou como vagabundos. Na condição de párias da Modernidade eles são vistos como aqueles que se deve ter pena, fazer caridade mais deixá-los lá, no seu lugar. Como vagabundos da Pós-modernidade eles podem ser enxotados para lá e para cá, fazendo um serviço aqui e ali, mas, porque são vagabundos, lhes será rejeitado um lugar para ficar em definitivo. A inserção fica por conta dos assimiláveis, daqueles que já eram inseridos numa formação social e conseguem transitar de uma para outra. São eles que fazem a ponte entre as duas formações sociais, e, muitas vezes são os que, como arrivistas ou turistas, trazem a novidade. É bom destacar que ser turista numa sociedade destas é uma contradição em termos, pois o turista é, por essência, global. Fica, então, o arrivista. Aquele que sonha com um lugar para ficar após a curva do caminho e que sonha encontrá-lo na sociedade global. O processo acima descrito é característico da Modernidade. O projeto da Modernidade incluiu a construção do Estado-nação com um caráter afirmativo do sentimento de pertencimento a uma comunidade nacional e, depois, a uma sociedade nacional. Foi muito importante para isso fazer a distinção clara entre o estranho e o local. O estranho concebido como aquele que não se encaixa nos padrões, que não representa nem o amigo nem o inimigo. O arrivista é o arauto da Modernidade, o turista o mensageiro da globalização. Ambos falam num mesmo projeto. O que varia é o caráter de fixidez de cada um deles. Para o arrivista o sonho é permanecer, para o turista é seguir viagem. Os dois, todavia, não se sentem presos ao lugar. Por mais fixo que esteja o arrivista ele sempre será visto como aquele que porta a novidade, pois se desloca. A diferença entre ambos é que esse sentimento de distanciamento do lugar para o turista traz a sensação de liberdade, trazendo as características de ser um processo da Pós-modernidade porque ele se desloca porque quer e porque pode. Para o arrivista é uma sensação angustiante porque ele teme perder o lugar, ele teme ter de sair em busca de um novo lugar. A formação do Estado-nação teve como forte apelo a afirmação desse caráter nativo de formação identitária, destacado por Benedict Anderson, que buscava resolver ou lidar, como afirma Bauman, com o problema do estranho. O estranho é mais perigoso que o inimigo porque ele é indefinível. Ele não se encaixa em categorias normatizadas e isso balança a estrutura do edifício social erigido por aquela formação social. Bauman advoga que o edifício social da Modernidade foi construído de forma fragmentária para permitir a governabilidade do mundo. Assim, a divisão entre amigos e inimigos permitiria uma demarcação que norteasse o agir das pessoas daquela sociedade. No entanto, como vimos nem tudo se encaixa nesse quadro. Os estranhos não se permitiam enquadrar. Surge a noção de ambivalência que, segundo Bauman, não se deixa resolver pela Modernidade apesar de todas as tentativas nesse sentido. Para esse autor ambivalência é o refugo da Modernidade. Ele diz que todos os problemas gerados pela Modernidade, quando se tentava resolvê-los, acabavam produzindo outros problemas Os processos ocorreram dessa forma porque aquilo que se atacava não era o problema, mas problemas secundários. Em outras palavras, ia-se aos efeitos sem atacar as causas, porque a Modernidade não tratou dos assuntos de forma totalizadora. Então, ao se fragmentar o mundo tentando governá-lo, criou-se uma impossibilidade muito maior de exercer esse governo. Entendemos, entretanto, que a noção de ambivalência e de fragmentação aqui expostas são mais do que um produto da Modernidade, mas um processo histórico, que não tem controle, direção ou criação, que acompanha progressivamente toda a história da humanidade. Parece-nos que o período chamado de Modernidade apenas realça esses dois aspectos, que se mantém para além dele, em que pese as afirmações sobre a transcendência da ambivalência na Pós-modernidade. Dissemos que o processo de assimilação/exclusão é característico da Modernidade e vamos mais adiante. A tentativa de globalização que estamos vivendo atualmente tem todas as características do ideário assimilador/excludente da Modernidade. Essa globalização pode engendrar condições para o surgimento de uma nova formação social a partir das transformações nas relações intersocietais e interpessoais que estão ocorrendo, mas isso até agora não se efetivou. Como prova disso podemos dizer que os arrivistas ainda estão em maior número que os turistas. Estes são uma parcela pouco significativa da população se considerarmos a noção de turista como aqueles que são representantes de uma sociedade efetivamente global. Se entendermos por turista todo aquele que se desloca e não parece estar preso a lugar algum e que muitos conhecem por cosmopolitas, nosso conceito vai abarcar uma parcela da população já perfeitamente integrada e beneficiária de uma sociedade Informacional, de acesso, pós-moderna ou qual seja o nome que se dê à mesma. Elias destaca que o aumento da integração da humanidade "aumenta a impotência do indivíduo em relação ao que acontece no nível superior da humanidade." (Elias, 1994:138). Por essa idéia de Elias estaríamos então prontos a concordar com Weber ou Durkheim quando estes se debruçam sobre as formações sociais e sobre as estruturas destas para compreender o desenvolvimento das sociedades, colocando o indivíduo numa posição subordinada em relação aos processos mais gerais. No entanto, o mesmo Elias resgata a importância desse indivíduo como construtor dos pequenos processos que, estes sim, acumulados, irão ser determinantes para a mudança histórica. Resgatamos novamente Simmel, para lembrar que esse pensador, que viveu no final do século XIX e início do século XX, e anteviu muitas das transformações por que passaram as sociedades do final de século XX e início do século XXI, buscando entender o agir do indivíduo nas metrópoles européias do seu tempo e das relações estabelecidas por esses indivíduos com a vida moderna. O conceito de socialidade desenvolvido por esse autor para explicar as relações interpessoais reaparece com força na sociologia atual, pois consegue dar conta de uma série de fenômenos que tem sido importantes para traduzir o mundo atual. Na Modernidade a identidade não precisava ser mais aquela herdada, entretanto, havia uma identidade à qual se referenciar. A Pós-modernidade não preserva a identidade. O desencaixe e a desterritorialização, são elementos que prescindem da identidade. A Pósmodernidade, assim como a Modernidade, representa a impossibilidade de permanecer fixo. Só que na Modernidade havia o desejo de fixar-se e na Pós-modernidade o que vale é o permanecer em movimento. O turista sempre está em movimento, mas nunca está chegando a lugar algum. O movimento na Pós-modernidade é total, corpo e espírito participam dele. A Pós-modernidade é o fluxo, daí a idéia de Arjun Appadurai de fluxos de pessoas, de tecnologias, de idéias, financeiro e de informação. Estes fluxos, todavia, não são simétricos, indicando uma relação de poder. Essa assimetria pode ser identificada tanto nas relações entre países ricos e pobres como entre espaços de inclusão e espaços de exclusão, entendendo por estas expressões que não é o espaço o causador da inclusão ou exclusão, mas que as relações intersocietais e interpessoais acabam por produzir estes espaços de exclusão e inclusão. O espaço, valorizado como torrão natal na Modernidade, é renegado para preservar, ou pelo menos tentar preservar, a sobrevivência. Estamos definindo espaço como produto socialmente construído. Manuel Castells fala de Sociedade em Rede fazendo dos nódulos da rede os concentradores de fluxo. Castells explora essa questão dos nódulos ao tratar das megacidades e discutir os espaços globais. O tempo deixou de ser um processo linear, um rio que corre, agora é um lago, sua águas estão todas aí, ao mesmo tempo. Maffesoli compactua com Nietzsche a noção de ciclo de eterno retorno. Para Maffesoli é mais um tempo cíclico. Essa perspectiva foi desenvolvida na Idade Média por Nicolau de Cusa, que propôs uma história em grandes ciclos. Maffesoli também trabalha com a idéia de espiral histórica, da mesma forma que Elias. Elias tem o mérito de fazer uma leitura da História como um processo de longo curso, compreendendo- o como um movimento que possui uma trajetória em espiral, não sendo, portanto, uma leitura da História que implica num caminho evolutivo ou ascendente, mas com uma perspectiva de um futuro global. Ele também, não trata isso como uma utopia a ser seguida, mas como uma possibilidade concreta. A visão do processo social como uma trajetória em espiral e ascendente, que conduz-se sem um destino traçado e, portanto, sem pais fundadores, abre possibilidades infinitas para a participação humana neste processo, e, por isso mesmo, é bastante diferente daquelas adotadas até então eivadas de determinismo histórico-social. A proposta eliasiana é bastante interessante, pois permite-nos fugir à falsa dicotomia entre indivíduo e sociedade, aliás, já sagazmente transposta por este autor. Esta falácia sobre a separação entre indivíduo e sociedade remonta à raiz do nosso problema teórico, pois é justamente com o desenvolvimento da sociedade moderna que a noção de individualidade ganha força. O conceito de desenvolvimento histórico como um processo em espiral tenta resolver a relação entre continuidade, progresso e evolução. A espiral histórica representa a possibilidade de articular os vários períodos históricos sem ficar preso a uma noção evolucionista como ocorreu com o marxismo, que precisou encontrar justificativas em etapas de desenvolvimento, fases e outros conceitos que mascaravam o sequenciamento evolucionista na sua teoria. Embora a espiral possa ser interpretada como uma seqüência evolutiva ela pode ser interpretada de outro jeito. Um caminho em espiral não conduz a uma seqüência lógica, a passos subseqüentes, porque o ciclo seguinte da espiral deriva do anterior, porém não o segue no mesmo plano e, se transformada em círculo, uma espiral não conduz ao ponto de origem, mas a um outro lugar. As únicas formas de retornar ao local de origem são: quebrar a espiral e unir as pontas ou retornar pela linha espiral ao ponto inicial retrocedendo todo o caminho. Em ambos casos essas são violações flagrantes de um processo evolutivo. Por outro lado, a espiral cresce para planos diferentes se esticada, o que não caracteriza evolução porque cada nível tem um desenvolvimento próprio que, apesar de derivado do antecessor não segue pelo mesmo caminho porque avança em graus diferentes. Se considerarmos uma espiral exposta no Plano Cartesiano, poderemos ter uma maior clareza do que ocorre. Quando uma espiral começa ela é uma singularidade, um ponto. Se tomarmos esse ponto como sendo o ponto de intercessão dos eixos cartesianos, o ponto central das coordenadas, podemos traçar a nossa espiral. Se a nossa espiral for esticada em torno do eixo y e for simétrica em relação ao eixo x, teremos que ela fará um movimento pendular no eixo x e um movimento ascendente no eixo y. O movimento no eixo y será claramente progressivo, mas no eixo x ele será evolutivo somente se considerarmos o pêndulo progressão/regressão (valores positivos e negativos do eixo de x) como um fenômeno evolutivo, o que foge à noção mais comum de evolução. Para complicar mais as coisas, uma espiral não precisa manter simetria em relação a nenhum dos seus eixos, o que tornaria o seu caminho claramente diferenciado nos seus vários momentos e claramente não evolutivo. Na natureza encontramos exemplos de espirais não simétricas tais como as espirais que representam alguns dos movimentos dos sistemas estelares pelo universo tal qual o do Sistema Solar em direção ao centro da nossa galáxia. Retornando às ciências sociais e ao nosso estudo, entendemos que Elias ao conceber o modelo espiral para explicar o caminho da História da Humanidade tomou como referência a concepção de uma espiral não simétrica, até porque, sabemos todos, que a História não foi um caminhar simétrico. Estados fortes e o controle sobre os estranhos são filhos da Modernidade. Todavia, na Pósmodernidade os estados nacionais são destruídos ou enfraquecidos e os estranhos passam a ser exterminados como antes não se fazia pelo desenvolvimento de um outro dos filhos da Modernidade, o capitalismo. Definiríamos, então, a Pós-modernidade como sendo um novo estágio do desenvolvimento do capitalismo, que requer condições diferentes das anteriores para a sua expansão. Akhil Gupta e James Ferguson defendem que a noção de fronteira é uma concepção mais adequada do local normal ocupado pelo sujeito pós-moderno. Na fronteira o estranho e o diferente coexistem produzindo relações tensas. Segundo eles, "a desterritorialização desestabilizou a fixidez do 'nós' e do 'outro'. Mas não criou sujeitos que sejam mônadas livremente flutuantes, apesar do que é, às vezes, pressuposto por aqueles que se mostram ávidos em celebrar a liberdade e o espaço lúdico da condição pós-moderna." (Ferguson & Gupta, 2000:46). E eles ainda dizem que a deslocalização não é só para os deslocados. Os que ficam também se sentem deslocalizados. A nossa relativa mobilidade aumenta o aprisionamento espacial de outros grupos e pessoas. Essa condição mostra que há uma relação de poder no fenômeno da compressão espaço-tempo, pois ela é apropriada de maneira diferenciada pelos diversos grupos. Estes grupos posicionam-se em relação às interconexões de fluxos a partir da posição que ocupam vis-à-vis a sociedade capitalista, mas também a todas as outras formas de relação interpessoal e intergrupal que impliquem relações de poder. Esse quadro produz uma nova elite que constrói para si uma hiper-realidade no ciberespaço, o que acaba por produzir uma nova localidade. Para Bauman, "O banco de dados é um instrumento de seleção, separação e exclusão. Ele segura na peneira os globais e deixa passar os locais. Algumas pessoas ele admite no ciberespaço extraterritorial, fazendo com que se sintam à vontade onde quer que se encontrem e sejam bem vindas onde quer que cheguem; outras têm o seu passaporte e visto de trânsito confiscados, sendo impedidas de perambular pelos espaços reservados aos residentes do ciberespaço. Mas este último efeito é subsidiário e complementar ao primeiro. Ao contrário do panóptico, o banco de dados é um veículo de mobilidade, não há grilhões a imobilizar as pessoas." (Bauman, 1999b:59). Duas relações de inclusão-exclusão estão aí manifestadas. A primeira é a que separa globais e locais e a segunda é a que seleciona e, portanto, exclui, entre os próprios globais. Afinal, os locais plenos não se relacionam com o mundo globalizado a ponto de almejar usufruir das benesses dos globais. Outro detalhe é que ao erguer muros para isolar-se do mundo exterior os globais criam nichos na perspectiva de relacionar-se apenas e tão somente com os seus iguais. É a oposição ao outro voltando com força no mundo pós-moderno da ambivalência. Essa elite pratica a deglutição e a expulsão do outro, um fenômeno tipicamente moderno. Sobre isso Bauman diz que: "A criação de riqueza está a caminho de finalmente emancipar-se de suas perpétuas conexões - restritivas e vexatórias - com a produção de coisas, o processamento de materiais, a criação de empregos e a direção de pessoas. Os antigos ricos precisavam dos pobres para fazê-los e mantê-los ricos. Essa dependência mitigou em todas as épocas o conflito de interesses e incentivou algum esforço, ainda que débil, de assistência. Os novos-ricos não precisam mais dos pobres. Finalmente a bemaventurança da liberdade total está próxima." (Idem:80). Essa leitura coloca a exclusão num patamar até agora impensado porque as condições materiais até então existentes não permitiam tal grau de exclusão. Agora todos os pobres e indesejáveis podem ser excluídos. Como diz Bauman, "Nas atuais circunstâncias, o confinamento é antes uma alternativa ao emprego, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela considerável da população que não é necessária à produção e para a qual não há trabalho "ao qual reintegrar-se" (Bauman, 1999b:119-120). Ao passar as informações sobre sua vida pessoal o indivíduo perde a sua segurança baseada na privacidade e no sigilo. Este é um dos riscos da Pós-modernidade. A desconstrução da privacidade do indivíduo nos remete à discussão sobre a forma de construção do espaço pela Pós-modernidade. Uma questão importante a ser tratada aqui é a diferença entre local e lugar. Os autores pósmodernos definem geralmente o conceito de lugar como relação simbólica que indivíduos ou grupos traçam em relação a um determinado espaço, recriando-o simbolicamente, dando-lhe atributos somente encontrados nessas representações simbólicas. Já o local é comumente tomado por um espaço delimitado, o que para a Pós-modernidade é uma definição complicada, pois essa proposta teórica tem dois conceitos que se chocam com essa idéia de limite e demarcação. Estes conceitos são os de desterritorialização e de fronteiras, este último conceito tratado por cientistas sociais como Paula Monteiro, Ulf Hannerz ou Renato Ortiz, respeitando-se as definições precisas de cada um, como algo que é uma região fluida e com limites flexíveis. Para Doreen Massey, a conceituação de lugar poderia ser voltada para fora ao contrário do que geralmente se pensa como um conceito que define algo fechado e defensivista. Como tradicionalmente definiríamos o espaço da privacidade. Ela alerta ainda que, tomando essa perspectiva teríamos o sentido global do lugar, pois um lugar articula-se com muitos outros, justamente por ser aberto e não fechado. Essa articulação ocorre das mais variadas formas construindo pontes materiais e imateriais entre os lugares. Para ela os lugares não são coisas, mas processos, pois não têm uma existência palpável se não forem construídos simbolicamente por pessoas ou grupos. E, contrariamente ao que comumente se é levado a pensar por sua definição, não tem identidades singulares e, por isso, estão cheios de conflitos internos. Ora, essa definição de lugar reforça a noção de desterritorialização pós-moderna e a de ambivalência porque faz do lugar algo que pode ser assimilado por qualquer um e não está preso a representações simbólicas de um único grupo. E assim não haveria sentido para a construção de um espaço privado. Essa visão entra em choque com as visões de Stuart Hall sobre a reconstrução simbólica do lugar pelos desterritorializados, com a noção de comunidade imaginada de Benedict Anderson, com a Invenção da Tradição de Eric Hobsbawn e com a noção de neotribalismo de Michel Maffesoli. As quatro perspectivas de representação cultural de um grupo ou povo trabalham com a construção simbólica do lugar por um grupo ou povo, que produz a sua visão sobre aquele lugar e essa visão só pode ser compartilhada pelos membros do grupo ou povo. Dessa forma o espaço privado pode ser reelaborado pela pessoa de acordo com as suas inclinações. Mas qual é o lugar do sem-lugar? Daquele que não pôde construir uma representação simbólica a partir de um determinado espaço porque nunca se sentiu pertencente a um espaço, ou porque foi induzido a isto? Certamente não é o não-lugar de que nos fala Marc Auge, este como espaço de transição dos turistas da Pósmodernidade, nódulo da rede pós-moderna. Não combina evidentemente com a negação do pertencimento a algum lugar imposta a todos os excluídos. O que é a cultura daqueles que vivem nas fronteiras e não possuem nenhum referencial posicional? Como ficam as diferenças culturais no interior de uma localidade? A que lugares pertencem as culturas híbridas do Pós-colonialismo? Gupta e Ferguson dão pistas para se tratar essas questões. Segundo eles, "Em vez de supor a autonomia da comunidade primeva, devemos examinar de que modo ela se formou como comunidade, a partir do espaço interligado que desde de sempre existia. O colonialismo representa, então, a substituição de uma forma de interligação por outra ao trazer sempre para o primeiro plano a distribuição espacial de poder hierárquicas, podemos entender melhor o processo pelo qual um espaço adquire uma identidade distintiva como lugar." (Ferguson & Gupta, 2000:34). Essa perspectiva é importante para este trabalho porque permite-nos remontar às formas de representações sobre os lugares investigados e inferir as influências centrais que nortearam esse processo. Para Sennett o lugar foi reforçado pelo capitalismo da Modernidade. Segundo ele, "uma das conseqüências não pretendidas do capitalismo moderno é que fortaleceu o valor do lugar, despertou o anseio de comunidade." (Sennett, 1999:165). Passemos à discussão do local e do global para, em seguida articularmos as duas pontas da questão lugar/local. De acordo com Robertson há uma falsa distinção entre os dois termos. Para ele, "O tema global-local é quase sempre discutido, como se fosse uma antinomia, como se global e local fossem lados diferentes de uma mesma moeda." (Robertson, 2000:226). Ele entende que isso é uma falsa consciência. Para ele o termo correto seria glocal, "um olhar global adaptado às condições locais." (Idem:250) Para Robertson quatro pontos seriam questionáveis na discussão global-local. São eles: 1) O mundo está submerso na cultura americana; 2) Produtos da cultura global (CNN, Hollyhood) personalizam os seus produtos para um mercado variado; 3) Recursos simbólicos nacionais consumidos mundialmente; 4) O fluxo de idéias e práticas dos países do Terceiro Mundo para as nações dominantes é subestimado. Para ele o primeiro ponto deve ser relativizado porque a influência cultural norte-americana é absorvida das mais variadas formas pelas outras culturas. Ele diz que, por exemplo, a CNN e os grandes estúdios estão preocupados em atingir a um público global e, por isso, estão dando uma outra roupagem às suas produções. E as peças de William Shakespeare não podem ser vistas mais como pertencentes à Inglaterra, pois elas já foram interpretadas pelas mais diversas culturas. Ele propõe ainda a substituição do termo globalização por glocalização. Segundo ele, o termo glocalização descreve melhor o processo que está ocorrendo atualmente porque descreve e abarca as relações múltiplas entre os processos que se dão na esfera da comunidade com aqueles mais gerais. Robertson entende também que houve um aumento do interesse sobre o espaço em lugar do tempo sendo que "O interesse generalizado na idéia de Pós-modernidade, quaisquer que sejam suas limitações, é provavelmente a manifestação intelectual mais tangível disto." (Idem:256). Já Ulf Hannerz entende que não podem existir cosmopolitas sem que hajam locais, porque aqueles somente existem como posicionamento relacional a estes. Ele ainda afirma que há uma interconexão de culturas locais e que essa interconexão produziria a cultura global. Robertson discorda dessa possibilidade. Para ele a sociedade global e a cultura global não se baseiam em interconexões, pois não são uma junção de partes e sim um todo articulado. Para entender os processos locais é preciso situá-los no mundo, nesse sentido o local é global, pois a sua localidade só faz sentido se relacionada a um processo global. Nesse aspecto entendemos que há uma interconexão cultural, mas não é a interconexão cultural ou a soma das partes que produz o todo, nem o contrário, o todo dando sentido às partes. Compreendemos, concordando com Hannerz, que o global é resultante das interconexões culturais locais e de processos internos a cada uma das culturas que almejou tornar-se global exercendo a hegemonia mundial e mesmo daquelas que subordinadas no processo global influenciaram os rumos desse processo dando-lhe nova roupagem. Assim, compreendemos que o local não existe apenas em função do global, mas ele tem especificidades que o fazem próprio àquele espaço. Sociedades podem se relacionar e se reconhecerem enquanto diferentes sem para isso precisarem estar inseridas em um processo global. Para a Modernidade a diferença era o crime capital; para a Pré-modernidade a diferença estava na ordem natural das coisas; a Pós-modernidade vê a diferença como algo bom e belo. O indivíduo nos dias atuais experimenta ser um estranho sempre que não é partícipe das mais diversas formas de associação que a sociedade moderna inventou. Bauman afirma que, ao ter se tornado universal, a estranheza não gera mais a fagulha incendiária à vida paroquial que gerava antes quando trazia a universalidade, afinal "ela mesma virou rotina." (Bauman, 1999a:106). No entanto, o processo de globalização está produzindo uma nova estranheza. O estranho agora é justamente o paroquial, o local apartado do processo global e, portanto, universalizante. Ele, porém, não tem a mesma capacidade do estranho do passado de olhar a vida moderna com os olhos de fora e criticá-la, a não ser que consideremos os fundamentalismos como esse olhar do estranho da Pós-modernidade. A crítica parte dos nativos que, incongruentemente, são globais e não estão fixados a um lugar. Afinal, o ser local é o lado errado de se viver, de se relacionar. Bauman diz que: "Na sociedade pós-moderna o fracasso redunda em culpa e vergonha, não em protesto político. A frustração aumenta o embaraço, não a dissensão." (Bauman, 1999a:276). Ser local na sociedade global tem sido visto como algo vergonhoso. Contudo, a reação à exclusão é igual a do estranho. Essa parece ser uma característica das regiões periféricas do sistema global. Para Bauman, "As quase soberanias, as divisões temporais e as segregações de identidades promovidas e transformadas num must pela globalização dos mercados e da informação não refletem uma diversidade de parceiros iguais. O que é opção livre para alguns abate-se sobre outros como destino cruel. E uma vez que esses 'outros' tendem a aumentar incessantemente em número e afundar cada vez mais no desespero, fruto de uma existência sem perspectiva, é melhor falar em 'glocalização' (termo adequado de Roland Robertson que expõe a inquebrantável unidade entre pressões globalizantes e locais - fenômeno encoberto no conceito unilateral de globalização) e defini-lo essencialmente como o processo de concentração de capitais, das finanças e de todos os outros recursos de escolha e ação efetiva, mas também - talvez sobretudo - de concentração da liberdade de se mover e agir (duas liberdades que para todos os efeitos práticos são sinônimas)." (Bauman, 1999b:78). Para Bauman o conceito de glocal seria um estratagema para encobrir a exclusão. Essa abordagem é bastante interessante na medida em que expressaria a ambivalência da Pósmodernidade em tratar os seus próprios conceitos e em remover para debaixo do tapete a questão central da ideologia Pós-moderna que é o binômio inclusão/exclusão. A Pós-modernidade costuma ser encarada como uma era de imenso progresso e de superação de uma série de problemas pela Humanidade. No entendimento de Maffesoli, "Assim como a Modernidade é progressista, a Pós-modernidade é decadente. Mas esta palavra não expressa um julgamento pejorativo. Decadente quer dizer um estado de coisa que não é mais e o nascimento de outros tipos de valores alternativos. A história oscila sempre entre conjuntos de valores alternativos." (Maffesoli & Rouanet, 1994:25). Quando falam em Pós-modernidade muitos ensaístas, especialmente aqueles de revistas especializadas, tratam-na como a revolução tecnológica e das comunicações que está produzindo toda uma série de mudanças no viver de toda a Humanidade. Segundo Milton Santos, " As técnicas são oferecidas como um sistema e realizadas combinadamente através do trabalho e das formas de escolha dos momentos e dos lugares de seu uso. É isso que fez a história." (Santos, 2000:23). E mais, " No final do século XX e graças aos avanços da ciência, produziu-se um sistema de técnicas presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema técnico uma presença planetária." (Idem). Alguns problemas devem ser tratados aí. Em primeiro lugar o mais transparente deles. O que as ciências sociais entendem por Pós-modernidade é um conjunto de processos sociais, culturais e históricos, que apesar das divergências entre os diversos pensadores não são vistos pela maioria deles como determinados pela, assim chamada, revolução tecnológica. Mesmo autores como Milton Santos, entendem que as técnicas têm sua utilização condicionada por processos sociais, não sendo, portanto, determinantes na constituição de formações sociais. Este autor entende que: "Os fenômenos a que muitos chamam de globalização e outros de Pós-modernidade na verdade constituem, juntos, um momento bem demarcado do processo histórico. Preferimos considerá-lo um período."(Idem:118). Preferimos, ao contrário de Milton Santos, relacionar globalização e Modernidade, entendendo ser o primeiro conceito uma das formas de expressão do segundo. Outro problema reside na expressão Revolução Tecnológica, mas vai mais além dela. Entendemos que chamar o processo atual de revolução tecnológica é muita pretensão, porque as técnicas aplicadas hoje não tem nada de inovadoras na sua essência, o que há é uma articulação maior entre as diversas técnicas porque a família de técnicas (informática, cibernética, eletrônica) aqui aplicada é, justamente, a da informação que permite além dessa integração, ter um papel determinante sobre os usos do tempo, permite, "em todos os lugares a convergência dos momentos, assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando o processo histórico". (Santos, 2000:25). Essa família de técnicas, que foi o resultado de todo esse processo social já aqui discutido, não está, absolutamente, nas mãos nem da maior parte da população dos países do chamado Primeiro Mundo, quanto mais de toda a humanidade. A informação é apropriada por poucos, tornando a periferia do sistema capitalista ainda mais periférica. Tanto por faltarem os meios de produção material e meios de produção e reprodução da informação, como pela ausência de possibilidade de controle desses. A América Latina parece ter tomado, nas palavras de Robertson, a Pós-modernidade como uma ponte para saltar por sobre a Modernidade, uma ponte mágica que viria substituir o ideário marxista que, anteriormente, cumpria essa função. Assim como o marxismo que preconizava a construção de uma sociedade mais justa e igual, que superasse o capitalismo e desse a Liberdade aos Povos, o ideário da Pós-modernidade parece confirmar esse anseio ao defender o respeito à diferença em oposição à diversidade da Modernidade. No entanto, o que se percebe na feia imagem das ruas é que a Pós-modernidade ou não é nada daquilo que promete ser ou ainda não se realizou como tal. As duas possibilidades encerram uma denúncia ao ideário pós-moderno uma vez que põem para fora um falso discurso: ou aquele que prega a ilusão de um mundo melhor ou o da pregação da sua vitória inconteste. Os cientistas sociais latino-americanos, ou pelo menos um bom contingente dos seus membros, parecem ter tomado as teorias sobre a Pós-modernidade como um instrumento salvador, assim como fizeram no passado com o marxismo. Eles compreendem que a Pósmodernidade é a prova que é possível superar a Modernidade e até saltar sobre a mesma. Esse salto representaria o caminho para o progresso social e material para os povos da América Latina. Parece-nos haver dois tipos de Pós-modernidade. O primeiro da alteridade e da ambivalência. O segundo do desenraizamento e do trânsito. Este segundo parece-nos ser uma continuação da Modernidade e, talvez, a sua exacerbação. Neste sentido Giddens estaria correto em falar de Alta Modernidade no lugar de Pós-modernidade. Parece-nos que aí estão inclusas as formas de globalização e transformação tecnológicas atuais. Roland Robertson, porém não concorda com essa visão: "Não concordo com a visão de Giddens [1990] de que a Modernidade tenha levado diretamente à globalização (ou à globalidade) e que a Pós-modernidade seja simplesmente a 'Alta Modernidade'. Ao contrário, sem negar que certos aspectos da Modernidade ampliaram muito o processo de globalização, insisto na opinião de que o tipo contemporâneo de globalização foi deslanchado muito antes da Modernidade, qualquer que seja o sentido que lhe demos. Além disso, embora a idéia de que devamos ter da Pós-modernidade como 'meramente' Modernidade radicalizada não seja sem mérito - defendo que a globalização - ou a globalidade - é uma fonte relativamente independente de idéias sobre o conceito de Pósmodernidade." (Robertson, 2000:232). O nosso entendimento sobre a visão de Robertson é que aquilo a que ele chama de globalização pode ser compreendido, também, como o longo processo histórico, que envolve, na nossa perspectiva, uma série de processos de globalização, que não estão, necessariamente, ligados entre si. No confronto entre Modernidade e Pós-modernidade entramos na discussão entre universalismo e particularismo, que podem ser relacionados a Modernidade e Pósmodernidade, respectivamente. Sobre universalismo e particularismo Robertson entende que: "O meu argumento supõe o esforço de reservar atenção direta tanto à particularidade e à diferença, quanto à universalidade e a homogeneidade. Ele se baseia em grande parte na tese de que nós estamos, no final do século XX, presenciando e também participando de um processo massivo, de duas dimensões, que envolvem a interpenetração da universalização no particularismo e a particularização do universalismo." (Robertson, 2000:141). Essa interpolação entre Modernidade e Pós-modernidade pode ser tomada como um indicativo de uma relação mais profunda entre ambas que a de oposição. Talvez seja exatamente a de continuidade. Robertson entende que o problema do universalismo e do particularismo é "um traço básico da condição humana" (Idem:143). E que "na História Universal mais recente, a questão do universalismo-particularismo constitui-se em uma certa forma global-cultural, que é um eixo importante na estruturação do mundo como um todo." (Idem:144). Todavia Robertson compreende que os cinco scapes (fluxos) de Appadurai apontam para "a abordagem teórica do caos à cultura global (que) envolve claramente a rejeição da idéia de institucionalização global do relacionamento entre particularismo universalizado e universalismo particularizado." (Idem: 145-146). Ele, no entanto, insiste "na importância da estruturação geral da conexão particular - universal sua cristalização como "forma elementar de vida global ." (Idem:146). Quando os pensadores iluministas falavam em universalismo eles não o contrapunham a localismos, mas concebiam um homem universal, aberto e construtor do mundo, em oposição ao teocentrismo medieval que aprisionava o homem num canto qualquer da Europa. Os valores universais do homem combatiam as representações absolutistas e teocêntricas do Ancien Regime. Neste sentido, o particularismo, representado pelo individualismo burguês era parte componente do universalismo, e não o seu antípoda, pois era a expressão da libertação do homem, enquanto indivíduo, dos grilhões do pensamento teocêntrico-absolutista. Não podemos, portanto, fazer uma relação direta com esses dois conceitos conforme eles são lidos atualmente. Parece-nos que o discurso da Pós-modernidade é apenas para todos aqueles que não têm condições reais de serem turistas efetivos, ou seja, para aqueles que vivem sob a ameaça constante da desterritorialização, da ambivalência, do desencaixe, da impermanência, que não navegam nos fluxos globais por sua própria vontade ou seguindo a direção que desejam. Parece-nos que a Pós-modernidade ficou restrita ao trabalho e a Modernidade voltada para o capital, ou seja, a idéia de certeza e das Grandes Narrativas. A Pósmodernidade seria então a expressão ideológica de uma forma de dominação. O trabalhador, e todos aqueles postos na condição de subordinados foram desterritorializados e, ao mesmo tempo, impedidos de viajar. Eles perderam os seus referenciais culturais e ganharam a incerteza da flexibilidade e a ambivalência cultural e temporal. Para as vítimas da Civilização Ocidental Moderna as únicas certezas são aquelas de um passado mais seguro e de um futuro incerto. Nesse sentido, o capital não abandonou as Grandes Narrativas, pois ele não abandonou a idéia da sociedade capitalista, da acumulação, do lucro. O capital está constituído e imbuído de certeza. Ele incorpora um aspecto do discurso Pós-moderno que é a noção de fluidez, de desenraizamento. Mas, esta noção está presente na teoria Liberal que propugna a liberdade da ação individual. O homo economicus deve ser um agente livre de todas as restrições que lhe impeçam de agir economicamente. Sob este aspecto, o discurso da Pós-modernidade seria a culminância do discurso do Liberalismo econômico. A fluidez que envolve o capital não é aquela que persegue o trabalho. Para o capital é importante ser fluído e desenraizado. Quanto menos obstáculos à sua ação melhor. O trabalhador e o não-europeu que está na periferia do capitalismo foram desenraizados e estão expostos e desamparados. O território também é passível dessa avaliação. O não-espaço, reduto dos excluídos, é na verdade a essência da Pós-modernidade. Expliquemos. Se tomarmos como pressuposto que a Pós-modernidade representa uma teoria explicativa para a exclusão ou inserção incompleta de setores da sociedade o seu discurso identifica-se com as condições de vida destas pessoas, então o espaço de vida e representação simbólica dessas pessoas é o espaço por excelência da Pós-modernidade. Ao simular nos territórios da certeza e do capital, espaços de sonhos e ambivalência, a Pós-modernidade constrói espaços de exclusão, territórios de não-espaço. Ao desterritorializar ela localiza. Ao romper as fronteiras, ela restringe. As nações podem ser comparadas sob esse aspecto. Para as nações do Primeiro Mundo a instabilidade é muito menor, mesmo uma Europa unida não significa o início da ambivalência para as nacionalidades do continente, mas a gestação de uma história comum, de uma nova Grande Narrativa. Os Estados Unidos não convivem com desterritorialização, ao contrário, cada vez mais afirmam seu caráter nacional, mesmo com a ALCA e o NAFTA. Este até servindo para fortalecer esse caráter nacional. A Pós-modernidade pode ser encarada sob dois ângulos. No primeiro a Pós-modernidade é concebida como ideologia e atua com um sentido conforme foi descrito nas páginas anteriores. No segundo a Pós-modernidade pode ser encarada como um caminho de superação da Modernidade e de todo o seu aparato ideológico. Essas duas possibilidades não são necessariamente excludentes e podem representar, juntas, a verdadeira face do projeto Pós-moderno. Quando da sua origem a Modernidade também não se apresentou como uma estrutura clara, perfeitamente discernível. A teoria newtoniano-cartesiana do século XVII, que constitui o fundamento teórico da ciência moderna, baseada na idéia de que o universo deve ser entendido tal qual uma máquina e dividido em suas partes para que esse entendimento seja melhor, e na idéia de que corpo e mente constituem territórios separados, abriu os caminhos para o Iluminismo, que, por sua vez, serviu de esteio para o aparecimento de teorias que disseminaram os seus ideais em todos os campos do conhecimento. A teoria quântica, no início do século XX, trouxe uma concepção de universo integrado, superando a concepção newtoniana. A construção do paradigma Pósmoderno segue-lhe os passos, tentando superar a Modernidade e afinando-se às suas referências teóricas. Ocorre que muitas das suas idéias foram apropriadas e reutilizadas pelos velhos paradigmas. Daí a Pós-modernidade servir como referência para os excluídos e a Modernidade servir de esteio justificador do estilo de vida dos incluídos. Para representar uma ruptura real com a Grande Narrativa da Modernidade, a Pós-modernidade precisa consolidar um novo tipo de Grande Narrativa que não esteja mais centrado na certeza e na compartimentalização, mas na multiplicidade e na integração. A possibilidade de se construir outras narrativas a partir de paradigmas civilizacionais de outra ordem que não os da Modernidade ou da Pós-modernidade não faz parte do discurso Pós-moderno. Talvez o maior problema da História da Humanidade é que as pessoas vêem e pensam a História e as formações sociais a partir das suas sociedades, do seu tempo e das suas experiências pessoais. Não conseguem transcender a isso. Compreender a história como um amplo processo demanda exatamente isso. A história e a leitura das formações sociais que conhecemos é a visão limitada a determinados fatos, que foram tomados como a verdade e os únicos fatos existentes. Não sabemos, ou não queremos saber, o que houve antes. Ser científico nesse contexto significa não ser especulativo. Todavia, a expressão e se é que fez avançar todos os campos científicos. Todos aqueles que olharam o conhecimento acumulado e fizeram a pergunta e se?, operaram avanços em seus campos científicos. Entendo que e leituras divergentes do paradigma eurocêntrico são o caminho a ser explorado na construção de um novo paradigma, de uma nova Grande Narrativa. Por outro lado, Noam Chomsky, em entrevista ao Programa Milênio, do canal televisivo GNT, em 28.01.2002, afirmou que o termo globalização não pode ser tomado como bom ou mal porque ele, em si, é neutro. O que tem ocorrido é que esse conceito foi apropriado pelos setores hegemônicos da sociedade capitalista e passou a ser utilizado em apenas um sentido, ou seja, na sua dimensão econômica e como processo excludente. Ele disse ainda que todas as lutas que tomaram corpo desde 1996 com o 1o Encontro Internacional pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo, em Chiapas - México e que ganharam dimensões globais entre 30.11 e 04.12 de 1999 com os confrontos de rua em Seattle - Estados Unidos, quando transcorreu a Terceira Conferência de Ministros da OMC, não podem ser chamadas nem de anti-globalização, nem de reuniões de primitivos. Primeiro porque, concordando com afirmações nossas, de um modo geral os que protestam contra esta forma de globalização querem vê-la substituída por outro processo globalizante que garanta as relações entre os indivíduos e o pleno desenvolvimento das pessoas e grupamentos sociais, sem processos de exclusão. Como é, por exemplo, o entendimento de Milton Santos ao defender um outro processo de globalização. Em segundo lugar, porque qualificar de primitivos os que defendem essas propostas é apenas uma construção ideológica para justificar a atual forma de globalização excludente. Assim, além de não ser uma invenção moderna a globalização não é um processo de via única, nem tem uma forma de expressão singular. Enquanto Castells entendia que "Os movimentos sociais tendem a ser fragmentados, locais, com objetivo único e efêmeros, encolhidos em seus mundos interiores ou brilhando por apenas um instante em um símbolo da mídia." (Castells, 1999a:23) Para Maria da Glória Gohn (Folha de São Paulo, 27.01.2002, Caderno Mais!, 14-15), os movimentos sociais que lutam contra esse modelo de globalização atualmente hegemônico, atingiram um outro patamar da luta, saindo do contexto da construção identitária para o da oposição de projetos identitários, retomando as antigas polaridades existentes no panorama político até os anos 80 do século XX, que opunham ricos e pobres, dominantes e dominados. Entendemos que outras foram construídas tais como: a oposição incluídos x excluídos. Essas são categorias mais extensas que ricos e pobres e mais profundas na compreensão do processo que dominantes e dominados. Chomsky concorda com Gohn e nós, com as ressalvas já feitas, fazemos coro. Gohn ainda afirma que a novidade nesse processo é a articulação entre movimentos que antes não sentavam juntos. A atual dinâmica de globalização construiu relações tão excludentes que reuniu em sua oposição todos aqueles que, mesmo divergindo entre si, entendem que esse tipo de globalização é inaceitável. A divergência de Gohn com Castells talvez esteja no tempo de construção do trabalho desse autor (A Sociedade em Rede foi publicado originalmente em 1997 e foi fruto de 12 anos de pesquisa que resultou em mais dois volumes, resultando na trilogia A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura.) que pode não ter percebido o desenvolvimento das contradições que gestaram a emergência das manifestações atuais. Castells num artigo publicado em conjunto com o de Gohn (Folha de São Paulo, 27.01.2002: 12-13) dá a entender a importância dos movimentos quando os utiliza para responder à afirmação feita pelo Secretário - Geral das Nações Unidas que disse que mais de dois terços da população mundial não se sente representada por seus governantes. Segundo Castells, para os movimentos a democracia é insuficiente aqui e agora. Seguindo essas leituras o 2o Fórum Social Mundial, que foi realizado de 31 de janeiro a 05 de fevereiro de 2002, em Porto Alegre/RS, trouxe à discussão um caminho propositivo, ao contrário do viés contestador e reivindicatório até então adotado. Esse caminho foi adotado na Conferência Internacional para o Financiamento sobre o Desenvolvimento, ocorrida em Monterrey/México, de 14 a 22 de março de 2002, com tema central a discussão sobre cooperação internacional para o desenvolvimento de países pobres. Segundo Rouanet, Nietzsche seria um arauto da Pós-modernidade devido ao seu niilismo anti-moderno. A rotulação sempre pode trazer confusão. Marx poderia também, se tomarmos a leitura de Rouanet, ser um arauto da Pós-modernidade. Mas, tanto ele como Nietzsche tiveram posturas anti-Modernidade, logo posicionaram-se filosoficamente de uma forma relacional à Modernidade. Negando-lhe, mas partindo da mesma. Aliás, a Pósmodernidade parece fazer algo semelhante. O processo de globalização não é um ato mágico ditado por pensadores geniais, como querem fazer crer alguns economistas, ou algo arquitetado maquiavelisticamente por políticos endemoniados, como defendem alguns críticos mais radicais. A globalização desses nossos dias é resultado das relações de interdependência entre as sociedades, que por sua vez só existem porque indivíduos estabeleceram relações de interdependência entre si, que acabaram por gerar os processos de globalização em todos os momentos históricos, e não apenas agora. Desta maneira, o surgimento do Império Romano não foi um ato decidido por um homem ou por uma classe ou povo, foi o resultado das condições que fizeram surgir a sociedade romana e das relações desta com os outros povos. E não podemos negar que o Império Romano foi uma das tentativas de unir o mundo sob uma única bandeira. Não estamos afirmando, porém, que esta seja a única forma de globalização. Tomando outro exemplo, Os Impérios Espanhol e Português, ao assinar o Tratado de Tordesilhas, antecipavam os acordos bilaterais entre os Estados Unidos e a União Soviética. Em ambos os casos, processos históricos com formas de interdependência diferentes levaram a soluções parecidas. E, nas duas situações, houve uma disputa pela hegemonia mundial. Note-se nos dois exemplos que o tipo de globalização tentado, como o foi em todos os outros casos, foi de caráter hegemônico, quando um povo ou nação busca assenhorar-se do mundo, subordinando todos os outros. As tentativas de globalização têm ocorrido dessa forma porque este processo civilizatório como até agora se encaminhou foi determinado por condições de disputa muito duras. Condições estas que conduzem a um processo de expropriação e exclusão de parte da população, como são aqueles verificados em regiões tais quais o nordeste brasileiro ou a África subsaariana. Elias nos dá pistas sobre essa discussão ao afirmar que: "Na base desses mecanismos e tendências automáticos de mudança social encontram-se formas particulares de relações humanas, tensões de um tipo e intensidade específico entre as pessoas. Essas tensões começam a se produzir, para expor a questão em termos muito genéricos, em determinados estágios da divisão das funções, quando algumas pessoas ou grupos conquistam um monopólio hereditário dos bens e valores sociais de que outras pessoas dependem, seja para a sua subsistência, seja para protegerem ou efetivarem a sua vida social." (Elias, 1994:42). Como nos esclarece Elias, mesmo dentro das sociedades há disputas por bens e valores, e essas disputas se agravam à medida que o conflito passa para as lutas entre as sociedades. Dos conflitos por territórios de caça entre os grupos nômades aos conflitos étnicos do final do século XX, temos um padrão, que fazem dessas lutas marcas das disputas intersocietárias. Assim, cada momento histórico produz as suas próprias contradições, exacerbando as formas de conflito que emergem das mesmas. Elias, entretanto, nos diz mais adiante que este estado de coisas não é imutável: "E são as tensões desse tipo que, ao atingirem certa intensidade e estrutura, geram um impulso por mudanças estruturais na sociedade. Graças a elas as formas de relações e instituições da sociedade não se reproduzem aproximadamente da mesma forma de uma geração para outra. Graças a elas, algumas formas de vida em comum tendem constantemente a se mover em determinada direção, rumo a transformações específicas sem que nenhuma força impulsionadora externa esteja implicada." (Idem:44). Entendemos que estaríamos vivendo um momento assim, não dentro de uma sociedade nacional, mas naquilo que poderíamos imaginar como o embrião de uma sociedade mundial. Isso nos permite supor a possibilidade de construção de projetos globalizantes não necessariamente de caráter hegemônico. Isso não quer dizer que este projeto implique numa homogeneização cultural, social, política ou econômica. Até mesmo porque, um processo de homogeneização acontece, na maioria das vezes por assimilação de uma cultura hegemônica pelas outras que lhe são subordinadas. Um mundo globalizado e uma humanidade unida não significam necessariamente um processo de homogeneização. Ao contrário, processos globalizantes não-hegemônicos podem prescindir de políticas homogeneizadoras. Eles podem ser gestados a partir da alteridade. E parece-nos ser esta uma possibilidade bem concreta se observarmos as relações de interdependência entre as nações nos últimos vinte anos. Por outro lado, isso nos faz lembrar que a competitividade aumentou bastante com o atual processo de transformação da base tecnológica. O que nos faz pensar na possibilidade de um agravamento dos conflitos, o que, aliás, já vem ocorrendo em muitas partes do mundo com as mais variadas características. Para Elias as mudanças têm origem, não na natureza dos indivíduos isolados, mas na estrutura da vida conjunta de muitos. Daí ele afirmar que "a história é sempre a história de uma sociedade, mas, sem a menor dúvida de uma sociedade de indivíduos." (Idem:45). E isso vale tanto para sociedades tribais, nacionais, bem como para uma sociedade mundial. Na atual sociedade mundial existe uma forte tensão entre o indivíduo e o processo global, principalmente no que concerne à essência do individualismo, ou seja, a autonomia e/ou liberdade da pessoa. Isso nos leva a discutir como a principal forma de construção de hegemonia pode se dar. O processo atual de globalização parece indicar que três tipos de globalização podem ocorrer: a) um processo social que vai assimilando outras formas sociais. É o tipo de globalização puramente hegemônico. Esta leitura tende a ser feita por setores da atividade econômica que entendem o mundo como um mercado a ser conquistado; b) como formação de uma zona de contato entre várias formações culturais que se influenciam mutuamente produzindo uma nova identificação cultural. Esta idéia é defendida por autores como Mike Featherstone. Aprofundaremos essa discussão no capítulo específico sobre globalização; c) esta seria uma hibridação das duas primeiras. Uma formação cultural hegemônica em contato com outras não-hegemônicas, produzindo uma zona de contato que aos poucos transforma a sociedade hegemônica e as outras produzindo não uma nova identificação ou formação cultural, mas novas formações culturais num primeiro momento muito similares, pois estão relacionadas a um mesmo processo, mas que no decorrer do tempo vão ganhando características próprias. Notemos que as relações de interdependência entre as formações sociais (ou os fluxos como tratam alguns autores) são de caráter assimétrico e, portanto, já indicadores de condições desiguais. Esta última visão me parece mais próxima do que, de fato, ocorre no processo de globalização. E aponta para a idéia de globalização não-homogênea. Além disso, ela traz consigo também as noções de conflito e hegemonia, pois os fluxos assimétricos são exemplos de relações desiguais que conduzem a formas de hegemonização de setores, locais ou países por seus similares. A forma de globalização que estamos vivendo constitui a parte mais perversa das transformações por que está passando a humanidade. E não é somente pelo nível de exclusão que está embutido nesse processo. Robertson afirma que as discussões teóricas sobre os processos globais somente são possíveis agora por força da própria estrutura do processo de globalização, especialmente no seu período de alavancagem entre 1870 e 1925. Para ele esse seria o motivo principal da pouca atenção dada por autores como Max Weber, Georg Simmel e Emile Durkheim, este último tendo se preocupado mais, ao processo de globalização que, segundo Robertson, ganhava impulso justamente no momento da emergência acadêmica desses pensadores. Compreendemos que esses sociólogos não deram maior destaque à questão global porque à época deles, como bem disse Robertson, essa questão não emergia como ponto central da vida social como acontece agora. Outros problemas tinham maior relevância, e o sociólogo não é um profeta para transcender ao seu tempo. Ao contrário, ele deve ser um leitor atento à realidade social do seu tempo para poder, até, fazer inferências, que podem transcender ou não o seu tempo, sendo confirmadas ou não pela posteridade. As formas de inserção social da atualidade continuam a apontar para uma relação de subordinação, tanto no âmbito individual como no relacionamento intersocietal, não importa com que referencial teórico trabalhemos. A Modernidade e a Pós-modernidade trilham o mesmo caminho. Compreendemos que isso acontece porque ambas mantêm como referência os valores da Civilização Ocidental e desconhecem ou não tomam como referência outras leituras civilizacionais. Poderíamos argumentar que a Civilização Ocidental é a que hegemoniza as relações societais no mundo e que todas as outras estão de formas variadas sob a sua influência. Este argumento não nos satisfaz porque entendemos que os conflitos que estão ocorrendo no plano das leituras teóricas, e muitos, mas não todos aqueles, que se desenvolvem no âmbito das sociedades, estão relacionados a choques étnicos/civilizacionais, quer afetem povos que não estão diretamente inseridos na esfera de influência central do mundo ocidental, quer envolvam sociedades dessa zona de influência. Os processos de desterritorialização e a multiplicação dos párias/vagabundos afetam mais diretamente a essas populações. A forma de globalização atual tem representado o sacrifício de representações simbólicas que consubstanciavam a identidade étnico-territorial de muitos povos e sociedades. Essas identidades são fortemente abaladas pelas várias maneiras como chegam a essas sociedades ou grupos os valores da sociedade ocidental. O grande erro que se comete é o de se tomar por referência para a compreensão de uma formação social ou grupo populacional os valores de socialização de outros grupos e/ou formações sociais. Especialmente se estes valores são tomados por empréstimo ao grupo hegemônico. As restrições estabelecidas aos grupos sociais hegemonizados por aqueles que se fizeram dominantes influenciam profundamente os valores de socialização estabelecidos para estes grupos, sem contar o fato que estes valores são impostos e não são socialmente construídos. Por outro lado, cumpre a todos aqueles que agora fazem estudos sociológicos e têm interesse nessa questão fazer avançar o conhecimento sobre outras formações sociais e sua relação com esse processo global hegemonizado pela sociedade ocidental. Sobre as contribuições que podemos dar para que a teoria social ocidental possa ser desenvolvida, destacamos que não são somente as sociedades não-ocidentais que precisam de uma maior atenção por parte da teoria social ocidental. As regiões e populações periféricas da civilização ocidental também necessitam ser melhor investigadas, não para intervenções autoritárias, como ocorreram no passado. Mas, para se produzir uma melhor interlocução entre os dois espaços, o centro e a periferia da sociedade ocidental. Nesse sentido, os cientistas sociais das regiões periféricas têm um importante trabalho a fazer, que não é investigar as suas sociedades, pois isso já fazem com competência, mas o de buscar uma maior expressão de suas idéias no centro hegemônico da cultura ocidental. Com isso concordamos, de novo, com Robertson quando este diz que, no período da globalização da sociologia, os sociólogos de todas as partes do globo intercambiam experiências e que há um discurso universal. Esse processo obviamente produz uma influência sobre o processo global, ao tempo que é parte dele. James Clifford (2000) destaca um aspecto importante nessa questão que é o da interação violenta. Entendemos que esse aspecto é uma importante contribuição para a discussão pela sua pertinência, devendo se destacar que essa violência pode assumir várias formas, desde a exclusão material de sociedades e indivíduos até a exclusão simbólica dos mesmos, passando por níveis menos violentos de interação. Podemos lembrar os turistas e os vagabundos, os "Estabelecidos e Outsiders" de Elias, mas podemos voltar a citar Bauman e lembrar que as sociedades da Pós-modernidade não deixaram de ser um lugar de exclusão, e que, ao contrário, exacerbaram as formas de apartamento. É Bauman que nos fala: "A condição pós-moderna dividiu a sociedade em metades, a dos felizes seduzidos e a dos infelizes oprimidos, com a mentalidade pós-moderna celebrada pela primeira metade e aumentando a miséria da segunda. A primeira metade pode abandonar-se à descuidada celebração apenas porque se convenceu, satisfeita, de que a miséria da segunda é uma opção legítima dessa metade, ou, pelo menos, uma parte legítima da estimulante diversidade do mundo. Para a primeira metade, a miséria é a 'forma de vida' que a segunda metade escolheu - quando nada por levar um estilo de existência despreocupada e negligenciar o seu dever da escolha." (Bauman,1999a:274). A leitura aqui feita em nada se diferencia da leitura feita pelo mesmo autor sobre o processo de exclusão/aniquilação moderna. "A parte do mundo que adotou a civilização moderna como seu princípio estrutural e valor constitucional empenhava-se em dominar o resto do mundo dissolvendo a sua alteridade e assimilando o produto da sua dissolução. A alteridade perseverante só podia ser tratada como um aborrecimento temporário, como um erro fadado a ser, cedo ou tarde, superado pela verdade." (Bauman, 1999a:246). Se tomarmos como corretas essas leituras, Modernidade e Pós-modernidade não têm diferenças significativas no que concerne às formas de exclusão, só tem graus variados de apartação social. Consideramos Ser a Pós-modernidade muito mais virulenta neste aspecto, pois nem considera a existência do outro, enquanto que a Modernidade teme o outro e, por isso busca aniquilá-lo. Para Bauman há grande diferença entre o ideário e a prática da Pósmodernidade. A mentalidade Pós-moderna - baseada na liberdade, diversidade e tolerância vai bem. No entanto, a prática continua igual a da Modernidade. A fuga para o privado não pode ser a emergência do reino do privado, não pode ser para todas as coisas, nem as promessas de liberdade total podem ser satisfeitas. A ampliação da exclusão econômica conduz a um agravamento da exclusão identitária, ou seja, a um aumento das pessoas e populações que, excluídas do mercado de trabalho e de consumo numa sociedade marcada pelo consumismo, têm suas formas de representação identitárias seriamente ameaçadas ou, até mesmo, aniquiladas. O que dizer das regiões e populações permanentemente excluídas? Ora, a extraterritorialidade das elites e do capital retira a margem de negociação que os nativos teriam para dar significância ao seu espaço e, consequentemente, de negociar sua identidade na sociedade pós-moderna. Além disso, está posto na fala de Bauman o problema da desconstrução de alguns espaços em favorecimento de outros, via a mobilidade do capital. Dessa forma surgem as Ilhas de Riqueza, Inserção e Globalidade cercadas pelos Oceanos de Pobreza, Exclusão e Localidade. Destacamos sobre essa questão a opinião de Milton Santos que entende o processo de globalização como uma fábula, na medida que este traria a noção de aldeia global, com o conseqüente encurtamento das distâncias, difundindo a noção de espaço e tempo contraídos. Essa característica dos processos globais não pode ser imputada a um traço de maldade ou arrogância, ou seja lá o que for, contido no processo coletivo de cada povo, mas parece-nos ser constitutiva da essência do processo civilizatório humano, e este traz dentro de si o gérmen da defesa da verdade, da sua verdade, entendida no sentido de que a forma de viver e pensar que cada povo construiu é a correta para esse povo e para todos os outros e que, por conta disso, todas as outras devem ser eliminadas. Mais do que um traço da Modernidade, a destruição do outro, seja de que forma for, caracteriza-se como traço constitutivo do caráter humano que acompanhou a humanidade até agora, porque ela ainda não havia amadurecido o suficiente para aceitar e conviver com a diferença. O atual momento histórico tem dado indicações de ser o limiar de uma fase em que a diferença não é empecilho para o convívio. A globalização, para Robertson, refere-se "à compressão, temporal e espacial, do mundo como um todo." (Idem). O que significa dizer que o mundo está sendo transformado numa única formação social, no que tange às relações intersocietais, interétnicas e interpessoais. O que Robertson não quer dizer é que haveria uma homogeneização da cultura. Entendemos ser a forma atual um tipo de globalização que tem essas e outras características. É o tipo de globalização que estamos vivendo, engendrado sob a ótica ocidentalizadora do mundo e, nos dias atuais, uma visão estadunidense do mundo. No entanto, ele não é suficiente para abarcar todos os processos históricos de globalização. As perspectivas de compressão temporal e espacial teriam de ser esticadas nas mais variadas direções para abarcar todas as experiências globalizantes produzidas na História da Humanidade. Lembramos aqui que entendemos ser o processo de globalização atual uma estrada bifurcada e não uma imensa high-way high-tech, como se ufanam em achar alguns. Em vista disso, as formações sociais hegemonizadas tenderiam mais à sobrevivência do que ao seu aniquilamento uniformizador. Por isso, criar uma estrutura sistêmica global para a transmissão de práticas sociais comuns que não respeitem as diversidades locais pode ser inócuo. Em outros casos há a emergência de um regionalismo globalizado, como são caso da União Européia, do Mercosul e da ALCA. Estas estruturas políticas, todavia, são caracterizadas pela ausência de uma base de representação simbólica, o que lhes tira muito da força representativa. Mesmo aqui há que se observar caso a caso sob pena de incorrer no erro pela generalização simplista. Neste contexto, o seu surgimento ou desaparecimento vai ser regido pelas relações políticas e econômicas entre os estados-membros envolvidos. Talvez por serem estruturas inter-estatais é que haja um hiato tão grande entre estas e a participação dos indivíduos na sua construção. Relembrando Elias, este afirma que a participação dos indivíduos na construção das formações sociais decresce à medida que estas se tornam mais gerais. Numa sociedade global o peso do indivíduo é mínimo. Na comunidade este peso é o máximo. Por isso decresce a importância do conhecimento simbólico que as pessoas possam ter sobre suas formações sociais em sociedades em processo de globalização ou globais e, para as comunidades rurais estes indivíduos ganham importância e respeito. Isso explica a perda da importância da linguagem oral nas formações sociais gerais e a ascensão da linguagem escrita. A primeira é perfeita para a transmissão direta, vis-à-vis, da informação, forma que é mais viável nas sociedades de pequeno porte. Já a forma escrita de transmissão da informação, e seus meios eletrônicos correlatos, são mais pertinentes a grandes formações sociais, pois podem ser enviados a distâncias cada vez maiores, permitindo uma maior perpetuação do conhecimento tal como foi elaborado. As formas de exclusão associadas a esta mudança nas formas de reprodução do conhecimento devem ser entendidas como parte de um processo histórico-social que implica na conformação de estruturas sociais cada vez mais complexas, que podem chegar, ou não, a uma sociedade global. Abre-se aqui a discussão dos fundamentalismos, que podem ser discutidos sob três perspectivas: a) como resistências pré-modernas à Modernidade; b) como uma forma de anti-Pós-modernidade e c) como uma postura pós-moderna anti-globalização. Todas as três formas representam construções simbólicas explicativas do mundo, portanto, têm um caráter socializador e, devem constituir, se quiserem sobreviver enquanto expressão de uma formação social, sistemas educacionais alternativos ao sistema global. Em primeiro lugar devemos esclarecer que não acreditamos ter sido possível a continuação da existência de formações sociais pré-modernas na contemporaneidade. Afirmamos isso porque, para que tal situação pudesse ocorrer era preciso conceber que as formações tribais teriam um grau de resistência à Modernidade maior do que o que foi evidenciado historicamente uma vez que elas somente permaneceriam como Pré-modernas se houvessem conseguido resistir à ofensiva ideológica da Modernidade. Em segundo lugar não podemos fazer confusão entre processos de assimilação cultural que ocorrem com grupos sociais, como as tribos indígenas brasileiras ou os aborígines australianos, que são desconstruídos e digeridos, num processo moderno de negação do outro, com formas de resistência que renegariam por completo os valores culturais, os bens materiais e as representações simbólicas modernas. A última situação é evidentemente impossível de ocorrer, pois as relações intersocietais são exatamente isso, um processo relacional, que implica em influenciamento mútuo, excluindo a possibilidade de isolamento sociocultural de uma formação social. Se há influenciamento, então depreendemos que todas as formações sociais que podiam ser consideradas prémodernas, ao entrar em contado com a formação moderna elas transmutaram-se, deixando de ser pré-modernas. Justifica-se essa rápida transmutação pela pouca existência de elementos universais nessas sociedades e a resistência ser mais difícil. Podemos ressaltar que as formas modernas de estrutura social têm uma maior resistência à desconstrução porque, no atual momento histórico, essas formas possuem uma estabilidade estrutural maior que outras formações sociais. Assim sendo, qualquer oposição a essas formas sociais modernas, fundamentalistas ou não, encontrará maior dificuldade na atual conjuntura histórica para superá-las. No que concerne a alternativa dos fundamentalismos serem uma forma de anti-Pós-modernidade, ou que eles sejam uma forma pós-moderna antiglobalização (pelo menos nos moldes como está aplicada), temos a considerar que se for uma resistência à Pós-modernidade, estamos afirmando que os fundamentalismos são expressão da Modernidade. Se eles são uma resistência Pós-moderna à globalização, podemos considerar que os fundamentalismos seriam leituras alternativas à globalização, propondo não a sua extirpação por completo, mas outras formas de processos globais. Definir se os fundamentalismos são processos modernos ou pós-modernos, parece-nos pouco relevante. Significativo é que os fundamentalismos representam a expressão dos setores descontentes com os processos globais atuais e que tentam ler as coisas a partir de uma outra ótica. As comunidades modernas ou pós-modernas, gemeinschaft no sentido das relações interpessoais, têm, então, alternativas para afirmação dos seus valores tradicionais, preservados, ainda que parcialmente, da onda homogeneizadora. Se a globalização é o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista, como advoga Milton Santos, será, então, que poderíamos afirmar que as formas de fundamentalismos anti-globalização seriam formas de anti-capitalismo? Acreditamos que não. Porque muitos dos que se posicionam contra a globalização estão muito satisfeitos com o sistema capitalista, como é o caso dos agricultores europeus e, em especial, os franceses. O que acreditamos é que as formas antiglobalização busquem alternativas a ela dentro do próprio capitalismo, talvez transmutando-o a tal ponto que, futuramente o mesmo não seja mais identificado com a formação que hoje reconhecemos como sistema capitalista. Existem, é claro, formas antiglobalização que são formas também anti-capitalistas, mas elas não podem ser tomadas como representativas de todas as formas anti-globalização. Não devemos nos esquecer que a globalização não é só o avanço das técnicas da informação, mas também, "o resultado de ações que asseguram a emergência de um mercado global." (Santos, 2000:24). Por este motivo, todos aqueles que tem o sistema capitalista como âncora para o desenvolvimento da atividade econômica pensam num sistema global que, obviamente, atenda às suas necessidades. Portanto, existem tantas perspectivas de globalização quantas forem as perspectivas de capitalismo existentes. A estas devem ser somadas as alternativas de globalização que tentam superar o sistema econômico capitalista que, também, são múltiplas. Nesse sentido concordamos com Milton Santos que fala em fábula de uma humanidade desterritorializada vivendo em um mundo sem fronteiras. Aqueles que transitam com aparente liberdade pelo mundo, os turistas, só são livres na aparência, pois estão condicionados pelo ideário pós-moderno a exercer o papel de consumidores, já que a sociedade pós-moderna é a sociedade da exacerbação do consumo e ainda tem como estigma a figura do vagabundo, que serve como alter ego, a lhe empurrar para cumprir o seu papel de turista, caso ele não queira se tornar vagabundo. A liberdade do turista e, portanto, da Pós-modernidade é, consequentemente, uma ilusão. O lugar, entendido não apenas como espaço, mas como representação social, é desconstruído pela introjeção de um conjunto de negações que são impostas a essas pessoas que vivem a exclusão. Ao discutirmos o mundo e as contradições dos processos globais com elas talvez tenhamos criado uma porta que as permita dirigirem-se às estradas da inclusão. Os que vivem no tempo desterritorializam o espaço dos que deles dependem e que não percebem a necessidade de se territorializar ou não conseguem fazê-lo. O lugar daqueles que vivem no tempo é onde eles estão, porque a posse material dos meios de subsistência e, mais do que isso, dos meios de produção da riqueza, permite a essas pessoas exercer plenamente o papel de consumidor, daquele que é o símbolo da Pós-modernidade: o turista. Entendemos assim, que Modernidade e Pós-modernidade são idéias que, traduzidas na realidade de uma formação social, representam os lados oposicionais que delimitam incluídos e excluídos. De um lado os incluídos libertos das amarras do tempo e do espaço, como o estereótipo do turista pós-moderno quer fazer crer, mas com as suas certezas e verdades da Modernidade quando o assunto é o gerenciamento do seu patrimônio. A Modernidade e a Racionalidade chegam a essas populações como verdades que destroem as velhas concepções. São aríetes contra as fortificações construídas pelas sociedades tradicionais. Falta-lhes, entretanto, o caráter de cimento aglutinador, formador da nova cidade em lugar do antigo castelo. A cidade permanece inatingível pelos habitantes da velha ordem, pois eles sentem que a cidade burguesa não foi construída para eles. Com suas linhas retas, com suas ruas largas e longas destoa do amontoado de casas e vielas estreitas do pensamento antigo. A Racionalidade espanta os velhos fantasmas e espíritos protetores, mas não diz aos velhos habitantes como se proteger ou se sentir protegidos das intempéries da vida. A via expressa não permite o trafego da carroça puxada por burros, apenas a circulação dos carros possantes com motores turbinados. A Racionalidade seca e direta exclui do pensamento científico a poética, mas sente dificuldades em explicar as sutilezas do mundo atual. A crise da Modernidade e da Pós-modernidade está justamente em não poder dizer, de forma direta e seca, aos excluídos que eles estão excluídos e que isso não é problema dos incluídos. Não pode dizer isso porque significaria condenar a sua própria existência. A Racionalidade ocidental interessa a todos aqueles que, pertencendo a esse ordenamento social, lutam para nele continuar incluídos. Ter a compreensão de que para surgir um novo ordenamento social global é preciso que consideremos todos os conhecimentos existentes no mundo em igualdade de condições não quer dizer abjurar do conhecimento produzido pela Sociedade Moderna Ocidental ou repudiar os seus ritos de aquisição. Significa tão somente despojar-se da soberba, comum a todas as sociedades que tentam ser hegemônicas em qualquer processo global, de considerar os conhecimentos produzidos pela Sociedade Moderna Ocidental como o supra-sumo da civilização. Aliás, muito daquilo que tomamos como nosso representa apenas aprimoramentos de outros conhecimentos produzidos por outras formações sociais. A inovação tecnológica, a facilidade dos novos sistemas de comunicação e a complexidade das relações sociais dos nossos dias revelam e escondem esse processo excludente. Quando um grupo social não consegue se situar no mundo e os seus membros, muitos dos quais viajantes que rumam para outras paragens, sentem-se deslocados e tentam se encaixar, desencaixados que estão da Sociedade Ocidental, eles buscam apoio das suas tradições e das novas informações que chegam até a sua comunidade, muitas das quais trazidas pelo sistema educacional. Todavia, nenhuma dessas fontes consegue dar as respostas porque as locais estão ou descredenciadas ou desestruturadas. Já as externas não estão habilitadas a dar as respostas que efetivamente expliquem o mundo para essas pessoas, pois essas respostas que estes indivíduos desejam ter podem se posicionar contra a consolidação da Sociedade Ocidental Moderna e sua hegemonização. Esses habitantes sejam eles moradores de regiões periféricas de grandes cidades brasileiras, de áreas do semi-árido nordestino, do Afeganistão, Iraque ou da África do Quarto Mundo, não estão em condições de responder às novidades do mundo de acordo com os padrões do estabilishment Ocidental. Porque não são formados nessa ordem social e porque, hegemonizados que são por essa ordem, não têm disponibilizado os instrumentais necessários a uma plena integração a essa ordem. Nesse sentido, só lhes resta abandonar essa ordem ou ser destruídos por ela. O surgimento de bolsões de riqueza e integração nessas regiões também não está fora desse contexto. O capitalismo resgata pessoas, grupos sociais, populações, setores ou regiões quando e como lhe interessa. O descarte ocorre do mesmo jeito. É claro que esse processo não ocorre sem conflitos. As figuras simbólicas da integração e da desintegração da Modernidade e da Pós-modernidade, o arrivista e o pária, o turista e o vagabundo, estão aí para atestar que a luta política, social, simbólica e econômica é renhida. Esse processo nos mostra também que, como diz Elias, a sociedade é formada pelas relações entre os indivíduos e que nenhuma formação social está pronta, ela sempre está em construção. Com isso podemos dizer que a História pode ser escrita não como um processo linear e excludente, mas como construção coletiva de uma nova dinâmica social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999; BAUMAN, Zigmunt. 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