excelentíssimo sr - Centro de Apoio Operacional das Promotorias

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EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA
PARANÁ.
VARA CÍVEL DA COMARCA DE CURITIBA -
SEBASTIANA MIGUEL DOS SANTOS e ANTÔNIO MANOEL, brasileiros,
casados entre si, a primeira empregada doméstica, portadora da Cédula de Identidade/RG nº 19.428.445, SSP/SP, o
segundo servente de pedreiro, portador da Carteira de Identidade/RG nº 10.897.649, SSP/SP, ambos residentes e
domiciliados nesta Capital, à Rua Nove, Casa Dezesseis, Osternac, Moradia Vinte e Três de Agosto, vêm,
respeitosamente à presença de Vossa Excelência, através do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, na
qualidade de substituto processual, por intermédio do Promotor de Justiça ao final subscrito, em exercício junto à
Promotoria de Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais, situada à Av. Iguaçu, nº 470, Rebouças, nesta Capital,
onde recebe intimações, com fulcro nos artigos 68 e 64 do Código de Processo Penal Brasileiro, no artigo 159 do Código
Civil Brasileiro, bem como no artigo 37, §6º da Constituição Federal, propor
REPARAÇÃO DE DANOS
DECORRENTES DE ATO ILÍCITO contra ARAQUÉM CUNHA BEGES, brasileiro, médico inscrito no
Conselho Regional de Medicina sob o nº 75.203-3, com endereço profissional , à Rua Dr. L. Buquera, nº 158, Unidade de
Saúde Sítio Cercado, nesta Capital, e MUNICÍPIO DE CURITIBA, com sede à Av. Cândido de Abreu, s/nº, Centro,
também nesta Capital, pelos fatos e fundamentos que a seguir passa a expor:
I - DOS FATOS
Constituem objeto do presente item os fatos narrados pelos requerentes não somente
junto à Promotoria de Direitos e Garantias Constitucionais e Reparação de Danos "ex delicto", como também à Comissão
de Sindicância designada pela Portaria de nº 17/95, pelo Conselho Municipal de Saúde de Curitiba - Ata da 61ª Reunião,
realizada em março de 1995 -, segundo comprovam, respectivamente, os DOCs. de nºs.25; 01 e 04, em anexo.
Relata a requerente que aos vinte e sete dias do mês de fevereiro do corrente ano,
quando retornou à sua casa, aproximadamente às 13:00 horas, encontrou sua filha Tatiana Aparecida Manoel, então com
dez anos de idade, "ardendo em febre". Diante de tal circunstância, levou a criança à Unidade de Saúde Vinte e Quatro
Horas Sítio Cercado, onde foi atendida por uma recepcionista que a encaminhou ao Dr. Araquém Cunha Beges, médico
pediatra da referida Unidade. Apresentava-se a menor com muita dor no abdome, e em conseqüência, dificuldade em se
locomover, bem como em deitar-se na maca para ser examinada. Manifesta, ainda, que quando o médico, dando início ao
exame, comprimiu a barriga de Tatiana, esta demonstrou sentir muita dor. Finda a consulta, receitou o Dr. Araquém à
menina, conforme faz prova a receita médica integrante da presente (DOC nº 24), dipirona em gotas e soro reidratante,
eximindo-se de efetuar qualquer exame mais específico, que pudesse diagnosticar claramente a dor abdominal
demonstrada pela paciente. Sugeriu que caso não houvesse melhora, a mãe voltasse a procurá-lo no dia seguinte, a partir
das 7:00 horas da manhã. Permanecendo Tatiana, durante toda a noite, com dores fortíssimas e febre bastante alta, foi
novamente acompanhada pela mãe à mesma Unidade de Saúde, sendo imediatamente informada por uma recepcionista
que inexistia naquele momento qualquer médico pediatra disponível no local, acrescentando que a senhora deveria
procurar o Hospital Infantil do Portão, sem contudo oferecer-lhe encaminhamento por escrito ou certificar-se da
disponibilidade de vagas no Hospital. Solicitada, a rogo da mãe, a ambulância do posto de saúde para que assim pudesse
transportar adequadamente a criança, pois praticamente não conseguia mais andar tamanha era a dor produzida, esta foilhe negada, sob a justificativa de, uma vez não tendo havido a consulta e a prescrição médica, não poderia haver tal
liberação. Assim sendo, partiram mãe e filha, de ônibus, em busca de assistência médica junto ao Hospital retro aduzido,
no qual não puderam também ser atendidas, visto o mesmo não oferecer atendimento médico mediante convênio com o
Sistema Único de Saúde, mas sim somente particular. Novamente foram orientadas a socorrerem-se do outro Hospital,
desta vez o Hospital Pequeno Príncipe, onde chegaram somente às 11:30 horas do mesmo dia, sendo a criança carregada
no colo pela mãe no transcurso de todo o trajeto. Lá chegando, foi a menor inicialmente medicada com injeção para
baixar a febre, e, posteriormente encaminhada para uma sala de recuperação, na qual recebeu atendimento médico
acompanhado de soro. À noite, após feita radiografia, foi internada e encaminha à sala de cirurgia; por volta das 21:30 foi
operada pelo Dr. César Cavalli Sabbaga, o qual, segundo depoimento incluso (DOC. nº 09), definiu o quadro clínico de
Tatiana como de "peritonite profusa, com apendicite não compatível com esta peritionite, por apresentar-se
hiperemiado". Ainda, encontrou "trompas uterinas inflamadas, com grande quantidade de secreção purulenta e ovário
direito necrosado".
Consta do depoimento prestado pela Srª Sebastiana Miguel dos Santos à Comissão de
Sindicância já nomeada (DOC. nº 03), que o Dr. Sabagga, definindo o estado de sua filha Tatiana, afirmou-lhe que
"estava tudo infeccionado, rins pulmões, bexiga, e que havia pus por todos os lados e que o organismo estava todo
contaminado".
O Atestado de Óbito em anexo (DOC. nº 02), manifesta o falecimento da criança
ocorrido ao dois dias do mês de março do ano em curso, após tratamento no Centro de Terapia Intensiva, no Hospital
Pequeno Príncipe, nesta Capital, expressando como "causa mortis" da mesma, "falência de múltiplos órgãos, choque
séptico e hiporolênico, P.O., apendicite purulenta e outro".
Busca-se, desta forma, a reparação mínima do dano causado negligentemente à
criança, através da inadequada conduta do profissional médico, conforme pretende-se provar.
II - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROPOSITURA DA PRESENTE
MEDIDA
Da análise do artigo 64 do Código de Processo Penal, denota-se que a ação para o
ressarcimento do dano derivado de ato ilícito poderá, sem prejuízo da responsabilização criminal devida, ser promovida
no Juízo Cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.
Prescreve o artigo 68 do mesmo Diploma Legal, que:
"Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º) a
execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64), será
promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público". (grifos nossos)
No caso em tela, os requerentes exercem, as profissões de empregada doméstica e
servente de pedreiro, não possuindo, portanto, condições razoáveis de custear semelhante medida judicial, sem que
sobrevenha prejuízo à subsistência de ambos e sua família. São, pois, pobres na acepção jurídica do termo, conforme
declaração prestada a esta Promotoria de Direitos e Garantias Constitucionais (DOC. nº 25), comprovação esta donde
derivam os benefícios da Justiça Gratuita.
III - DA COMPROVAÇÃO DO ATO DANOSO
O Dr. Araquém Cunha Beges, matrícula nº 75.203-3, conforme Termo de
Depoimento incluso (DOC. nº 05), declara expressamente que recorda-se do atendimento prestado à Tatiana no dia 27 de
fevereiro de 1995, em torno das 17:30 horas. Relatou que o histórico da paciente traduzia-se em "vômitos no dia
anterior, diarréia, dois episódios no mesmo dia, febre e dor abdominal, temperatura de 39 graus". Explica que, quando
solicitou que a criança se deitasse na mesa para ser examinada, esta "cruzou os braços sobre o addome", inclusive não lhe
atendendo quando solicitou, por duas vezes, que os retirasse para a realização do exame. Acrescenta "ter retirado ele
próprio os braços que estavam sobre o abdome". Consta, ainda, que "quando começou a palpar seu abdome a menor
retirou as suas mãos impedindo que continuasse". A seguir, dirigiu-se à menina utilizando-se dos seguintes termos: "Se
não quiser ser examinada, fique à vontade, pois tenho mais pacientes para atender."
Imprescindível é a atenção à declaração do próprio médico, onde se comprova que
"após, tentou novamente examiná-la sendo impedido, em seguida, devido à dificuldades de relacionamento desistiu de
examiná-la e medicou-a sintomaticamente pedindo que ela retornasse no dia seguinte caso não melhorasse."
A observação ao DOC. de nº 05, denota que o diagnóstico manifesto pelo Dr.
Araquém no caso exposto, foi de "gastroenterite aguda", defendendo ser o mesmo compatível com os dados clínicos da
paciente.
Concluiu a Comissão de Sindicância que, em relação aos fatos apurados, "pode-se
afirmar que houve negligência profissional, pela não realização do exame clínico, pelo tempo reduzido da consulta,
pelas dificuldades de relacionamento entre médico, mãe e paciente, pelo excessivo número de pacientes que é obrigado
a atender, pelas condições estressantes e de desgaste emocional que são submetidos e o excesso de trabalho, impediram
a realização do diagnóstico correto em primeira instância" (sic).
IV - DO DIREITO E DA CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O fundamento primeiro da responsabilidade civil finca-se na idéia de ressarcimento,
ou seja, tornar indene a vítima, cobrindo todo o dano por ela experimentado. Tal justificativa não se confunde com o
anseio de devolvê-la ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito, pois como ocorre nos casos de
lesão corporal grave ou falecimento, alcançá-los seria humanamente impossível. Recorre-se, desta forma, segundo prega
Sílvio Rodrigues, in Responsabilidade Civil, vol. IV, 1989, "à uma situação postiça, representada por uma indenização
em dinheiro". É, desta forma, um remédio nem sempre ideal, vez que ideal seria que o efeito danoso nunca tivesse
sobrevindo. Entretanto, é o único de que se pode valer adequadamente o ofendido na tentativa de ter como
responsabilizado civilmente aquele que empreende conduta contrária ao Ordenamento Jurídico.
Nesse sentido é o artigo 159 do Código Civil que prescreve:
"Art. 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência
causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto
neste Código, arts. 1518 a 1532 e 1537 a 1553."
Constituem pressupostos da responsabilidade civil a efetiva comprovação do ato
danoso e do resultado deste derivado, bem como do nexo causal existente entre um e outro. Verificados tais requisitos,
incontestável é a necessidade em se reparar o dano causado a outrem.
Em específico, assevera o Art. 1545 do mesmo Estatuto Legal:
"Art. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a
satisfazer o dano, sempre que por imprudência, negligência ou imperícia, em atos
profissionais, resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento."
Extrai-se do caso em exame, a ação culposa do agente. Não há que se falar, pois, na
consciência da prática da conduta ilícita e da aceitação da produção do resultado danoso à vítima, quando do correto
exercício da medicina. A atuação desastrosa do sujeito ativo não foi alcançada deliberadamente.
Vicente de Azevedo aplaude a definição de Impallomeni, segundo a qual "culpa é a
inobservância de norma de conduta, tendo como efeito lesão não querida do direito subjetivo". Implica na violação de
um dever de diligência, ou seja, violação do dever de previsão de certos atos ilícitos e de adoção das medidas capazes de
evitá-los. Configura-se, pois, a culpa strictu sensu; o prejuízo à vítima na presente é decorrência do comportamento
negligente e imprudente do autor do dano.
Ocorre a falta de diligência ou negligência quando deixa-se de empregar as
precauções praticadas em circunstâncias idênticas por pessoa diligente e acautelada. É a carência de observância dos
deveres que as circunstâncias exigem; caracteriza-se pelo desleixo, indolência, inércia, desatenção.
Dentre o início e o término do exame médico realizado pelo Dr. Araquém Cunha
Beges em Tatiana Aparecida Manoel transcorreram não mais que cinco minutos, segundo prova documental em anexo
(DOC. nº 23). Diante dos sintomas apresentados pela paciente, tal espaço de tempo seria inequivocamente insuficiente
para a correta apuração da causa geradora das fortes dores abdominais que vinha manifestando. Provado está o equívoco
do doutor no diagnóstico empreendido, justamente porque eximiu-se de examinar mais especificamente sua paciente,
preferindo prescrever como tratamento, a ingestão de "anti-heméticos, antipiréticos e soro reidratante oral",
solicitando que retornasse no dia seguinte (DOC. nº 13).
Caio Mário da Silva Pereira, em obra específica relativa à imputação da
responsabilidade médica, mui convenientemente observa que, "não é possível descer a minúcias para estabelecer em
que consiste o ato culposo no diagnosticar, no prescrever, no tratar o cliente. Se age com culpa e daí resulta um prejuízo
para a pessoa sujeita a seus cuidados, responde por perdas e danos."
Do médico, acima de qualquer outro profissional, exige-se a prestação de serviços
conscenciosos, atentos, zelosos, assim como a utilização de recursos e métodos adequados, e salvo circunstâncias
especialíssimas, de agir conforme as aquisições da ciência. Do exercício da medicina nasce, portanto, toda uma gama de
responsabilidades, já que tem-se como objeto de trabalho a saúde do ser humano.
O Código de Ética Médica, em seu Capítulo III, que dispõe acerca da
Responsabilidade Profissional, no artigo 29, prescreve:
"É vedado ao médico:
Art. 29 - Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser
caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência".
No mesmo sentido, coíbe, no Capítulo V, que disciplina a relação do esculápio com
os pacientes e familiares, o seguinte procedimento:
"Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a
seu alcance em favor do paciente". (grifos nossos)
A relação jurídica que se institui entre o clínico e seu paciente (e que se estende aos
serviços hospitalares) sempre tem em mira o uso de todos os esforços e a utilização de todos os recursos técnicos
disponíveis no sentido de restabelecer-lhe a saúde.
Teresa Ancoma Lopez de Magalhães, na obra Responsabilidade Civil dos Médicos,
ed. Saraiva, 1984, coloca que "na negligência há uma atitude passiva, omissiva do médico que omite precauções ou
medidas necessárias, como, por exemplo, aquele profissional que faz um exame profissional errando o diagnóstico."
O erro de diagnóstico, portanto, atrai a responsabilidade do médico, "no momento em
que não teria sido cometido por um profissional prudente, colocado nas mesmas condições externas do defendente"
(Mazeaud, nº 511). No caso em estudo, prudência não foi observada. A conduta do réu foi, sim, eivada de vícios, dos
quais identifica-se a negligência médica.
V - DA RESPONSABILIDADE PERANTE A DOUTRINA MÉDICA
Ao comparecer ao Hospital Pequeno Príncipe, expõe o Dr. César Cavalli Sabbaga que
encontrou a menor sendo deslocada para o internamento e apresentando um quadro grave, sugestivo de abdome agudo
por possível apendicite.
Conforme o já relatado nesta inicial, no tocante ao atendimento prestado pelo Dr.
Araquém Cunha Beges à sua paciente, afirmou-se que a mesma "cruzou os braços sobre o abdome impedindo o exame",
em seguida "retirando as mãos do médico de seu adbome quando começou a apalpá-lo", impedindo que desse
prosseguimento à consulta. Sendo novamente impedido na realização do exame, devido à dificuldades de
relacionamento, desistiu o médico de examinar a criança, e "medicou-a sintomaticamente, pedindo que ela retornasse
no dia seguinte caso não melhorasse."
Unânime é a doutrina médica ao atestar que o quadro clínico tanto da apendicite
crônica, quanto da aguda, inicia-se com náuseas, mal-estar geral, vômitos e dores abdominais.
In Manual de Pediatria, organizado por Gustav-Adolf Von Harnack, revisado e
adaptado no Brasil por Adelôncio Faria de Santana, Editora Pedagógica e Universitária Ltda e Editora Springer Ltda,
1980, constata-se, no que se aplica às características da apendicite, que "o doente evita a respiração abdominal forçada e
por vezes mantém o membro inferior direito fletido na articulação coxo-femoral. Quando deitado, ele se recusa a
levantar as pernas ou sentar-se na cama. No ponto de McBurney o exame revela dor à palpação profunda realizada
em um ponto indolor e seguida da brusca retirada da mão desencadeia uma dor intensa em pontada, na região do
apêndice".
Acrescenta ainda o mesmo autor, que "os estágios iniciais da doença podem passar
desapercebidos, pois os sintomas são pouco característicos, as informações da criança com relação à dor são pouco
precisas e a palpação minuciosa é dificultada pelas atitudes de defesa da criança. É preciso que em cada caso o
médico chegue a uma decisão com respeito à indicação cirúrgica, através de exames pacientes e repetidos." (grifos
nossos)
Intolerância, contudo, faltou ao Dr. Araquém Cunha Beges, que prescreveu como
tratamento médico a ingestão de dipirona em gotas e soro reidratante.
Em estudo relativo à apendicite aguda, Azor José de Lima, em Pediatria Essencial,
Livraria Aheneu, RJ/SP, 1982, esclarece que:
"A mais leve suspeita deve obrigar o médico a uma observação rigorosa do
paciente, sem o uso de antibióticos, que fatalmente modificará a evolução confusa
para o mais esperto dos especialistas. Os exames complementares são dispensáveis
se a história e o exame físico são típicos. O RX simples de abdome (em pé e deitado)
presta importante ajuda no esclarecimento dos casos duvidosos. A presença de
corprolito calcificado é sinal importante e por si só já justifica a cirurgia".
E continua:
"O apêndice obstruído evolui com engurgitação venosa, edema, invasão bacteriana e
finalmente ulceração da mucosa e perfuração. A dor na fase de inflamação
apendicular passa a ter localização na topografia do apêndice e é determinada pela
inflamação peritoneal. Todo paciente que apresenta sinais objetivos de irritação
peritoneal corre o risco de perfuração iminente, e o tratamento cirúrgico imediato se
impõe".
Finalmente, trata dos sinais e sintomas da doença, observando que "a criança com
apendicite aguda tem o comportamento de um animal ferido, busca a proteção para a área lesada. A referência de dor
localizada com a evidência de sinais de irritação peritonial (dor à descompressão, dor à mobilização diafragmática,
toque retal doloroso) completam o diagnóstico." (grifos nossos)
O comportamento demostrado pela vítima, adequa-se perfeitamente às características
esposadas na totalidade do presente item, atestadoras dos sintomas da apendicite.
VI - DA CARACTERIZAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO DO DANO
Dano pode ser entendido como o prejuízo concreto sofrido por uma pessoa no seu
patrimônio, sob a forma de perda ou lesão de determinados elementos patrimoniais.
O artigo 159 do Código Civil Brasileiro não faz distinção entre dano material e moral,
abrange tanto o dano patrimonial como o extrapatrimonial.
VI.I -DO DANO MATERIAL
O dano material sofrido pela vítima e seus familiares ramifica-se em dano positivo ou
"danus emergens" e lucro cessante ou "lucro cessans", sendo que o primeiro traduz o montante desembolçado pela vítima
ou seus familiares no tratamento médico hospitalar e despesas com o funeral, e o segundo apresenta-se relativo ao que
efetivamente deixou-se de lucrar com a ocorrência do ato ilícito.
No caso, pleiteia-se apenas o pagamento dos lucros cessantes, cumulado com os
danos emergentes.
Inevitavelmente sofreram os requerentes prejuízo patrimonial na quitação dos débitos
das despesas funerais de sua filha. Tomando-se como parâmetros suas condições sócio-econômicas, tais depesas
assumiriam, estimativamente, a ordem de R$ 200,00 (duzentos reais). O referido valor, embora para alguns pareça
insignificante, foi angariado mediante mútuos esforços de arrecadação de toda a comunidade que acompanhou a infeliz
experiência da Srª. Sebastiana Aparecida Miguel dos Santos.
Segundo Miguel Kfouri Neto, na obra Responsabilidade Civil do Médico, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1994, "o limite da pensão a certa idade da vítima, ou seja, até a idade em que viesse a completar
vinte e cinco anos, encontra apoio na maioria dos julgados, inclusive do STF (RTJ 119/1220). Presume-se que o filho
contribuiria para a economia doméstica até essa idade, passando a constituir sua própria família (RTJ 123/1065)".
Segundo o posicionamento da doutrina e jurisprudência em destaque, o valor da
pensão em virtude da morte do filho menor deve corresponder a uma contribuição média de 2/3 do salário mínimo.
Injustificável é que seja limitada em 1/3, considerando-se que desfalcar-se-ia a indenização devida aos pais da vítima
(RTJ 119/121).
Convenientes são, também, as Súmulas de nºs. 490 e 491, ambas emanadas do
Supremo Tribunal Federal, garantidoras do direito pleiteado:
"Súmula 490 - A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade
civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e
ajustar-se-á às variações ulteriores."
"Súmula 491 - É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que
não exerça trabalho remunerado."
Tratando-se de pessoas economicamente carentes, certa seria a necessidade da
contribuição do trabalho da menor Tatiana na economia da sua família. O cabimento da pensão pela morte do filho
menor é, portanto, plenamente amparada pelo Ordenamento Jurídico vigente.
VI.II - DO DANO MORAL
Para Agostinho Alvim, em obra pertinente à matéria, dano moral "é o dano causado
injustamente a outrem, que não atinja ou diminua o seu patrimônio. É a dor, a mágoa, a tristeza infligida injustamente a
outrem" ( Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 2ª parte, 5º volume).
A reparabilidade do dano moral é cabível uma vez que se tem em vista a dor, o
sofrimento que representa para seus parentes ou aliados a eliminação violenta e injusta do ente querido,
independentemente de que sua falta atinja ou não a economia dos familiares e dependentes. Representa uma
compensação, ainda que pequena, pela tristeza suportada.
O tema, aliás, há muito tempo, foi invulgarmente balizado por Clóvis Bevilaqua:
"Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que tal
interesse é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por
uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes e, não raro,
grosseiros, que o Direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o
interesse de afeição e os outros interesses morais" (citado in RT 489/92).
Prescreve a Súmula de nº 37 do Supremo Tribunal Federal:
"Súmula 37 - São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral
oriundos do mesmo fato".
Conclui-se, desta forma, que mesmo sendo comum o fato gerador da reparabilidade
dos danos moral e material, do qual a perda da criança, o efeito pode ser múltiplo. Cumuláveis são, pois, os
ressarcimentos dos danos moral e patrimonial.
VII - DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO DE CURITIBA
Do corolário lógico do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, nasce a
responsabilidade do Estado. Todo sacrifício suportado por um cidadão em seus bens, além daquilo com que ele
contribuiu para a sociedade em virtude de uma lei geral tributária, deve ser compensado pelo erário.
Carlos Mário da Silva Velloso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, assevera que
"dado que um indivíduo seja lesado nos seus direitos, como condição ou necessidade do bem comum, segue-se que os
efeitos da lesão, ou os encargos de sua reparação, devem ser igualmente repartidos por toda a coletividade, isto é,
satisfeitos pelo Estado, a fim de que, por este modo, se estabeleça o equilíbrio da justiça cumulativa" (Temas de Direito
Público, Del Rey, Belo Horizonte, 1994).
A responsabilidade civil do Estado vem amparada pelo artigo 37 da Constituição
Federal de 1988, em seu parágrafo sexto, na seguinte acepção:
"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de
serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa."
Disciplina a matéria também o artigo 15 do Código Civil Brasileiro:
"Art. 15 - As pessoas jurídicas de direito público são civilmente reponsáveis por ato
de seus representantes que nessa qualidade causarem danos a terceiros, procedendo
de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito
regressivo contra os causadores do dano."
Do preceito auferido, denota-se que adotou a Carta Magna a teoria da
responsabilidade objetiva do poder público, particularmente a modalidade do risco administrativo. Assim sendo, a
responsabilidade do Estado no ressarcimento do dano causado, subsistiria sempre, desde que comprovadas a ação ou
omissão de seus agentes, o dano e o nexo causal entre a conduta e o prejuízo causado ao particular. Tal obrigação
somente estaria afastada, quando provada a culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do evento danoso, além da
constatação do caso fortuito ou força maior. Da mesma forma, mitigado estaria o dever estatal, quando inequivocamente
apurada a culpa parcial e concorrente da vítima.
Dá suporte à citada assertiva, a decisão colhida da RJJ, 55:516, onde: "A
responsabilidade civil das pessoas de direito público não depende de prova de culpa, exigindo-se apenas a prova do
prejuízo injusto."
Das conclusões da Comissão de Sindicância instituída para a apuração dos fatos já
narrados (DOC nº 23), resultado da avaliação do atendimento e orientação prestados por funcionários da Unidade de
Saúde 24 Horas Sítio Cercado à requerente, foram comprovadas várias irregularidades, dentre elas:
"a) o atraso do médico de plantão, sem prévia justificativa, inclusive sabendo que
era o único pediatra de plantão;
b) a alegação de estar passando visitas em pacientes internados configura dupla
prestação de serviços no mesmo horário, e portanto, com dupla remuneração;
c) a ausência de pediatra na Unidade de Saúde das 7:00 às 10:00 num feriado de
carnaval em que outras unidades de saúde estão fechadas;
d) a escala de plantão com apenas um pediatra, sendo que a planilha prevê dois
pediatras por turno;
e) a falta de orientação por parte da enfermeira supervisora para os funcionários,
principalmente da recepção, de como proceder na ausência dos médicos (neste caso
caberia à enfermagem avaliar os casos que chegam na unidade);
f) o não encaminhamento dos pacientes pela recepção para enfermagem proceder a
avaliação, triagem para outro médico (generalista) ou encaminhamento da
paciente para outro serviço;
g) a não solicitação de ambulância, mesmo sem a avaliação médica em função da
gravidade do caso;
h) Dentre estas irregularidades, a mais significante é a escala de apenas um
pediatra para cobrir uma unidade de saúde 24 horas com excessiva demanda e com
caráter de pronto atendimento."
No mesmo documento, complementa-se mais adiante que:
"A constatação das condições inadequadas de trabalho, do número insuficiente de
profissionais (30% aproximadamente), de acordo com a demanda excessiva,
observada pelo número de consultas realizadas por horas; a não previsão e
adequação da estrutrura organizativa e administrativa da unidade de saúde com
características de pronto atendimento, fornecem elementos circunstanciais que
determinam a responsabilidade do gestor público municipal, na área de saúde para
a ocorrência dos fatos." (grifos nossos)
Urge, da mesma forma, a transcrição da manifesta posição do mesmo Conselho no
que toca ao atendimento primeiro dado pelo Dr. Araquém à filha da autora, que traz como evidências:
"a) que Tatiana Aparecida Manoel não foi examinada pelo médico Dr. Araquém
Cunha Beges;
b) que apesar das tentativas, faltou sensibilidade no trato com a criança que não se
deixava examinar;
c) em virtude das dificuldades de realizar o exame, pois já havia atendido a diversas
crianças naquele plantão, portou-se de forma intolerante, abrindo mão de
examinar o abdômem da criança e optando por tratá-la sintomaticamente por uma
gastroenterite;
d) houve dificuldade de relacionamento entre o médico a paciente e a mãe;
e) a consulta não durou mais que cinco minutos e nesse tempo seria difícil para o
médico fazer um diagnóstico mais preciso." (grifos nossos)
Observa-se, aqui, tanto as condutas omissivas quanto a comissivas dos servidores
públicos municipais. A omissão do agente público configura a culpa "in omitendo" e "in vigilando". São casos de inércia,
de não atos; imputa-se àquele que, embora tivesse o dever de agir, não o faz. Presente está a omissão do Estado no
procedimento descrito às fls. retro, em suas alíneas "c", "e", "f", e "g", que merecem especial análise. Das demais,
extraem-se as falhas na execução do serviço médico-hospitalar ofertados pela Unidade de Saúde Municipal, localizada no
Bairro Sítio Cercado, cuja conseqüência correspondente é a configuração da responsabilidade civil do município de
Curitiba.
Flagrante é, sobretudo, a necessidade da responsabilização do médico - Dr. Araquém
Cunha Beges - na descrita produção do resultado morte. A negligência médica identificada na presente medida pela
própria doutrina técnica (fls. retro), é transparente. Vale ressaltar que, uma vez comprovada a imputação subjetiva do
agente, atuando este em nome do serviço público, a responsabilidade objetiva do Estado também subsiste , pois esta
assume a condição de "minus" em relação àquela.
"Com efeito, sendo princípio informador de todo o direito a máxima de que não se
deve lesar pessoa alguma, não pode a ordem jurídica silenciar ou menosprezar os fatos, ou seja, a ocorrência de
situações em que há a lesão que se procura evitar" (Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade Civil, Médica, Hospitalar,
ed. Saraiva, São Paulo, 1991).
VIII - DO PEDIDO E DO CÁLCULO INDENIZATÓRIO
Diante de todo o exposto, com suporte nos permissivos legais, doutrina e
jurisprudência trazidos à colação, requer-se à Vossa Excelência:
a) o benefício da Justiça Gratuita aos requerentes, por serem pessoas economicamente
carentes, nos termos das Leis nºs. 1.060/50 e 7.510/86;
b) a citação dos réus nos endereços já declinados nesta inicial, para, querendo,
contestarem a presente no prazo legal, sob as penas de lei;
c) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive pericial,
documental e testemunhal, cujo Rol segue em anexo;
d) a procedência do pedido de REPARAÇÃO DE DANOS, com a final condenação
dos réus ao pagamento das indenizações provenientes de:
d.1) pensão mensal a ser paga antecipadamente aos requerentes, como meio de
compensação da ausência da capacidade laborativa de sua filha, devida dos 14 (quatorze) - idade mínima legalmente
prevista para o trabalho do menor - até a data em que a vítima viesse a completar 25 (vinte e cinco) anos de idade, no
montante de 2/3 do salário mínimo vigente quando da data do trânsito em julgado da respectiva sentença;
d.2) danos morais, atribuídos como forma de minimização do sentimento ocasionado
aos pais pela morte da criança, a serem fixados por arbitramento, de acordo com o artigo 1553 do Código Civil
Brasileiro, mas para cuja cobertura se postula a quantia de 800 (oitocentos) salários mínimos, vigentes à época da
prolatação da sentença;
d.3) danos materiais, dos quais os danos emergentes, oriundos de todas as despesas
suportadas pelos requerentes, seus familiares e amigos, nas despesas com o funeral da menor, a serem pagos em dobro,
segundo as disposições do artigo 1538, §1º, cujo valor total recairá em R$ 200,00 (duzentos reais);
e) a constituição de capital bastante que assegure o cabal cumprimento da
condenação, em relação ao primeiro demandado, conforme dispõe o artigo 602 do Código de Processo Civil.
Dá-se à causa o valor de R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais).
Nestes termos,
pedem deferimento.
Curitiba, 22 de setembro de 1995.
Marcos Bittencourt Fowler
Promotor de Justiça
Mônica Helena Derbli
Auxiliar Administrativo
ROL DE TESTEMUNHAS
1) SEBASTIANA MIGUEL DOS SANTOS, brasileira, casada, empregada doméstica, portadora da Carteira de
Identidade/RG nº 19.468.445, SSP/SP, residente e domiciliada à Rua Nove, Casa Dezesseis, Osternac, Moradia Vinte e
Três de Agosto, nesta Capital;
2) ANTÔNIO MANOEL, brasileiro, casado, servente de pedreiro, portador da Cédula de Indentidade/RG nº
10.897.649, SSP/SP, residente e domiciliado à Rua Nove, Casa Dezesseis, Osternac, Moradia Vinte e Três de Agosto,
nesta Capital;
3) ARAQUÉM CUNHA BEGES, brasileiro, médico, inscrito no Conselho Regional de Medicina sob o nº 75.203-3,
com endereço profissional à Rua Dr. L. Buquera, nº 158, Unidade de Saúde Vinte e Quatro Horas, Sítio Cercado, nesta
Capital;
4) EDITE KLETEMBERG ROCHA, brasileira, enfermeira, matriculada no Conselho Regional de Enfermagem sob o
nº 85.069-9, com endereço profissional à Rua Realeza, nº 259, Conjunto São João Del Rey, Sítio Cercado, Unidade de
Saúde São João Del Rey, nesta Capital;
5) CÉSAR CAVALLI SABBAGA, brasileiro, médico, portador da Cédula de Identidade/RG nº 318.643, SSP/PR, com
endereço profissional à Rua Desembargador Motta, nº 1070, Hospital Infantil Pequeno Príncipe, nesta Capital;
6) MAGNA MARIA MARQUES BITENCOURT, brasileira, enfermeira supervisora, portadora da Carteira
Profissional nº 90.688, série 00014/PR, com endereço profissional à Rua L. Buquera, nº 158, Unidade de Saúde Vinte e
Quatro Horas, Sítio Cercado, nesta Capital;
7) MÁRCIA BANDEIRA, brasileira, médica, portadora da Cédula de Identidade/RG nº 4.559.747-4, SSP/PR, inscrita
no Conselho Regional de Medicina sob o nº 14.162, com endereço profissional à Rua Desembargador Motta, nº 1070,
Hospital Infantil Pequeno Príncipe, nesta Capital.
Curitiba, 22 de setembro de 1995.
Marcos Bittencourt Fowler
Promotor de Justiça
Mônica Helena Derbli
Auxilhar Administrativo
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