UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA 4ª Semana do Servidor e 5ª Semana Acadêmica 2008 – UFU 30 anos BIOÉTICA E A ORIGEM DA VIDA: O DIREITO DOS EMBRIÕES CONGELADOS Autor (a): ARIELLE ZARDO BERNARDES BARRETO Instituição e endereço: Universidade Federal de Uberlândia, situada à Av. João Naves de Ávila, n.º 2121, Santa Mônica, CEP 38400-000, Uberlândia-MG, Brasil. E-mail para correspondência: [email protected] RESUMO: O presente trabalho busca apresentar uma visão dinâmica e atual sobre a Bioética e o Biodireito, enfatizando a problemática a respeito das pesquisas com células tronco embrionárias. Através da análise das hipóteses doutrinárias sobre o tema, serão discutidos aspectos fundamentais para definir o direito dos embriões congelados. Para tanto, será necessário a abordagem de assuntos relevantes como os princípios bioéticos. Intenta-se, analisar as técnicas de reprodução assistida, enumerando-se as teorias sobre origem da vida, responsáveis por determinar a existência de vida humana nos embriões e, conseqüentemente, a possibilidade de utilização do material embrionário nas pesquisas genéticas, sempre observando os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal. Por fim, tema de grande discussão no cenário nacional, será analisada a Lei 11.105 de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança), relatando os fundamentos da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade. O objeto de análise conclusiva deste trabalho é a tentativa de balancear a intervenção jurídica no plano bioético, sem impedir os avanços técnicos- científicos e a realização de pesquisas que intentem a melhoria nas condições de vida humana. Palavras – chave: Bioética; Biodireito; Reprodução Assistida; Pesquisas com células-tronco; Embriões Congelados; Direitos Fundamentais. 1- INTRODUÇÃO Todos os dias noticiam-se a descoberta de novas tecnologias científicas, que permitem o desenvolvimento da capacidade de informação e tratamento dos males que afligem a sociedade. Diante dessas inovações, surge o debate entre ciência e ética, que analisa os benefícios originados da prática de determinados métodos científicos, e os seus impactos no universo social. Inoportunamente, a evolução do direito não acompanha a velocidade de surgimento das novas tecnologias científicas. Por esse motivo, durante um determinado período, algumas relações sociais relevantes, ainda que embasadas em princípios bioéticos, encontram-se carentes de normatização jurídica e, conseqüentemente levantam acaloradas discussões entre os operadores dos direito. O Biodireito é uma nova área do direito que visa propor a normatização adequada para regular a medicina e a biologia. É o direito que intervêm nas técnicas biomédicas, com intuito de estimular o desenvolvimento da ciência dentro de limites éticos. O advento de métodos artificiais, no final da década de 1970, capazes de alterar a forma natural de reprodução humana originou questionamentos filosóficos e éticos quanto à origem da vida, o status do embrião congelado e a possibilidade de utilização de células tronco embrionárias em pesquisas científicas. Poucos assuntos na ciência biomédica capturaram a imaginação da comunidade científica e do público em geral, como tem sido o uso de células-tronco embrionárias, pois estas pesquisas alardeiam a possibilidade de cura para inúmeras doenças, a partir de terapias que possibilitem o reparo de tecidos danificados. No Brasil, a bioética e o biodireito ganharam destaque com a implantação da Nova Lei de Biossegurança (nº 11.105), em março de 2005, que entre outras coisas, permitiu as pesquisas com células tronco embrionárias. O então procurador - geral da República, Cláudio Lemos Fonteles, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 3510) contra o artigo 5º da referida lei, alegando violação ao direito fundamental de inviolabilidade da vida, garantido no art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988. Para tentar amenizar a controvérsia do início da vida, o filósofo americano Peter Singer (Writings on na Ethical Life.New York: Ecco, 2000.) diz que: “a pergunta moral a ser feita não é quando começa a vida, mas quando o embrião ou o feto alcança o mesmo status moral e legal de pessoa”. Busca-se pelo presente trabalho apresentar uma visão geral acerca da bioética, levantando seus princípios embasadores. Será ainda apresentado um estudo a respeito de da evolução dos direitos humanos fundamentais, bem como uma análise específica do direito à vida. Serão apresentados aspectos técnicos sobre a reprodução assistida, enumerando-se as modalidades existentes e as suas conseqüências no ordenamento jurídico. Será analisada a evolução normativa histórica das pesquisas científicas e, posteriormente, serão enumeradas as diferenças entre os tipos de células-tronco. Por fim, será apresentada a posição do Supremo Tribunal Federal, quando a constitucionalidade da Nova Lei de Biossegurança, colocando fim a controvérsia da utilização de células-tronco embrionárias para pesquisas genéticas, no ordenamento jurídico brasileiro. 2- BIOÉTICA E BIODIREITO 2.1 Bioética Inicialmente, para que o estudo da bioética seja realizado de forma completa, será imprescindível a análise do termo “ética”. Uma vez que impossível estabelecer um conceito definitivo de ética, buscou-se a análise etimológica do termo. Ética deriva do grego “ethos”, que significa “modo de ser, caráter”. No latim, corresponde ao termo “mos” ou “mores”, que significa costume, e do qual derivou a palavra moral. Marilena Chaui leciona em sua obra “Convite à filosofia” (7ed. São Paulo: Ática, 2000, p. 340.) que: “ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros.” O termo bioética surgiu em janeiro de 1971, com o biólogo e oncologista Van Rensselaer Potter, da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos da América. Em seu livro Bioética: a ponte para o futuro (Bioethics: a brigde to the future), Potter explicou a origem do termo utilizado: “Escolho ‘bio’ para representar o conhecimento biológico dos sistemas aviventes, e escolho ‘ética’ para representar o conhecimento dos sistemas dos valores humanos.” Para Potter, bioética era o “estudo do respeito à pessoa humana em uma perspectiva ecológica.” Ainda, que o oncologista tenho sido o propulsor do termo “bioética”, o conceito amplo por ele empregado, não prevaleceu. Com o passar dos anos o conceito de bioética sofreu inúmeras mutações, que acarretaram em sua especialização, e reduziram sua área de atuação. Na atualidade, prevalece na doutrina o sentido estabelecido pelo fisiologista fetal holandês, André Hellegers, que introduziu o termo à ética na medicina e nas ciências biológicas, através da criação do Joseph and Rose Kennedy Institue for the study of Human Reproduction And Bioethics, na Universidade de Georgetown, nos EUA. O ponto de contato entre os conceitos estabelecidos ao longo dos anos se dá na conservação de valores éticos aplicados as ciências humanas. Dessa forma, tem-se que a bioética, ou ética da vida, é basicamente a parte da ética prática que estuda os problemas morais relativos à conduta humana na área das ciências da vida. Cabe a ela estabelecer regras que possibilitem o uso adequado do conjunto de descobertas científicas. Entretanto, essas regras carecem de caráter coercitivo, servindo meramente como sugestões éticas. 2.2 Biodireito Diante do caráter sugestivo da bioética, estará o Direito incumbido de criar normas coercitivas com o objetivo de regular as condutas entre os indivíduos, entre indivíduos e grupos, e entre esses com o Estado, quando essas relações referirem-se ao início da vida, ao transcurso dela ou ao seu fim. Trata-se do chamado “biodireito”, novo ramo jurídico, que surge com o intuito de positivar as normas bioéticas. O biodireito abrange o conjunto de regras jurídicas voltadas a impor determinada conduta médica-científica. Pierre Santos Castro, em dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, define biodireito como: “parte do direito fundado nos estudos da bioética que procura compreender e delimitar por intermédio do estudo das legislações, as ações proporcionadas pelas inovações das ciências biomédicas, de engenharia genética, da embriologia e das tecnologias aplicadas à saúde, abstraindo-se do objeto de estudo para sua melhor analise e compreensão, respeitando a pesquisa científica e assim o Estado Democrático de Direito.” 3- DIREITO À VIDA É garantido no artigo 5º, caput da Contituição Federal de 1988, que assevera: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Alexandre de Moraes leciona(Direitos Humanos Fundamentais, cit, p.87.): “O direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, o direito à alimentação, vestuário, assistência médico – odontológica, educação, cultura, lazer. O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e religiosas.” O direito à vida é essencial ao indivíduo, que ao gozar desse direito estará também salvaguardando os demais direitos garantidos constitucionalmente, ou seja, ainda que previstos na Constituição Federal, os demais direitos só terão aplicação fática com a concretização da proteção a vida. O problema é definir quando começa realmente a vida. 4- A PROBLEMÁTICA SOBRE O INÍCIO DA VIDA 4.1 Conceito de Vida Vida é um conceito muito amplo, que admite diversas definições. A enciclopédia livre Wikipédia apresenta as inúmeras hipóteses em que a palavra vida pode ser empregada. Primeiramente, refere-se ao processo em curso do qual os seres vivos são uma parte; ou ainda, relacionado ao espaço de tempo entre a concepção e a morte de um organismo. E, por fim, define vida metafisicamente, como sendo o processo constante de relacionamentos. Os maiores expoentes da filosofia também apresentaram diversos conceitos a respeito do termo vida. Aristóteles entendia vida como sendo (De Anima. Apresentação, tradução e notas Maria Cecília Gomes dos Reis): “a nutrição, o crescimento e a destruição que se originam por si mesmo.” Já Friederich Hegel afirmava que (Textos escolhidos. Seleção Roland Corbisler. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1981, p.250.): “a vida é como um todo em movimento, que se desenvolve que resolve o seu desenvolvimento e que se mantém simples neste movimento.” Em síntese, entende-se por vida o conjunto de fenômenos de toda a espécie, que se estende do nascimento até a morte. 4.2 A gênese da vida A grande problemática a respeito da utilização de células – tronco embrionárias para realização de estudos científicos se dá em virtude da discussão do início da humana e os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico ao embrião. A definição sobre o momento em que á vida se origina varia conforme convicções morais, filosóficas, religiosas, científicas e jurídicas. São cinco as principais teorias defendidas pelos especialistas para designar o surgimento da vida. 4.3 Teorias sobre o início da vida humana 4.3.1 Teoria Concepcionista Também conhecida por Teoria da Fecundação, afirma que a vida humana tem início no momento da penetração do espermatozóide no óvulo, ou seja, no efetivo momento da fecundação. Segundo esta teoria, o processo duraria aproximadamente quarenta minutos, e seria responsável pelo surgimento de um ser humano autônomo, que a essa altura já teria características únicas, que o diferenciarão de qualquer outro organismo humano. Esta é a visão predominante entre os embriologistas, que tem o zigoto com marco inicial da vida humana. Neste sentido, Vicent Bourguet assevera (Gestação: relexões bioéticas sobre o embrião humano. São Paulo: Editora Loyola, 2002, p.51.):“A vida embrionária começa com a fecundação, ou seja, com a fusão de um gameta macho (espermatozóide) com um gameta fêmeo (ovócito). Essa fusão corresponde à emergência do ovo fecundado ou zigoto. Durante esse processo (de aproximadamente 24 horas) efetua-se a fusão dos núcleos haplóides do ovócito e do espermatozóide. Temos agora uma soma, com a suma combinação cromossômica própria (cujo sexo foi cromossomicamente determinado desde a fecundação).” 4.3.2 Teoria da Nidação Esta teoria tem origem latina e significa “fazer ninho”. Segundos os defensores desta corrente, a vida teria inicio com a fixação do óvulo na parede uterina. Para os adeptos desta teoria, alguns dias após a fecundação, o ovo ainda com as células a se multiplicarem, faz a sua descida procurando o útero, buscando assim, um lugar no organismo feminino para se aninhar e permanecer por lá durante toda a gestação. Nesta etapa, o embrião já estaria preparado para ser alimentado, o que garantiria condições para o seu desenvolvimento. Para esses pesquisadores, até o momento da nidação (fixação na parede uterina) não há vida, apenas existe um amontoado de células, com potencial para formar a base de embrião. Haveria o chamado “pré-embrião”. Cumpre ressaltar, que a utilização do termo “pré – embrião” é considerada inadequada, pois a implicação de vida não pode ser pré, isto é, ou existe vida ou ela é inexistente. 4.3.3 Teoria da Formação dos Rudimentos Os defensores desta teoria acreditam que só há vida após duas semanas da fecundação, ou seja, por volta do décimo quarto dia. Neste período surgem os primeiros vestígios de formação de órgãos. É inclusive nesta etapa que desenvolve o sistema nervoso central. Esta teoria, utilizando em analogia a idéia de que a morte será constatada com a paralisação das atividades cerebrais, afirma que a vida começa com o começo de tal atividade. A teoria do fim da vida surgiu em 1968, quando um comitê da Universidade de Harvard estabeleceu os critérios mínimos de morte. Ele determinou (. O primeiro instante. Revista Super Interessante. Rio de Janeiro: Abril Cultural, ed. 219, Nov 2005, p. 49.): “que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à primeira morte total. A idéia que existe um ponto a partir do qual a destruição das células do tronco cerebral é de tal ordem que o individuo não tem mais como recuperar. Esse momento engloba toda a atividade encefálica, não apenas lesões que deixem uma pessoa em coma ou inconsciente para sempre.” Esta é a posição adotada pelo ordenamento jurídico para assegurar a realização de transplantes de órgãos. 4.3.4 Teoria Natalista Com o intuito de garantir amparo jurídico ao embrião, alguns doutrinadores admitem a possibilidade de ofertar o mesmo tratamento estabelecido ao nascituro. A teoria natalista é adotada pelo sistema jurídico brasileiro e, visa resguardar os direitos da pessoa humana. Ela defende que a vida humana começa com o parto, sendo nessa etapa que o nascituro adquire os direitos à personalidade. Para tanto, será necessário o nascimento com vida. É o que prevê o art. 2º do Código Civil Brasileiro: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida.” Entretanto, o Código garante os direitos do nascituro, desde a sua concepção. Ainda que durante muitos anos tenha sido a corrente que predominou no cenário jurídico nacional, vem a cada dia sendo considerada ultrapassada, já que não acompanhou a descoberta através do DNA, que o nascituro possui vida independentemente de estar dentro de sua mãe. Essa é a idéia defendida pela pesquisadora Patrícia Spagnolo Parise ao afirmar que (O biodireito e a Manipulação Genética de Embriões Humanos. Goiânia:Kelps, 2003, p 42.): “a teoria natalista vem sendo muito questionada na atualidade, sob o argumento se que se encontra ultrapassada perante os novos rumos que o direito vem tomando na busca de acompanhar a evolução humana, ou seja, é uma teoria que já não se adequou a realidade.” 4.3.5 Teoria da Personalidade Condicional É também chamada de Falsa Doutrina Concepcionista, já que defende a vida desde a concepção. Entretanto só assegura ao nascituro seus direitos após o nascimento com vida. Esta é a posição adotada por alguns tribunais nacionais, que já tomaram decisões embasadas nas idéias defendidas pela teoria da personalidade condicional. 5- A NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA Antes de sua entrada em vigor, os procedimentos relacionados a embriões excedentários eram regulados pela Lei 8.974/95, que vedada expressamente a manipulação genética de células germinais, bem como a intervenção em material genético in vivo. A Nova Lei de Biossegurança é resultado de Projeto de Lei de iniciativa do Presidente da República, nº 2.401 que foi encaminhado à Câmara dos Deputados como mensagem nº 579, de 03 de outubro de 2003. Uma vez que a Lei 11.105/2005 regula as atividades envolvendo organismos geneticamente modificados e que, tecnicamente não guarda qualquer relação com a autorização de pesquisas com células- tronco embrionárias, várias vezes discutiu-se a retirada desses dispositivos, com o intuito de elaborar projeto específico, em conformidade com a Lei Complementar nº 95/1998. Entretanto, depois de inúmeros debates, os Senadores Osmar Dias e Ney Suassuna apresentaram em 20 de setembro de 2004 pareceres, que levaram a discussão da matéria em plenário em 06 de outubro de 2004, aprovando no Senado por 53 (cinqüenta e três) votos. Após, em nova deliberação na Câmara de Deputados no dia 04 de março de 2005, o Projeto Lei nº 2401/2003, foi aprovado por 352 (trezentos e cinqüenta e dois) votos favoráveis. O Presidente da República, Luís Inácio da Silva sancionou o referido projeto em 24 de março de 2005, convertendo-o na Lei 11.105/2005, promulgada com o objetivo de regulamentar o art. 225 da Constituição Federal de 1988. A Lei 11.105/2005 estabeleceu normas de segurança e mecanismo de fiscalização das atividades que envolvem organismos geneticamente modificados. Criou o Conselho Nacional de Biossegurança e, reestruturou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Contudo, o ponto de maior discussão da referida Lei deu-se com a regulamentação das pesquisas científicas envolvendo células – tronco de embriões, fruto de técnicas de reprodução assistida. 5.1 Críticas A Nova Lei de Biossegurança foi criticada tanto em seu aspecto material, quanto ao formal. Para muitos juristas a Lei é falha, já que a linguagem utilizada é confusa e ambígua. Márcia Santana Fernandes, José Roberto Goldim e Judith Martins Costa criticam o conteúdo da Lei, ao dizer que (Lei de Biossegurança: Medusa legislativa? Jornal de ADUFRGS. Rio Grande do Sul, v.134, 2005, p.19.): “Conquanto o tema central da Lei seja as pesquisas e fiscalização com organismos geneticamente modificados – OGM, a Lei volta-se, repentinamente, a regulamentar a utilização de células- tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. Dizemos ‘repentinamente’ porque esse tema não está sequer mencionado no artigo 1º que define os objetivos da Lei. Observa-se que o legislador tratou da matéria de forma precária e deficiente, tudo sintetizando em breves passagens altamente criticáveis.” A outra crítica diz respeito as lacunas apresentadas nos incisos I e II do art. 5º, que estabelecem que os embriões utilizados para fins de pesquisa devem ser considerados “inviáveis” ou estarem “congelados há três anos ou mais”. Foi Decreto nº 5.591 de 22 de novembro de 2005, que trouxe a definição ausente na Lei. Em seu inciso XII preconiza: “Embriões inviáveis são aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a 24 (vinte e quatro) horas a partir da fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno desenvolvimento do embrião.” 5.2 A Ação Direta de Inconstitucionalidade Em 16 de maio de 2005, o então Procurador – Geral da República, Cláudio Fonteles, ingressou com ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (ADIn 3510). Entre outras questões, alegava o ex-procurador que o uso de embriões para pesquisas terapêuticas violaria o direito à vida assegurado no art. 5º da Constituição Federal de 1988. O ex-procurador solicitou a realização de uma audiência pública, para que membros da comunidade médica depusessem acerca do tema, auxiliando na compreensão técnica, uma vez que a questão envolvia pontos da biologia desconhecidos pelos Ministros. A Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 3510 foi distribuída ao Ministro Carlos Britto, que requereu informações aos requeridos em maio de 2005. Somente após dois anos de tramite, foi designada para o dia 20 de abril de 2007 a primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal. O Ministro Carlos Ayres Britto explicou o porquê da realização da referida audiência: “a audiência pública além de subsidiar os ministros deste STF, também possibilitará uma maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário da Corte.” Na abertura da audiência, a ministra Ellen Gracie, presidente do STF ressaltou que o ato de julgar é um ato de humildade, e declarou que o STF se abria para comunidade científica, com o intuito de se preparar para o julgamento. O ministro relator (Carlos Ayres Britto) afirmou que os ministros estavam em busca de um conceito jurisdicional para o vocábulo vida. Para tanto, foram convidados dezessete especialistas para esclarecer aspectos da matéria questionada nos autos. Após a referida audiência, foi designada para o dia 05 de março de 2008, a sessão do plenário para apreciação da matéria. 6.2.1 O Julgamento Durante o julgamento, o Advogado- Geral da União, José Antônio Toffoli, manifestou-se pela improcedência da ação. O ministro Carlos Britto fez a leitura de do relatório e, apresentou o seu voto.Para o ministro, “a Constituição Federal não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva e, nessa condição, dotada de compostura física ou natural.” Assim, após levantar os aspectos relevantes anteriormente discutidos, com olhar pós – positivista sobre o Direito Brasileiro, o ministro Carlos Ayres Britto julgou totalmente improcedente ação de inconstitucionalidade. Dando continuidade à sessão, foi dada oportunidade para o ministro Menezes de Direito apresentar seu voto. Entretanto, o ministro requereu vista dos autos e, a conseqüente suspensão do julgamento. A então presidente do STF, a ministra Ellen Gracie, antecipou seu voto, acompanhando o ministro relator pela improcedência da ação. De acordo com a ministra, não havia nos artigos da Lei de Biossegurança, nada que ferisse a ordem constitucional. Foi então no dia 28 de maio de 2008 que o julgamento recomeçou, com a apresentação dos votos dos demais ministros. Após três horas lendo seu voto, o ministro Carlos Alberto Menezes de Direito, julgou parcialmente procedente a ADIn. O ministro fez uma análise sobre a falta de controle dos trabalhos realizados em clínicas especializadas de fertilização in vitro. Menezes de Direito embasou seu voto em argumentos filosóficos e científicos. O ministro admitiu a continuação das pesquisas, desde que fosse limitada a possibilidade de aplicação da lei e conseqüentemente das pesquisas. Para isso, condicionou as pesquisas à não-destruição dos embriões. Após a manifestação do ministro Menezes de Direito, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha apresentou o seu voto. A ministra afirmou que as pesquisas com células –tronco embrionárias não violam o direito à vida e, pelo contrário, contribuem para dignificar a vida humana. Já o ministro Ricardo Lewandowski, com base na experiência do direito comparado e da legislação internacional, votou pela procedência parcial da ação direta de inconstitucionalidade. O ministro propôs uma alteração nos dispositivos do art. 5º da Lei de Biossegurança. Nesses mesmos termos, o ministro Eros Grau sugeriu que fossem feitas modificações na Lei de Biossegurança, restringindo as pesquisas as células – tronco obtidas a partir de óvulos que não se dividiram espontaneamente. O ministro Joaquim Barbosa, acompanhou integralmente o voto do relator quanto a improcedência da ação. O ministro afirmou que a proibição das pesquisas de células – tronco embrionárias, nos termos da lei:“significa fechar os olhos para os desenvolvimentos cientifico e os benefícios que dele podem advir.” O ministro César Peluso também pediu modificações na norma. Ele ressaltou a necessidade do Congresso Nacional em aprovar instrumentos legais para propiciar a fiscalização rigorosa das pesquisas científicas. Já o ministro Marco Aurélio Mello votou a favor das pesquisas com células –tronco embrionárias. O ministro afirma que: “Não se trata de questionar a gestante a ficar fisicamente conectada a outra, mas sim de definir o destino dos óvulos fecundados que fatalmente seriam destruídos e, devem ser aproveitados na tentativa de progresso da humanidade.” O ministro Celso de Mello também apresentou voto pela improcedência da ação de inconstitucionalidade. O ministro defendeu que a Nova Lei de Biossegurança garantiu aos embriões inviáveis uma destinação mais nobre. Por fim, foi o ministro Gilmar Mendes, que na ocasião já era o novo presidente do Supremo Tribunal, que finalizou o julgamento proferindo seu voto, com algumas ressalvas à legislação. Diante dos votos expostos, em 29 de maio de 2005 foi publicada a seguinte decisão: “Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, julgou improcedente a ação direta, vencidos, parcialmente, em diferentes extensões, os Senhores Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes.” Em suma, durante os três anos em que esteve em discussão, sempre se ressaltou a ótica da ciência e da religião, no entanto, após analise profunda do tema, os Ministros centraram-se no direito, transformando o enigma em questão técnica e fizeram história. 6- CONCLUSÕES A concepção humana transpôs os limites naturais e passou ao domínio da ciência, já que sob a orientação da biotecnologia, foi possível a união de gametas humanos em laboratórios. Esses tipos de avanços tecnológicos são inevitáveis, uma vez que são responsáveis pelo surgimento de novas realidades sociais. Ao Direito restará a busca de soluções para compor e interpretar essas novas necessidades do ser humano. Busca-se pelos avanços técnicos-científicos, possibilitar a evolução da sociedade humana, dentro de aspectos éticos relevantes. Esse equilíbrio entre bioética e direito é um dos maiores desafios do século XXI. Em geral, enquanto o ordenamento jurídico esteve sobre a influência da religião, a ciência caminhou em sentido diferente, o que até hoje acarreta uma reação cética dos pesquisadores. A que se considerar a liberdade da ciência e do progresso científico garantidos constitucionalmente. Portanto, proibir as pesquisas científicas seria além de um retrocesso científico, um retrocesso jurídico. Foi através das discussões quanto a constitucionalidade da Nova Lei doe Biossegurança, que levantaram os aspectos relevantes a serem discutidos por um Estado considerado laico. Durante os três anos em que tramitou a Ação Direta de Inconstitucionalidade, várias discussões de caráter religioso e filosófico foram travadas. No fim, o Supremo Tribunal Federal, centralizou a discussão em seus aspectos técnicos e jurídicos e, decidiu quanto a possibilidade de utilização de material embrionário inviável para reprodução, em pesquisas científicas. O julgamento do Supremo Tribunal Federal não delimitou o momento de surgimento da vida humana, mas seguindo a tônica do filósofo Peter Singer, determinou o momento em que o embrião criopreservados adquiri status legal de pessoa, ou seja, determinou o status legal que deve ser imputado ao embrião excedentário. Permitir-se o uso de células-tronco embrionárias não se trata de negar o direito à vida, mas de compreender o direito a vida me sua acepção mais ampla. Defende-se a vida em sua plenitude, no reconhecimento das diferenças e das necessidades especiais. 7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. De Anima. Apresentação, tradução e notas Maria Cecília Gomes dos Reis. BALMACEDA, José P.; GOLDSMAN, Mônica P. Transferência intratubária de gametas. In: Fertilidade e Infertilidade Humana. BEAUCHAMP, Tom L., CHILDRESS, James F. Principles of biomedical ethics. 4 ed. New York: Oxford University, 1994. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. PARISE, Patricia Sapagnolo. O biodireito e a Manipulação Genética de Embriões Humanos. Goiânia:Kelps, 2003. SCARPARO, Mônica Sartori. Fertilização assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. SINGER, Peter. Writings on na Ethical Life.New York: Ecco, 2000. BYOETHICS AND THE ORIGIN OF THE LIFE: THE RIGHT OF THE FROZEN EMBRYOS Author: ARIELLE ZARDO BERNARDES BARRETO Learning of the Law school of the Federal University of Uberlândia, situated to the Av. João Naves de Avila, nº. 2121, Mônica Saint, CEP 38400-000, Uberlândia-MG, Brazil. Email for correspondence: [email protected] ABSTRACT: The present work searchs to present a dynamic and current vision on the byoethics and the Biodireito, emphasizing problematic regarding the research with embryonic cells the trunk. Through the analysis of the doctrinal hypotheses on the subject, basic aspects will be argued to define the right of the frozen embryos. For in such a way, the boarding of excellent subjects will be necessary as the byoethics principles. One intends, to analyze the techniques of reproduction attended, enumerating the theories on origin of the life, responsible for determining the life existence human being in the embryos and, consequently, the possibility of use of the embryonic material in the genetic research, always observing the basic rights guaranteed by the Federal Constitution. Finally, subject of great quarrel in the national scene, will be analyzed Law 11.105 of 24 of March of 2005, telling the beddings of the decision of the Supreme Federal Court how much to its constitutionality. The object of conclusive analysis of this work is the attempt to balance the legal intervention in the bioético plan, without hindering the scientific advances technician and the accomplishment of research that intends the improvement in the life conditions human being. Words - key: Byoethics; Attended reproduction; Research with cell-trunk; Frozen embryos; Basic rights.