7.) Primeiro relato intercalado: os Atos de Paulo 9, 1-31

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Atos dos Apóstolos
Introdução
Os autores antigos contavam a história do passado para agir sobre a história
presente.
O titulo dos Atos dos Apóstolos foi inventado numa época que, assistiu a
redação de muitos “Atos” apócrifos de diversos “Apóstolos”. Não representa de modo
algum o conteúdo da obra. Pois dos 12 (as quais Lucas reconhece o título de apóstolo)
só fala de Pedro, um pouco João e menciona o morte de Tiago.
O texto mostra claramente que Lucas escreve em função de problemas concretos
de comunidades cristãs.
1. Algumas chaves de interpretação.
No imaginário coletivo dos cristãos, a organização e a institucionalização da Igreja
estão ligadas diretamente ao Jesus histórico. Resgatar os Atos quer resgatar o período
histórico de 40 anos entre a ressurreição de Jesus e a organização das Igrejas; é
reconstruir o movimento de Jesus depois da ressurreição e antes da Igreja.
Lucas e Atos formam uma obra só. É possível que, no início, formassem um só
livro. Neste caso, o Evangelho terminaria em 24,49 e Atos começaria em 1.6. Toda a
obra é um evangelho e possui uma profunda coerência teológica, embora haja uma
progressão teológica e histórica do começo até o fim.
O tema do Espírito Santo é privilegiado na obra lucana. Não que Lucas tenha o
monopólio sobre este tema, dentro dos Evangelhos, pois obviamente o Espírito Santo
está mais do que presente em todos os quatro. Mas em Lucas, o Espírito tem função
diferente do que, digamos, em João, onde Ele é, sobretudo nos discursos de despedida,
apresentado como o Paráclito, o Advogado Defensor, o “Goél” do Antigo Testamento,
numa visão fortemente marcada pela apocalíptica. Em Lucas, o Espírito Santo é a força
dinamizadora de Deus, que impele Jesus, com a sua proposta alternativa, desde Nazaré
até o centro do Judaísmo em Jerusalém, onde as forças reacionárias político-religiosas
vão tentar matá-la. Mas o Espírito é mais forte do que a morte, Jesus ressuscita, e o seu
Espírito retoma a caminhada da Palavra através das comunidades cristãs, até chegar em
Roma - na visão lucana, o centro do mundo! O Espírito reveste os discípulos com a
força que vem do alto ( cf. Lc 24,49), para que no nome de Jesus sejam anunciados a
todos a conversão e o perdão dos pecados ( cf. Lc 24,47)
O movimento de Jesus possui nos Atos três características fundamentais:
- é um movimento animado pelo Espírito Santo,
- um movimento missionário
- um movimento cuja estrutura básica é representada pelas pequenas
comunidades domésticas.
O tempo depois da ressurreição é, deste modo, um tempo privilegiado do Espírito.
A experiência do Espírito e da missão são historicamente anterioras à Igreja.
A contribuição de Lucas ao processo de organização e institucionalização da Igreja é
a reconstrução do movimento de Jesus depois da ressurreição como um movimento do
Espírito e um movimento missionário, organizado em pequenas comunidades.
Interpretamos Atos em três perspectivas :
1. Na perspectiva do Espírito Santo:
1
Procuramos descobrir a presença do Espírito em toda a narrativa. A referência
ao Espírito Santo será a chave hermenêutica fundamental para a nossa
interpretação.
2. Na perspectiva da missão:
O crescimento do movimento de Jesus identifica-se com o crescimento da
Palavra, e a Palavra de Deus é a que possui o poder para construir a Igreja.
3. A perspectiva das pequenas comunidades domésticas:
Todo o livro possui uma dinâmica que parte do Templo e chega à casa. A
formação de pequenas comunidades é o que faz com que a Palavra se faça
presente nas cidades e nas culturas. É o lugar onde se mantém vivo o
ensinamento dos apóstolos (a memória de Jesus) e onde se vive a koinonia, a
diakonia e a eucaristia (2,42-47).
Outras chaves de interpretação presentes:
- a participação da mulher no movimento de Jesus
- a dimensão das culturas e da inculturação do Evangelho
- a pluralidade de ministérios, carismas e funções na missão
- a dimensão política: o movimento de Jesus e Império Romano.
O autor escreve para uma comunidade ou um conjunto homogêneo de
comunidades em que convivem em primeiro lugar cristãos judeus e não-judeus. Estes
eram essencialmente prosélitos ou pelo menos “adoradores de Deus”, isto é, pagãos que
já tinham deixado a idolatria e praticavam parcialmente a religião judaica, adorando o
Deus de Israel. Em tal comunidade existiam três problemas ou desafios principais.
Primeiro o desafio da comunidade de mesa. Pois este foi um problema concreto e
fundamental que dividiu a Igreja primitiva. Para os judeus não era tão difícil aceitar que
os pagãos fossem batizados como eles. O difícil era comer com eles, na mesma mesa.
Pois isto era contrario à lei e os punha em contradição com as suas convicções (o
preconceitos) mais enraizados.
O segundo problema era o desafio dos judeus que se viam cada vez mais
rejeitados pelo seu povo e expulsos das sinagogas. Eles queriam continuar sendo fiéis
ao seu povo de Israel à sua religião tradicional. Era possível continuar sendo judeu e ser
cristão ao mesmo tempo? O problema de relacionamento judeu x cristão também e
candente em Mateus e João, depois do Conselho de Jâmnia
O terceiro problema vinha dos gregos ou romanos, particularmente daqueles
que pertenciam à elite e estavam ligados ao império romano. Pois tudo indica que na
comunidade de Lucas, ou entre os simpatizantes das comunidades, havia pessoas que
exerciam funções dentro da estrutura a do império, ou pelo menos se identificavam com
o império. O problema era: será possível ser cristão e fiel ao império ao mesmo tempo?
Existia outro problema, nascido da convivência entre ricos e pobres.
Consideramos que a comunidade de Lucas se situa numa fase intermediária ou
de transição entre o estado de seita do judaísmo e o estado de nova Igreja. Ainda ela se
pensa como a fase definitiva da história de Israel e não como uma nova religião. Ainda
não existe a idéia clara duma Igreja universal, mas está nascendo. As comunidades já se
sentem unidas dentro dum movimento comum e único.
Dentro de tal conjuntura, Lucas mostra a sua comunidade inserida na história,
não da Igreja, mas da marcha da palavra de Deus. O que interessa a Lucas é antes a fase
da fundação das comunidades, mais do que o seu funcionamento de cada dia, a fase de
2
criação e não tanto a fase de consolidação (que aparece muito nas Cartas Pastorais e
Católicas).
Lucas pretende legitimar a posição adotada na sua comunidade e reforçar assim
a segurança dos seus membros. No que diz respeito à convivência entre judeus e nãojudeus, entre ricos e pobres, Lucas justifica a posição da comunidade de diversas
maneiras.
Primeiro o autor mostra que a comunidade realiza o projeto de Paulo que todos
veneram como sendo o “fundador”. O Paulo de Lucas é bem diferente do real. É
menos exclusivista, mais “judeu”, mais amigo do império, mais unido a Pedro e aos
Doze. A comunidade de Lucas quer ter fundamentos mais antigos do que Paulo. Quer
afirmar com mais força os seus laços com o judaísmo tradicional.
Por isso, Lucas legitima também as posições da comunidade apelando para
Pedro. Atribui a Pedro as posições de Paulo no que diz respeito à entrada das nações na
salvação de Jesus. Além disso, quer vincular a sua comunidade com a comunidade
primitiva de Jerusalém. Assim, os judeus da comunidade não se sentiriam cortados do
seu povo, o que aconteceria facilmente se se contentassem com a teologia de Paulo.
Esta continuidade é assumida pelos helenistas. O cristianismo dos helenistas
corresponde bastante às aspirações das comunidades lucanas. Por isso, Lucas atenua as
divergências entre a comunidade de Jerusalém e os helenistas.
A.
OS DESAFIOS DA COMUNIDADE LUCANA
I.
A COMUNIDADE DA MESA
1.)
A comunidade de mesa entre judeus e não judeus.
Sociologicamente a repugnância dos judeus pode explicar-se pela vontade de
afirmar com força a sua identidade como povo distinto dos outros. Os judeus queriam
absolutamente evitar qualquer processo de assimilação. Isso tomou mais vulto depois
da reforma de Esdras e com a perda da identidade como nação independente. Já no
temo dos Macabeus temos os Hasidim, os da observância estrita.
Para os judeus que aderiram a Cristo, o problema não estava tanto na conversão dos
pagãos. Que Deus chama também as nações estava nos profetas Era aceitável o
movimento dos pagãos em direção aos judeus, mas mais difícil era aceitar o contrário –
os judeus se aproximarem dos pagãos. Ora, aceitar os pagãos na mesa era aproximar se
deles, abandonar um sinal muito profundo de identidade judaica.
No cristianismo primitivo, o problema da comunhão da mesa foi muito agudo cf. Gl
2,11-14. Em Antioquia, depois do recuo do Pedro, havia duas mesas. Por isso o
confronto com Paulo.
2.) A comunidade de mesa na obra de Lucas.
Lucas atribui uma importância transcendente à comunhão da mesa. Este é o
problema atrás de Cornélio. O problema não e que Deus chame também os pagãos, mas
que a separação entre eles e os judeus está caindo. É o problema também no Concílio
Apostólico.
Muitas vezes Atos mostra Paulo comendo com pagãos – Lídia (16, 14s); em
Filipos (16,34); em Corinto com Justo (18, 16b); no navio (27,33-38). Aqui a proteção
milagrosa, prometida por Paulo e confirmada pelos eventos mostra que Deus concorda
com tal refeição. Lucas quer legitimar o costume estabelecido nas comunidades que
evangeliza.
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3.) Influencia do problema da mesa comum na redação dos Atos.
Primeiro mostra a prática de Paulo.
Segundo, invoca a autoridade de Pedro. Sabe que a autoridade de Paulo não é
indiscutida. Por isso destaca a narração da conversão de Cornélio. Mostra que inclusive
Pedro praticou e justificou a comunhão de mesa com os pagãos convertidos. Isso
responde aos ataques de que a comunhão foi inventada por Paulo.
A visão de Lucas não concorda com Gálatas. A sua tese é que a prática mais
antiga da comunidade cristã foi a comunhão de mesa. Esta foi confirmada por Pedro
(em nome dos Doze) e por Tiago (em nome da comunidade de Jerusalém).
II.
OS JUDEUS E A FIDELIDADE A ISRAEL
Tudo indica que os judeus ainda ocupavam uma posição importante nas
comunidades lucanas e que a obra em dois tomos responde em grande parte aos
problemas dos judeus.
A tese de Lucas é de que para ser cristão um judeu não deve renunciar ao seu
povo. Longe de sair do seu povo, ele pertence à parte mais fiel.
1.) Lucas e a Lei
Lucas tende a mostrar de diversas maneiras a perfeita compatibilidade entre a lei e o
evangelho. Tal propósito leva-o a certas contradições inevitáveis.
O evangelho da infância oferece a doutrina lucana sobre a lei. Aí encontramos seis
pessoas, todos fiéis observantes da lei.
Jesus se submete à lei: 4,16; 5,12-16;17,11-19; 10,25-28;9,28-36;
Lucas adapta na medida do possível os dados sobre da tradição (Mc e Q) à sua
doutrina enunciada no evangelho da infância:
- a lei é boa e deve ser respeitada pelos judeus, mas não leva à salvação
- os verdadeiros judeus reconhecem que a salvação vem com o messias
- Os judeus vão rejeitar a Jesus o Messias e mostrar desse modo a
ilegitimidade das suas pretensões
Por outro lado, segundo Lucas, fica mais claro que quem não observe a lei são os
judeus, particularmente os chefes.
Nos Atos, a comunidade de Jerusalém observe piedosamente a lei; entre a lei e o
reconhecimento de Jesus como Messias não há oposição. Nem Estêvão fala contra a lei.
Paulo foi um fiel observante da lei a vida toda. ( 9,20; 20, 16; 24,11; 24,17-18; 16, 1-3;
18,18; 21,24. 23,5; 22,3; 23,1; 24,14; 28,17;) Cita quatro casos de ataques dos
oponentes dele 18, 13-14; 21,21; 21,28; 24,5-6. Em cada caso, Lucas pretende tirar
todo o fundamento da acusação.
Lucas, porém, destaca os crimes dos chefes dos judeus. 9,, 23.29; 14,19; 21,31;
23,12-15. 8,35; 10, 43; 13,23-26; 26, 6.7.22.23.27.
Por outro lado, Paulo afirma que a lei não salva por si mesma e que somente Jesus
salva; 13, 38.39.23.26; 15,10.
2.) Lucas e o Templo
O Templo ocupa um lugar central na obra de Lucas.
Lucas assume o testemunho dos helenistas. Assume a sua doutrina do Templo. O
Templo estava no centro da história da salvação. Agora não existe e podemos deixá-lo
desaparecer sem nostalgia. Pois Deus não precisa dum Templo. Agora o verdadeiro
4
culto é a vida boa e as boas ações dos que temem a Deus. Cornélio representa o
substituto do Templo.
A doutrina de Lucas sobre o templo concilia as saudades dos judeus e a sua
convicção sobre o papel central do Templo e ao mesmo tempo o testemunho cristão
sobre a salvação por meio de Jesus o Messias.
3.) Lucas e os prosélitos
Os prosélitos ocupam um lugar destacadíssimo em Atos. Todos os pagãos
convertidos que menciona eram prosélitos. Tudo sucede como se ninguém tivesse
passado da idolatria para a fé. Lucas somente pode oferecer tal visão da história se nas
suas comunidades os prosélitos ocupam de fato um lugar de destaque.
Alguns eram prosélitos no sentido próprio (2,11; 6,5;13,43). Outros eram
simplesmente “adoradores de Deus”(13,43.50; 16,14; 17,4; 18,7.13) ou “tementes a
Deus”(10,2.22.35; 13,16.26).
Os prosélitos estavam numa situação ambivalente, que corresponde bastante bem às
ambivalências da redação lucana. Estavam numa contradição. O cristianismo de Lucas
oferecia-lhes uma saída.
No judaísmo havia duas coisas que deviam ofender profundamente os prosélitos.
Primeira a separação. O cristianismo superou essas barreiras. Em segundo lugar, eles
eram excluídos do Templo.
Tudo indica que os prosélitos estão no centro da discussão que houve em Jerusalém
entre os hebreus e os helenistas. Como surgiu o problema das viúvas? Foi colocado o
problema da comunhão à mesa. Os cristãos se dividiram e formaram duas assembléias:
uma só das pessoas nascidas no judaísmo ou circuncisas, outra em que praticavam a
comunidade da mesa judeus e prosélitos no sentido amplo. Tal separação provocou
rupturas mais graves. Provavelmente os helenistas negaram-se a contribuir para o fundo
comum já que as suas viúvas nada mais recebiam do fundo primitivo. Os hebreus,
deixando de receber esmolas dos helenistas, tornaram-se mais pobres. A coleta de
Paulo pelos pobres de Jerusalém pode ter tido o significado de reconciliação depois da
separação dos helenistas.
O discurso de Estêvão reflete as novas convicções dos prosélitos convertidos ao
evangelho e dos seus amigos.
III.
OS GREGOS E A SUA FIDELIDADE A ROMA
Está claro que Atos valoriza os romanos. Essa visão só se explica pela presença de
funcionários do império nas comunidades lucanas
1.) A valorização positiva de Roma nos Atos.
a) Toda a culpa pela morte de Jesus é atribuída aos judeus.
b) Todas as vezes que aparece um representante do poder romano, o seu
comportamento é positivo (Cornélio; 13,13; 16, 30-34; 18,16;). Quando Paulo foi
preso, foi sempre perseguido pelas autoridades judaicas e defendido pelas
autoridades romanas. Em Roma ele consegue pregar livremente.
c) Cada vez que a ordem pública fica perturbada, a culpa é dos judeus.
d) Não menciona o martírio de Paulo.
e) Manifesta claramente a sua admiração pela ordem e pela paz que Roma mantém no
mundo, bem como pela administração de justiça (24,3.4; 19,40) Em Chipre, Corinto
e Jerusalém.
f) Paula ostenta o seu título de cidadão romano. (16,35-39; 22.22-29)
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g) Em Lc, Jesus culpa os judeus pela destruição (Lc 13, 34.35; 19,42).
h) Lucas refere, explicitamente e com insistência, os acontecimentos cristãos à historia
romana: 11.28; 13,7; 18,2.12; 23,24.
2.) O sentido da valorização positiva de Roma
Lucas deve responder às objeções feitas aos funcionários romanos, prosélitos, em
nome da paz do império. Responde mostrando pelos exemplos, pela história, que não
tem nenhuma incompatibilidade. A conclusão está clara: um prosélito romano
conseqüente deve seguir o judaísmo dos cristãos e não o judaísmo desviado dos chefes
históricos de Israel.
Para compreender a atitude de Lucas devemos levar em conta várias circunstâncias
históricas.
Primeiro, Lucas escreve numa época em que o império ainda não toma consciência
do seu imperialismo. O imperialismo romano nasce como ideologia com Domiciano.
Segundo, Lucas pertence às elites do mundo romano e recebe uma educação grega
completa.
Cada vez que se produz o contato entre o império, representado pelos seus oficiais
ou magistrados, os romanos inclinam-se diante dos cristãos e não vice versa. Na mente
de Lucas, estaria o império a serviço do evangelho e não o contrário.
A conclusão é que Roma favorece a evangelização, enquanto os cristãos nada
oferecem ao império em compensação. Cristo usa o império, mas o império não usa o
Cristo.
Pode-se adivinhar que se aproxima um encontro entre esses dois projetos universais,
o de Roma e o de Cristo. O conflito ainda não é inevitável, como no Apocalipse.
A mensagem de Lucas é que o cristianismo não está necessariamente em
contradição com qualquer poder político.
IV.
RICOS E POBRES NA MESMA COMUNIDADE
O problema político está ligado a um problema econômico. As comunidades
lucanas são pluriclassistas. No mundo antigo não se misturavam. Que ricos e pobres
comessem na mesma mesa deve ter constituído um fenômeno extraordinário.
1.) Ricos e pobres no Oriente do século I
Quem era rico naquele tempo? Essencialmente os grandes proprietários. Esta
aristocracia era pouca numerosa. Em cima estavam os senadores romanos. Não
passavam de 1000 famílias numa população de 50 milhões. Ordem privilegiada eram os
cavaleiros – 50000. Os senadores deviam possuir pelo menos 400000 denários. Um
cavaleiro mais ou menos a metade. Além disso havia a nobreza provinciana – 25000
denários. A eles pertencia o poder político local, o prestígio, os favores. Estes decuriões
não passavam de 5% da população.
Num nível mais modesto havia categorias sociais intermediárias: comerciantes,
artesãos, etc.
Os Pobres:
A palavra (ptokhos) usada por Lucas no evangelho significa mendigo. Havia os
maus pagadores e por fim os escravos.
Quando Lucas fala de pobres, fala em primeiro lugar dos mendigos. Os
desempregados temporários passavam facilmente para a mesma categoria. Globalmente
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as cidades antigas pareciam-se bastante com as modernas.
institucionalização de ajuda aos pobres.
Não existia nenhuma
2.) Ricos e pobres segundo Lucas
Comunidade de ricos e pobres:
Lucas enxerga a questão dos ricos e dos pobres a partir da sua comunidade. Não
parte duma visão apocalíptica, mas prática – o que é que o evangelho exige?
Lucas toma posição muita clara diante do problema dos empobrecidos. Escrevendo
para comunidades urbanas das cidades gregas, está ciente dos enormes contrastes no nível de
vida dos ricos e dos pobres, inclusive dentro das comunidades cristãs. Um contraste igualmente
chocante nas comunidades da América Latina hoje. Diante do crescimento da exclusão e do
número dos excluídos da nossa sociedade, conseqüência lógica das propostas do sistema neoliberal dominante, Lucas torna-se mais atual do que nunca. A imagem do pobre e do rico em Lc
16,19-31 - a parábola do rico e do Lázaro - pode ser verificada todos os dias em nossas cidades.
E é bom lembrar que o rico não é condenado por outro motivo a não ser o seu fechamento
diante do sofrimento alheio. A sociedade hoje facilmente tem um efeito “anestésico” sobre nós.
É possível passar todos os dias diante dos piores sofrimentos humanos, quase sem notá-los, pois
os sofredores já fazem parte da paisagem diária doas nossas cidades. Pior ainda, podemos nos
fechar em nosso mundos - colégios, paróquias, movimentos da classe média, e nem ver os
milhares de Lázaros espalhados pelas nossas cidades e nosso interior ( e não só no Nordeste!).
Como é tentador diluir as exigências do Evangelho, espiritualizando os termos “ricos” e
“pobres” para justificar a nossa omissão diante destes e a nossa opção real ( nunca teórica!)
para aqueles! Lucas não permite que nós fujamos do problema “espiritualizando-o” (os ricos
são os verdadeiros pobres espirituais!!), ou moralizando- o (tem muito pobre vagabundo e muito
rico bom). Como Paulo na Carta a Filemon e no Capítulo 11 da Primeira Carta aos Coríntios,
como Tiago na sua Carta, ele deixa clara a exigente opção pelos pobres, por ser a opção de
Jesus, coerente com a sua experiência do Pai, o Javé Libertador, aquele que a Bíblia descreve
como
quem
“viu muito bem a miséria do seu povo......ouviu o seu clamor contra os
seus opressores, conheceu os seus sofrimentos, e desceu para libertá-los
(cf. Ex 3,7-10)
Consciente da gritante desigualdade que existia no seio das comunidades cristãs
urbanas, Lucas não deixa os seus leitores escaparem das opções concretas essenciais dos
seguimento de Jesus. Vale contrastar as bem-aventuranças em Mateus com as em Lucas. Por
exemplo:
“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”( Mt 5,3)
com
“Felizes de vocês, os pobres, porque o Reino de Deus lhes pertencem....
Mas ai de vocês os ricos, porque já têm a sua consolação!”(Lc 6,20.24)
Aqui não cabe vacilação nem equívocos. Não é possível seguir Jesus sem concretizar
esta opção evangélica pelos pobres.
Não há outra saída - a Vida Cristã exige que se
concretize no seu meio esta opção. Neste mundo de pós-modernidade, que tem invadido as
nossas casas e comunidades, com os seus avanços, mas também com os seus desvios, o grito de
Lucas nos ajuda para que não assumamos a ideologia dominante, como se por osmose, mas que
olhemos o sofrimento dos marginalizados e pobres com o olhar de Jesus.
Em Atos, há ricos na comunidade: Lucas; Barnabé, Annas, Safira, Lídia, Sérgio
Paulo, Cornélio, etc.
Há pobres: o banquete (lc 14, 15-24;) O pão no Pai-nosso; etc.
3.) A solução dos Atos ao problema de ricos e pobres.
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A Comunhão:
Em Atos não aparece a palavra “pobre” – porque na comunidade não há mais
pobre. O escândalo da distância imensa entre ricos e pobres está superada pelo
estabelecimento da “comunhão’(Koinonia) . Entre os gregos existia o ideal de
comunhão de bens entre amigos. Em Qumran entre os monges. Mas nunca antes da
comunidade cristã tinha existido uma comunhão entre ricos e pobres: este é o sinal do
Reino de Cristo.
A distribuição dos bens pelos ricos:
A idéia é que toda riqueza tem raízes injustas e a distribuição da riqueza é
apenas uma compensação pelo mal que foi feito.
Em Atos o dinheiro está sempre associado à injustiça e ao pecado: Simão Mago;
os donos da adivinha; os exorcistas de Éfeso; os ourives; Mas os apóstolos não o tem.
O dinheiro é feito para ser dado aos necessitados. A riqueza é fruto da iniquidade e
deve servir para criar na comunidade cristã a verdadeira comunhão. O desapego é
material.
A salvação dos pobres:
Lucas tem promessas bem claras. Fica clara a sua mensagem no Magnificat, nas
bem-aventuranças, na sinagoga de Nazaré e nas parábolas. Resume-se tudo no parábola
do banquete (14,12-24). As promessas devem se realizar aqui na terra
b. OS ATOS NA TRANSIÇÃO ENTRE ISRAEL E A IGREJA
Lucas mostra mais interesse na marcha da palavra de Deus do que na
institucionalização dos resultados desta pregação. Trata-se antes da história da palavra
de Deus e não da história duma instituição.
Entretanto, as comunidades formam uma entidade nova que se distingue cada
vez mais do antigo Israel ainda que reivindique toda a sua herança. Doravante a Igreja
será a fidelidade ao que foi instituído na comunidade de Jerusalém pelos Doze.
I.
A HISTORICIDADE DO CRISTIANISMO SEGUNDO OS ATOS
1.) A prioridade da palavra sobre a instituição
Lucas mostra a fundação de muitas igrejas, mas não fornece muitas explicações
sobre as suas estruturas, a sua instalação ou o seu desenvolvimento. Mas, desde o início
até o fim, o mesmo tema fica desenvolvido e repetido: o tema da palavra. Atos é uma
história do testemunho dos apóstolos e não uma história da Igreja.
O crescimento da fé na palavra:
A marcha da palavra de Deus aparece em primeiro lugar de modo quantitativo:
aumenta o número das pessoas que a palavra convence e converte. O autor usa
abundantemente o vocabulário da quantidade.
O tema da palavra no centro:
Lucas interessa-se mais pela atividade de falar do que pelo conteúdo do discurso
Usa o simples termo “palavra”- o que é o mais indefinido enquanto o conteúdo.
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Usa o substantivo “ensinamento” ou até evangelho”(15,7; 20,24). Outra palavra
característica do seu vocabulário é “nome”, o que significa o poder, a força libertadora
que há em Jesus.
Mais do que os substantivos, o autor usa os verbos que exprimem a ação de falar.
Falar é realmente um ato de poder. A ato de falar diz-se pelo termo “ensinar”. A
palavra nunca é expositiva, e os missionários não são professores. A sua palavra é
anúncio e afirmação com compromisso de toda a pessoa”; é “testemunho”. Por isso
falar é “testemunhar” e os missionários são “testemunhas”.
Para sublinhar mais a forças da palavra dos missionários,. Lucas usa “audácia” ou
“falar com audácia”.
O Espírito Santo e a Palavra:
Quem se manifesta através da palavra é o Espírito Santo. As suas manifestações
mais fortes produzem uma exuberância de palavras ( 2,4.17; 4,31;19,6).
O E.S. faz as testemunhas(1,5; 1,8; 4,8; 5,32; 13,9).
O E.S conduz os missionários (829.39; 16,6s; 19,21; 20,22s; 8, 29; 10,19; 11,12;
13,2-4; 15,28; 9,17; 9,31; 11,24;13,52; 6,3.5.10;7,55).
O ES é dado aos que ouvem a palavra
A vitória da palavra sobre todos os obstáculos:
A palavra triunfou de todos os seus adversários, inimigos religiosos ou forças
naturais.
Em primeiro lugar, foram as autoridades de Israel que quiseram impedir a marcha
da palavra. Os judeus tentaram também em vão deter a palavra de Paulo.
Em segundo lugar, os inimigos que obstaculizam o testemunho e a sua marcha são
as religiões populares. Entre os adversários não figuram nem o Império, nem a filosofia
grega, mas sim as religiões populares. Em primeiro lugar havia a magia.. Paulo
encontra três vezes a idolatria no seu caminho – em Listra, Atenas, e com os ourives.
Um claro sinal da vitória do evangelho sobre a magia e a idolatria foi o que aconteceu
em Éfeso (19,18s)
Por fim, a própria natureza parece querer obstacularizar a missão: a tempestade
ameaçava a vida de Paulo e a sua chegada a Roma.
2) O advento da historicidade na obra de Lucas
Porque é que a palavra faz história? Porque nela intervém os seres humanos
com a sua diversidade e sua situação limitada no tempo e espaço. Lucas sublinha as
mediações no relacionamento entre Deus e os homens.
Nos Atos as mediações humanas são valorizadas: Paulo/ Pedro/ Os helenistas/ a
Igreja de Antioquia.
Lucas também apela para os fatores sociais e culturais: as línguas; a cidade; a
casa; o império;
Correlativamente, o papel de Jesus fica suficientemente apagado para abrir
espaço para o agir humano. Deus age sempre e não abandona os seus fiéis. Deus vem
aos homens por intermédio do seu espírito e na sua palavra.
O alcance desta história:
Lucas está convencido de que a palavra de Deus está mudando a condução
material dos homens: a pobreza vai desaparecendo e uma sociedade de comunhão está
nascendo. As barreiras de isolamento entre judeus e não-judeus estão sendo levantadas,
e um povo novo está surgindo.
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O interessante é que vai nascendo também o conceito de historia no sentido da
ação humana no mundo, ou responsabilidade da humanidade em relação ao seu futuro.
A marcha da palavra de Deus não é puro milagre, nem agir de Deus na criação sem
intermediários.
Esta história não é paralela ao mundo: pelo contrário, envolve o mundo numa
totalidade nova. Não pretende ser totalitária no sentido de dirigir a totalidade: não
pretende substituir o império romano
II.
DO SEIO DO JUDAÍSMO RUMO À IGREJA UNIVERSAL
O que é uma “Igreja” no sentido sociológico? Tem as seguintes características
- reúne massas e não elites religiosos
- transmite-se mais por forças inconscientes do que por meio de conversões
conscientes
- insiste mais nos meios objetivos de salvação
- adapta-se ao mundo
O que é uma seita no sentido sociológico?
- é uma associação de elites, de pessoas que buscam a perfeição em todos os
sentidos
- forma-se pela livre adesão de convertidos
- insiste mais na atividade do sujeito do que nos meios objetivos de salvação
- nega-se a adaptar-se ao mundo, vive em estado de tensão escatalógica,
aguardando o advento do Reino de Deus, e por isso vive separada da massa
da Igreja que julga degenerada.
De acordo com Lucas. O cristianismo nasceu como uma seita dentro do judaísmo.
1.) O verdadeiro Israel
Os cristãos aparecem como uma seita do judaísmo, dentro dele. Têm por
característica o seu escatologismo. Os cristãos separam-se dos outros judeus pela
abertura para com os gentios e pela invocação do nome de Jesus. Mas os cristãos
lucanos ainda não vêem que o nome de Jesus cria uma realidade nova. Vão ser
obrigados a vê-lo pela força das circunstâncias e dos acontecimentos.
A escatologia do judaísmo:
O Reino de Deus é ainda tema fundamental dos Atos. Começa pela preocupação
com o Reino e termina com o mesmo tema. O Reino de Deus é a restauração de Israel.
Israel é o “povo”. Nos Atos, o “povo” é o povo de Israel. Os cristãos estão dentro. O
"povo” está sempre presente, é o interlocutor constante. A entrada das nações não
prejudica a identidade de Israel. Pelo contrario, os profetas tinham anunciado a chegada
dos gentios. Por conseguinte, desde sempre, o verdadeiro Israel estava preparada para
incluir também as nações.
Tal povo de Israel está bem longe do povo concreto de Palestina ou das sobras do
antigo Estado judaico. É o Israel vivido na diáspora, sobretudo pelos prosélitos. O
“povo” de Israel de Lucas é antes de tudo o povo messiânico, o povo que espera o
Messias. A vinda de Jesus confirmou a espera messiânica e não a substituiu de modo
algum, como acontecera mais tarde na história cristã.
Este “povo” de Israel está em continuidade com o povo dos pobres de Israel de
sempre e exclui os chefes históricos. Pois Lucas divide o povo em duas classes. Por
10
um lado estão os chefes das sinagogas e os judeus influentes que expulsamos cristãos da
sinagoga. Os cristãos constituem o verdadeiro “povo “de Israel que vive a esperança da
volta do Messias.
Os perfeitos:
Os cristãos são o grupo dos perfeitos, a elite de Israel que o povo inteiro admira.
O sinal da sua perfeição é a comunhão total que existe entre eles, em primeiro lugar, a
comunhão de bens.
A adesão pessoal:
Para ser judeu basta ter nascido de pai judeu. Para ser cristão é preciso realizar
uma mudança pessoal marcada por sinais muito claros: a conversão, o batismo, a
invocação do nome de Jesus (2,38).
A expulsão das sinagogas:
O grande problema das comunidades lucanas ainda não é o “mundo”. É a
sinagoga. Essa seita do judaísmo já está tomando certas feições duma Igreja: grande
número, novos sinais de identidade, estruturação, integração relativa no mundo exterior.
Pouco a pouco o problema deixa de ser Israel e chama-se Roma e as cidades gregas.
2). Rumo a um povo novo
A palavra “Igreja”:
Nos Atos, a palavra Igreja designa geralmente, e de certo modo sempre, as
comunidades locais. No entanto, em alguns textos já se esboça a imagem duma Igreja
total, universal, envolvendo toda o conjunto das comunidades cf. 5,11 20,28.
A nova identidade:
Embora Atos ainda manifeste uma alta fidelidade ao judaísmo, a sua afirmação
de Jesus como único salvador desmente no concreto o valor do sistema judaico. Na
verdade, o judaísmo perde todo o seu valor de salvação fora de Cristo. Além disso, a
comunhão de mesa destrói o sinal pelo qual os judeus mantinham a sua identidade.
A estruturação:
Aparecem “anciãos” cuja missão é velar pela ortodoxia.
Outra estrutura está surgindo, pois Lucas exalta os Doze e faz dos Doze os
dirigentes e porta-vozes da Igreja-mãe de Jerusalém. Nasce a idéia de apostolicidade:
todas as Igrejas devem permanecer fiéis à uma tradição que vem de Jerusalém e dos
Doze.
Face ao mundo, um olhar novo:
A perspectivo (pré-Domiciano) é francamente positiva.
C. O PROJETO DE LUCAS
I.
DE QUEM PARA QUEM?
1). Identificação:
O relacionamento como judaísmo. Não conhece Palestina.
O relacionamento com o mundo grego:
11
Conhece muito bem mas contesta a religião popular
A rejeição radical do dinheiro e o apelo ao abandono dos bens mostram que o
livro procede duma classe rica e a ele se dirige.
O autor conhece muito bem a literatura grega e as instituições da sociedade civil
do sue tempo. Deve ser prosélito, muito ligado ao judaísmo. Estava profundamente
empregnado pelo judaísmo antes de se converter ao nome de Jesus.
2). Os textos
Pela sua presença nos Atos, devemos presumir que os prosélitos e as mulheres
desempenhavam papéis importantes nas Igrejas.
II.
O AUTOR
1) Há erros históricos que dificilmente se permitiriam a uma testemunha ocular
ou a um discípulo de Paulo:
2)
- Paulo não tem nada da fraqueza tão destacada nas cartas
- O problema das viagens de Paulo a Jerusalém
- Divergências sobre o Concílio de Jerusalém
3) Referente à teologia:
- Silencia-se sobre temas básicos paulinos: justificação pela fé etc.
- Não dá o título de apóstolo a Paulo
- Discurso de Atenas não pode ser de Paulo.
III.
1)
2)
3)
4)
O TEMPO DA COMPOSIÇÃO
Posterior a Lucas – depois 80
Jerusalém e o Templo são do passado
Paulo é do passado, mas ainda não tem a estruturação das Pastorais
Antes da perseguição de Domiciano
Sugerimos o fim da década dos 80 ou o começo dos 90.
IV.
A INTENÇÃO DO REDATOR
O discurso é uma obra da arte do historiador. Ele escolhe os fatos que vai
narrar. Usa as regras do gênero literário histórico em vista duma legitimação do tipo da
comunidade que defende. Lucas justifica Paulo e a tradição paulina, mostrando a
continuidade com Jerusalém e com os Doze. Ao mesmo tempo pretende mostrar aos
romanos que a fidelidade ao judaísmo não constituí nenhum perigo para as autoridades
romanas.
V.
A REDAÇÃO E AS FONTES
Como Lucas 1-2 contém a sua cristologia, assim At 1-5 expressa a sua eclesiologia
12
Nos primeiros cinco versículos temos a ligação com Lucas, bem como importantes
chaves de interpretação de Atos
INTRODUÇÃO: Atos 1,1-11
1. Resumo do Evangelho; 1,1-2
“Tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar.” Aflora a idéia de que Jesus continua
sua ação e seu ensinamento depois de ser arrebatado aos céus; Jesus ressuscitado
continua atuando e ensinado na comunidade depois da sua ascensão. O evangelho é
apenas o começo; nós vivemos a continuação.
A ação do Espírito Santo no texto pode referir-se à instrução ou à escolha dos
apóstolos (ou aos dois ao mesmo tempo).
2. Os dias da ressurreição: 1,3-5.
Os 40 dias são número simbólico, usado para designar um tempo longo de
preparação, de discernimento, de crise e de tentação. Lucas coloca os 40 dias no
começo de Atos para sugerir que também a comunidade dos apóstolos viveu este tipo de
tempo antes de começar o tempo novo de missão. Provavelmente, a crise surgiu em
torno do Reino de Deus como realidade posterior à ressurreição de Jesus.
Na exegese liberal, o simbólico-mítico é oposto ao histórico. Cremos que esta
perspectiva é falsa, pois, os símbolos e os mitos são sempre históricos, representando
situações históricas.
Aqui a comida anuncia a comensalidade como sinal da comunidade cristã. É em
torno duma mesa de refeição que a comunidade faz a experiência de Jesus ressuscitado,
na "fração de pão”. No final do Evangelho, o ato de comer expressava a corporalidade
do ressuscitado. Agora expressa a presença do ressuscitado na comunidade.
Pentecostes é o batismo no Espírito Santo, realizado por Jesus ressuscitado e
exaltado. O batismo, neste caso, não significa o rito cristão, e sim a inauguração do
tempo do Espírito, do qual todo Atos dará testemunho.
V.
II Introdução aos Atos 1,6-11
1. Estratégia de Jesus ressuscitado: 1,6-8
O grupo reunido no dia da ressurreição é um grupo galileu, composto pelos Onze,
por um grupo de mulheres, pelos irmãos de Jesus e pelos dois de Emaús.
É importante romper o imaginário segundo o qual é somente aos Onze que Jesus
aparece, que só eles são enviados e que só eles recebem o Espírito em Pentecostes. Isso
13
é longe do texto e exclui principalmente as mulheres. O texto restritivo é 1, 1-5 que foi
acrescentado quando a obra foi dividia.
1,6 continua Lc 24, 1-49 e é no contexto deste relato que surge a pergunta de 1,6.
Jesus responde em primeiro lugar afirmando que não devem procurar a data, pois
isso só compete ao Pai. Em segundo lugar diz que ele não é o sujeito da nova estratégia,
e sim o Espírito Santo. Em terceiro lugar, ele coloca que não se trata de restaurar o
Reino de Israel, mas de dar testemunho em Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins
da terra.
O ponto de chegada do projeto de Jesus no Evangelho (Lc 24) é agora o começo
dum projeto do Espírito e das testemunhas de Jesus, só que numa dimensão universal
(At 1,8)
2. Exaltação de Jesus ressuscitado (a ascensão): 1,9-11.
At 1,9-11 era o único relato da ascensão existente quando a obra era unificada.
No Jesus ressuscitado há uma continuidade e uma descontinuidade. Tal mudança é
expressa por meio da ascensão. Na ascensão, a linguagem mítica expressa a realidade
histórica da exaltação ou glorificação de Jesus. Na ascensão, Jesus não vai embora; mas
é exaltado, glorificado. A parusia não é o retorno dum Jesus ausente, e sim a
manifestação gloriosa dum Jesus que sempre esteve presente na comunidade. A
ascensão exprime a mudança operada em Jesus ressuscitado; uma nova maneira de ser,
gloriosa, glorificada, todavia, sempre histórica, pois Jesus glorificado continua vivendo
na comunidade. A igreja não nasce porque Jesus vai embora ou porque não retorna,
mas nasce justamente porque o ressuscitado não vai embora. É a presença e não a
ausência de Jesus ressuscitado o que torna possível a Igreja.
A Igreja não é fruto duma parusia frustrada, mas duma presença gozosa de Jesus,
vivida de maneira histórica. A presença de Jesus é histórica, não como presença visível
e empírica, mas como presença transcendente.
A imagem tem conotações bíblicas anteriores: a elevação de Elias (2w Rs 1-18; Eclo
48,9.12; I Mc 2,58), Enoque (Gn 5,24; Eclo 44,16; Hb 11,5), Esdras (4 Esd 14,9.49)
Baruc (Bar sir 13,3; 25,1; 43,2; 46,1.7). Os Romanos também tinha tradições de
ascensão. No mundo de Lucas, uma ascensão não era fato insólito, mas esperado
quando se tratava de pessoas importantes, revestidas duma missão salvífica.
A COMUNIDADE EM JERUSALÉM
At 1,12-5,42
(Anos 30-32)
Estrutura:
1.
2.
3.
4.
Sumário – a comunidade antes de Pentecostes 1,12-14
Narração – Constituição dos Doze: 1,15-26
Narração – Pentecostes: 2,1-41
Sumário – A comunidade depois de Pentecostes 2, 42-47
1. Sumário: A comunidade antes de Pentecostes: 1,12-14
At 1,12 e Lc 24,52 dizem que eles retornaram a Jerusalém usando o termo
sagrado Ierousalem e não a designação neutra Ierosólima. Atos usa o nome sagrado 36
vezes e o nome geográfico 23 vezes. O nome sagrado refere-se a Jerusalém como a
14
cidade santa, o lugar do Templo e da institucionalidade judaica, a outro termo é
puramente geográfico.
At 1,12 afirma que estavam distantes uma caminhada de Sábado, isto é, tal
retorno não comportava o rompimento com a Lei sabática. O grupo ainda continuava
dentro do judaísmo – ainda não podemos falar dum rompimento com o judaísmo, mas
da releitura do mesmo a partir da ressurreição de Jesus.
A surpresa no grupo e a presença dos irmãos de Jesus. Provavelmente
historicamente os três grupos (os apóstolos, as mulheres e os irmãos) tivessem teologias
e estratégias diferentes.
Na ordem dos apóstolos, Lucas substitui em Atos a ordem natural dos irmãos pela
ordem funcional de liderança.
2. Constituição dos Doze : 1,15-26
O número legal para constituir um conselho ou sinédrio que representasse Israel era
de 120.
O termo “cargo” (episcopé) é uma provável alusão à uma realidade posterior, a dos
episcopos.
Com as condições para ser apóstolo, Lucas afasta-se da noção de Paulo. Nas cartas,
o apóstolo é antes de tudo um missionário itinerante. Aqui este caráter ficou apagado.
O apóstolo é essencialmente o fundador. Foram os que receberam toda a herança de
Jesus e assim fundaram a Igreja de Jerusalém. Tinham o testemunho completo de Jesus.
Como seu testemunho deram origem e estabeleceram os fundamentos da Igreja em
Jerusalém
Porque Lucas mudou o conceito paulino de apóstolo? Foi por causa das
necessidades das suas Igrejas. Duas necessidades começaram a aparecer no tempo dele:
a necessidade da tradição e da sucessão apostólica. As comunidades são da terceira
geração. Sentem a necessidade duma definição melhor da herança de Jesus,
especialmente diante de alguns desvios (cf. Cartas Joaninas de 20 anos mais tarde). A
Igreja de Jerusalém seria a referência. O que houve em Jerusalém seria a norma.
Em segundo lugar começam a aparecer ministérios permanentes nas comunidades
(cf. a Igreja de Mateus, esp. Cap. 18). Se sente a necessidade de ter ao lado dos profetas
não institucionalizados um ministério institucionalizado, os presbíteros (cf. At 20, 1738). De onde tirar a legitimidade? Os Doze são o primeiro modelo. Em cada igreja
teria um grupo para recolher e transmitir o que foi estabelecido pelos apóstolos. A
mudança no conceito de apóstolo responde à criação de ministérios permanentes e
sedentários em cada comunidade.
Os doze apóstolos asseguram a continuidade de Israel e o projeto de Jesus de
restaurar Israel, bem como a continuidade com a primeira comunidade de Jerusalém.
Nos Atos, os Doze desempenham um papel somente na comunidade de Jerusalém dos
primeiros tempos.
3. Pentecostes: 2,1-41
É o Espirito quem constitui realmente o movimento de Jesus: a sua primeira
comunidade em Jerusalém e a missão a todos o povos.
15
Tudo que Lucas narra é histórico, mas ele constrói um relato único a partir de fatos
que possivelmente se sucederam várias vezes, em diferentes lugares, tempos e
circunstâncias.
VI.
Os fatos de Pentecostes vv. 1-13
Na narrativa podem ser distinguidos dois relatos: um mais primitivo e tradicional
nos vv. 1-14 e outro mais evoluído e redacional nos vv. 5-11. O mais antigo tem
caráter carismático e apocalíptico; o segundo é profético e missionário; já não é mais
uma questão de falar em outras línguas, mas dum evento profético; as pessoas presentes
falam em aramaico e cada um entende na sua língua nativa. O milagre não está no falar
em si, mas no ouvir (insiste-se em vv. 6.8.11)).
Temos aqui a impressão de estarmos no Templo. Provavelmente une-se aqui
dois relatos, duas tradições históricas, cada uma com sentido diferente.
Em 2,1 fala-se que todos estavam reunidos. Não se trata apenas dos Doze mas
da assembléia de 120.
Estavam reunidos como mesmo propósito (n/mesmo lugar). Esse mesmo
propósito é, com certeza, a estratégia restauradora que está implícita na escolha de
Matias. A irrupção do Espírito acontece para romper esse propósito de restauração, que
olha mais para o passado do que para o futuro.
Usa-se o símbolo do fogo – Deus acompanhou o povo no deserto numa coluna
de fogo (Ex 13,20-22). Deus desce para falar com o povo e Moisés no Sinai por meio
dum fogo (Ex 9,18). Mateus lembra que o batismo de Jesus seria no Espírito Santo e no
fogo (Mt 3,11). O Espírito Santo é o fogo da Palavra de Jesus que deve ser anunciado
pelos seus seguidores.
O batismo do Espírito é símbolo característico do movimento profético de Jesus;
já não é caso duma simples conversão pessoal, mas duma transformação da comunidade
dos discípulos em autêntica comunidade profética a fim de dar testemunho de Jesus até
os confins do mundo.
O Espírito é derramado em função de todos os povos e culturas do mundo.
Nos vv. 9-11 temos 12 povos e 3 regiões. Em primeiro lugar, Lucas distingue
nativos, habitantes e estrangeiros. Os nativos são povos do oriente, civilizações do
passado. Os habitantes estão repartidos em 3 regiões: ao leste, ao norte e ao sul e em 6
povos: ao centro, ao norte e ao sul; os estrangeiros romanos que estão em visita – entre
eles se distinguem judeus e prosélitos, os cretenses e os árabes.
Lucas combina critérios culturais, geográficos e sociais, construindo o
paradigma missionário do Espírito.
O milagre é que cada um entende na sua própria língua. Não se trata de glossalalia.
Eis porque Pentecostes é visto como a festa da inculturação do evangelho. Em
Pentecostes, cada povo conserva a sua língua e cultura. O projeto original de Deus,
recuperado em Pentecostes, é uma humanidade pluri-linguística e multicultural.
VII.
O Discurso de Pedro: vv. 14-36
Pedro na primeira parte, oferece uma reposta direta aos fatos de Pentecostes. Na
segunda parte (vv. 22-36) ele dirige-se de forma exclusiva aos “israelitas”, referindo-se
explicitamente aos judeus da Galiléia e da Judéia.
Ele muda o começo do texto de Joel – "acontecerá depois disso” para “acontecerá
nos últimos dias”.
16
As transformações cósmicas dos vv. 19s são uma linguagem típica da apocalíptica
cristã, usadas para interpretar transformações históricas do tempo presente. Pentecostes
é a manifestação fundamental deste tempo escatológico e apocalíptico, inaugurado pela
ressurreição de Jesus. Neste tempo do Espírito, todos são profetas.
Reações ao discurso de Pedro: vv. 37-41.
Pedro deu seu testemunho com plena autoridade, como o novo chefe de Israel.
A referência ao batismo talvez reflita uma prática do tempo de Lucas, quando
significava a pertença à Igreja de modo explícito, na forma duma identidade diferente da
sinagoga e da instituição judaica. A novidade agora, depois da ressurreição e exaltação
de Jesus é que os batizados recebem o dom do Espírito Santo.
4. Sumário: depois de Pentecostes (incluem-se 4,32-35 e 5, 12-16): 2,42-47
A) Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos: 2,42
Trata-se da memória histórica de Jesus.
B) Eram perseverantes na comunhão 2,4-20
Tem duas dimensões: uma subjetiva e uma objetiva. A primeira é expressa pelas
palavras de 4,32, ou seja, construíram um só corpo, coração e alma. A segunda é mais
complexa e pode ser resumido em 3 realidades fundamentais:
- Haviam tudo em comum: comunhão de bens
- Tudo era repartido segundo as necessidades
- Não havia necessitados entre eles. Este é o elemento mais importante. Lucas não
quer comunhão somente “espiritual”, mas também econômica. É ilusório para
Lucas uma comunidade na qual uns poucos se banqueteiam e outros passam fome
etc. A comunhão eclesial é antes de tudo, uma comunhão material e corporal.
C) Eram perseverantes na fração do pão e na oração: 2,42
Entende-se a eucaristia. Tratava-se duma refeição com Jesus ressuscitado, e pela
qual se participava da comunhão com o corpo e sangue de Cristo e se celebrava a
chegada do Reino.
A didaché, a koinonia e a eucaristia são os três atividades elementares da
comunidade depois de Pentecostes.
Nos três sumários, detecta-se a atividade pública do apóstolos, cujo espaço principal
é o Templo.
D) Os apóstolos realizavam muitos prodígios: 2,43
Trata-se duma ação libertadora em vista da construção do Reino de Deus.
O importante aqui não é o caráter miraculoso da prática dos apóstolos, mas o poder
do Cristo ressuscitado e do Espírito, revelado pela sua prática. Se Cristo ressuscitou, a
prática das comunidades cristãs deve ser uma prática poderosa e libertadora, com sinais
e prodígios, na construção do Reino de Deus aqui na terra.
17
II. Manifestação da comunidade em Jerusalém: 3,1-4,31
Estrutura:
A) Cura dum aleijado: 3,1-10
B) Anúncio da ressurreição de Jesus: 3,11-26
C) Repressão pelas autoridades do templo: 4,1-22
D) Reunião da comunidade: 4,23-31
A força deste relato encontra-se na sua totalidade. Não devemos separar.
1. Cura dum aleijado: 3,1-10
O aleijado representa também o povo de Israel, que se tornou aleijado por causa da
prática da Lei e por causa do Templo. A libertação do aleijado é uma verdadeira
ressurreição.
2. O discurso de Pedro: 3,11-26.
A prática do Pedro precede o seu discurso.
3. Repressão pelas autoridades do Templo e testemunho do Pedro: 4,1-22
Rejeitam a pregação da ressurreição. Aqui não se trata dum problema somente
teológico, mas dum tema profético e apocalíptico popular, cuja idéia fundamental era a
reconstrução da esperança do povo.
4. Reunião da comunidade
Temos aqui, provavelmente, o mais antigo testemunho relativo à uma reunião
litúrgica da comunidade cristã. A idéia central é a pregação da Palavra e não tanto a
didaché, a koinonia e a eucaristia como em 2,42.
A estrutura:
-
Reunião e análise do fato: v.23
Oração: v.24 (mas continua durante toda a reunião)
Leitura da Palavra de Deus : vv. 25-26
Comentário (em comunidade e em oração) da Palavra: vv. 27-28
Oração de petição: pregar a Palavra com coragem e poder: vv. 29-30
Experiência comunitária do Espírito Santo : v 31a
Ação – Pregam com coragem: v. 31b
Pentecostes não foi um fato isolado mas foi vivido no começo ( 2,1-13), aqui na
comunidade missionária, e será renovado na casa de Cornélio (10,44-46)
III. Consolidação da Comunidade 4,32-5,16
Estrutura:
A) Sumário: 4,32-35
B) Narração: Barnabé: 4,36-37
18
C) Narração: Ananaias e Safira : 5,1-11
D) Sumário: 5,12-16
1. Sumário inicial: 4,32-35
Neste momento o relato nos conduz à nova seção, dedicada à consolidação interna
da comunidade.
Há duas novidades importantes em 4,34-35: “Não havia necessitados..” e “o
dinheiro foi colocado aos pés dos apóstolos”. Essas duas expressões revelam ma
comunidade com uma organização interna mais desenvolvida. Colocar algo aos pés de
alguém significava reconhecer a autoridade dessa pessoa, a quem é encomendada a
administração de alguma coisa. É repetida 3 vezes: 4,35.37 e 5,2. É a administração da
koinonia.
2. O relato a respeito de Barnabé: 4, 36-37
Trata-se dum rompimento com o passado. Barnabé, ao vender o seu campo em
Jerusalém, rompe com a institucionalidade judaica e entra na nova comunidade
missionária e do Espírito, dirigida pelos apóstolos.
3. Ananias e Safira: 5,1-11.
A venda de bens não era obrigatória; também não era a entrega de todo o dinheiro
aos apóstolos.
No v. 11 aparece pela primeira vez em Atos a palavra “Igreja”.
4. O que significa esse relato de Barnabé, Ananias e Safira?
Apresentando primeiro Barnabé e depois Ananias, Lucas está introduzindo
veladamente o leitor ao conflito posterior entre hebreus e helenistas. Enquanto Barnabé
rompe, os dois querem participar da comunidade nova, todavia mantendo sua posição
tradicional no interior da institucionalidade judaica. Essa será a atitude dos hebreus, os
quais, embora sendo discípulos de Jesus, continuam ligados ao judaísmo.
Talvez haja um referência a Acã em Js 7, 1-26. O verbo em ambas as passagens
é a mesma “reter para si”(nosphizo).
O relato em 4,32-5,16 apresenta o projeto da primeira comunidade em ruptura
com a institucionalidade judaica do Templo e da Lei. É por isso que parece em 5,11 o
termo “igreja”. Lucas agora identifica a comunidade apostólica como Igreja,
assembléia diferente e distinta da assembléia do Templo.
No texto de Ananias e Safira não há julgamento nem condenação por parte do
Pedro.
Mas o elemento econômico define a identidade religiosa institucional: o
Templo ou a comunidade cristã. A força do pecado atua especialmente no âmbito
econômico-religioso, levando à morte. Quem impõe o regime de terror não é Pedro,
mas o dinheiro com suas opções religiosas.
O pecado da Safira não se encontra no ambiente econômico, e sim na forma de
viver o casamento. O que matou Safira foi um matrimônio patriarcal, que a submete às
intenções do marido. O casamento dos dois representa aqui a velha comunidade
patriarcal da lei e do Templo, com a qual o movimento de Jesus rompeu. Os jovens
19
representam a comunidade do futuro, que os dois não queriam aceitar por causa do seu
apego à velha institucionalidade do Templo e da Lei. No NT, aqueles que não aceitam o
projeto de Jesus também morrem, pois abraçam um projeto de morte.
III.
Reconhecimento da comunidade: 5,17-41
Estrutura:
A)
Prisão e libertação dos apóstolos: 5,17-21a
B) Convocação d Sinédrio e testemunho dos apóstolos : 5,21b-33
C) Intervenção de Gamaliel e acordo : 5,3-39
D) Repressão dos apóstolos e libertação : 5,40-41
1. Prisão e libertação
Agora são todos os apóstolos que sofrem o ataque, executado por um poder mais
individualizado: o sumo sacerdote o os saduceus.
Em Atos temos 3 relatos de cárcere: neste texto (apóstolos), cap. 12 (Pedro) e 16
(Paulo).
2. Convocação do Sinédrio e testemunho dos apóstolos: 5,21b-33
Os apóstolos apoderam-se do Templo não como local de culto, mas do ensinamento
ao povo de Israel.
As frases dirigidas ao Suma sacerdote contêm duas conotações: o sumo
sacerdote e os saduceus já não mais representam a vontade de Deus. A obediência a
Deus implica em desobediência à autoridades do Templo. Além disso, para obedecer a
Deus e não a eles, os apóstolos receberam o Espírito Santo.
3. Intervenção de Gamaliel: 5,34-39
É possível que os apóstolos tenham resistido ao sumo sacerdote e aos saduceus com
o apoio dos fariseus, tendo Gamaliel à frente. Isso explicaria o que Lucas conta em At
15,5. A defesa de Gamaliel permitiu que eles prosseguissem seu ensinamento em
Jerusalém. Muitos judeus acreditavam, cuja fé não era muito diferente dos fariseus. Os
Doze pertenciam ao grupo que Lucas denomina Hebreus.
4. Repressão dos apóstolos e libertação 5, 40-41
5.
Sumário conclusivo: 5,42
A Comunidade dos Helenistas e o Início da Missão fora de Jerusalém
At 6,1-15,35
(Anos 32-48)
ESTRUTURA:
A) Os Atos dos Helenistas: 6, 1-8.40
B) Os Atos de Saulo: 9, 1-31
C) Os Atos de Pedro: 9, 32-11,18
D) Os Atos dos Helenistas: 11,19-32
E) Os Atos de Pedro: 12,1-25
20
F) Os Atos dos helenistas: 13,1-14,28 (Missão da Igreja de Antioquia)
G) Os Atos dos Helenistas: 15,1035 ( A assembléia e Jerusalém confirma a Igreja de
Antioquia)
Interpretação global de 6,1-15,35
Quase sempre se apresenta Atos como se fosse Atos de Pedro e Paulo. Assim os
Helenistas desaparecem. Tal visão distorce a intenção de Lucas. 13,1-14,28 não
corresponde à primeira viagem de Paulo mas à missão da Igreja em Antioquia, da qual
Paulo e Barnabé participam como enviados da Igreja, fundada pelos Helenistas. At 6,
1-15,35 é uma seção com identidade própria, dedicada à escolha, missão e legitimação
dos Helenistas
Lucas capricha em unir esta parte: 8, 1b está unido a 8,4 e esta unido a 11,19,o
que introduz a evangelização dos gregos, feita pelo restante do grupos dos Helenistas
(11,19-20). O verbo “dia-speiro” aparece somente nessas três passagens.
É importante ler primeiro os Atos dos Helenistas como um conjunto unitário, a
fim de perceber a coerência literária e teológica dessa seção, a qual começa com uma
assembléia em Jerusalém e termina com outra, que confirma a posição teológica da
Igreja em Antioquia.
I.
Os Atos dos Helenistas
1. Formação do grupo dos Sete; Atos de Estêvão e Felipe: 6, 1-8,40
Estrutura:
A)
B)
C)
D)
Assembléia em Jerusalém – escolha dos sete : 6, 1-7
Atos de Estêvão: 6,8- 7,60
Dispersão dos Helenistas: 8, 1-4
Atos de Filipe: 8,5-40
3.) 6, 1-7
Os Helenistas, conforme Lucas, configuravam um grupo profético, crítico em
relação à Lei e ao Templo. Eles representam, neste momento, a maior expressão do
movimento de Jesus, como movimento do Espírito e missionário.
O grupo dos hebreus, é formado por judeus cristãos da língua aramaico e de cultura
tradicional hebraico.
O problema – com as viúvas dos Helenistas somente – não é de falta de
servidores das mesas, mas duma discriminação dos Helenistas. A razão não seria no
preconceito cultural – mais provavelmente pode ter sido problema de pureza ritual.
Entre as viúvas helenistas havia viúvas de prosélitos, e as outras participavam com elas
nas refeições comuns. Todas elas deviam ser tidas por impuras aos olhos da Lei.
Entende-se que os hebreus tenham tido muita repugnância em aceitar às mesas as viúvas
impuras, ou a servi-las ou a participar em qualquer coisa com elas, inclusive a fração do
pão.
Os Sete Helenistas tinham sido escolhidos realmente para servir às mesas; mas,
em pouco tempo, essa diakonia das mesas havia projetado além dessa tarefa concreta:
para o serviço profético da Palavra. O que provavelmente aconteceu de forma
progressiva aparece como duma ação simultânea. Podemos dizer que os Sete
21
descobriram sua vocação profética a partir do serviço quotidiano aos mais pobres da
comunidade.
O aumento dos discípulos em 6,1, provocada pela nova conjuntura criada por
Gamaliel, seria especialmente o aumento no grupo dos hebreus. Isso teria conduzido
primeiro a uma marginalização e mais tarde a uma discriminação do grupo profético e
missionário dos Helenistas.
Os Sete são escolhidos sobretudo para dar aos Helenistas uma organização própria,
que lhes possibilite afirmar-se como grupo. Para Lucas, assim está sendo salvo o
movimento de Jesus como movimento do Espírito e movimento missionário.
Em nenhum momento se diz que os sete são diakonos (usa-se o verbo diakonein e o
substantivo diakonia).
Os apóstolos impõe as mãos sobre eles, simbolizando a entrega do Espírito a fim de
que eles compartilhem a missão de conduzir a Igreja; os Doze em Jerusalém, e os Sete
no compromisso, primeiro com os pobres na diakonia diária, mas logo depois no
movimento profético e missionário fora de Jerusalém. O crescimento do grupo dos
hebreus assegurava a continuidade de Israel; do novo grupo helenista a missão entre
samaritanos e gentios.
4.) Atos de Estêvão 6,8-7,60
Lucas insiste sempre na necessidade de testemunho e de que nós não nos
preocupemos em fazer nossa apologia (Lc 12,11-2;21,12-15 – devemos ler p/ entender o
testemunho nos Atos).
O longo discurso de Estêvão é uma composição lucana, mas busca reconstruir
fielmente a teologia profética dos Helenistas.
5.) Dispersão dos Helenistas: 8,1-4
A perseguição é somente contra os Helenistas.
6.) Atos de Filipe: 8, 5-40
Na evangelização imponente de Filipe em Samaria ainda não havia Espírito Santo.
Fracassou com Simão Mago. Por isso, Lucas narra o segundo momento : 8, 26-40.
7.) Primeiro relato intercalado: os Atos de Paulo 9, 1-31
Estrutura:
i) Persegue a Igreja: vv. 1-2;
ii) Encontro com Jesus no caminho –resistência de Saulo: vv. 3-9;
iii) Encontro com Ananias – conversão de Saulo: vv. 10-19a;
iv)
Atividade missionário de Paulo e perseguição vv. 19b-30
- Missão em Damasco: vv. 19b-22
- Perseguição e fuga de Damasco: vv. 23-25
- Missão em Jerusalém: vv. 26-28
- Perseguição em Jerusalém – fuga p/Cesaréia e Tarso vv. 29-30;
v) Sumário: v 31
i)
vv. 1-2
22
Saulo pretende levar amarrado os discípulos para Ierousalem (nome sagrado);
quer reintegrar o movimento de Jesus à institucionalidade judaica. Em 8,1 informa-se
que a Igreja vive em Ierosólima, pois a Igreja perseguida (dos Helenistas) não está
integrada na instituição judaica e por isso é perseguida.
ii) vv. 3-9
iii) vv. 10-19a
Não se trata propriamente duma conversão de Paulo, mas dum encontroconhecimento-revelação que o fez descobrir a justiça de Deus uma forma diferente da
que ele procurava antes.
iv) vv. 19b- 30
Hipótese: talvez Paulo teve a sua experiência no ano 35 e fez a sua primeira
visita a Jerusalém, depois de três anos na Arábia e Damasco, em 38. De 38 ao 48,
depois de ficar algum tempo em Tarso, ele passou a integrar a Igreja de Antioquia,
fundada pelos Helenistas.
v) v. 31
A) Segundo relato intercalado: Os Atos de Pedro: 9,32-11,18
Estrutura:
i)
Pedro visita diferentes comunidades judeu-cristãos: 9,32-43
ii)
Conversão de Cornélio e a sua casa : 10,1-48
iii)
Pedro se justifica em Jerusalém: 11,1-18
i)
9, 32-43
As três pessoas, Enéas, Tabita e Simão têm uma dimensão simbólica.
Representam as comunidades judeu-cristãs – um duma comunidade paralisada, outra
duma piedosa que adoece e morre e outro uma comunidade marginalizada pelo
judaísmo oficial
ii)
-
-
10, 1-48
vv. 1-8
vv. 9-16
vv. 17-23: Há um elemento novo na ordem do anjo: Pedro deve ir à casa de
Cornélio para ser ouvido. Lucas quer chamar a atenção sobre o discurso de
Pedro
vv. 24-48: A narrativa tem três momentos: o encontro de Pedro com Cornélio, o
discurso de Pedro e a irrupção do Espírito. O discurso de Pedro é um belo
resumo do querigma apostólico primitivo, um Evangelho completo antes dos
quatro escritos.
iii)
Pedro se explica em Jerusalém : 11,1-18
Devia ter dois grupos em Jerusalém- um mais moderado, um mais radical. Os
primeiros se encontram na Judéia, os outros localizam se “en Ierousalem” (nome
sagrado), o que indica que eles ainda estão dentro da institucionalidade judaica.
A reprovação dos da circuncisão não é motivado pelo fato de Pedro ter batizado
gentios, mas por ter entrado na sua casa e comido com eles.
23
Nos Atos de Pedro não temos somente a conversão de Cornélio e da sua casa
mas de Pedro e da Igreja judeu-cristã de Jerusalém. A missão exige mudanças
estruturais na Igreja.
A) Relato intercalado sobre os Atos de Pedro: 12, 1-25
a) Morte de Tiago: vv. 1-2
Agora a perseguição é dirigida aos hebreus e Tiago, filho de Zebedeu, e a primeira
vítima.
A entrada dos gentios pode ter inflamado o povo de Jerusalém, que já começava a
simpatizar com os movimentos messiânicos nacionalistas.
b) Prisão e libertação de Pedro: vv. 3-17
Essa narração deve ser lida à luz do Êxodo e da Páscoa de Jesus.
Na casa de Maria, temos o testemunho duma pequena comunidade cristã, reunida
numa casa, dirigida por uma mulher. Deve ser helenista, pois João tem um segundo
nome grego, típico dos helenistas.
A reação de Rode faz lembrar as reações diante da ressurreição. Todo o relato é
pascal. É a comunidade cristã perseguida quem neste dia de Páscoa, experimenta a ação
libertadora de Cristo ressuscitado e a “ressurreição” de Pedro
c) Morte de Herodes: vv. 18-23
d) Sumário e conclusão: vv. 24-25
Nesses sumários Lucas expressa a sua intenção ao escrever Atos: o crescimento e o
fortalecimento da Palavra de Deus. Não está escrevendo a história da Igreja, mas da
Palavra.
2. Atos dos Helenistas: 13, 1-14,28 – Missão da Igreja de Antioquia
Estrutura:
A) Assembléia em Antioquia e revelação do Espírito: 13,1-3
B) Missão em Chipre – Salamina e Pafos: 13, 4-12
C) Missão em Antioquia de Pisídia: 13, 13-52 (relato central)
D) Missão em Icônio, Listra., Derbe e retorno : 14,1-25;
E) Assembléia em Antioquia e o relato dos apóstolos: 14,26-28
A) A Igreja de Antioquia: 13, 1-3; 14, 26-28;
Havia profetas e mestres – não se fala de presbíteros como em Jerusalém (15,2). Até
agora temos 3 grupos distintos: o dos Doze, líderes da comunidade dos hebreus em
Jerusalém; o dos Sete helenistas, encabeçando a igreja missionária dos helenistas; e
agora dos cinco profetas e mestres, presidindo a igreja de Antioquia, O que vai
estruturando as comunidades é o movimento missionário do Espírito Santo e o
crescimento da Palavra de Deus.
A conversão dos gentios é mostrada como a vontade expressa do Espírito Santo.
A comunidade reza e manda os enviados – o Espírito coordena diretamente a missão
dos helenistas de Antioquia.
b) Missão em Chipre: 13,4-12
Começam na sinagoga procurando os tementes a Deus. Também é provável que
Barnabé e Saulo procurassem converter um bom número de judeus a fim de tornar
possível a conversão dos gentios. Outra possibilidade é que ainda não tinham
24
compreendido a vontade do Espírito segundo a qual deveriam dirigir-se aos gentios
diretamente.
Na briga com Elimas, Paulo está condenando aquele judaísmo falso, que separa
os gentios da conversão e com o qual ele mesmo se identificava antes da sua conversão.
Por isso Saulo o deixa cego, como ele ficou no caminho no encontro com Cristo. Mas
só por um tempo, pois espera a conversão.
Sérgio Paulo acredita, “impressionado pela doutrina do Senhor”- não por
milagres.
c) Missão em Antioquia de Pisídia: 13, 13-52
Esta é a parte central do relato, que adquire um caráter simbólico e
paradigmático.
A grande novidade em Antioquia de Pisídia não está na mudança de estratégia
de Paulo, mas no fato de que ele se volta para os gentios depois que os judeus rejeitam o
evangelho.
Paulo é perseguido pela elite da cidade. A pregação da Palavra aos gentios deve
ter uma conotação social de opção pelos mais desprezados da cidade.
A missão direcionada aos gentios, sem que esteja subordinada à conversão dos
judeus, representa para Lucas a vontade do Espírito Santo.
e) Missão em Icônio, Listra, Derbe e retorno: 14,1-25;
Em Listra estamos num contexto totalmente gentio.
A ação mortal contra Paulo e a sua recuperação, acompanhada pelos sues discípulos,
representa a morte e ressurreição de Paulo.
Na volta, nomeia presbíteros para as igrejas domésticas. Lucas aqui provavelmente
está projetando no passado estruturas posteriores, pertencentes à sua própria época.
3. Os Atos dos Helenistas – A assembléia de Jerusalém confirma a comunidade de
Antioquia: 15, 1-35.
Estrutura:
A) Antecedentes: vv. 1-5
B) Assembléia na qual Pedro fala: vv. 6-12
C) Assembléia na qual fala Tiago: vv. 13-21
D) Acordos e reações : vv. 22-35
A) vv. 1-5:
B) vv. 6-12:
Notemos duas frases importantes:
- Deus comunicou o Espírito Santo aos gentios como a nós
- Nós nos salvamos pela graça do mesmo modo que eles
Na primeira frase, o paradigma referencial é o primeiro Pentecostes em
Jerusalém, sobre os Doze e quem estava com eles. Os da casa de Cornélio receberam o
Espírito segundo este paradigma. Na segunda frase, o paradigma referencial é a
salvação dos gentios. Os gentios que acreditam em Cristo salvam-se segundo este
paradigma. Não se deve impor o jugo da Lei sobre nenhum discípulo de Jesus, nem
gentio nem judeu.
Aqui Pedro alcança a total identificação com o Espírito – e por isso não aparece
mais no livro.
25
C) vv. 13-21
Tiago, pelo contrário, subordina a salvação dos gentios à restauração de Israel.
A solução de Tiago é razoável. Mas tem a desvantagem de misturar a situação dos
gentios convertidos que se integraram à Igreja, com os dos estrangeiros vivendo no
meio dos judeus. Ou seja, a Igreja continua sendo considerada como uma Igreja judeucristã, na qual vivem alguns convertidos. Em Pedro, o ponto de referência principal é a
comunidade dos gentios convertidos. Para Tiago, porém, é a comunidade dos judeucristãos.
D) vv. 22-25
Trata-se duma solução de compromisso – cada parte cedeu algo.
Historicamente, o decreto não fazia parte das decisões da assembléia de
Jerusalém. Foi acrescentado mais tarde. I Cor 8 mostra que Paulo não ensina a observar
este decreto. É provável que ele fosse emitido por Tiago. Procurou o apoio de Pedro
que estava em Antioquia. Mandou então emissários para ganhar o apoio de Pedro, que
aceitou o decreto. Mas Paulo não o aceitou. Provavelmente, Paulo perdeu o argumento
– e por isso deixou Antioquia. A Igreja lá deve ter aceitado o decreto e ele entrou na
tradição oral (eventualmente escrita) de Antioquia, onde Lucas o encontrou. E arte
provável que o motivo verdadeiro da rixa entre Paulo e Barnabé era por causa do
decreto – aceito por Barnabé, rejeitado por Paulo.
DE ANTIOQUIA A ROMA:
At 15,36-28,31
Anos 48-60
I.
As viagens missionárias de Paulo: 15,36-19,20 (Anos 480-55)
1) Paulo descobre a vontade do Espírito
A) Ruptura entre Paulo e Barnabé: 15, 36-40:
Esta vez não saiu da comunidade de Antioquia a decisão para a nova viagem de
Paulo e Barnabé. Foi Paulo quem tomou a iniciativa. Paulo sentiu-se confirmado pela
assembléia de Jerusalém. Não precisava mais de empurrão por causa da comunidade.
Uma comparação com Gal 2, 10-14 mostra que o conflito com Barnabé foi profundo
e provavelmente incluiu também um conflito com a comunidade de Antioquia. O
conflito com Barnabé relacionou-se com a comunidade de mesa entre judeus e gentios.
Paulo entendeu a assembléia de Jerusalém no sentido duma comunidade de mesa sem
restrição. Parece que não conseguiu convencer nem Pedro, nem Barnabé nem a Igreja
de Antioquia. Podemos supor que o desacordo surgiu a propósito de algum sistema de
restrições que se queria impor aos gentios. Podia ter sido um sistema semelhante ao
decreto apostólico.
Porque o conflito polarizou-se em torno de Marcos? Provavelmente ele tinha
abandonado os missionários (13,13) por não concordar com a maneira com que Paulo e
Barnabé se dirigiam aos pagãos. Esta vez, Barnabé insiste que ele os acompanhe, não
por motivos de amizade, mas porque ele seria uma garantia para os cristãos de
Jerusalém da tendência que prevaleceu em Antioquia, que impunha algumas restrições
sobre os pagãos. Paulo viu claramente que a função de Marcos seria como fiscal
encarregado de transmitir à Antioquia informações sobre os métodos missionários
usados por ele. Sentiu que Marcos limitaria a sua liberdade missionária. Aceitar
26
Marcos seria desviar da autenticidade da missão às nações. Barnabé queria Marcos
justamente para reforçar a outra interpretação. Não havia conciliação possível, e Paulo
iniciou a sua missão por conta própria Nunca mais se sentiu à vontade em Antioquia.
Segundo certas hipóteses, Antioquia encontrou mais tarde a sua expressão no Evangelho
de Mateus e a teologia paulina nas suas comunidades.
B)Paulo escolha e circuncida Timóteo ( 16, 1-3)
O mais importante nessa circuncisão de Timóteo é que, neste momento histórico,
revela-se a intenção estratégica de Paulo de trabalhar seriamente com os judeus.
C)Paulo, em seu percurso, consolida as Igrejas: 15,41; 16,4-5
Paulo aparece lutando com o Espírito, diretamente e em visões noturnas. Paulo
ainda desconhece o projeto de Deus que é levar a Palavra à Europa. O Espírito corta
todos os caminhos e obriga Paulo a caminhar para a Grécia. Lucas insiste que as
fundações na Grécia não foram iniciativas de Paulo, mas imposição de Deus.
2) Missão na cidade de Filipos ( 16, 11-40)
A) Paulo chega a Filipos.(vv. 11-12)
A capital da província era Tessalônica. Mas Filipos tinha a sua importância por ter
se tornado colônia romana em 42 a.C.
B) Conversão de Lídia e de toda a sua casa: (vv. 13-15)
C) Paulo enfrenta o espírito pitônico numa jovem escrava (vv. 16-18)
Temos aqui mais um case duma confrontação entre o Evangelho e a religião popular
helenista. Para os cristãos daquela época, essa religião popular era demoníaca e
utilizada para ganhar lucros. Mas tem base – pois a situação da escrava subordinada
totalmente aos seus amos e ao exercício que fazia dela um objeto mas mãos de forças
obscuras revela que a sociedade está sob o reino dum demônio.
Porque Paulo ficou aborrecido? Provavelmente porque ela chamava atenção
sobre as pessoas deles. A religião popular tenda a sacralizar os mediadores,
missionários etc.
Normalmente milagres suscitam admiração – mas aqui é o contrário. Para os amos
somente vale a exploração econômica das forças religiosas.
D) Conflito entre Paulo e as autoridades (vv. 19-24)
Os costumes denunciados não são as leis judaicas, mas a própria prática dos
cristãos, tanto no contexto histórico de Paulo quanto de Lucas. Paulo anuncia o
Evangelho e entra em conflito com uma religião explorada como negócio. É evidente
que a prática cristã perturbava a cidade, pois os romanos não a podiam aceitar e muito
menos aplicar. Aflora portanto a contradição entre o Evangelho cristão e o Império
Romano.
E) Libertação de Paulo e Silas (vv. 25-28)
Na história do terremoto, trata-se muito mais duma intervenção divina, que faz
estremecerem os próprios fundamentos do sistema de opressão, rompendo todas as
correntes. É a oração dos mártires, Paulo e Silas, que provoca a intervenção de Deus.
F) Conversão do carcereiro e dos da sua casa (vv. 29-34)
27
É interessante notar o caminho de salvação seguido por eles: fé no Senhor Jesus –
escuta da Palavra do Senhor – Batismo – Eucaristia – alegria.
G) Inocência de Paulo e Silas – Saída de Filipos ( vv. 35-39).
H) Visita à casa da Lídia ( v. 40)
3) Missão na cidade de Tessalônica: 17, 1-9
A) Trabalho Missionário: vv. 1-4
B) Conflito com as autoridades: vv. 5-8
A acusação refere-se a três espaços físicos: o mundo (oikumene), a cidade e a casa
de Jasão. Vai do universal ao particular. A referência à casa de Jasão significava que a
“revolução mundial” já possui na cidade uma comunidade estabelecida.
4. Missão de Paulo e Silas em Beréia: 17, 10-15
5. Paulo em Antenas: 17, 16-34
Atenas, no tempo de Paulo, não tinha quase nenhum significado econômico ou
político; era, isto sim, um símbolo da cultura e da filosofia grega dominantes.
Os epicureus são assim chamados por causa do seu fundador Epicuro ( 341-270).
Trata-se duma filosofia predominantemente materialista. Os deuses não existiam, ou
estavam tão distantes do mundo, que nele não exerciam influência. Na ética,
acentuavam o prazer (hedoné) e a tranqüilidade (ataraxia), livre de preocupações,
paixões ou temores supersticiosos. Os estóicos tem a sua origem em Zenon (340-265).
Insistiam na razão como princípio estrutural do universo. Tinham uma concepção
panteísta de Deus como a alma do mundo, e sua ética valorizava sobretudo a autosuficiência (autárqueia) e o sentido do viver.
A) Atividade de Paulo na cidade : vv. 16-21
A idolatria não era um problema puramente teológico ou espiritual, mas a dimensão
espiritual duma situação econômica e social e política que era injusta, opressora e
criminosa ( cf. Ef 6, 10-120 e Ap).
O fato de Paulo debater com os filósofos nos indica que ele não iria combater a
idolatria em sua versão popular (com fez em Lista 14, 8-18),mas em sua expressão
filosófica, junto às elites dominantes. Eles entendem que ele prega duas divindades:
Jesus e a “Anástasis”. A Ressurreição, tomada aqui como nome duma divindade
feminina.
B) Discurso de Paulo no Areópago: vv. 21-31
Em vv. 30-31, Paulo passa à parte argumentativa, na qual ele põe em confronto
direto os filósofos e o Evangelho. Temos aqui três idéias fundamentais: o anúncio da
conversão, o julgamento do mundo segundo a justiça, e a ressurreição de Jesus como
garantia.
A ignorância é uma ignorância moral: a pessoa humana fechou-se para Deus, opôsse a Deus, não respondendo aos objetivos para os quais foi criada. A ignorância, aqui é
o pecado.
O Dia de Javé, no At, é agora o dia de Jesus, que e o dia no qual Paulo está agora
anunciando o Evangelho como julgamento. A ressurreição é a garantia de que o
julgamento do mundo será justo
28
C)
Reação do auditório ao discurso do Paulo: vv. 32-34
6. Missão na cidade de Corinto: 18, 1-18
A) Paulo chega a Corinto : vv. 1-4
Paulo ficou por um ano e meio, de Dezembro de 50 até Junho de 52.
B) Missão de Paulo, Silas e Timóteo em Corinto: vv. 5-11
C) Pulo diante de Galião: vv. 12-18a
7. Missão de Paulo Em Éfeso: 18, 18b-19,20
A)
Paulo embarca rumo à Síria: vv. 18b-23a
Sempre que Paulo empreende uma missão importante, ele decide passar antes por
Jerusalém. A missão aos gentios deve sempre ser discutida e aprovada pela igreja
judeu-cristã lá. A missão aos gentios, guiada pela verdade do Evangelho, não deve
por em perigo a unidade da Igreja.
B) Paulo percorre as regiões de Galácia e Frígia : 18, 23
C) Apolo em Éfeso e Acaia: 18, 24-28
Lucas o chama de judeu no sentido étnico, não religioso do termo.
Aqui temos o reflexo duma situação histórica muito relevante para as origens do
cristianismo. Em Alexandria, Apolo se converte. Isso significa que o cristianismo já
havia chegado a Alexandria no mínimo em torno dos anos 50. Lá talvez houvesse um
cristianismo, não inferior, mas diferente. Era conhecida com exatidão a tradição de
Jesus e havia sido feita a experiência do Espírito Santo, mesmo que fosse conhecido
somente o batismo de João. Lembremos que o batismo cristão, nos quatro evangelhos,
é menciona somente em Mt 28, 19. Priscila não corrige a sua tradição, mas o coloca em
contato com uma outra. Apolo, não é batizado outro vez em nome do Senhor Jesus.
Provavelmente porque já tinha o Espirito Santo.
D) Missão de Paulo em Éfeso: 19, 1-20
a) Paulo chega a Éfeso: v.1
b) Paulo e os doze discípulos em Éfeso: vv. 1-7
Nos Sinóticos, João Batista não pede fé em Jesus, o que representaria mais a
tradição do Quarto Evangelho, mas anuncia que Jesus traz o Espírito. A frase de
Paulo deve ser entendida assim: João ensinava ao povo que “acreditassem em
Jesus, pois é ele quem iria batizá-los no Espírito Santo”.
c) Ministério de Paulo em Éfeso: vv.8-10
O conteúdo da sua pregação é o Reino de Deus. Ele rompe com a sinagoga e
forma à parte um grupo com os discípulos, ensinando-os na escola de Tiranos.
Uma variante textual fala das onze até à quatro (o horário do descanso, quando a
escola ficava disponível). Há um contraste intencional entre os três meses na
sinagoga e os dois anos na escola profana de Tiranos. A ruptura com a sinagoga
foi positiva, pois permitia a expansão da pregação do Evangelho para além do
mundo judaico e para além do capital.
d) Paulo faz milagres e derrota os magos: 19, 11-19
Lucas quer mostrar a diferença entre a atividade libertadora de Paulo e a dos
exorcistas da cidade, sejam judeus ou pagãos. Os maus espíritos representam,
nessa passagem, as forças idolátricas e destrutivas do sistema greco-romano
(como acorre na tradição apocalíptica). Só os discípulos de Jesus, pela pregação
29
do Evangelho, podem derrotar essas forças idolátricas e destruidoras, libertando
suas vítimas.
E) Conclusão: v. 20
É importante destacar que é a Palavra do Senhor que cresce e se fortalece. O
fortalecimento da Palavra é o objetivo da missão de Paulo, e não o fortalecimento duma
estrutura eclesial. Paulo garante a Palavra. E é ela que tem poder para construir o
edifício, isto é, as Igrejas.
II.
1.
Subida a Jerusalém e viagem a Roma: 19,21 – 28, 31
Subida de Paulo a Jerusalém: 19, 21-21, 15
A) Paulo toma a decisão de ir a Jerusalém e Roma: 19, 21-22
Paulo toma a decisão de ir a Jerusalém, sabendo que é a vontade de Deus que ele vá
a Roma. O que segue agora, até o final do livro, não é mais a missão de Paulo, mas a
sua “paixão, morte e ressurreição”. Não se trata mais duma viagem missionária, mas
dum mártir.
Em seu plano, Roma não é um ponto de chagada, mas apenas o ponto de partida do
seu novo projeto de evangelização, da parte ocidental do Império. A Espanha era “o
fim da terra”.
A mudança mais notável em At é que Lucas omite a coleta, a qual, segundo as
cartas, representa o grande e único motivo de Paulo para dirigir-se a Jerusalém. O
motivo dessa omissão, provavelmente, é o fracasso histórico de Paulo em Jerusalém,
sobretudo em relação à sua coleta, destinada aos santos daquela comunidade.
B) A revolta dos ourives em Éfeso: 19, 23-40
Esse relato não pertence mais aos relatos missionários de Paulo, mas da sua
“paixão” no caminho para Jerusalém.
A contradição fundamental no relato encontra-se entre a idolatria popular e o
“Caminho”. Os que obtêm vantagens econômicas com a situação econômico-políticoreligiosa vêem no Evangelho de Paulo um perigo mortal para os seus lucros, para o
templo, a deusa e para a cidade. O relato opta pela legalidade, contra o tumulto. O
tumulto não favorece o “Caminho”; pelo contrário, a legalidade romana é que o
favorece.
C) As sete etapas da viagem de Paulo de Éfeso a Jerusalém
a) De Éfeso a Trôade: 20, 1-6
Pelas cartas, sabemos que Paulo percorre a Macedônia para recolher
donativos para a coleta destinada à comunidade em Jerusalém.
b) Em Trôade: 20, 7-12
O primeiro dia da semana começa na tarde do Sábado. Êutico representa
aqui, provavelmente, as jovens comunidades, às quais esse tipo de argumentação
de Paulo não mais interessa. Eis porque Paulo muda de assunto: desde a
Eucaristia à meia-noite até a manhã, ele já não argumenta mais: ele conversa
(homiléo, v. 11)
c) de Trôade a Mileto: 20, 13-16
d) Em Mileto, o discurso aos presbíteros de Éfeso: 20, 17-38
30
É o único discurso de Paulo em Atos dirigido a cristãos. O gênero
literário é o do testamento. Tais testamentos são normalmente redigidos pelos
discípulos, que neles expressam como entendem a mente e o pensamento
profundo de seus mestres. O discurso revela-nos, não tanto a mente de Paulo,
mas como Lucas entendia Paulo, no contexto da sua Igreja, várias décadas
depois. No v. 28 os presbíteros são chamados também de epíscopos, cuja função
pastoral é a de vigiar e conduzir a comunidade. Os presbíteros são simplesmente
os animadores das comunidades.
Paulo vai embora para sempre, mas os responsáveis da comunidade são
agora os encarregados do Evangelho. Nasce aqui a o conceito da Tradição
Apostólica, não como uma ortodoxia a ser conservada, mas como uma fidelidade
à integridade do Evangelho pregado.
Lucas apresenta os três anúncios do Espírito a Paulo num paralelismo
antitético com os três anúncios de Jesus sobre a sua morte e ressurreição no
caminho para Jerusalém. Os três de Paulo acorrem em Mileto ( 20,23), em Tiro
(21,4) e em Cesaréia (21, 10-14). Por que Paulo insiste em ir? Por um lado,
Lucas quer mostrar a importância dada por Paulo ao seu enraizamento pessoal
na tradição do povo de Israel; ele quer demonstra que a missão aos gentios
encontra-se em continuidade com essa tradição. Por outro lado, Paulo procura
apaixonadamente a unidade da Igreja: ele quer que as igrejas vindas da
gentilidade estejam em comunhão com a igreja-mãe de Jerusalém. Quando
Lucas escreve, provavelmente está dando uma resposta à dupla acusação contra
Paulo: a de ter rompido com a tradição de Israel e a de pôr em perigo a unidade
da igreja.
e)De Mileto a Jerusalém : 21,1-5
2. Julgamento e Paixão de Paulo em Jerusalém e Cesaréia. 21,16- 26,32
A) Paulo em Jerusalém: 21, 16-23,35
a) Encontro de Paulo com a Igreja de Jerusalém: 21, 16-26
Há dois grupos: do Menásson e do Tiago. São dois grupos contrapostos. A casa
de Menásson e a casa do Tiago representam duas comunidades-igrejas, com
identidades diferentes. A chegada de Paulo está em paralelo com a chegada de
Jesus em Jerusalém : Lc 19.1-10, 28-40
Há um total desencontro entre Paulo e a Igreja de Jerusalém. Paulo chegou com
a boa-notícia da conversão dos gentios; os presbíteros têm outra boa-notícia:
milhares de judeus que abraçaram a fé observam com fidelidade a Lei.
b) Os fatos de Jerusalém depois do desencontro entre Paulo e a Igreja de Jerusalém:
21,27-23,35
Existe muita semelhança entre o relato de Paulo no Sinédrio e o dos
Apóstolos em 5, 27-41. Eles também afirmam a sua boa consciência,
desautorizam o Sinédrio e depois são defendidos por um fariseu, Gamaliel.
Paulo, nesta ocasião, não faz mais uma apologia; ele dá, pelo contrário, um
verdadeiro testemunho.
B) Paulo em Cesaréia: 24,1 – 26, 32
A confrontação de fundo em Atos ocorre entre o judeu-cristianismo e uma
aliança, formada por judeus e romanos corruptos.
Há um claro paralelismo entre o processo de Jesus (segundo Lc 23) e o de Paulo.
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3. Morte e Ressurreição de Paulo a caminho de Roma: 27, 1-28,31
A) Paulo a caminho de Roma: 27, 1-28, 10
B) Paulo em Roma: 28, 11-31
a) Triunfo de Paulo em seu caminho a Roma: vv. 11-15
b) Numa casa de Roma: diálogo com os líderes judeus: vv. 16-24
c) Finalmente, a conversão de Paulo: vv.25-28
Paulo chega à uma conclusão definitiva: o povo judeu rejeitou a salvação que
será oferecida agora aos pagãos. Existem cenas semelhantes em 13,44-49
(Antioquia de Psídia); em 18, 5-7 (Corinto) e 19,80-9 (Éfeso). Contudo, agora
há uma diferença fundamental: não se trata mais duma prioridade teológica e
pastoral (primeiro os judeus, depois os gentios),mas duma conclusão definitiva:
o povo judeu não é mais o destinatário prioritário e necessário da pregação
evangélica. Podemos dizer que Paulo finalmente se converte ao Espírito e
orienta definitivamente a sua estratégia missionária em direção aos gentios.
Antes ele rompia nas sinagogas, agora fala na casa, ou seja, na Igreja cristã
doméstica.
d) Epílogo: vv. 30-31
O que Lucas narra é o triunfo da missão, a conversão ao Espírito dos
personalidades chaves da missão: Pedro, Estêvão, Barnabé, Marcos, Paulo.
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