1 PRINCÍPIOS ÉTICOS FUNDAMENTAIS Fábio Konder Comparato I Introdução A felicidade Objetivo supremo da vida humana: aquele que escolhemos por si mesmo, não como meio de alcançar outros fins. A felicidade não nos é dada, ela não nos vem por acaso, mas é conquistada por um adequado comportamento ético; ou seja, pelo constante respeito aos valores e princípios que devem nortear a vida humana. A inter-relação constante entre a felicidade individual e a coletiva, na integração da biosfera. A felicidade não se mede apenas pela riqueza individual, ou pelo acúmulo de bens materiais na sociedade: medição do Pib (produto interno bruto), por exemplo. A criação do Índice de Felicidade Coletiva no Butão. A alternativa ética fundamental na vida humana: egoísmo ou altruísmo. Devemos tudo subordinar ao interesse próprio, de cada indivíduo ou grupo social, isolado dos demais? Ou temos que nos orientar para a realização de uma vida comunitária, na qual não há pessoas superiores e inferiores, e na qual os bens comuns a todos são sempre mais importantes que os de propriedade individual? 2 Evolução ética da humanidade Durante milênios, em todos os povos e civilizações, os valores éticos foram ditados pela religião. A grande mudança histórica ocorreu com o surgimento da civilização capitalista, na Europa do final da Idade Média (a partir do século XII). O capitalismo nunca esteve vinculado a uma religião, e se funda no princípio do egoísmo racional ou esclarecido. A partir do início da Idade Moderna (final do século XV), a civilização capitalista expandiu-se progressivamente ao mundo todo. Tornou-se a primeira civilização mundial da História. A aproximação progressiva de todos os povos – pelo comércio, o aperfeiçoamento dos meios de transporte e comunicação, ou pelas conquistas territoriais – deu nascimento, desde fins do século XIX, à atual sociedade de massas, na qual se estabeleceu a impessoalidade das relações sociais e a sua extensão mundial, através dos meios de comunicação de massa (imprensa, cinema, rádio, televisão, internet), interligados doravante pela telefonia móvel. É sobretudo pelo controle empresarial dos meios de comunicação de massa que o capitalismo passou a exercer um poder ideológico, em todos os povos e continentes, moldando a mentalidade coletiva, difundindo costumes e modos de vida: subordinação do trabalho ao capital, consumismo, 3 busca de acumulação de riqueza, despreocupação com a desigualdade social, viver de renda ou de especulação financeira sem trabalhar ou produzir etc. No campo político, o poder ideológico capitalista criou regimes falsos, com aparência republicana, democrática e de controle institucional de poderes, mas que na verdade são privatistas, oligárquicos e com falso controle dos titulares de poder. II Os Grandes Valores Éticos da Futura Civilização Humanista Princípio ético fundamental: o respeito absoluto à dignidade humana Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir, uns em relação aos outros, com espírito de fraternidade.” Aplicação desse princípio no plano ético pessoal Tradicionalmente, são enunciadas duas Regras de Ouro: Primeira: Não fazer o mal a ninguém. Segunda: Fazer o bem a todos, sejam eles amigos, desconhecidos ou inimigos. Na verdade, como observou certa vez Martin Luther King Jr., campeão no combate não violento à discriminação racial nos Estados Unidos, limitar-se simplesmente a não fazer mal a 4 ninguém pode, conforme as circunstâncias, ser tão prejudicial à sociedade quanto as ações danosas dos malvados de todo gênero. O que significa que a Regra de Ouro, em seus dois aspectos, é fonte de deveres, tanto quanto de direitos. Aplicação do princípio do respeito à dignidade humana, no plano ético coletivo A – Criação de uma mentalidade coletiva altruísta Pela educação no sistema escolar. Pela organização republicana dos meios de comunicação de massa, notadamente o rádio e a televisão. B – Estabelecimento de uma organização de poder político comunitário Enquanto o poder dos Estados não for limitado no plano mundial, será impossível coibir a destruição da biosfera. Enquanto o poder soberano no plano nacional for oligárquico, será impossível realizar plenamente o bem comum, como dispõe a Constituição Brasileira em seu art. 3º, IV, segundo o qual constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Pela eliminação progressiva das desigualdades sociais. Como já advertira Plutarco na Antiguidade, “o desequilíbrio entre ricos e pobres é a mais fatal e a mais antiga das moléstias políticas”. 5 Pelo respeito ao direito à diferença (de gênero, etnia, religião e demais valores culturais). Pela instituição de um forte sistema de solidariedade social (saúde, previdência e assistência social). Pela superação dos nacionalismos ou radicalismos religiosos e a construção de uma comunidade política mundial. Bibliografia Dalai Lama e Howard C. Cutler, A Arte da Felicidade – Um Manual para a Vida, Martins Fontes Livraria Ltda. Matthieu Ricard, Felicidade – A Prática do Bem-Estar, Palas Atena. Fábio Konder Comparato, Ética – Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno, Companhia das Letras. Fábio Konder Comparato, A Civilização Capitalista, Editora Saraiva.