CASO CLINICO ACTA MEDICA PORTUGUESA 1983; 4: 351-354 FORMA TUMORAL DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONICA ENVOLVENDO 0 INTESTINO DELGADO. APREsENTAçA0 DE TRÉS CASOS NA INFANCIA ACHILEA L. BITTENCOURT, JOSÉ B. R. SAPUCAIA, WASHINGTON L. C. DOS SANTOS Servico de Anatomia Patolôgica do Hospital Martagao Gesteira (Liga Baiana contra a Mortalidade Infantil). RESUMO São apresentados três casos da forma tumoral da Esquistossomose Mansonica, envolvendo o intestino delgado, e ocorrendo na infância, dois apresentando-se clinicamente como tumoraçAo abdominal e urn corno obstruçao intestinal. Em dois casos a lesão localizava-se no ileo e era intramural. No outro caso, situa va-se no jejuno e comprometia apenas a serosa. Constatou-se a forma hepatosplenica da esquistossomose em apenas urn caso. Os autores enfatizam a raridade da localizacão da forma tumoral da esquistossomose no intestino delgado e a importância do diagnostico diferencial corn as neoplasias malignas intra-abdorni nais, na infância. SUMMARY Pseudo-tumoral form of Manson’s Schistosomiasis in children involving the small bowel. A report of three cases Three cases of the pseudo-tumoral form of Manson’s schistosomiasis in children and involving the small bowel are reported. Two cases had clinical features of intra-abdominal tumor and the other manifested as intestinal obstruction. In two cases the lesion was intramural and localized in the ileum. In the other, the lesion involved only the serosa of the jejunum. The hepatosplenic form of the disease was asso ciated in one case. The authors emphasize the rarity of the pseudo-tumoral form of schistosomiasis in the small bowel and the importance of the differential diagnosis with intra-abdominal malignant neoplasms in childhood. INTR0DucA0 Vários casos tern sido relatados da forma turnoral da es quistossomose mansonica. envolvendo o intestino grosso.1’° No entanto, rnanifestacOes clInicas decorrentes de envol vimento do intestino delgado, na esquistossornose, tern sido referidas corn rnuita raridade.6 Encontramos referência a apenas três casos da forrna turnoral e a cinco casos corn mani festacOes obstrutivas devido a espessamento difuso da pare de intestinal (Tabela 1). A finalidade deste trabalho é registar mais três casos da forma turnoral da esquistossomose, envolvendo intestino delgado, todos ocorrendo na infância, dois apresentando-se clinicarnente como turnoração intra-abdominal e urn corn quadro cilnico de obstrucAo intestinal. TABELA I Casos da literatura Autores Idade ManifestaçOes clinicas Achados cirürgicos 1. 2. 3. 4. 42a 33a ObstrucAo intestinal Obstrucao intestinal Zona de espessamento da parede do I. delgado Zona de espessamento da parede do ileo terminal ... Obstrucao intestinal Obstrucäo intestinal Zona de espessamento da parede do ileo terminal Zona de espessamento da parede do ileo terminal 15 78a Obstrucao intestinal 16 57a Armbrust (1961) 13 Jorge et al (1967) 14 Elmasri e Boulos (1976) 6 Elmasri e Boulos (1976) 5. Higgins (1978) 6. Bicalho (1964) 7. Bicalho (1978)~ 8. Coulanges et al (1978) ~ ... 08 Zona de espessamento da parede do ileo terminal F. tumoral c/ invaginaçao Polipo no intestino delgado F. tumoral F. tumoral FHE — — Tumoracao da submucosa do intestino delgado Tumoracao englobando todo o intestino delgado FHE Forma hepatospltnica da esquistossomose. Recebido para publicac5o: 20 de Abril 1982 351 ACHILEA L. BITFENCOURT, • JOSE B. R. SAPUCAIA, WASHINGTON L. C. DOS SANTOS ~. t .•‘~ - .~‘. .‘.~. ,~. •..,. ~ ~ • • .~ ~ ..•.., ~ ,~. — ..) .‘ ‘.1~. ....,. ‘.l~ . . ‘~ .- .4 .k • . ~ 4q ~ ~ ‘‘I Figura 1: CASO I — TumoraçAo de ileo jã seccionada. Superficie de corte de aspecto lobulado. Luz intestinal reduzida. APREsENTAcA0 DOS CASOS CASO 1 — R.C.C.B., 13 anos, sexo masculino, natural de Salvador (Bahia). História de turnoracão abdominal ha seis meses. Exame fisico rnostrou paciente corn born estado geral e corn tumoracAo indolor e elãstica na regiao hipogás trica. Nao foram observadas outras alteracoes ao exarne fi sico. Houve suspeita de neoplasia intra-abdominal e o pa ciente foi subrnetido a laparotornia exploradora, tendo sido encontrada tumoracäo envolvendo ileo. RELATORIO ANATOMO-PATOLOGICO-Macroscopia — Segmento de lleo corn 21 crn de extensão rnostrando turnoracäo corn 11 x 7 x 5 crn que compromete a parede intestinal nurna ex tensAo de 11 cm, firme, esbranquicada de superficie nodu lar, que diminue a luz intestinal, sem causar oclusão (Fig. 1). A mucosa intestinal nesta area estã integra rnas corn 0 pregueamento desfeito. A lesAo é resistente ao corte e exibe superficie lobulada e branco-arnarelada. A 3 crn deste tu mor, nota-se, aderente a serosa intestinal, turnoracao menor, corn 2,5x 1,5 cm. Observa-se, ainda, forrnacao pedicu lada corn 1,5 x 1 cm presa ao mesentério. Microscopia — Toda a parede intestinal, excepcão feita a rnucosa e rnuscu lar mucosa, estâ substituida por tecido conjuntivo fibroso corn numerosos granulomas corn ovos calcificados (Fig. 2 e 3). Raros ovos de Schistosoma mansoni sAo viáveis. CASO II — J.E.S., 10 anos, sexo masculino, natural de Rio Real (Bahia), internado devido a aurnento de volume do abdomen. Apresentava estado geral regular e rnucosas hipocromicas. Abdomen globoso. Figado a 3 cm do rebor do costal direito e a 8 cm abaixo do apendice xifoide, corn bordo fino; baco a 6 cm do rebordo. Presenca de circulacäo colateral. A palpacão abdominal, notava-se, tarnbêrn, tu rnoracao de bordos imprecisos, no rnesogástrio. Näo foram vistas outras alteracOes ao exarne clinico. Leucograrna rnos trou linfocitose e monocitose. Eritrograma revelou anemia hipocrómica. Exarne de fezes rnostrou apenas Trichiuris tn chiura. A pesquisa de sangue oculto nas fezes foi positiva. Proteinas totais — 4,9 g%, albumina 3,6 g%, glubulina 1,3 g%, T.G.O. — 50 URF/ml; TGP-48 URF/rnl. Houve suspeita de neoplasia intra-abdorninal e foi indicada cirurgia que rnostrou turnoracao a qual estavam aderentes ansas je junais forrnando uma massa que aderia ao peritoneo e figa do. Constatou-se, também, que a superficie hepática era no dular. Procedeu-se a resseccão da tumoracão corn o seg mento de jejuno aderente a rnesrna e a biópsia hepatica. 352 RELATORIO ANATOMO PATOLOGICO - Macrosco pia — Segmento de jejuno que mostra na serosa, a 9 cm de urna das margens de resseccâo, turnoracão de consistência firme corn 7 x 5 x 4 cm a cuja superflcie estao aderentes an sas jejunais. Dissecando-se a peca observa-se que o intestino tern 68 cm de extensao. A turnoraçAo mostra, aos cortes, te cido esbranquicado e lobulado. Na vizinhanca do tumor, a serosa intestinal rnostra-se espessada e de aspecto granuloso. Anexo, recebeu-se segmento de tecido hepático, de superfi cie nodular. Microscopia — SeccOes do tumor mostram ex tensa fibrose onde se vêern focos de infiltrado inflarnatório crónico e raras reaccOes granulornatosas centradas por ovos de S. mansoni. Este tecido substitui também a serosa do in testino (Fig. 4). Na subrnucosa ye-se urn verme adulto em degeneracao tendo, em torno, extensa necrose. Tanto nas demais camadas do intestino da zona lesada, corno em ou tras areas, vêem-se, esparsamente, ovos de S. mansoni en volvidos por reaccOes granulornatosas. Seccoes de figado exibem quadro de fibrose de Syrnmers. CASO III — M.C.O., 14 anos, sexo ferninino, natural de Salvador (Bahia), foi internada corn histOria de 15 dias de dor abdominal, vórnitos e diarreia. Ao exame fisico constatou-se estado geral regular, corn anernia e abdomen globoso e indolor a palpacäo. Ausencia de hepatoespleno megalia. Hemograrna revelou anemia hipocromica e mode rada leucocitose corn neutrofilia e eosinofilia. A reacçAo de Widal foi negativa. Evoluiu corn obstipaçäo intestinal, acen tuacAo da distensão abdominal e vôrnitos. Foi feito diagnós tico deobstrucão intestinal e realizada laparotornia explora dora. A cirurgia, constatou-se tumoracao no Ileo terminal, a 20 cm da vãlvula ileo-cecal, corn total obstrucao da luz e corn dilatacAo do ileo, a rnontante. Foi feita ressecção da turnoraçAo. Não forarn vistas outras alteracOes a inspeccäo dacavidade abdorninal. RELATORIO ANATOMO-PATO LOGICO - Macroscopia — Segrnento de intestino delgado corn 19 crn de extensão apresentando a 5 cm da margem de resseccAo proximal turnoracão firme corn 5 x 4 cm, encapsu lada e leitosa que envolve toda a circunferência intestinal numa extensAo de 5 cm, obstruindo totalmente o lumen (Fig. 5). A superficie de corte da lesão exibe tecido firme, fibroso e leitoso corn areas arnareladas. H~ acentuada dila tacäo do segmento inter~inal proximal que tern 5 crn de diâ metro e que exibe serosa finamente granulosa. 0 segrnento intestinal distal tern apenas 2 cm de diâmetro. Microscopia ~ ~— ~ie~~g•~•. : ~ .?~. •‘~~ • .4 . - •-~‘ ~ - ~ •S~ .fr__ ;•~• . S ~ ~.. ~ ~ ~ ~ ~ . ~ ~ •~-~ ~ •1. - . •:•~ ‘~•‘~:~ .~ ~ ~ .4- ‘~ s~i;~—. - •.~ - .• ~ I’ ..-, ~ ~‘ ~.‘ •;•~ -. . ‘ I b ‘1 -~ :. ~ :~. ~.• . - ~s. ‘~ -~ ~ t~. ..,; <. •‘ ~ •,• ~. .. ,~ •..-.~ .~ .~ ~_ -~ •~‘~K;~,4 ; ds . ___•s..•- _•-.; -‘ . -~- ~.. ~ ~‘ — Figura 2: CASO 1 — Sub-mucosa e muscular do ileo extensamente substitui das por granulomas esquistossométicos. (HEx 10). FORMA TUMORAL DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONICA ENVOLVENDO 0 INTESTINO DELGADO S. • .5 2 ~ r: •~ ~ S -. b - ‘~ • . I ~ ‘5,.. . • ‘ S... ~I 1ç ~ •, ~ ~ 5’. - ‘-~~ -‘ ~;~-.-: , ~ 1 ( 45 ~ ~ ~ - ~ Figura 3: CASO I —~ S -~ ‘S 4. i,:. - — •• 455• .. 5.. ~. .~.. . ~ S_ 5. 5 ~4-~ ~ Major aumento da figura anterior mostrando ovos cal cificados de S. mansoni. (HEx 20). — SeccOes da lesão mostrarn densa fibrose, focos de infil trado inflamatOrio crônico e raros granulomas corn ovos de S. mansoni. A fibrose substitue a serosa, muscular e submu cosa e causa acentuada atrofia na mucosa. SeccOes dos seg rnentos proximal e distal do intestino mostrarn numerosos granulomas corn ovos de S. mansoni. — COMENTARIOS Segundo Raso e Coelho ~‘ as formas tumorais da esquis tossomose intestinal podern ser classificadas em: 1. intraluminais (poliposas), quando ha envolvimento loca lizado da submucosa. 2. intramurais, corn acentuado espes sarnento segmentar da parede, levando a estenose do intes tino. 3. subserosas, que crescem para fora do intestino e podern atingir grandes proporcOes. Em dois dos casos apresentados, havia tumoracAo palpá vel, corn suspeita clmnica de neoplasia intra-abdorninal. No primeiro caso, a lesão apesar de ser intra-mural deixava a luz intestinal parcialmente livre. Neste rnesmo caso, encon trou-se lesão localizada exclusivamente na serosa. No caso II i SS•~ . ~ - ~ ) 4 -.~. 5’ ..-1~%’ s,-5~. ~: ~ . S.. -.,~, .15 3 .~ ~ -‘P: 1’ •3 ~ ~ ~ . ..- Figura 5: CASO 3 — M1~_2cc7 1R2 I I flit Iii Lesão tumoral que envolvia toda a circunferência do jntestjno e obstrula a luz. a lesão comprornetia apenas a serosa. No terceiro pa ciente, que teve manifestaçäo clinica de obstruçAo intestinal, a cirürgia constatou-se turnoracão intra-mural que causava total oclusão da luz intestinal. Do ponto de vista histolôgico, nos casos II e III a lesão era constituida quase exclusivamente por neoformacào con juntiva hiperplástica, sendo raro o achado de ovOs, os quais estavam ausentes em muitos cortes. Em tais casos, o diag nOstico de esquistossornose pode passar despercebido ao pa tologista que desconhece esta variante histológica da esquis tossomose pseudo-tumoral. Habitualmente, na esquistossomose mansonica, a ovipo sicäo ocorre ao nIvel do cOlon descendente, sigrnOide e recto e, por isso, as lesOes turnorais da esquistossornose locali zam-se principalmente nessas areas. Sabe-se, contudo, que em pacientes corn a forrna hepatosplenica da doenca os ver mes podem deslocar-se para o intestino delgado.’2 No en tanto, em dois casos de forrna tumoral da esquistossornose da literatura e em dois dos nossos pacientes, não se obser you a forrna hepatosplenica da esquistossomose, 0 que mos tra nAo ser necessária a hipertensAo portal para o desenvol vimento da forrna turnoral da esquistossornose, no intestino delgado. Acharnos que ern zonas endémicas a forma tumoral da esquistossomose do irnestino delgado deve ser considerada no diagnóstico diferencial clinico e cirürgico corn as neopla sias rnalignas intra-abdominais, da infância. Urn diagnOstico correcto intra-operatOrio, corn exame de congelacão, con duz a urn tratarnento cirñrgico mais econOrnico, evitando ressecçOes amplas e desnecessárias. ‘.5. ~.. ~ ~ ...\I- II IIIIIIIIIIIIIIIU I ~ . 5 —. ..~ .~ .~ BIBLIOGRAFIA : 1. ANDRADE, Z.A.; RODRIGUES, G.: ManifestacOes pseudo -neoplâsicas da esquistossomose intestinal. Arq. Bras. Med. 1954; 44: 437. it .. “-.~..‘ ~ 5~’S ~ ~S • ~ ~ , ~ ..4~ 5, •ii• - Figura 4: CASO 2 4. ~ — •~ _.:,•~ ~5 .1C •1~:. ~ 2. BANDEIRA, V.E.; CARVALHO, A.R.L.: Ocorrência de Pseudo-neoplasias de etiologia esquistossomOtica, III Reunião Bienal da Soc. Brash. de Patologistas, Recife; Julho de 1960. S. :.~ Serosa do jejuno acentuadamente espessada fjbrose. (HEx2O). a custa de 3. BICALHO, S.A.: A forma tumoral da esquistossomose man soni. Rev. Ass. Med. Brash. 1978; 24: 31. 4. CARRENO, M.P.; DIEZ, A.: Las NeoformaçOes Bilharzianas do Intestino grosso. 0. E. N. 1955; 10: 603. 353 ACHILEA L. BITrENCOURT, JOSE B. R. SAPUCAIA, WASHINGTON L. C. 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Pedido de separatas: Achiléa Bittencourt Servico de Anatomia Patológica Hospital Martagao Gesteira Rua José Duarte, 114 TororO 40.000 Salvador - Bahia Brasil