The Lisbon Summit Looking ahead: how sustainable public finances underpin growth 19 de fevereiro de 2014 Intervenção da Ministra de Estado e das Finanças Maria Luís Albuquerque Muito bom dia, Quero começar por agradecer o convite para participar nesta iniciativa, bem como felicitar a revista The Economist pela organização deste ciclo de debates. Queria também saudar o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais e os Senhores Embaixadores aqui presentes. O início de 2014 é o momento ideal para debater as perspetivas para o País. Não só porque estamos prestes a concluir o período de assistência financeira, mas porque o esforço dos últimos três anos permitiu reunir um conjunto de condições que são decisivas para alcançar o futuro que pretendemos para Portugal – um futuro de estabilidade, de sustentabilidade e de prosperidade. De facto, embora o atual contexto ainda se revista de incerteza, há uma verdade que é incontestável: Portugal mudou. Mudou porque corrigiu desequilíbrios enraizados. Mudou porque ajustou comportamentos. Mudou porque traçou um novo rumo. Mudou – porque escolheu mudar. Hoje, quero centrar-me nessa mudança. Quero recordar de onde viemos e explicar para onde vamos. E quero evidenciar o papel das finanças públicas nesse caminho. Começando pelas causas desta transformação, é necessário recuarmos no tempo. Não tanto às circunstâncias que despoletaram o pedido de ajuda externa, mas aos fatores que tornaram essas circunstâncias tão difíceis para Portugal. 1 Na verdade, para analisar o presente, poderíamos recuar até ao início do regime democrático, aos anteriores programas de ajustamento com o apoio do Fundo Monetário Internacional e, de um modo geral, à evidência que impunha há muito uma transformação profunda das instituições. Não obstante, para compreendermos o momento atual, é suficiente remontarmos a meados da década de 90, pois as causas últimas da crise que vivemos resumem-se a um fator: a incapacidade de adaptação à disciplina inerente à moeda única. Na altura, a participação na área do euro surgia como um passo natural na integração europeia. E antecipava importantes benefícios para países mais pequenos, como Portugal, que poderiam assim acelerar o seu processo de convergência. Mas representava também grandes desafios – como por exemplo a perda dos instrumentos de política monetária e cambial – e supunha o cumprimento de regras exigentes – em particular no que respeita à disciplina orçamental. No fundo, tratava-se de uma verdadeira alteração de paradigma, ao qual todos os agentes económicos teriam de se adaptar. Ora, os benefícios materializaram-se de forma rápida e evidente, tendo as condições de financiamento melhorado ainda antes da criação formal da moeda única, e aberto o caminho ao crescimento do investimento e à dinamização da atividade económica. Porém, a importância do cumprimento das regras foi desconsiderada, e a dimensão dos desafios foi menosprezada. Sendo certo que estes comportamentos foram comuns a vários países do euro – naturalmente com dimensões diferentes e especificidades diferentes – revelar-se-iam particularmente gravosos no nosso País, na medida em que colocaram em causa os benefícios decorrentes do próprio euro. Com efeito, em Portugal, as melhores condições de financiamento não só tiveram um efeito negativo, como também não geraram os efeitos positivos que se esperavam. Por um lado, conduziram a um aumento do endividamento público e privado e, consequentemente, a uma amplificação do risco no sistema bancário nacional, que agiu como intermediário para o financiamento externo. Por outro lado, embora tenha efetivamente havido uma expansão da procura interna, a economia portuguesa registou um crescimento económico muito fraco, traduzindose numa verdadeira década perdida em que consistentemente divergimos dos restantes países da área do euro. Basta compararmos os números-chave. Analisando o período entre 1998 e 2008, Portugal cresceu, em termos acumulados, cerca de 17%. 2 A área do euro, por sua vez, cresceu quase 23%. E se compararmos com outros países que também enfrentam dificuldades, os resultados são ainda mais desanimadores: a Irlanda cresceu cerca de 69%, a Grécia 44% e a Espanha 40%. Em suma, os potenciais benefícios da moeda única não se concretizaram em pleno. Sendo certo que estes fenómenos decorreram da atuação dos vários agentes económicos, e que as causas da crise residem em diversos fatores interligados, quero focar em maior detalhe as implicações da atuação do Estado neste processo. Grande parte da fragilidade da economia portuguesa deve-se à prevalência da indisciplina orçamental durante um período demasiado longo. Uma indisciplina que terá parecido inofensiva, quer porque as suas repercussões não se manifestaram no imediato, tendo mesmo registado efeitos positivos no curto prazo, quer porque o contexto macroeconómico e as circunstâncias internacionais eram favoráveis na altura. Por outras palavras, a indisciplina orçamental parecia inofensiva, pois tudo estava bem – até deixar de estar. A dimensão do choque sentido pela economia portuguesa não decorreu apenas da crise internacional. Decorreu da vulnerabilidade patente na economia quando essa crise se instalou. E essa vulnerabilidade resultou, em grande parte, da negligência da relação estreita entre finanças públicas e crescimento económico. É do conhecimento comum que indisciplina orçamental gera endividamento público. Mas nem sempre é referido que indisciplina orçamental gera também perda de competitividade. E a relação é bastante simples. Indisciplina orçamental, na sua aceção pura, significa que o Estado gasta mais riqueza do que aquela que produz. E fá-lo de forma sistemática, tendo de contrair dívida para executar a despesa a que se propõe. A dívida impõe o pagamento de juros que, por sua vez, acrescem à despesa pública. Se este comportamento for pontual, eventualmente a despesa deixará de crescer e a riqueza gerada permitirá compensar os gastos e abater a dívida. Mas se o comportamento for sistemático – como foi em Portugal – o problema assume uma dimensão ingerível. Mais despesa gera mais dívida, mais dívida influencia os custos de 3 novo financiamento, e os juros acabam por crescer não só por efeito quantidade, mas também por efeito preço. E não só na dívida pública. Este fenómeno tem diversas consequências. A mais imediata é o peso excessivo que o Estado assume na economia, consumindo a maioria dos recursos disponíveis. Ora, se é certo que o Estado tem funções essenciais que deve garantir – sejam ao nível da Saúde, da Educação ou da Segurança – é necessário ter presente que o Estado não é, por natureza, um criador de riqueza. A riqueza é criada pela economia como um todo. O Estado, por sua vez, tem a função de a redistribuir, de forma a garantir que todos os cidadãos têm acesso aos bens e serviços essenciais. Essa redistribuição é feita, primordialmente, através da coleta de impostos, que depois serão devolvidos à economia através de benefícios como as prestações sociais ou a prestação de serviços a custo reduzido. Enquanto este equilíbrio for mantido, o funcionamento da economia e das Administrações Públicas decorre com normalidade. Porém, quando não há disciplina – ou seja, quando a despesa do Estado cresce muito além do que a economia consegue suportar – as consequências são graves. A primeira reação é, usualmente, um aumento de impostos, pois é a mais eficaz no curto prazo. Mas, por definição, é também nociva para a economia. Não só porque priva a economia de mais recursos, mas porque cria distorções nas decisões dos agentes económicos. E um exemplo paradigmático corresponde às decisões de investimento. Consideremos uma empresa que decide realizar um projeto, que se revela viável com base numa determinada análise de custo-benefício, feita num determinado enquadramento. O Estado, ao alterar a política fiscal, altera também esse enquadramento, afetando o equilíbrio entre custo e benefício e potencialmente a viabilidade do projeto. Ainda que estejamos a considerar o caso mais extremo, se tivermos presente a multiplicidade de decisões de investimento na economia – às quais se juntam as decisões de consumo – a probabilidade do impacto ser significativo é de facto elevada. E a este impacto juntam-se efeitos de segunda ordem – as decisões de investimento e consumo que nem se chegam a realizar pela possibilidade de um aumento de impostos. Refiro-me agora, a outra importante consequência da indisciplina orçamental – o aumento da incerteza. De facto, se a indisciplina prevalece, os aumentos de impostos repetem-se. E, sendo os aumentos de impostos uma reação ao aumento de despesa, é mais provável que surjam em contraciclo, tornando-se ainda 4 mais gravosos para a economia. Esta incerteza e esta instabilidade, por sua vez, dissuadem os empreendedores e os potenciais investidores no nosso País, privando a economia de ainda mais recursos. Os efeitos da indisciplina orçamental são, assim, mais evidentes do que se possa pensar. Não obstante, apenas se tornam percetíveis quando a indisciplina orçamental passa a insustentabilidade das finanças públicas. No caso de Portugal, apenas se tornaram percetíveis quando as circunstâncias levaram os custos de financiamento para níveis proibitivos, gerando uma situação de bancarrota iminente e conduzindo, inevitavelmente, a um pedido de ajuda. O terceiro pedido de ajuda externa desde 1974. Que desencadeou o terceiro processo de ajustamento, com custos elevados para a economia e para a sociedade, sobretudo pelo contexto de emergência em que todos ocorreram. Em cada um destes momentos, as causas do ajustamento foram discutidas e as políticas executadas no ajustamento foram exaustivamente debatidas. Porém, nunca se resolveu o problema de forma definitiva. Porquê? Porque apesar de todos estes episódios, continuamos a combater os problemas apenas quando surgem, em vez de evitar que se formem. Porque já reconhecemos, ainda que pontualmente, os custos da indisciplina orçamental, mas ainda não interiorizámos verdadeiramente os benefícios da disciplina orçamental. Ainda não percebemos como é que finanças públicas equilibradas geram efetivamente crescimento sustentado. Está na altura de o deixar claro. Está na altura de o executar. Este é o desafio deste Governo. E é a principal mensagem que gostaria de transmitir hoje. A disciplina orçamental é um dos pilares essenciais para uma economia dinâmica e competitiva. Antes de mais, um orçamento equilibrado é um contributo determinante para a estabilidade financeira, que por sua vez, é também condição necessária para um crescimento sustentado. Com efeito, a sustentabilidade das finanças públicas transmite um sinal de tranquilidade aos nossos credores e potenciais credores, pois indica que temos, e vamos ter, capacidade para pagar o que devemos. Esta tranquilidade traduz-se em custos de financiamento mais baixos e mais estáveis. Significa que em circunstâncias mais difíceis, em que os estabilizadores automáticos 5 fazem aumentar a despesa e reduzir a receita, podemos recorrer aos mercados para preencher as necessidades de financiamento. E que, quando a situação económica melhorar, poderemos acomodar o pagamento dos juros. Esta maior facilidade, por sua vez, evita aumentos de impostos sistemáticos, contribuindo para a criação de um quadro fiscal mais estável e, consequentemente, de um ambiente de negócios significativamente mais atrativo para investidores nacionais e estrangeiros. Para além disso, melhores condições de financiamento do Tesouro representam também melhores condições de financiamento para os bancos e para as grandes empresas portuguesas que se financiam no mercado. E melhores condições de financiamento para os bancos traduzem-se em melhores condições de financiamento para as pequenas e médias empresas. Por último, a conjugação da disciplina orçamental e da contenção da despesa pública permite que o Estado gaste apenas os recursos de que precisa para concretizar a função de redistribuição de riqueza. A carga fiscal pode ser mais baixa e os recursos ficam assim libertos para a economia, em particular para o investimento privado produtivo. E é o investimento privado, por sua vez, que potencia a criação duradoura de emprego e de novos recursos para a economia. Em conjunto, todas estas condições formam a base de um crescimento económico sustentado e asseguram a autonomia financeira. E todas dependem do contributo da sustentabilidade das finanças públicas. É por isso que temos concretizado um esforço de consolidação orçamental. É por isso que temos criado mecanismos que promovem a transparência e o controlo orçamentais. E é por isso que continuaremos a trabalhar para alcançar e manter o equilíbrio orçamental. Mais do que responder às condições impostas pelos parceiros internacionais, trata-se de garantir que foi a última vez que tivemos de oficializar um pedido de ajuda externa. Mais do que cumprir os requisitos de participação na União Europeia, tratase de cumprir as responsabilidades que assumimos para beneficiar com pleno direito das vantagens da moeda única. De facto, se as regras de disciplina orçamental na Europa se tornaram mais exigentes, é porque a relação estreita entre finanças públicas equilibradas e crescimento sustentado foi também reconhecida pelos 6 restantes Estados-Membros e assumida como prioridade para a continuidade do projeto europeu. E se ainda restavam dúvidas de que este é o caminho certo para Portugal, o desempenho da atividade económica, a evolução do mercado de trabalho e os progressos no ajustamento externo afastam-nas de forma definitiva. No quarto trimestre de 2013, o Produto Interno Bruto registou um crescimento homólogo de 1,6% – a primeira variação homóloga positiva desde o quarto trimestre de 2010. Mais importante ainda, a evolução foi suportada, em simultâneo, por uma recuperação da procura interna e pelo reforço do contributo da procura externa líquida. Analisando a evolução em cadeia, os resultados são igualmente encorajadores – o último trimestre de 2013 representou o terceiro trimestre consecutivo de crescimento. Estes dados comprovam, assim, a recuperação da atividade económica. De facto, tendo presente que o produto verificou ainda uma queda de 1,4% em média anual, é importante salientar que este resultado representa uma importante melhoria face à quebra de 3,2% registada em 2012. Esta materialização de um novo ciclo económico é igualmente sustentada pelos últimos dados do Mercado de Trabalho, onde a transformação da economia portuguesa mais se fez sentir. A taxa de desemprego aumentou em linha com a recessão económica, mas também com a reorientação da produção dos setores de bens não transacionáveis para os transacionáveis, que suportam um modelo de crescimento assente nas exportações. Contudo, embora o desemprego permaneça em níveis muito elevados, os dados de 2013 sugerem uma inversão da tendência, com a taxa de desemprego a reduzir-se de 17,7% no primeiro trimestre para 15,3% no quarto trimestre de 2013, aliado a uma subida da taxa de atividade. Em paralelo, Portugal concretizou já um ajustamento externo importante, corrigindo desequilíbrios de grande dimensão, quer na Balança Corrente e de Capital, quer na Balança Comercial. Mais importante ainda é a constatação que um dos principais pilares desta evolução corresponde à dinâmica de crescimento das exportações de bens e de serviços, aliada à sua diversificação geográfica. Entre 2010 e 2013, as exportações portuguesas de bens registaram um crescimento, em valor, de 28,8%. Mais ainda, no ano de 2013, as exportações extracomunitárias de bens 7 corresponderam a 30% das exportações totais, traduzindo a capacidade de adaptação do setor exportador, bem como a capacidade de reorientação da capacidade produtiva para novos segmentos de mercado. Estes resultados são importantes e são encorajadores. E em conjunto com os progressos alcançados no plano orçamental, no plano financeiro e no plano estrutural, dão a força necessária para continuar a avançar. Ainda temos um longo caminho a percorrer para alcançarmos uma trajetória de crescimento verdadeiramente sustentado. Mas nunca estivemos tão perto. E devemos ao País a concretização deste futuro. Muito obrigada. 8