Atos dos Apóstolos Introdução Os autores antigos contavam a história do passado para agir sobre a história presente. O titulo dos Atos dos Apóstolos foi inventado numa época que, assistiu a redação de muitos “Atos” apócrifos de diversos “Apóstolos”. Não representa de modo algum o conteúdo da obra. Pois dos 12 (as quais Lucas reconhece o título de apóstolo) só fala de Pedro, um pouco João e menciona o morte de Tiago. O texto mostra claramente que Lucas escreve em função de problemas concretos de comunidades cristãs. 1. Algumas chaves de interpretação. No imaginário coletivo dos cristãos, a organização e a institucionalização da Igreja estão ligadas diretamente ao Jesus histórico. Resgatar os Atos quer resgatar o período histórico de 40 anos entre a ressurreição de Jesus e a organização das Igrejas; é reconstruir o movimento de Jesus depois da ressurreição e antes da Igreja. Lucas e Atos formam uma obra só. É possível que, no início, formassem um só livro. Neste caso, o Evangelho terminaria em 24,49 e Atos começaria em 1.6. Toda a obra é um evangelho e possui uma profunda coerência teológica, embora haja uma progressão teológica e histórica do começo até o fim. O tema do Espírito Santo é privilegiado na obra lucana. Não que Lucas tenha o monopólio sobre este tema, dentro dos Evangelhos, pois obviamente o Espírito Santo está mais do que presente em todos os quatro. Mas em Lucas, o Espírito tem função diferente do que, digamos, em João, onde Ele é, sobretudo nos discursos de despedida, apresentado como o Paráclito, o Advogado Defensor, o “Goél” do Antigo Testamento, numa visão fortemente marcada pela apocalíptica. Em Lucas, o Espírito Santo é a força dinamizadora de Deus, que impele Jesus, com a sua proposta alternativa, desde Nazaré até o centro do Judaísmo em Jerusalém, onde as forças reacionárias político-religiosas vão tentar matá-la. Mas o Espírito é mais forte do que a morte, Jesus ressuscita, e o seu Espírito retoma a caminhada da Palavra através das comunidades cristãs, até chegar em Roma - na visão lucana, o centro do mundo! O Espírito reveste os discípulos com a força que vem do alto ( cf. Lc 24,49), para que no nome de Jesus sejam anunciados a todos a conversão e o perdão dos pecados ( cf. Lc 24,47) O movimento de Jesus possui nos Atos três características fundamentais: - é um movimento animado pelo Espírito Santo, - um movimento missionário - um movimento cuja estrutura básica é representada pelas pequenas comunidades domésticas. O tempo depois da ressurreição é, deste modo, um tempo privilegiado do Espírito. A experiência do Espírito e da missão são historicamente anterioras à Igreja. A contribuição de Lucas ao processo de organização e institucionalização da Igreja é a reconstrução do movimento de Jesus depois da ressurreição como um movimento do Espírito e um movimento missionário, organizado em pequenas comunidades. Interpretamos Atos em três perspectivas : 1. Na perspectiva do Espírito Santo: 1 Procuramos descobrir a presença do Espírito em toda a narrativa. A referência ao Espírito Santo será a chave hermenêutica fundamental para a nossa interpretação. 2. Na perspectiva da missão: O crescimento do movimento de Jesus identifica-se com o crescimento da Palavra, e a Palavra de Deus é a que possui o poder para construir a Igreja. 3. A perspectiva das pequenas comunidades domésticas: Todo o livro possui uma dinâmica que parte do Templo e chega à casa. A formação de pequenas comunidades é o que faz com que a Palavra se faça presente nas cidades e nas culturas. É o lugar onde se mantém vivo o ensinamento dos apóstolos (a memória de Jesus) e onde se vive a koinonia, a diakonia e a eucaristia (2,42-47). Outras chaves de interpretação presentes: - a participação da mulher no movimento de Jesus - a dimensão das culturas e da inculturação do Evangelho - a pluralidade de ministérios, carismas e funções na missão - a dimensão política: o movimento de Jesus e Império Romano. O autor escreve para uma comunidade ou um conjunto homogêneo de comunidades em que convivem em primeiro lugar cristãos judeus e não-judeus. Estes eram essencialmente prosélitos ou pelo menos “adoradores de Deus”, isto é, pagãos que já tinham deixado a idolatria e praticavam parcialmente a religião judaica, adorando o Deus de Israel. Em tal comunidade existiam três problemas ou desafios principais. Primeiro o desafio da comunidade de mesa. Pois este foi um problema concreto e fundamental que dividiu a Igreja primitiva. Para os judeus não era tão difícil aceitar que os pagãos fossem batizados como eles. O difícil era comer com eles, na mesma mesa. Pois isto era contrario à lei e os punha em contradição com as suas convicções (o preconceitos) mais enraizados. O segundo problema era o desafio dos judeus que se viam cada vez mais rejeitados pelo seu povo e expulsos das sinagogas. Eles queriam continuar sendo fiéis ao seu povo de Israel à sua religião tradicional. Era possível continuar sendo judeu e ser cristão ao mesmo tempo? O problema de relacionamento judeu x cristão também e candente em Mateus e João, depois do Conselho de Jâmnia O terceiro problema vinha dos gregos ou romanos, particularmente daqueles que pertenciam à elite e estavam ligados ao império romano. Pois tudo indica que na comunidade de Lucas, ou entre os simpatizantes das comunidades, havia pessoas que exerciam funções dentro da estrutura a do império, ou pelo menos se identificavam com o império. O problema era: será possível ser cristão e fiel ao império ao mesmo tempo? Existia outro problema, nascido da convivência entre ricos e pobres. Consideramos que a comunidade de Lucas se situa numa fase intermediária ou de transição entre o estado de seita do judaísmo e o estado de nova Igreja. Ainda ela se pensa como a fase definitiva da história de Israel e não como uma nova religião. Ainda não existe a idéia clara duma Igreja universal, mas está nascendo. As comunidades já se sentem unidas dentro dum movimento comum e único. Dentro de tal conjuntura, Lucas mostra a sua comunidade inserida na história, não da Igreja, mas da marcha da palavra de Deus. O que interessa a Lucas é antes a fase da fundação das comunidades, mais do que o seu funcionamento de cada dia, a fase de 2 criação e não tanto a fase de consolidação (que aparece muito nas Cartas Pastorais e Católicas). Lucas pretende legitimar a posição adotada na sua comunidade e reforçar assim a segurança dos seus membros. No que diz respeito à convivência entre judeus e nãojudeus, entre ricos e pobres, Lucas justifica a posição da comunidade de diversas maneiras. Primeiro o autor mostra que a comunidade realiza o projeto de Paulo que todos veneram como sendo o “fundador”. O Paulo de Lucas é bem diferente do real. É menos exclusivista, mais “judeu”, mais amigo do império, mais unido a Pedro e aos Doze. A comunidade de Lucas quer ter fundamentos mais antigos do que Paulo. Quer afirmar com mais força os seus laços com o judaísmo tradicional. Por isso, Lucas legitima também as posições da comunidade apelando para Pedro. Atribui a Pedro as posições de Paulo no que diz respeito à entrada das nações na salvação de Jesus. Além disso, quer vincular a sua comunidade com a comunidade primitiva de Jerusalém. Assim, os judeus da comunidade não se sentiriam cortados do seu povo, o que aconteceria facilmente se se contentassem com a teologia de Paulo. Esta continuidade é assumida pelos helenistas. O cristianismo dos helenistas corresponde bastante às aspirações das comunidades lucanas. Por isso, Lucas atenua as divergências entre a comunidade de Jerusalém e os helenistas. A. OS DESAFIOS DA COMUNIDADE LUCANA I. A COMUNIDADE DA MESA 1.) A comunidade de mesa entre judeus e não judeus. Sociologicamente a repugnância dos judeus pode explicar-se pela vontade de afirmar com força a sua identidade como povo distinto dos outros. Os judeus queriam absolutamente evitar qualquer processo de assimilação. Isso tomou mais vulto depois da reforma de Esdras e com a perda da identidade como nação independente. Já no temo dos Macabeus temos os Hasidim, os da observância estrita. Para os judeus que aderiram a Cristo, o problema não estava tanto na conversão dos pagãos. Que Deus chama também as nações estava nos profetas Era aceitável o movimento dos pagãos em direção aos judeus, mas mais difícil era aceitar o contrário – os judeus se aproximarem dos pagãos. Ora, aceitar os pagãos na mesa era aproximar se deles, abandonar um sinal muito profundo de identidade judaica. No cristianismo primitivo, o problema da comunhão da mesa foi muito agudo cf. Gl 2,11-14. Em Antioquia, depois do recuo do Pedro, havia duas mesas. Por isso o confronto com Paulo. 2.) A comunidade de mesa na obra de Lucas. Lucas atribui uma importância transcendente à comunhão da mesa. Este é o problema atrás de Cornélio. O problema não e que Deus chame também os pagãos, mas que a separação entre eles e os judeus está caindo. É o problema também no Concílio Apostólico. Muitas vezes Atos mostra Paulo comendo com pagãos – Lídia (16, 14s); em Filipos (16,34); em Corinto com Justo (18, 16b); no navio (27,33-38). Aqui a proteção milagrosa, prometida por Paulo e confirmada pelos eventos mostra que Deus concorda com tal refeição. Lucas quer legitimar o costume estabelecido nas comunidades que evangeliza. 3 3.) Influencia do problema da mesa comum na redação dos Atos. Primeiro mostra a prática de Paulo. Segundo, invoca a autoridade de Pedro. Sabe que a autoridade de Paulo não é indiscutida. Por isso destaca a narração da conversão de Cornélio. Mostra que inclusive Pedro praticou e justificou a comunhão de mesa com os pagãos convertidos. Isso responde aos ataques de que a comunhão foi inventada por Paulo. A visão de Lucas não concorda com Gálatas. A sua tese é que a prática mais antiga da comunidade cristã foi a comunhão de mesa. Esta foi confirmada por Pedro (em nome dos Doze) e por Tiago (em nome da comunidade de Jerusalém). II. OS JUDEUS E A FIDELIDADE A ISRAEL Tudo indica que os judeus ainda ocupavam uma posição importante nas comunidades lucanas e que a obra em dois tomos responde em grande parte aos problemas dos judeus. A tese de Lucas é de que para ser cristão um judeu não deve renunciar ao seu povo. Longe de sair do seu povo, ele pertence à parte mais fiel. 1.) Lucas e a Lei Lucas tende a mostrar de diversas maneiras a perfeita compatibilidade entre a lei e o evangelho. Tal propósito leva-o a certas contradições inevitáveis. O evangelho da infância oferece a doutrina lucana sobre a lei. Aí encontramos seis pessoas, todos fiéis observantes da lei. Jesus se submete à lei: 4,16; 5,12-16;17,11-19; 10,25-28;9,28-36; Lucas adapta na medida do possível os dados sobre da tradição (Mc e Q) à sua doutrina enunciada no evangelho da infância: - a lei é boa e deve ser respeitada pelos judeus, mas não leva à salvação - os verdadeiros judeus reconhecem que a salvação vem com o messias - Os judeus vão rejeitar a Jesus o Messias e mostrar desse modo a ilegitimidade das suas pretensões Por outro lado, segundo Lucas, fica mais claro que quem não observe a lei são os judeus, particularmente os chefes. Nos Atos, a comunidade de Jerusalém observe piedosamente a lei; entre a lei e o reconhecimento de Jesus como Messias não há oposição. Nem Estêvão fala contra a lei. Paulo foi um fiel observante da lei a vida toda. ( 9,20; 20, 16; 24,11; 24,17-18; 16, 1-3; 18,18; 21,24. 23,5; 22,3; 23,1; 24,14; 28,17;) Cita quatro casos de ataques dos oponentes dele 18, 13-14; 21,21; 21,28; 24,5-6. Em cada caso, Lucas pretende tirar todo o fundamento da acusação. Lucas, porém, destaca os crimes dos chefes dos judeus. 9,, 23.29; 14,19; 21,31; 23,12-15. 8,35; 10, 43; 13,23-26; 26, 6.7.22.23.27. Por outro lado, Paulo afirma que a lei não salva por si mesma e que somente Jesus salva; 13, 38.39.23.26; 15,10. 2.) Lucas e o Templo O Templo ocupa um lugar central na obra de Lucas. Lucas assume o testemunho dos helenistas. Assume a sua doutrina do Templo. O Templo estava no centro da história da salvação. Agora não existe e podemos deixá-lo desaparecer sem nostalgia. Pois Deus não precisa dum Templo. Agora o verdadeiro 4 culto é a vida boa e as boas ações dos que temem a Deus. Cornélio representa o substituto do Templo. A doutrina de Lucas sobre o templo concilia as saudades dos judeus e a sua convicção sobre o papel central do Templo e ao mesmo tempo o testemunho cristão sobre a salvação por meio de Jesus o Messias. 3.) Lucas e os prosélitos Os prosélitos ocupam um lugar destacadíssimo em Atos. Todos os pagãos convertidos que menciona eram prosélitos. Tudo sucede como se ninguém tivesse passado da idolatria para a fé. Lucas somente pode oferecer tal visão da história se nas suas comunidades os prosélitos ocupam de fato um lugar de destaque. Alguns eram prosélitos no sentido próprio (2,11; 6,5;13,43). Outros eram simplesmente “adoradores de Deus”(13,43.50; 16,14; 17,4; 18,7.13) ou “tementes a Deus”(10,2.22.35; 13,16.26). Os prosélitos estavam numa situação ambivalente, que corresponde bastante bem às ambivalências da redação lucana. Estavam numa contradição. O cristianismo de Lucas oferecia-lhes uma saída. No judaísmo havia duas coisas que deviam ofender profundamente os prosélitos. Primeira a separação. O cristianismo superou essas barreiras. Em segundo lugar, eles eram excluídos do Templo. Tudo indica que os prosélitos estão no centro da discussão que houve em Jerusalém entre os hebreus e os helenistas. Como surgiu o problema das viúvas? Foi colocado o problema da comunhão à mesa. Os cristãos se dividiram e formaram duas assembléias: uma só das pessoas nascidas no judaísmo ou circuncisas, outra em que praticavam a comunidade da mesa judeus e prosélitos no sentido amplo. Tal separação provocou rupturas mais graves. Provavelmente os helenistas negaram-se a contribuir para o fundo comum já que as suas viúvas nada mais recebiam do fundo primitivo. Os hebreus, deixando de receber esmolas dos helenistas, tornaram-se mais pobres. A coleta de Paulo pelos pobres de Jerusalém pode ter tido o significado de reconciliação depois da separação dos helenistas. O discurso de Estêvão reflete as novas convicções dos prosélitos convertidos ao evangelho e dos seus amigos. III. OS GREGOS E A SUA FIDELIDADE A ROMA Está claro que Atos valoriza os romanos. Essa visão só se explica pela presença de funcionários do império nas comunidades lucanas 1.) A valorização positiva de Roma nos Atos. a) Toda a culpa pela morte de Jesus é atribuída aos judeus. b) Todas as vezes que aparece um representante do poder romano, o seu comportamento é positivo (Cornélio; 13,13; 16, 30-34; 18,16;). Quando Paulo foi preso, foi sempre perseguido pelas autoridades judaicas e defendido pelas autoridades romanas. Em Roma ele consegue pregar livremente. c) Cada vez que a ordem pública fica perturbada, a culpa é dos judeus. d) Não menciona o martírio de Paulo. e) Manifesta claramente a sua admiração pela ordem e pela paz que Roma mantém no mundo, bem como pela administração de justiça (24,3.4; 19,40) Em Chipre, Corinto e Jerusalém. f) Paula ostenta o seu título de cidadão romano. (16,35-39; 22.22-29) 5 g) Em Lc, Jesus culpa os judeus pela destruição (Lc 13, 34.35; 19,42). h) Lucas refere, explicitamente e com insistência, os acontecimentos cristãos à historia romana: 11.28; 13,7; 18,2.12; 23,24. 2.) O sentido da valorização positiva de Roma Lucas deve responder às objeções feitas aos funcionários romanos, prosélitos, em nome da paz do império. Responde mostrando pelos exemplos, pela história, que não tem nenhuma incompatibilidade. A conclusão está clara: um prosélito romano conseqüente deve seguir o judaísmo dos cristãos e não o judaísmo desviado dos chefes históricos de Israel. Para compreender a atitude de Lucas devemos levar em conta várias circunstâncias históricas. Primeiro, Lucas escreve numa época em que o império ainda não toma consciência do seu imperialismo. O imperialismo romano nasce como ideologia com Domiciano. Segundo, Lucas pertence às elites do mundo romano e recebe uma educação grega completa. Cada vez que se produz o contato entre o império, representado pelos seus oficiais ou magistrados, os romanos inclinam-se diante dos cristãos e não vice versa. Na mente de Lucas, estaria o império a serviço do evangelho e não o contrário. A conclusão é que Roma favorece a evangelização, enquanto os cristãos nada oferecem ao império em compensação. Cristo usa o império, mas o império não usa o Cristo. Pode-se adivinhar que se aproxima um encontro entre esses dois projetos universais, o de Roma e o de Cristo. O conflito ainda não é inevitável, como no Apocalipse. A mensagem de Lucas é que o cristianismo não está necessariamente em contradição com qualquer poder político. IV. RICOS E POBRES NA MESMA COMUNIDADE O problema político está ligado a um problema econômico. As comunidades lucanas são pluriclassistas. No mundo antigo não se misturavam. Que ricos e pobres comessem na mesma mesa deve ter constituído um fenômeno extraordinário. 1.) Ricos e pobres no Oriente do século I Quem era rico naquele tempo? Essencialmente os grandes proprietários. Esta aristocracia era pouca numerosa. Em cima estavam os senadores romanos. Não passavam de 1000 famílias numa população de 50 milhões. Ordem privilegiada eram os cavaleiros – 50000. Os senadores deviam possuir pelo menos 400000 denários. Um cavaleiro mais ou menos a metade. Além disso havia a nobreza provinciana – 25000 denários. A eles pertencia o poder político local, o prestígio, os favores. Estes decuriões não passavam de 5% da população. Num nível mais modesto havia categorias sociais intermediárias: comerciantes, artesãos, etc. Os Pobres: A palavra (ptokhos) usada por Lucas no evangelho significa mendigo. Havia os maus pagadores e por fim os escravos. Quando Lucas fala de pobres, fala em primeiro lugar dos mendigos. Os desempregados temporários passavam facilmente para a mesma categoria. Globalmente 6 as cidades antigas pareciam-se bastante com as modernas. institucionalização de ajuda aos pobres. Não existia nenhuma 2.) Ricos e pobres segundo Lucas Comunidade de ricos e pobres: Lucas enxerga a questão dos ricos e dos pobres a partir da sua comunidade. Não parte duma visão apocalíptica, mas prática – o que é que o evangelho exige? Lucas toma posição muita clara diante do problema dos empobrecidos. Escrevendo para comunidades urbanas das cidades gregas, está ciente dos enormes contrastes no nível de vida dos ricos e dos pobres, inclusive dentro das comunidades cristãs. Um contraste igualmente chocante nas comunidades da América Latina hoje. Diante do crescimento da exclusão e do número dos excluídos da nossa sociedade, conseqüência lógica das propostas do sistema neoliberal dominante, Lucas torna-se mais atual do que nunca. A imagem do pobre e do rico em Lc 16,19-31 - a parábola do rico e do Lázaro - pode ser verificada todos os dias em nossas cidades. E é bom lembrar que o rico não é condenado por outro motivo a não ser o seu fechamento diante do sofrimento alheio. A sociedade hoje facilmente tem um efeito “anestésico” sobre nós. É possível passar todos os dias diante dos piores sofrimentos humanos, quase sem notá-los, pois os sofredores já fazem parte da paisagem diária doas nossas cidades. Pior ainda, podemos nos fechar em nosso mundos - colégios, paróquias, movimentos da classe média, e nem ver os milhares de Lázaros espalhados pelas nossas cidades e nosso interior ( e não só no Nordeste!). Como é tentador diluir as exigências do Evangelho, espiritualizando os termos “ricos” e “pobres” para justificar a nossa omissão diante destes e a nossa opção real ( nunca teórica!) para aqueles! Lucas não permite que nós fujamos do problema “espiritualizando-o” (os ricos são os verdadeiros pobres espirituais!!), ou moralizando- o (tem muito pobre vagabundo e muito rico bom). Como Paulo na Carta a Filemon e no Capítulo 11 da Primeira Carta aos Coríntios, como Tiago na sua Carta, ele deixa clara a exigente opção pelos pobres, por ser a opção de Jesus, coerente com a sua experiência do Pai, o Javé Libertador, aquele que a Bíblia descreve como quem “viu muito bem a miséria do seu povo......ouviu o seu clamor contra os seus opressores, conheceu os seus sofrimentos, e desceu para libertá-los (cf. Ex 3,7-10) Consciente da gritante desigualdade que existia no seio das comunidades cristãs urbanas, Lucas não deixa os seus leitores escaparem das opções concretas essenciais dos seguimento de Jesus. Vale contrastar as bem-aventuranças em Mateus com as em Lucas. Por exemplo: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”( Mt 5,3) com “Felizes de vocês, os pobres, porque o Reino de Deus lhes pertencem.... Mas ai de vocês os ricos, porque já têm a sua consolação!”(Lc 6,20.24) Aqui não cabe vacilação nem equívocos. Não é possível seguir Jesus sem concretizar esta opção evangélica pelos pobres. Não há outra saída - a Vida Cristã exige que se concretize no seu meio esta opção. Neste mundo de pós-modernidade, que tem invadido as nossas casas e comunidades, com os seus avanços, mas também com os seus desvios, o grito de Lucas nos ajuda para que não assumamos a ideologia dominante, como se por osmose, mas que olhemos o sofrimento dos marginalizados e pobres com o olhar de Jesus. Em Atos, há ricos na comunidade: Lucas; Barnabé, Annas, Safira, Lídia, Sérgio Paulo, Cornélio, etc. Há pobres: o banquete (lc 14, 15-24;) O pão no Pai-nosso; etc. 3.) A solução dos Atos ao problema de ricos e pobres. 7 A Comunhão: Em Atos não aparece a palavra “pobre” – porque na comunidade não há mais pobre. O escândalo da distância imensa entre ricos e pobres está superada pelo estabelecimento da “comunhão’(Koinonia) . Entre os gregos existia o ideal de comunhão de bens entre amigos. Em Qumran entre os monges. Mas nunca antes da comunidade cristã tinha existido uma comunhão entre ricos e pobres: este é o sinal do Reino de Cristo. A distribuição dos bens pelos ricos: A idéia é que toda riqueza tem raízes injustas e a distribuição da riqueza é apenas uma compensação pelo mal que foi feito. Em Atos o dinheiro está sempre associado à injustiça e ao pecado: Simão Mago; os donos da adivinha; os exorcistas de Éfeso; os ourives; Mas os apóstolos não o tem. O dinheiro é feito para ser dado aos necessitados. A riqueza é fruto da iniquidade e deve servir para criar na comunidade cristã a verdadeira comunhão. O desapego é material. A salvação dos pobres: Lucas tem promessas bem claras. Fica clara a sua mensagem no Magnificat, nas bem-aventuranças, na sinagoga de Nazaré e nas parábolas. Resume-se tudo no parábola do banquete (14,12-24). As promessas devem se realizar aqui na terra b. OS ATOS NA TRANSIÇÃO ENTRE ISRAEL E A IGREJA Lucas mostra mais interesse na marcha da palavra de Deus do que na institucionalização dos resultados desta pregação. Trata-se antes da história da palavra de Deus e não da história duma instituição. Entretanto, as comunidades formam uma entidade nova que se distingue cada vez mais do antigo Israel ainda que reivindique toda a sua herança. Doravante a Igreja será a fidelidade ao que foi instituído na comunidade de Jerusalém pelos Doze. I. A HISTORICIDADE DO CRISTIANISMO SEGUNDO OS ATOS 1.) A prioridade da palavra sobre a instituição Lucas mostra a fundação de muitas igrejas, mas não fornece muitas explicações sobre as suas estruturas, a sua instalação ou o seu desenvolvimento. Mas, desde o início até o fim, o mesmo tema fica desenvolvido e repetido: o tema da palavra. Atos é uma história do testemunho dos apóstolos e não uma história da Igreja. O crescimento da fé na palavra: A marcha da palavra de Deus aparece em primeiro lugar de modo quantitativo: aumenta o número das pessoas que a palavra convence e converte. O autor usa abundantemente o vocabulário da quantidade. O tema da palavra no centro: Lucas interessa-se mais pela atividade de falar do que pelo conteúdo do discurso Usa o simples termo “palavra”- o que é o mais indefinido enquanto o conteúdo. 8 Usa o substantivo “ensinamento” ou até evangelho”(15,7; 20,24). Outra palavra característica do seu vocabulário é “nome”, o que significa o poder, a força libertadora que há em Jesus. Mais do que os substantivos, o autor usa os verbos que exprimem a ação de falar. Falar é realmente um ato de poder. A ato de falar diz-se pelo termo “ensinar”. A palavra nunca é expositiva, e os missionários não são professores. A sua palavra é anúncio e afirmação com compromisso de toda a pessoa”; é “testemunho”. Por isso falar é “testemunhar” e os missionários são “testemunhas”. Para sublinhar mais a forças da palavra dos missionários,. Lucas usa “audácia” ou “falar com audácia”. O Espírito Santo e a Palavra: Quem se manifesta através da palavra é o Espírito Santo. As suas manifestações mais fortes produzem uma exuberância de palavras ( 2,4.17; 4,31;19,6). O E.S. faz as testemunhas(1,5; 1,8; 4,8; 5,32; 13,9). O E.S conduz os missionários (829.39; 16,6s; 19,21; 20,22s; 8, 29; 10,19; 11,12; 13,2-4; 15,28; 9,17; 9,31; 11,24;13,52; 6,3.5.10;7,55). O ES é dado aos que ouvem a palavra A vitória da palavra sobre todos os obstáculos: A palavra triunfou de todos os seus adversários, inimigos religiosos ou forças naturais. Em primeiro lugar, foram as autoridades de Israel que quiseram impedir a marcha da palavra. Os judeus tentaram também em vão deter a palavra de Paulo. Em segundo lugar, os inimigos que obstaculizam o testemunho e a sua marcha são as religiões populares. Entre os adversários não figuram nem o Império, nem a filosofia grega, mas sim as religiões populares. Em primeiro lugar havia a magia.. Paulo encontra três vezes a idolatria no seu caminho – em Listra, Atenas, e com os ourives. Um claro sinal da vitória do evangelho sobre a magia e a idolatria foi o que aconteceu em Éfeso (19,18s) Por fim, a própria natureza parece querer obstacularizar a missão: a tempestade ameaçava a vida de Paulo e a sua chegada a Roma. 2) O advento da historicidade na obra de Lucas Porque é que a palavra faz história? Porque nela intervém os seres humanos com a sua diversidade e sua situação limitada no tempo e espaço. Lucas sublinha as mediações no relacionamento entre Deus e os homens. Nos Atos as mediações humanas são valorizadas: Paulo/ Pedro/ Os helenistas/ a Igreja de Antioquia. Lucas também apela para os fatores sociais e culturais: as línguas; a cidade; a casa; o império; Correlativamente, o papel de Jesus fica suficientemente apagado para abrir espaço para o agir humano. Deus age sempre e não abandona os seus fiéis. Deus vem aos homens por intermédio do seu espírito e na sua palavra. O alcance desta história: Lucas está convencido de que a palavra de Deus está mudando a condução material dos homens: a pobreza vai desaparecendo e uma sociedade de comunhão está nascendo. As barreiras de isolamento entre judeus e não-judeus estão sendo levantadas, e um povo novo está surgindo. 9 O interessante é que vai nascendo também o conceito de historia no sentido da ação humana no mundo, ou responsabilidade da humanidade em relação ao seu futuro. A marcha da palavra de Deus não é puro milagre, nem agir de Deus na criação sem intermediários. Esta história não é paralela ao mundo: pelo contrário, envolve o mundo numa totalidade nova. Não pretende ser totalitária no sentido de dirigir a totalidade: não pretende substituir o império romano II. DO SEIO DO JUDAÍSMO RUMO À IGREJA UNIVERSAL O que é uma “Igreja” no sentido sociológico? Tem as seguintes características - reúne massas e não elites religiosos - transmite-se mais por forças inconscientes do que por meio de conversões conscientes - insiste mais nos meios objetivos de salvação - adapta-se ao mundo O que é uma seita no sentido sociológico? - é uma associação de elites, de pessoas que buscam a perfeição em todos os sentidos - forma-se pela livre adesão de convertidos - insiste mais na atividade do sujeito do que nos meios objetivos de salvação - nega-se a adaptar-se ao mundo, vive em estado de tensão escatalógica, aguardando o advento do Reino de Deus, e por isso vive separada da massa da Igreja que julga degenerada. De acordo com Lucas. O cristianismo nasceu como uma seita dentro do judaísmo. 1.) O verdadeiro Israel Os cristãos aparecem como uma seita do judaísmo, dentro dele. Têm por característica o seu escatologismo. Os cristãos separam-se dos outros judeus pela abertura para com os gentios e pela invocação do nome de Jesus. Mas os cristãos lucanos ainda não vêem que o nome de Jesus cria uma realidade nova. Vão ser obrigados a vê-lo pela força das circunstâncias e dos acontecimentos. A escatologia do judaísmo: O Reino de Deus é ainda tema fundamental dos Atos. Começa pela preocupação com o Reino e termina com o mesmo tema. O Reino de Deus é a restauração de Israel. Israel é o “povo”. Nos Atos, o “povo” é o povo de Israel. Os cristãos estão dentro. O "povo” está sempre presente, é o interlocutor constante. A entrada das nações não prejudica a identidade de Israel. Pelo contrario, os profetas tinham anunciado a chegada dos gentios. Por conseguinte, desde sempre, o verdadeiro Israel estava preparada para incluir também as nações. Tal povo de Israel está bem longe do povo concreto de Palestina ou das sobras do antigo Estado judaico. É o Israel vivido na diáspora, sobretudo pelos prosélitos. O “povo” de Israel de Lucas é antes de tudo o povo messiânico, o povo que espera o Messias. A vinda de Jesus confirmou a espera messiânica e não a substituiu de modo algum, como acontecera mais tarde na história cristã. Este “povo” de Israel está em continuidade com o povo dos pobres de Israel de sempre e exclui os chefes históricos. Pois Lucas divide o povo em duas classes. Por 10 um lado estão os chefes das sinagogas e os judeus influentes que expulsamos cristãos da sinagoga. Os cristãos constituem o verdadeiro “povo “de Israel que vive a esperança da volta do Messias. Os perfeitos: Os cristãos são o grupo dos perfeitos, a elite de Israel que o povo inteiro admira. O sinal da sua perfeição é a comunhão total que existe entre eles, em primeiro lugar, a comunhão de bens. A adesão pessoal: Para ser judeu basta ter nascido de pai judeu. Para ser cristão é preciso realizar uma mudança pessoal marcada por sinais muito claros: a conversão, o batismo, a invocação do nome de Jesus (2,38). A expulsão das sinagogas: O grande problema das comunidades lucanas ainda não é o “mundo”. É a sinagoga. Essa seita do judaísmo já está tomando certas feições duma Igreja: grande número, novos sinais de identidade, estruturação, integração relativa no mundo exterior. Pouco a pouco o problema deixa de ser Israel e chama-se Roma e as cidades gregas. 2). Rumo a um povo novo A palavra “Igreja”: Nos Atos, a palavra Igreja designa geralmente, e de certo modo sempre, as comunidades locais. No entanto, em alguns textos já se esboça a imagem duma Igreja total, universal, envolvendo toda o conjunto das comunidades cf. 5,11 20,28. A nova identidade: Embora Atos ainda manifeste uma alta fidelidade ao judaísmo, a sua afirmação de Jesus como único salvador desmente no concreto o valor do sistema judaico. Na verdade, o judaísmo perde todo o seu valor de salvação fora de Cristo. Além disso, a comunhão de mesa destrói o sinal pelo qual os judeus mantinham a sua identidade. A estruturação: Aparecem “anciãos” cuja missão é velar pela ortodoxia. Outra estrutura está surgindo, pois Lucas exalta os Doze e faz dos Doze os dirigentes e porta-vozes da Igreja-mãe de Jerusalém. Nasce a idéia de apostolicidade: todas as Igrejas devem permanecer fiéis à uma tradição que vem de Jerusalém e dos Doze. Face ao mundo, um olhar novo: A perspectivo (pré-Domiciano) é francamente positiva. C. O PROJETO DE LUCAS I. DE QUEM PARA QUEM? 1). Identificação: O relacionamento como judaísmo. Não conhece Palestina. O relacionamento com o mundo grego: 11 Conhece muito bem mas contesta a religião popular A rejeição radical do dinheiro e o apelo ao abandono dos bens mostram que o livro procede duma classe rica e a ele se dirige. O autor conhece muito bem a literatura grega e as instituições da sociedade civil do sue tempo. Deve ser prosélito, muito ligado ao judaísmo. Estava profundamente empregnado pelo judaísmo antes de se converter ao nome de Jesus. 2). Os textos Pela sua presença nos Atos, devemos presumir que os prosélitos e as mulheres desempenhavam papéis importantes nas Igrejas. II. O AUTOR 1) Há erros históricos que dificilmente se permitiriam a uma testemunha ocular ou a um discípulo de Paulo: 2) - Paulo não tem nada da fraqueza tão destacada nas cartas - O problema das viagens de Paulo a Jerusalém - Divergências sobre o Concílio de Jerusalém 3) Referente à teologia: - Silencia-se sobre temas básicos paulinos: justificação pela fé etc. - Não dá o título de apóstolo a Paulo - Discurso de Atenas não pode ser de Paulo. III. 1) 2) 3) 4) O TEMPO DA COMPOSIÇÃO Posterior a Lucas – depois 80 Jerusalém e o Templo são do passado Paulo é do passado, mas ainda não tem a estruturação das Pastorais Antes da perseguição de Domiciano Sugerimos o fim da década dos 80 ou o começo dos 90. IV. A INTENÇÃO DO REDATOR O discurso é uma obra da arte do historiador. Ele escolhe os fatos que vai narrar. Usa as regras do gênero literário histórico em vista duma legitimação do tipo da comunidade que defende. Lucas justifica Paulo e a tradição paulina, mostrando a continuidade com Jerusalém e com os Doze. Ao mesmo tempo pretende mostrar aos romanos que a fidelidade ao judaísmo não constituí nenhum perigo para as autoridades romanas. V. A REDAÇÃO E AS FONTES Como Lucas 1-2 contém a sua cristologia, assim At 1-5 expressa a sua eclesiologia 12 Nos primeiros cinco versículos temos a ligação com Lucas, bem como importantes chaves de interpretação de Atos INTRODUÇÃO: Atos 1,1-11 1. Resumo do Evangelho; 1,1-2 “Tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar.” Aflora a idéia de que Jesus continua sua ação e seu ensinamento depois de ser arrebatado aos céus; Jesus ressuscitado continua atuando e ensinado na comunidade depois da sua ascensão. O evangelho é apenas o começo; nós vivemos a continuação. A ação do Espírito Santo no texto pode referir-se à instrução ou à escolha dos apóstolos (ou aos dois ao mesmo tempo). 2. Os dias da ressurreição: 1,3-5. Os 40 dias são número simbólico, usado para designar um tempo longo de preparação, de discernimento, de crise e de tentação. Lucas coloca os 40 dias no começo de Atos para sugerir que também a comunidade dos apóstolos viveu este tipo de tempo antes de começar o tempo novo de missão. Provavelmente, a crise surgiu em torno do Reino de Deus como realidade posterior à ressurreição de Jesus. Na exegese liberal, o simbólico-mítico é oposto ao histórico. Cremos que esta perspectiva é falsa, pois, os símbolos e os mitos são sempre históricos, representando situações históricas. Aqui a comida anuncia a comensalidade como sinal da comunidade cristã. É em torno duma mesa de refeição que a comunidade faz a experiência de Jesus ressuscitado, na "fração de pão”. No final do Evangelho, o ato de comer expressava a corporalidade do ressuscitado. Agora expressa a presença do ressuscitado na comunidade. Pentecostes é o batismo no Espírito Santo, realizado por Jesus ressuscitado e exaltado. O batismo, neste caso, não significa o rito cristão, e sim a inauguração do tempo do Espírito, do qual todo Atos dará testemunho. V. II Introdução aos Atos 1,6-11 1. Estratégia de Jesus ressuscitado: 1,6-8 O grupo reunido no dia da ressurreição é um grupo galileu, composto pelos Onze, por um grupo de mulheres, pelos irmãos de Jesus e pelos dois de Emaús. É importante romper o imaginário segundo o qual é somente aos Onze que Jesus aparece, que só eles são enviados e que só eles recebem o Espírito em Pentecostes. Isso 13 é longe do texto e exclui principalmente as mulheres. O texto restritivo é 1, 1-5 que foi acrescentado quando a obra foi dividia. 1,6 continua Lc 24, 1-49 e é no contexto deste relato que surge a pergunta de 1,6. Jesus responde em primeiro lugar afirmando que não devem procurar a data, pois isso só compete ao Pai. Em segundo lugar diz que ele não é o sujeito da nova estratégia, e sim o Espírito Santo. Em terceiro lugar, ele coloca que não se trata de restaurar o Reino de Israel, mas de dar testemunho em Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra. O ponto de chegada do projeto de Jesus no Evangelho (Lc 24) é agora o começo dum projeto do Espírito e das testemunhas de Jesus, só que numa dimensão universal (At 1,8) 2. Exaltação de Jesus ressuscitado (a ascensão): 1,9-11. At 1,9-11 era o único relato da ascensão existente quando a obra era unificada. No Jesus ressuscitado há uma continuidade e uma descontinuidade. Tal mudança é expressa por meio da ascensão. Na ascensão, a linguagem mítica expressa a realidade histórica da exaltação ou glorificação de Jesus. Na ascensão, Jesus não vai embora; mas é exaltado, glorificado. A parusia não é o retorno dum Jesus ausente, e sim a manifestação gloriosa dum Jesus que sempre esteve presente na comunidade. A ascensão exprime a mudança operada em Jesus ressuscitado; uma nova maneira de ser, gloriosa, glorificada, todavia, sempre histórica, pois Jesus glorificado continua vivendo na comunidade. A igreja não nasce porque Jesus vai embora ou porque não retorna, mas nasce justamente porque o ressuscitado não vai embora. É a presença e não a ausência de Jesus ressuscitado o que torna possível a Igreja. A Igreja não é fruto duma parusia frustrada, mas duma presença gozosa de Jesus, vivida de maneira histórica. A presença de Jesus é histórica, não como presença visível e empírica, mas como presença transcendente. A imagem tem conotações bíblicas anteriores: a elevação de Elias (2w Rs 1-18; Eclo 48,9.12; I Mc 2,58), Enoque (Gn 5,24; Eclo 44,16; Hb 11,5), Esdras (4 Esd 14,9.49) Baruc (Bar sir 13,3; 25,1; 43,2; 46,1.7). Os Romanos também tinha tradições de ascensão. No mundo de Lucas, uma ascensão não era fato insólito, mas esperado quando se tratava de pessoas importantes, revestidas duma missão salvífica. A COMUNIDADE EM JERUSALÉM At 1,12-5,42 (Anos 30-32) Estrutura: 1. 2. 3. 4. Sumário – a comunidade antes de Pentecostes 1,12-14 Narração – Constituição dos Doze: 1,15-26 Narração – Pentecostes: 2,1-41 Sumário – A comunidade depois de Pentecostes 2, 42-47 1. Sumário: A comunidade antes de Pentecostes: 1,12-14 At 1,12 e Lc 24,52 dizem que eles retornaram a Jerusalém usando o termo sagrado Ierousalem e não a designação neutra Ierosólima. Atos usa o nome sagrado 36 vezes e o nome geográfico 23 vezes. O nome sagrado refere-se a Jerusalém como a 14 cidade santa, o lugar do Templo e da institucionalidade judaica, a outro termo é puramente geográfico. At 1,12 afirma que estavam distantes uma caminhada de Sábado, isto é, tal retorno não comportava o rompimento com a Lei sabática. O grupo ainda continuava dentro do judaísmo – ainda não podemos falar dum rompimento com o judaísmo, mas da releitura do mesmo a partir da ressurreição de Jesus. A surpresa no grupo e a presença dos irmãos de Jesus. Provavelmente historicamente os três grupos (os apóstolos, as mulheres e os irmãos) tivessem teologias e estratégias diferentes. Na ordem dos apóstolos, Lucas substitui em Atos a ordem natural dos irmãos pela ordem funcional de liderança. 2. Constituição dos Doze : 1,15-26 O número legal para constituir um conselho ou sinédrio que representasse Israel era de 120. O termo “cargo” (episcopé) é uma provável alusão à uma realidade posterior, a dos episcopos. Com as condições para ser apóstolo, Lucas afasta-se da noção de Paulo. Nas cartas, o apóstolo é antes de tudo um missionário itinerante. Aqui este caráter ficou apagado. O apóstolo é essencialmente o fundador. Foram os que receberam toda a herança de Jesus e assim fundaram a Igreja de Jerusalém. Tinham o testemunho completo de Jesus. Como seu testemunho deram origem e estabeleceram os fundamentos da Igreja em Jerusalém Porque Lucas mudou o conceito paulino de apóstolo? Foi por causa das necessidades das suas Igrejas. Duas necessidades começaram a aparecer no tempo dele: a necessidade da tradição e da sucessão apostólica. As comunidades são da terceira geração. Sentem a necessidade duma definição melhor da herança de Jesus, especialmente diante de alguns desvios (cf. Cartas Joaninas de 20 anos mais tarde). A Igreja de Jerusalém seria a referência. O que houve em Jerusalém seria a norma. Em segundo lugar começam a aparecer ministérios permanentes nas comunidades (cf. a Igreja de Mateus, esp. Cap. 18). Se sente a necessidade de ter ao lado dos profetas não institucionalizados um ministério institucionalizado, os presbíteros (cf. At 20, 1738). De onde tirar a legitimidade? Os Doze são o primeiro modelo. Em cada igreja teria um grupo para recolher e transmitir o que foi estabelecido pelos apóstolos. A mudança no conceito de apóstolo responde à criação de ministérios permanentes e sedentários em cada comunidade. Os doze apóstolos asseguram a continuidade de Israel e o projeto de Jesus de restaurar Israel, bem como a continuidade com a primeira comunidade de Jerusalém. Nos Atos, os Doze desempenham um papel somente na comunidade de Jerusalém dos primeiros tempos. 3. Pentecostes: 2,1-41 É o Espirito quem constitui realmente o movimento de Jesus: a sua primeira comunidade em Jerusalém e a missão a todos o povos. 15 Tudo que Lucas narra é histórico, mas ele constrói um relato único a partir de fatos que possivelmente se sucederam várias vezes, em diferentes lugares, tempos e circunstâncias. VI. Os fatos de Pentecostes vv. 1-13 Na narrativa podem ser distinguidos dois relatos: um mais primitivo e tradicional nos vv. 1-14 e outro mais evoluído e redacional nos vv. 5-11. O mais antigo tem caráter carismático e apocalíptico; o segundo é profético e missionário; já não é mais uma questão de falar em outras línguas, mas dum evento profético; as pessoas presentes falam em aramaico e cada um entende na sua língua nativa. O milagre não está no falar em si, mas no ouvir (insiste-se em vv. 6.8.11)). Temos aqui a impressão de estarmos no Templo. Provavelmente une-se aqui dois relatos, duas tradições históricas, cada uma com sentido diferente. Em 2,1 fala-se que todos estavam reunidos. Não se trata apenas dos Doze mas da assembléia de 120. Estavam reunidos como mesmo propósito (n/mesmo lugar). Esse mesmo propósito é, com certeza, a estratégia restauradora que está implícita na escolha de Matias. A irrupção do Espírito acontece para romper esse propósito de restauração, que olha mais para o passado do que para o futuro. Usa-se o símbolo do fogo – Deus acompanhou o povo no deserto numa coluna de fogo (Ex 13,20-22). Deus desce para falar com o povo e Moisés no Sinai por meio dum fogo (Ex 9,18). Mateus lembra que o batismo de Jesus seria no Espírito Santo e no fogo (Mt 3,11). O Espírito Santo é o fogo da Palavra de Jesus que deve ser anunciado pelos seus seguidores. O batismo do Espírito é símbolo característico do movimento profético de Jesus; já não é caso duma simples conversão pessoal, mas duma transformação da comunidade dos discípulos em autêntica comunidade profética a fim de dar testemunho de Jesus até os confins do mundo. O Espírito é derramado em função de todos os povos e culturas do mundo. Nos vv. 9-11 temos 12 povos e 3 regiões. Em primeiro lugar, Lucas distingue nativos, habitantes e estrangeiros. Os nativos são povos do oriente, civilizações do passado. Os habitantes estão repartidos em 3 regiões: ao leste, ao norte e ao sul e em 6 povos: ao centro, ao norte e ao sul; os estrangeiros romanos que estão em visita – entre eles se distinguem judeus e prosélitos, os cretenses e os árabes. Lucas combina critérios culturais, geográficos e sociais, construindo o paradigma missionário do Espírito. O milagre é que cada um entende na sua própria língua. Não se trata de glossalalia. Eis porque Pentecostes é visto como a festa da inculturação do evangelho. Em Pentecostes, cada povo conserva a sua língua e cultura. O projeto original de Deus, recuperado em Pentecostes, é uma humanidade pluri-linguística e multicultural. VII. O Discurso de Pedro: vv. 14-36 Pedro na primeira parte, oferece uma reposta direta aos fatos de Pentecostes. Na segunda parte (vv. 22-36) ele dirige-se de forma exclusiva aos “israelitas”, referindo-se explicitamente aos judeus da Galiléia e da Judéia. Ele muda o começo do texto de Joel – "acontecerá depois disso” para “acontecerá nos últimos dias”. 16 As transformações cósmicas dos vv. 19s são uma linguagem típica da apocalíptica cristã, usadas para interpretar transformações históricas do tempo presente. Pentecostes é a manifestação fundamental deste tempo escatológico e apocalíptico, inaugurado pela ressurreição de Jesus. Neste tempo do Espírito, todos são profetas. Reações ao discurso de Pedro: vv. 37-41. Pedro deu seu testemunho com plena autoridade, como o novo chefe de Israel. A referência ao batismo talvez reflita uma prática do tempo de Lucas, quando significava a pertença à Igreja de modo explícito, na forma duma identidade diferente da sinagoga e da instituição judaica. A novidade agora, depois da ressurreição e exaltação de Jesus é que os batizados recebem o dom do Espírito Santo. 4. Sumário: depois de Pentecostes (incluem-se 4,32-35 e 5, 12-16): 2,42-47 A) Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos: 2,42 Trata-se da memória histórica de Jesus. B) Eram perseverantes na comunhão 2,4-20 Tem duas dimensões: uma subjetiva e uma objetiva. A primeira é expressa pelas palavras de 4,32, ou seja, construíram um só corpo, coração e alma. A segunda é mais complexa e pode ser resumido em 3 realidades fundamentais: - Haviam tudo em comum: comunhão de bens - Tudo era repartido segundo as necessidades - Não havia necessitados entre eles. Este é o elemento mais importante. Lucas não quer comunhão somente “espiritual”, mas também econômica. É ilusório para Lucas uma comunidade na qual uns poucos se banqueteiam e outros passam fome etc. A comunhão eclesial é antes de tudo, uma comunhão material e corporal. C) Eram perseverantes na fração do pão e na oração: 2,42 Entende-se a eucaristia. Tratava-se duma refeição com Jesus ressuscitado, e pela qual se participava da comunhão com o corpo e sangue de Cristo e se celebrava a chegada do Reino. A didaché, a koinonia e a eucaristia são os três atividades elementares da comunidade depois de Pentecostes. Nos três sumários, detecta-se a atividade pública do apóstolos, cujo espaço principal é o Templo. D) Os apóstolos realizavam muitos prodígios: 2,43 Trata-se duma ação libertadora em vista da construção do Reino de Deus. O importante aqui não é o caráter miraculoso da prática dos apóstolos, mas o poder do Cristo ressuscitado e do Espírito, revelado pela sua prática. Se Cristo ressuscitou, a prática das comunidades cristãs deve ser uma prática poderosa e libertadora, com sinais e prodígios, na construção do Reino de Deus aqui na terra. 17 II. Manifestação da comunidade em Jerusalém: 3,1-4,31 Estrutura: A) Cura dum aleijado: 3,1-10 B) Anúncio da ressurreição de Jesus: 3,11-26 C) Repressão pelas autoridades do templo: 4,1-22 D) Reunião da comunidade: 4,23-31 A força deste relato encontra-se na sua totalidade. Não devemos separar. 1. Cura dum aleijado: 3,1-10 O aleijado representa também o povo de Israel, que se tornou aleijado por causa da prática da Lei e por causa do Templo. A libertação do aleijado é uma verdadeira ressurreição. 2. O discurso de Pedro: 3,11-26. A prática do Pedro precede o seu discurso. 3. Repressão pelas autoridades do Templo e testemunho do Pedro: 4,1-22 Rejeitam a pregação da ressurreição. Aqui não se trata dum problema somente teológico, mas dum tema profético e apocalíptico popular, cuja idéia fundamental era a reconstrução da esperança do povo. 4. Reunião da comunidade Temos aqui, provavelmente, o mais antigo testemunho relativo à uma reunião litúrgica da comunidade cristã. A idéia central é a pregação da Palavra e não tanto a didaché, a koinonia e a eucaristia como em 2,42. A estrutura: - Reunião e análise do fato: v.23 Oração: v.24 (mas continua durante toda a reunião) Leitura da Palavra de Deus : vv. 25-26 Comentário (em comunidade e em oração) da Palavra: vv. 27-28 Oração de petição: pregar a Palavra com coragem e poder: vv. 29-30 Experiência comunitária do Espírito Santo : v 31a Ação – Pregam com coragem: v. 31b Pentecostes não foi um fato isolado mas foi vivido no começo ( 2,1-13), aqui na comunidade missionária, e será renovado na casa de Cornélio (10,44-46) III. Consolidação da Comunidade 4,32-5,16 Estrutura: A) Sumário: 4,32-35 B) Narração: Barnabé: 4,36-37 18 C) Narração: Ananaias e Safira : 5,1-11 D) Sumário: 5,12-16 1. Sumário inicial: 4,32-35 Neste momento o relato nos conduz à nova seção, dedicada à consolidação interna da comunidade. Há duas novidades importantes em 4,34-35: “Não havia necessitados..” e “o dinheiro foi colocado aos pés dos apóstolos”. Essas duas expressões revelam ma comunidade com uma organização interna mais desenvolvida. Colocar algo aos pés de alguém significava reconhecer a autoridade dessa pessoa, a quem é encomendada a administração de alguma coisa. É repetida 3 vezes: 4,35.37 e 5,2. É a administração da koinonia. 2. O relato a respeito de Barnabé: 4, 36-37 Trata-se dum rompimento com o passado. Barnabé, ao vender o seu campo em Jerusalém, rompe com a institucionalidade judaica e entra na nova comunidade missionária e do Espírito, dirigida pelos apóstolos. 3. Ananias e Safira: 5,1-11. A venda de bens não era obrigatória; também não era a entrega de todo o dinheiro aos apóstolos. No v. 11 aparece pela primeira vez em Atos a palavra “Igreja”. 4. O que significa esse relato de Barnabé, Ananias e Safira? Apresentando primeiro Barnabé e depois Ananias, Lucas está introduzindo veladamente o leitor ao conflito posterior entre hebreus e helenistas. Enquanto Barnabé rompe, os dois querem participar da comunidade nova, todavia mantendo sua posição tradicional no interior da institucionalidade judaica. Essa será a atitude dos hebreus, os quais, embora sendo discípulos de Jesus, continuam ligados ao judaísmo. Talvez haja um referência a Acã em Js 7, 1-26. O verbo em ambas as passagens é a mesma “reter para si”(nosphizo). O relato em 4,32-5,16 apresenta o projeto da primeira comunidade em ruptura com a institucionalidade judaica do Templo e da Lei. É por isso que parece em 5,11 o termo “igreja”. Lucas agora identifica a comunidade apostólica como Igreja, assembléia diferente e distinta da assembléia do Templo. No texto de Ananias e Safira não há julgamento nem condenação por parte do Pedro. Mas o elemento econômico define a identidade religiosa institucional: o Templo ou a comunidade cristã. A força do pecado atua especialmente no âmbito econômico-religioso, levando à morte. Quem impõe o regime de terror não é Pedro, mas o dinheiro com suas opções religiosas. O pecado da Safira não se encontra no ambiente econômico, e sim na forma de viver o casamento. O que matou Safira foi um matrimônio patriarcal, que a submete às intenções do marido. O casamento dos dois representa aqui a velha comunidade patriarcal da lei e do Templo, com a qual o movimento de Jesus rompeu. Os jovens 19 representam a comunidade do futuro, que os dois não queriam aceitar por causa do seu apego à velha institucionalidade do Templo e da Lei. No NT, aqueles que não aceitam o projeto de Jesus também morrem, pois abraçam um projeto de morte. III. Reconhecimento da comunidade: 5,17-41 Estrutura: A) Prisão e libertação dos apóstolos: 5,17-21a B) Convocação d Sinédrio e testemunho dos apóstolos : 5,21b-33 C) Intervenção de Gamaliel e acordo : 5,3-39 D) Repressão dos apóstolos e libertação : 5,40-41 1. Prisão e libertação Agora são todos os apóstolos que sofrem o ataque, executado por um poder mais individualizado: o sumo sacerdote o os saduceus. Em Atos temos 3 relatos de cárcere: neste texto (apóstolos), cap. 12 (Pedro) e 16 (Paulo). 2. Convocação do Sinédrio e testemunho dos apóstolos: 5,21b-33 Os apóstolos apoderam-se do Templo não como local de culto, mas do ensinamento ao povo de Israel. As frases dirigidas ao Suma sacerdote contêm duas conotações: o sumo sacerdote e os saduceus já não mais representam a vontade de Deus. A obediência a Deus implica em desobediência à autoridades do Templo. Além disso, para obedecer a Deus e não a eles, os apóstolos receberam o Espírito Santo. 3. Intervenção de Gamaliel: 5,34-39 É possível que os apóstolos tenham resistido ao sumo sacerdote e aos saduceus com o apoio dos fariseus, tendo Gamaliel à frente. Isso explicaria o que Lucas conta em At 15,5. A defesa de Gamaliel permitiu que eles prosseguissem seu ensinamento em Jerusalém. Muitos judeus acreditavam, cuja fé não era muito diferente dos fariseus. Os Doze pertenciam ao grupo que Lucas denomina Hebreus. 4. Repressão dos apóstolos e libertação 5, 40-41 5. Sumário conclusivo: 5,42 A Comunidade dos Helenistas e o Início da Missão fora de Jerusalém At 6,1-15,35 (Anos 32-48) ESTRUTURA: A) Os Atos dos Helenistas: 6, 1-8.40 B) Os Atos de Saulo: 9, 1-31 C) Os Atos de Pedro: 9, 32-11,18 D) Os Atos dos Helenistas: 11,19-32 E) Os Atos de Pedro: 12,1-25 20 F) Os Atos dos helenistas: 13,1-14,28 (Missão da Igreja de Antioquia) G) Os Atos dos Helenistas: 15,1035 ( A assembléia e Jerusalém confirma a Igreja de Antioquia) Interpretação global de 6,1-15,35 Quase sempre se apresenta Atos como se fosse Atos de Pedro e Paulo. Assim os Helenistas desaparecem. Tal visão distorce a intenção de Lucas. 13,1-14,28 não corresponde à primeira viagem de Paulo mas à missão da Igreja em Antioquia, da qual Paulo e Barnabé participam como enviados da Igreja, fundada pelos Helenistas. At 6, 1-15,35 é uma seção com identidade própria, dedicada à escolha, missão e legitimação dos Helenistas Lucas capricha em unir esta parte: 8, 1b está unido a 8,4 e esta unido a 11,19,o que introduz a evangelização dos gregos, feita pelo restante do grupos dos Helenistas (11,19-20). O verbo “dia-speiro” aparece somente nessas três passagens. É importante ler primeiro os Atos dos Helenistas como um conjunto unitário, a fim de perceber a coerência literária e teológica dessa seção, a qual começa com uma assembléia em Jerusalém e termina com outra, que confirma a posição teológica da Igreja em Antioquia. I. Os Atos dos Helenistas 1. Formação do grupo dos Sete; Atos de Estêvão e Felipe: 6, 1-8,40 Estrutura: A) B) C) D) Assembléia em Jerusalém – escolha dos sete : 6, 1-7 Atos de Estêvão: 6,8- 7,60 Dispersão dos Helenistas: 8, 1-4 Atos de Filipe: 8,5-40 3.) 6, 1-7 Os Helenistas, conforme Lucas, configuravam um grupo profético, crítico em relação à Lei e ao Templo. Eles representam, neste momento, a maior expressão do movimento de Jesus, como movimento do Espírito e missionário. O grupo dos hebreus, é formado por judeus cristãos da língua aramaico e de cultura tradicional hebraico. O problema – com as viúvas dos Helenistas somente – não é de falta de servidores das mesas, mas duma discriminação dos Helenistas. A razão não seria no preconceito cultural – mais provavelmente pode ter sido problema de pureza ritual. Entre as viúvas helenistas havia viúvas de prosélitos, e as outras participavam com elas nas refeições comuns. Todas elas deviam ser tidas por impuras aos olhos da Lei. Entende-se que os hebreus tenham tido muita repugnância em aceitar às mesas as viúvas impuras, ou a servi-las ou a participar em qualquer coisa com elas, inclusive a fração do pão. Os Sete Helenistas tinham sido escolhidos realmente para servir às mesas; mas, em pouco tempo, essa diakonia das mesas havia projetado além dessa tarefa concreta: para o serviço profético da Palavra. O que provavelmente aconteceu de forma progressiva aparece como duma ação simultânea. Podemos dizer que os Sete 21 descobriram sua vocação profética a partir do serviço quotidiano aos mais pobres da comunidade. O aumento dos discípulos em 6,1, provocada pela nova conjuntura criada por Gamaliel, seria especialmente o aumento no grupo dos hebreus. Isso teria conduzido primeiro a uma marginalização e mais tarde a uma discriminação do grupo profético e missionário dos Helenistas. Os Sete são escolhidos sobretudo para dar aos Helenistas uma organização própria, que lhes possibilite afirmar-se como grupo. Para Lucas, assim está sendo salvo o movimento de Jesus como movimento do Espírito e movimento missionário. Em nenhum momento se diz que os sete são diakonos (usa-se o verbo diakonein e o substantivo diakonia). Os apóstolos impõe as mãos sobre eles, simbolizando a entrega do Espírito a fim de que eles compartilhem a missão de conduzir a Igreja; os Doze em Jerusalém, e os Sete no compromisso, primeiro com os pobres na diakonia diária, mas logo depois no movimento profético e missionário fora de Jerusalém. O crescimento do grupo dos hebreus assegurava a continuidade de Israel; do novo grupo helenista a missão entre samaritanos e gentios. 4.) Atos de Estêvão 6,8-7,60 Lucas insiste sempre na necessidade de testemunho e de que nós não nos preocupemos em fazer nossa apologia (Lc 12,11-2;21,12-15 – devemos ler p/ entender o testemunho nos Atos). O longo discurso de Estêvão é uma composição lucana, mas busca reconstruir fielmente a teologia profética dos Helenistas. 5.) Dispersão dos Helenistas: 8,1-4 A perseguição é somente contra os Helenistas. 6.) Atos de Filipe: 8, 5-40 Na evangelização imponente de Filipe em Samaria ainda não havia Espírito Santo. Fracassou com Simão Mago. Por isso, Lucas narra o segundo momento : 8, 26-40. 7.) Primeiro relato intercalado: os Atos de Paulo 9, 1-31 Estrutura: i) Persegue a Igreja: vv. 1-2; ii) Encontro com Jesus no caminho –resistência de Saulo: vv. 3-9; iii) Encontro com Ananias – conversão de Saulo: vv. 10-19a; iv) Atividade missionário de Paulo e perseguição vv. 19b-30 - Missão em Damasco: vv. 19b-22 - Perseguição e fuga de Damasco: vv. 23-25 - Missão em Jerusalém: vv. 26-28 - Perseguição em Jerusalém – fuga p/Cesaréia e Tarso vv. 29-30; v) Sumário: v 31 i) vv. 1-2 22 Saulo pretende levar amarrado os discípulos para Ierousalem (nome sagrado); quer reintegrar o movimento de Jesus à institucionalidade judaica. Em 8,1 informa-se que a Igreja vive em Ierosólima, pois a Igreja perseguida (dos Helenistas) não está integrada na instituição judaica e por isso é perseguida. ii) vv. 3-9 iii) vv. 10-19a Não se trata propriamente duma conversão de Paulo, mas dum encontroconhecimento-revelação que o fez descobrir a justiça de Deus uma forma diferente da que ele procurava antes. iv) vv. 19b- 30 Hipótese: talvez Paulo teve a sua experiência no ano 35 e fez a sua primeira visita a Jerusalém, depois de três anos na Arábia e Damasco, em 38. De 38 ao 48, depois de ficar algum tempo em Tarso, ele passou a integrar a Igreja de Antioquia, fundada pelos Helenistas. v) v. 31 A) Segundo relato intercalado: Os Atos de Pedro: 9,32-11,18 Estrutura: i) Pedro visita diferentes comunidades judeu-cristãos: 9,32-43 ii) Conversão de Cornélio e a sua casa : 10,1-48 iii) Pedro se justifica em Jerusalém: 11,1-18 i) 9, 32-43 As três pessoas, Enéas, Tabita e Simão têm uma dimensão simbólica. Representam as comunidades judeu-cristãs – um duma comunidade paralisada, outra duma piedosa que adoece e morre e outro uma comunidade marginalizada pelo judaísmo oficial ii) - - 10, 1-48 vv. 1-8 vv. 9-16 vv. 17-23: Há um elemento novo na ordem do anjo: Pedro deve ir à casa de Cornélio para ser ouvido. Lucas quer chamar a atenção sobre o discurso de Pedro vv. 24-48: A narrativa tem três momentos: o encontro de Pedro com Cornélio, o discurso de Pedro e a irrupção do Espírito. O discurso de Pedro é um belo resumo do querigma apostólico primitivo, um Evangelho completo antes dos quatro escritos. iii) Pedro se explica em Jerusalém : 11,1-18 Devia ter dois grupos em Jerusalém- um mais moderado, um mais radical. Os primeiros se encontram na Judéia, os outros localizam se “en Ierousalem” (nome sagrado), o que indica que eles ainda estão dentro da institucionalidade judaica. A reprovação dos da circuncisão não é motivado pelo fato de Pedro ter batizado gentios, mas por ter entrado na sua casa e comido com eles. 23 Nos Atos de Pedro não temos somente a conversão de Cornélio e da sua casa mas de Pedro e da Igreja judeu-cristã de Jerusalém. A missão exige mudanças estruturais na Igreja. A) Relato intercalado sobre os Atos de Pedro: 12, 1-25 a) Morte de Tiago: vv. 1-2 Agora a perseguição é dirigida aos hebreus e Tiago, filho de Zebedeu, e a primeira vítima. A entrada dos gentios pode ter inflamado o povo de Jerusalém, que já começava a simpatizar com os movimentos messiânicos nacionalistas. b) Prisão e libertação de Pedro: vv. 3-17 Essa narração deve ser lida à luz do Êxodo e da Páscoa de Jesus. Na casa de Maria, temos o testemunho duma pequena comunidade cristã, reunida numa casa, dirigida por uma mulher. Deve ser helenista, pois João tem um segundo nome grego, típico dos helenistas. A reação de Rode faz lembrar as reações diante da ressurreição. Todo o relato é pascal. É a comunidade cristã perseguida quem neste dia de Páscoa, experimenta a ação libertadora de Cristo ressuscitado e a “ressurreição” de Pedro c) Morte de Herodes: vv. 18-23 d) Sumário e conclusão: vv. 24-25 Nesses sumários Lucas expressa a sua intenção ao escrever Atos: o crescimento e o fortalecimento da Palavra de Deus. Não está escrevendo a história da Igreja, mas da Palavra. 2. Atos dos Helenistas: 13, 1-14,28 – Missão da Igreja de Antioquia Estrutura: A) Assembléia em Antioquia e revelação do Espírito: 13,1-3 B) Missão em Chipre – Salamina e Pafos: 13, 4-12 C) Missão em Antioquia de Pisídia: 13, 13-52 (relato central) D) Missão em Icônio, Listra., Derbe e retorno : 14,1-25; E) Assembléia em Antioquia e o relato dos apóstolos: 14,26-28 A) A Igreja de Antioquia: 13, 1-3; 14, 26-28; Havia profetas e mestres – não se fala de presbíteros como em Jerusalém (15,2). Até agora temos 3 grupos distintos: o dos Doze, líderes da comunidade dos hebreus em Jerusalém; o dos Sete helenistas, encabeçando a igreja missionária dos helenistas; e agora dos cinco profetas e mestres, presidindo a igreja de Antioquia, O que vai estruturando as comunidades é o movimento missionário do Espírito Santo e o crescimento da Palavra de Deus. A conversão dos gentios é mostrada como a vontade expressa do Espírito Santo. A comunidade reza e manda os enviados – o Espírito coordena diretamente a missão dos helenistas de Antioquia. b) Missão em Chipre: 13,4-12 Começam na sinagoga procurando os tementes a Deus. Também é provável que Barnabé e Saulo procurassem converter um bom número de judeus a fim de tornar possível a conversão dos gentios. Outra possibilidade é que ainda não tinham 24 compreendido a vontade do Espírito segundo a qual deveriam dirigir-se aos gentios diretamente. Na briga com Elimas, Paulo está condenando aquele judaísmo falso, que separa os gentios da conversão e com o qual ele mesmo se identificava antes da sua conversão. Por isso Saulo o deixa cego, como ele ficou no caminho no encontro com Cristo. Mas só por um tempo, pois espera a conversão. Sérgio Paulo acredita, “impressionado pela doutrina do Senhor”- não por milagres. c) Missão em Antioquia de Pisídia: 13, 13-52 Esta é a parte central do relato, que adquire um caráter simbólico e paradigmático. A grande novidade em Antioquia de Pisídia não está na mudança de estratégia de Paulo, mas no fato de que ele se volta para os gentios depois que os judeus rejeitam o evangelho. Paulo é perseguido pela elite da cidade. A pregação da Palavra aos gentios deve ter uma conotação social de opção pelos mais desprezados da cidade. A missão direcionada aos gentios, sem que esteja subordinada à conversão dos judeus, representa para Lucas a vontade do Espírito Santo. e) Missão em Icônio, Listra, Derbe e retorno: 14,1-25; Em Listra estamos num contexto totalmente gentio. A ação mortal contra Paulo e a sua recuperação, acompanhada pelos sues discípulos, representa a morte e ressurreição de Paulo. Na volta, nomeia presbíteros para as igrejas domésticas. Lucas aqui provavelmente está projetando no passado estruturas posteriores, pertencentes à sua própria época. 3. Os Atos dos Helenistas – A assembléia de Jerusalém confirma a comunidade de Antioquia: 15, 1-35. Estrutura: A) Antecedentes: vv. 1-5 B) Assembléia na qual Pedro fala: vv. 6-12 C) Assembléia na qual fala Tiago: vv. 13-21 D) Acordos e reações : vv. 22-35 A) vv. 1-5: B) vv. 6-12: Notemos duas frases importantes: - Deus comunicou o Espírito Santo aos gentios como a nós - Nós nos salvamos pela graça do mesmo modo que eles Na primeira frase, o paradigma referencial é o primeiro Pentecostes em Jerusalém, sobre os Doze e quem estava com eles. Os da casa de Cornélio receberam o Espírito segundo este paradigma. Na segunda frase, o paradigma referencial é a salvação dos gentios. Os gentios que acreditam em Cristo salvam-se segundo este paradigma. Não se deve impor o jugo da Lei sobre nenhum discípulo de Jesus, nem gentio nem judeu. Aqui Pedro alcança a total identificação com o Espírito – e por isso não aparece mais no livro. 25 C) vv. 13-21 Tiago, pelo contrário, subordina a salvação dos gentios à restauração de Israel. A solução de Tiago é razoável. Mas tem a desvantagem de misturar a situação dos gentios convertidos que se integraram à Igreja, com os dos estrangeiros vivendo no meio dos judeus. Ou seja, a Igreja continua sendo considerada como uma Igreja judeucristã, na qual vivem alguns convertidos. Em Pedro, o ponto de referência principal é a comunidade dos gentios convertidos. Para Tiago, porém, é a comunidade dos judeucristãos. D) vv. 22-25 Trata-se duma solução de compromisso – cada parte cedeu algo. Historicamente, o decreto não fazia parte das decisões da assembléia de Jerusalém. Foi acrescentado mais tarde. I Cor 8 mostra que Paulo não ensina a observar este decreto. É provável que ele fosse emitido por Tiago. Procurou o apoio de Pedro que estava em Antioquia. Mandou então emissários para ganhar o apoio de Pedro, que aceitou o decreto. Mas Paulo não o aceitou. Provavelmente, Paulo perdeu o argumento – e por isso deixou Antioquia. A Igreja lá deve ter aceitado o decreto e ele entrou na tradição oral (eventualmente escrita) de Antioquia, onde Lucas o encontrou. E arte provável que o motivo verdadeiro da rixa entre Paulo e Barnabé era por causa do decreto – aceito por Barnabé, rejeitado por Paulo. DE ANTIOQUIA A ROMA: At 15,36-28,31 Anos 48-60 I. As viagens missionárias de Paulo: 15,36-19,20 (Anos 480-55) 1) Paulo descobre a vontade do Espírito A) Ruptura entre Paulo e Barnabé: 15, 36-40: Esta vez não saiu da comunidade de Antioquia a decisão para a nova viagem de Paulo e Barnabé. Foi Paulo quem tomou a iniciativa. Paulo sentiu-se confirmado pela assembléia de Jerusalém. Não precisava mais de empurrão por causa da comunidade. Uma comparação com Gal 2, 10-14 mostra que o conflito com Barnabé foi profundo e provavelmente incluiu também um conflito com a comunidade de Antioquia. O conflito com Barnabé relacionou-se com a comunidade de mesa entre judeus e gentios. Paulo entendeu a assembléia de Jerusalém no sentido duma comunidade de mesa sem restrição. Parece que não conseguiu convencer nem Pedro, nem Barnabé nem a Igreja de Antioquia. Podemos supor que o desacordo surgiu a propósito de algum sistema de restrições que se queria impor aos gentios. Podia ter sido um sistema semelhante ao decreto apostólico. Porque o conflito polarizou-se em torno de Marcos? Provavelmente ele tinha abandonado os missionários (13,13) por não concordar com a maneira com que Paulo e Barnabé se dirigiam aos pagãos. Esta vez, Barnabé insiste que ele os acompanhe, não por motivos de amizade, mas porque ele seria uma garantia para os cristãos de Jerusalém da tendência que prevaleceu em Antioquia, que impunha algumas restrições sobre os pagãos. Paulo viu claramente que a função de Marcos seria como fiscal encarregado de transmitir à Antioquia informações sobre os métodos missionários usados por ele. Sentiu que Marcos limitaria a sua liberdade missionária. Aceitar 26 Marcos seria desviar da autenticidade da missão às nações. Barnabé queria Marcos justamente para reforçar a outra interpretação. Não havia conciliação possível, e Paulo iniciou a sua missão por conta própria Nunca mais se sentiu à vontade em Antioquia. Segundo certas hipóteses, Antioquia encontrou mais tarde a sua expressão no Evangelho de Mateus e a teologia paulina nas suas comunidades. B)Paulo escolha e circuncida Timóteo ( 16, 1-3) O mais importante nessa circuncisão de Timóteo é que, neste momento histórico, revela-se a intenção estratégica de Paulo de trabalhar seriamente com os judeus. C)Paulo, em seu percurso, consolida as Igrejas: 15,41; 16,4-5 Paulo aparece lutando com o Espírito, diretamente e em visões noturnas. Paulo ainda desconhece o projeto de Deus que é levar a Palavra à Europa. O Espírito corta todos os caminhos e obriga Paulo a caminhar para a Grécia. Lucas insiste que as fundações na Grécia não foram iniciativas de Paulo, mas imposição de Deus. 2) Missão na cidade de Filipos ( 16, 11-40) A) Paulo chega a Filipos.(vv. 11-12) A capital da província era Tessalônica. Mas Filipos tinha a sua importância por ter se tornado colônia romana em 42 a.C. B) Conversão de Lídia e de toda a sua casa: (vv. 13-15) C) Paulo enfrenta o espírito pitônico numa jovem escrava (vv. 16-18) Temos aqui mais um case duma confrontação entre o Evangelho e a religião popular helenista. Para os cristãos daquela época, essa religião popular era demoníaca e utilizada para ganhar lucros. Mas tem base – pois a situação da escrava subordinada totalmente aos seus amos e ao exercício que fazia dela um objeto mas mãos de forças obscuras revela que a sociedade está sob o reino dum demônio. Porque Paulo ficou aborrecido? Provavelmente porque ela chamava atenção sobre as pessoas deles. A religião popular tenda a sacralizar os mediadores, missionários etc. Normalmente milagres suscitam admiração – mas aqui é o contrário. Para os amos somente vale a exploração econômica das forças religiosas. D) Conflito entre Paulo e as autoridades (vv. 19-24) Os costumes denunciados não são as leis judaicas, mas a própria prática dos cristãos, tanto no contexto histórico de Paulo quanto de Lucas. Paulo anuncia o Evangelho e entra em conflito com uma religião explorada como negócio. É evidente que a prática cristã perturbava a cidade, pois os romanos não a podiam aceitar e muito menos aplicar. Aflora portanto a contradição entre o Evangelho cristão e o Império Romano. E) Libertação de Paulo e Silas (vv. 25-28) Na história do terremoto, trata-se muito mais duma intervenção divina, que faz estremecerem os próprios fundamentos do sistema de opressão, rompendo todas as correntes. É a oração dos mártires, Paulo e Silas, que provoca a intervenção de Deus. F) Conversão do carcereiro e dos da sua casa (vv. 29-34) 27 É interessante notar o caminho de salvação seguido por eles: fé no Senhor Jesus – escuta da Palavra do Senhor – Batismo – Eucaristia – alegria. G) Inocência de Paulo e Silas – Saída de Filipos ( vv. 35-39). H) Visita à casa da Lídia ( v. 40) 3) Missão na cidade de Tessalônica: 17, 1-9 A) Trabalho Missionário: vv. 1-4 B) Conflito com as autoridades: vv. 5-8 A acusação refere-se a três espaços físicos: o mundo (oikumene), a cidade e a casa de Jasão. Vai do universal ao particular. A referência à casa de Jasão significava que a “revolução mundial” já possui na cidade uma comunidade estabelecida. 4. Missão de Paulo e Silas em Beréia: 17, 10-15 5. Paulo em Antenas: 17, 16-34 Atenas, no tempo de Paulo, não tinha quase nenhum significado econômico ou político; era, isto sim, um símbolo da cultura e da filosofia grega dominantes. Os epicureus são assim chamados por causa do seu fundador Epicuro ( 341-270). Trata-se duma filosofia predominantemente materialista. Os deuses não existiam, ou estavam tão distantes do mundo, que nele não exerciam influência. Na ética, acentuavam o prazer (hedoné) e a tranqüilidade (ataraxia), livre de preocupações, paixões ou temores supersticiosos. Os estóicos tem a sua origem em Zenon (340-265). Insistiam na razão como princípio estrutural do universo. Tinham uma concepção panteísta de Deus como a alma do mundo, e sua ética valorizava sobretudo a autosuficiência (autárqueia) e o sentido do viver. A) Atividade de Paulo na cidade : vv. 16-21 A idolatria não era um problema puramente teológico ou espiritual, mas a dimensão espiritual duma situação econômica e social e política que era injusta, opressora e criminosa ( cf. Ef 6, 10-120 e Ap). O fato de Paulo debater com os filósofos nos indica que ele não iria combater a idolatria em sua versão popular (com fez em Lista 14, 8-18),mas em sua expressão filosófica, junto às elites dominantes. Eles entendem que ele prega duas divindades: Jesus e a “Anástasis”. A Ressurreição, tomada aqui como nome duma divindade feminina. B) Discurso de Paulo no Areópago: vv. 21-31 Em vv. 30-31, Paulo passa à parte argumentativa, na qual ele põe em confronto direto os filósofos e o Evangelho. Temos aqui três idéias fundamentais: o anúncio da conversão, o julgamento do mundo segundo a justiça, e a ressurreição de Jesus como garantia. A ignorância é uma ignorância moral: a pessoa humana fechou-se para Deus, opôsse a Deus, não respondendo aos objetivos para os quais foi criada. A ignorância, aqui é o pecado. O Dia de Javé, no At, é agora o dia de Jesus, que e o dia no qual Paulo está agora anunciando o Evangelho como julgamento. A ressurreição é a garantia de que o julgamento do mundo será justo 28 C) Reação do auditório ao discurso do Paulo: vv. 32-34 6. Missão na cidade de Corinto: 18, 1-18 A) Paulo chega a Corinto : vv. 1-4 Paulo ficou por um ano e meio, de Dezembro de 50 até Junho de 52. B) Missão de Paulo, Silas e Timóteo em Corinto: vv. 5-11 C) Pulo diante de Galião: vv. 12-18a 7. Missão de Paulo Em Éfeso: 18, 18b-19,20 A) Paulo embarca rumo à Síria: vv. 18b-23a Sempre que Paulo empreende uma missão importante, ele decide passar antes por Jerusalém. A missão aos gentios deve sempre ser discutida e aprovada pela igreja judeu-cristã lá. A missão aos gentios, guiada pela verdade do Evangelho, não deve por em perigo a unidade da Igreja. B) Paulo percorre as regiões de Galácia e Frígia : 18, 23 C) Apolo em Éfeso e Acaia: 18, 24-28 Lucas o chama de judeu no sentido étnico, não religioso do termo. Aqui temos o reflexo duma situação histórica muito relevante para as origens do cristianismo. Em Alexandria, Apolo se converte. Isso significa que o cristianismo já havia chegado a Alexandria no mínimo em torno dos anos 50. Lá talvez houvesse um cristianismo, não inferior, mas diferente. Era conhecida com exatidão a tradição de Jesus e havia sido feita a experiência do Espírito Santo, mesmo que fosse conhecido somente o batismo de João. Lembremos que o batismo cristão, nos quatro evangelhos, é menciona somente em Mt 28, 19. Priscila não corrige a sua tradição, mas o coloca em contato com uma outra. Apolo, não é batizado outro vez em nome do Senhor Jesus. Provavelmente porque já tinha o Espirito Santo. D) Missão de Paulo em Éfeso: 19, 1-20 a) Paulo chega a Éfeso: v.1 b) Paulo e os doze discípulos em Éfeso: vv. 1-7 Nos Sinóticos, João Batista não pede fé em Jesus, o que representaria mais a tradição do Quarto Evangelho, mas anuncia que Jesus traz o Espírito. A frase de Paulo deve ser entendida assim: João ensinava ao povo que “acreditassem em Jesus, pois é ele quem iria batizá-los no Espírito Santo”. c) Ministério de Paulo em Éfeso: vv.8-10 O conteúdo da sua pregação é o Reino de Deus. Ele rompe com a sinagoga e forma à parte um grupo com os discípulos, ensinando-os na escola de Tiranos. Uma variante textual fala das onze até à quatro (o horário do descanso, quando a escola ficava disponível). Há um contraste intencional entre os três meses na sinagoga e os dois anos na escola profana de Tiranos. A ruptura com a sinagoga foi positiva, pois permitia a expansão da pregação do Evangelho para além do mundo judaico e para além do capital. d) Paulo faz milagres e derrota os magos: 19, 11-19 Lucas quer mostrar a diferença entre a atividade libertadora de Paulo e a dos exorcistas da cidade, sejam judeus ou pagãos. Os maus espíritos representam, nessa passagem, as forças idolátricas e destrutivas do sistema greco-romano (como acorre na tradição apocalíptica). Só os discípulos de Jesus, pela pregação 29 do Evangelho, podem derrotar essas forças idolátricas e destruidoras, libertando suas vítimas. E) Conclusão: v. 20 É importante destacar que é a Palavra do Senhor que cresce e se fortalece. O fortalecimento da Palavra é o objetivo da missão de Paulo, e não o fortalecimento duma estrutura eclesial. Paulo garante a Palavra. E é ela que tem poder para construir o edifício, isto é, as Igrejas. II. 1. Subida a Jerusalém e viagem a Roma: 19,21 – 28, 31 Subida de Paulo a Jerusalém: 19, 21-21, 15 A) Paulo toma a decisão de ir a Jerusalém e Roma: 19, 21-22 Paulo toma a decisão de ir a Jerusalém, sabendo que é a vontade de Deus que ele vá a Roma. O que segue agora, até o final do livro, não é mais a missão de Paulo, mas a sua “paixão, morte e ressurreição”. Não se trata mais duma viagem missionária, mas dum mártir. Em seu plano, Roma não é um ponto de chagada, mas apenas o ponto de partida do seu novo projeto de evangelização, da parte ocidental do Império. A Espanha era “o fim da terra”. A mudança mais notável em At é que Lucas omite a coleta, a qual, segundo as cartas, representa o grande e único motivo de Paulo para dirigir-se a Jerusalém. O motivo dessa omissão, provavelmente, é o fracasso histórico de Paulo em Jerusalém, sobretudo em relação à sua coleta, destinada aos santos daquela comunidade. B) A revolta dos ourives em Éfeso: 19, 23-40 Esse relato não pertence mais aos relatos missionários de Paulo, mas da sua “paixão” no caminho para Jerusalém. A contradição fundamental no relato encontra-se entre a idolatria popular e o “Caminho”. Os que obtêm vantagens econômicas com a situação econômico-políticoreligiosa vêem no Evangelho de Paulo um perigo mortal para os seus lucros, para o templo, a deusa e para a cidade. O relato opta pela legalidade, contra o tumulto. O tumulto não favorece o “Caminho”; pelo contrário, a legalidade romana é que o favorece. C) As sete etapas da viagem de Paulo de Éfeso a Jerusalém a) De Éfeso a Trôade: 20, 1-6 Pelas cartas, sabemos que Paulo percorre a Macedônia para recolher donativos para a coleta destinada à comunidade em Jerusalém. b) Em Trôade: 20, 7-12 O primeiro dia da semana começa na tarde do Sábado. Êutico representa aqui, provavelmente, as jovens comunidades, às quais esse tipo de argumentação de Paulo não mais interessa. Eis porque Paulo muda de assunto: desde a Eucaristia à meia-noite até a manhã, ele já não argumenta mais: ele conversa (homiléo, v. 11) c) de Trôade a Mileto: 20, 13-16 d) Em Mileto, o discurso aos presbíteros de Éfeso: 20, 17-38 30 É o único discurso de Paulo em Atos dirigido a cristãos. O gênero literário é o do testamento. Tais testamentos são normalmente redigidos pelos discípulos, que neles expressam como entendem a mente e o pensamento profundo de seus mestres. O discurso revela-nos, não tanto a mente de Paulo, mas como Lucas entendia Paulo, no contexto da sua Igreja, várias décadas depois. No v. 28 os presbíteros são chamados também de epíscopos, cuja função pastoral é a de vigiar e conduzir a comunidade. Os presbíteros são simplesmente os animadores das comunidades. Paulo vai embora para sempre, mas os responsáveis da comunidade são agora os encarregados do Evangelho. Nasce aqui a o conceito da Tradição Apostólica, não como uma ortodoxia a ser conservada, mas como uma fidelidade à integridade do Evangelho pregado. Lucas apresenta os três anúncios do Espírito a Paulo num paralelismo antitético com os três anúncios de Jesus sobre a sua morte e ressurreição no caminho para Jerusalém. Os três de Paulo acorrem em Mileto ( 20,23), em Tiro (21,4) e em Cesaréia (21, 10-14). Por que Paulo insiste em ir? Por um lado, Lucas quer mostrar a importância dada por Paulo ao seu enraizamento pessoal na tradição do povo de Israel; ele quer demonstra que a missão aos gentios encontra-se em continuidade com essa tradição. Por outro lado, Paulo procura apaixonadamente a unidade da Igreja: ele quer que as igrejas vindas da gentilidade estejam em comunhão com a igreja-mãe de Jerusalém. Quando Lucas escreve, provavelmente está dando uma resposta à dupla acusação contra Paulo: a de ter rompido com a tradição de Israel e a de pôr em perigo a unidade da igreja. e)De Mileto a Jerusalém : 21,1-5 2. Julgamento e Paixão de Paulo em Jerusalém e Cesaréia. 21,16- 26,32 A) Paulo em Jerusalém: 21, 16-23,35 a) Encontro de Paulo com a Igreja de Jerusalém: 21, 16-26 Há dois grupos: do Menásson e do Tiago. São dois grupos contrapostos. A casa de Menásson e a casa do Tiago representam duas comunidades-igrejas, com identidades diferentes. A chegada de Paulo está em paralelo com a chegada de Jesus em Jerusalém : Lc 19.1-10, 28-40 Há um total desencontro entre Paulo e a Igreja de Jerusalém. Paulo chegou com a boa-notícia da conversão dos gentios; os presbíteros têm outra boa-notícia: milhares de judeus que abraçaram a fé observam com fidelidade a Lei. b) Os fatos de Jerusalém depois do desencontro entre Paulo e a Igreja de Jerusalém: 21,27-23,35 Existe muita semelhança entre o relato de Paulo no Sinédrio e o dos Apóstolos em 5, 27-41. Eles também afirmam a sua boa consciência, desautorizam o Sinédrio e depois são defendidos por um fariseu, Gamaliel. Paulo, nesta ocasião, não faz mais uma apologia; ele dá, pelo contrário, um verdadeiro testemunho. B) Paulo em Cesaréia: 24,1 – 26, 32 A confrontação de fundo em Atos ocorre entre o judeu-cristianismo e uma aliança, formada por judeus e romanos corruptos. Há um claro paralelismo entre o processo de Jesus (segundo Lc 23) e o de Paulo. 31 3. Morte e Ressurreição de Paulo a caminho de Roma: 27, 1-28,31 A) Paulo a caminho de Roma: 27, 1-28, 10 B) Paulo em Roma: 28, 11-31 a) Triunfo de Paulo em seu caminho a Roma: vv. 11-15 b) Numa casa de Roma: diálogo com os líderes judeus: vv. 16-24 c) Finalmente, a conversão de Paulo: vv.25-28 Paulo chega à uma conclusão definitiva: o povo judeu rejeitou a salvação que será oferecida agora aos pagãos. Existem cenas semelhantes em 13,44-49 (Antioquia de Psídia); em 18, 5-7 (Corinto) e 19,80-9 (Éfeso). Contudo, agora há uma diferença fundamental: não se trata mais duma prioridade teológica e pastoral (primeiro os judeus, depois os gentios),mas duma conclusão definitiva: o povo judeu não é mais o destinatário prioritário e necessário da pregação evangélica. Podemos dizer que Paulo finalmente se converte ao Espírito e orienta definitivamente a sua estratégia missionária em direção aos gentios. Antes ele rompia nas sinagogas, agora fala na casa, ou seja, na Igreja cristã doméstica. d) Epílogo: vv. 30-31 O que Lucas narra é o triunfo da missão, a conversão ao Espírito dos personalidades chaves da missão: Pedro, Estêvão, Barnabé, Marcos, Paulo. 32