Caderno Científico | Odontologia Oncológica ◗◗ ALINE S. Q. ALMEIDA Residente em Odontologia Oncológica do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação Pio XII. E-mail: [email protected] ◗◗ DENY M. TREVISANI Doutor em Microbiologia e cirurgião-dentista do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação Pio XII - Unidade de Cuidados Paliativos. ◗◗ THAISA T. OLIVEIRA Residente em Odontologia Oncológica do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação Pio XII. ◗◗ NATÁLIA S. KUSUKE Residente em Odontologia Oncológica do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação Pio XII. ◗◗ WILLIAM E. PIROLA Residente em Odontologia Oncológica do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação Pio XII. ◗◗ HÉLIO M. TANIMOTO Doutor em Estomatologia e cirurgiãodentista responsável pelo Departamento de Odontologia do Hospital de Câncer de Barretos, Fundação Pio XII. ◗◗ KARINA S M MACARI Doutora em Odontopediatria e cirurgiãdentista do Hospital de Câncer Infantojuvenil Presidente “Luiz Inácio Lula da Silva” de Barretos, Fundação Pio XII. ◗◗ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1) Avritscher EBC, Cooksley CD, Elting LS. Scope and epidemiology of cancer therapy-induced oral and gastrointestinal mucositis. Seminars in oncology nursing. 2004; 20(1):3-10. 2) Sonis ST, et al. Perspectives on Cancer TherapyInduced Mucosal Injury: Pathogenesis, Measurement, Epidemiology, and Consequences for Patients. Cancer Supplement. 2004;100:1995-2025. 3) Pinto MTF, Soares LG, Silva DG, Tinoco BEM, Falabella MEV. Prevalência de manifestações orais em pacientes infanto-juvenis submetidos à quimioterapia. Rev Pesq Saúde. 2013;14(1):45-48. 4) Glenny AM, Gibson F, Auld E, Coulson S, Clarkson JE, Craig JV, Eden OB, Khalid T, Worthington HV, Pizer B. The development of evidence-based guidelines on mouth care for children, teenagers and young adults treated for cancer. Eur J Cancer. 2010; 46:1399-1412. 5) Figliolia SLC, Oliveira DT, Pereira MC, Lauris JRP, Maurício AR, Oliveira DT, et al. Oral mucositis in acute lymphoblastic leukaemia: analysis of 169 paediatric patients. Oral Dis. 2008;14(8):761-766. 6) Volpato LER, Silva TC, Oliveira TM, Sakai VT, Machado MAAM. Mucosite bucal rádio e quimioinduzida. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(4):562-68. 7) Mathur, S. J. Epidemiological and etiological factors associated with nasopharyngeal carcinoma. ICMR Bulletin. Indian Press New Delhi. 2003;33(9):1-9. 8) Mimi CY, Jian-Min Y. Epidemiology of nasopharyngeal carcinoma. Seminars in Cancer Biology. 2002;12(6):421–429 9) Lima MAP, Rabenhorst SHB. 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Rev Assoc Paul Cir Dent. 2013;67(2):102-106. 14) Ribeiro O Jr, Borba AM, Guimarães J Jr. Prevenção e tratamento da mucosite bucal: O Papel Fundamental do Cirurgião-Dentista Revisão. Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2010;6(1):57-62. 15) Abidia RF. Oral Care in the Intensive Care Unit: A Review. J Contemp Dent Pract. 2007;8(1):76-82. 32 > Revista Gutierre Odontolife - EDIÇÃO 60 Laserterapia no tratamento e prevenção da mucosite oral quimioinduzida INTRODUÇÃO A incidência de complicações orais da terapia quimioterápica em crianças varia consideravelmente de acordo com a literatura, entre 30% e 100%1. A probabilidade de a quimioterapia afetar a cavidade oral é maior quanto mais jovem for o paciente. Estudos apontam que crianças são mais propensas para o desenvolvimento de sequelas orais em relação aos adultos2. Além da idade, a condição de saúde oral, o nível de higiene bucal antes e durante a terapia antineoplásica, o grau de malignidade, o tipo, a dosagem e a duração do agente quimioterápico, são fatores determinantes para a severidade das complicações bucais3. Existem duas formas principais de complicações bucais da quimioterapia do câncer. A primeira abrange os problemas resultantes da estomatotoxicidade direta, ou seja, da ação direta da droga sobre os tecidos bucais, levando à mucosite oral (MO), xerostomia e neurotoxicidade. A segunda envolve os problemas orais causados pela estomatotoxicidade indireta, ou seja, pela modificação secundária de tecidos, como por exemplo a medula óssea, propiciando infecções bacterianas, fúngicas, viróticas e sangramento bucal devido a trombocitopenia3. As lesões na cavidade oral são as mais frequentes complicações da quimioterapia antineoplásica, pela alta sensibilidade das estruturas orais aos efeitos citotóxicos dos quimioterápicos. A mucosite é o efeito colateral mais comum, sendo que a prevalência de MO quimioinduzida varia de 30 a 75%, dependendo do tipo de tratamento4. Este número aumenta para mais de 90% em crianças abaixo de 12 anos de idade e acomete com maior frequência pacientes do sexo feminino. Em um estudo com 169 pacientes, a frequência de mucosite encontrada foi de 40% no sexo masculino e 54% no sexo feminino5. A MO é uma manifestação que afeta a capacidade do paciente se alimentar, falar e realizar atividades diárias, incluindo promover a própria saúde bucal. A dor gerada nos quadros mais graves é importante, e controlá-la pode exigir narcóticos sistêmicos. Dependendo do tipo de tratamento do câncer, a MO geralmente se manifesta de 5 a 7 dias6 após o início da quimioterapia, e após a conclusão do tratamento, entre 4 a 6 semanas com o início da terapia específica para a mucosite, obtém-se resultado satisfatório3. O objetivo deste estudo foi relatar um caso clínico onde utilizou-se a Laserterapia de Baixa Intensidade (LBI) no tratamento e na prevenção da mucosite oral (MO), associada a manutenção de rigorosa higiene oral, em paciente submetido a altas doses de quimioterapia com 5-fluorouracil e cisplatina. CASO CLÍNICO E DISCUSSÃO Paciente NRP, 17 anos de idade, gênero feminino, procedente de Rondônia-RO, procurou o serviço de saúde da origem relatando epistaxe abundante há cerca de 1 ano e 6 meses e linfonodomegalia cervical bilateral, relatando aumento progressivo há 1 ano. A primeira biópsia de linfonodo cervical foi realizada em Campo Grande, cujo resultado indicou “células atípicas suspeitas de malignidade”. Após diversos exames, que inclusive indicaram sorologia positiva para Epstein-Barr Vírus (EBV), a paciente foi encaminhada ao Hospital de Câncer Infantojuvenil Presidente “Luiz Inácio Lula da Silva” da Fundação Pio XII, em Barretos. Figura 1 Radiografia Panorâmica Inicial. Figura 2 Classificação da Mucosite Oral segundo a OMS. Almeida ASQ / Oliveira TT / Kusuke NS / Pirola WE / Trevisani DM / Tanimoto HM / Macari KSM Figura 3 Através da análise dos exames, os médicos da instituição constataram lesão irressecável, com extensão intracraniana, sem metástase à distância. O diagnóstico definitivo foi de “Carcinoma de rinofaringe com invasão de base do crânio e metástase em linfonodos cervicais”, T4N2M0. A neoplasia de rinofaringe corresponde a 2% dos tumores de cabeça e pescoço, sendo rara em todo o mundo, com exceção da China e região asiática7. Pode estar associada a fatores ambientais, virais e genéticos, sendo mais comum em homens, na proporção aproximada de 2:1, apresentando dois picos de incidência, o primeiro onde 20% dos tumores ocorrem em jovens com idade inferior a 30 anos e o segundo em indivíduos entre a 4ª e 5ª década de vida8. Fatores ambientais, sinusite crônica, má higiene, má ventilação dos seios e infecção por EBV constituem os principais fatores de risco. A ingestão de conservas em uma idade precoce, tabagismo e exposição ocupacional ao formaldeído e pó de madeira também têm sido associados ao risco de desenvolver este tipo de tumor8. Após a confirmação do diagnóstico, a paciente foi encaminhada para avaliação com a equipe multiprofissional, sendo realizada Radiografia Panorâmica Inicial (Figura 1) e planejamento do caso na primeira consulta odontológica. Realizou-se a adequação do meio bucal pré tratamento antineoplásico, que incluiu evidenciação de biofilme dentário, instrução de higiene oral, escovação supervisionada, profilaxia dental, aplicação tópica de flúor, raspagem com ultrassom em todos os dentes, remoção de tecido cariado e restaurações com cimento de ionômero de vidro autopolimerizável nos dentes 14(OD), 17(O), 26(OM), 27(O) e 36(O). Seguiu acompanhamento com a equipe do Departamento de Odontologia do Hospital de Câncer Infantojuvenil de Barretos visando minimizar incidência e severidade de complicações orais. Foi preconizada a realização de higiene oral combinando escovação dental 3x/ dia (escova dental extra-macia e creme dental fluoretado) e fio dental 1x/dia. O carcinoma nasofaríngeo é especialmente sensível à quimioterapia e radioterapia10, sendo que o protocolo de quimioterapia proposto foi cisplatina associado a 5-fluorouracil em 3 ciclos. O quimioterápico 5-fluorouracil é apontado como droga de alto potencial de causar estomatite11. A paciente apresentou toxicidade intensa no primeiro ciclo de quimioterapia, necessitando ser encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com quadro convulsivo, toxicidade de pele, mucosite, insuficiência renal e respiratória, onde permaneceu sob ventilação mecânica. A paciente desenvolveu MO grau IV, de acordo com a escala da Organização Mundial de Saúde (Figura 2), com intenso edema, dor e ulcerações em toda cavidade oral, sendo necessário o uso de sonda nasoenteral (Figuras 3 e 4). Foi iniciado o tratamento com LBI para MO (comprimento de onda infra-vermelho - 780 ou 808nm, 40mW de potência, 10 segundos por ponto, totalizando 10 J/cm²) com aplicações Figura 4 Mucosite Oral Grau 4. Figura 5 Figura 6 Laserterapia com Laser de Diodo (MM Optics®, São Carlos, Brasil). Mucosite Oral Grau 0. Figura 7 Figura 8 Mucosite Oral Grau 2. diárias até a completa cicatrização das lesões orais (Figura 5), acrescido às orientações para paciente, responsável e equipe de enfermagem sobre adequado controle do biofilme bucal, associando bochecho e/ou limpeza oral de 12/12horas com solução de Gluconato de Clorexidina a 0,12%10. Após 5 sessões foi observado controle da dor oral, sendo possível alimentação mesmo com presença de úlceras. Como a quimioterapia atua de forma sistêmica13, foi proposta laserterapia preventiva nos próximos ciclos de quimioterapia, iniciando as aplicações no dia da infusão da droga, totalizando 5 sessões (comprimento de onda vermelho - 660nm, 25mW de potência, 10 segundos por ponto, totalizando 6,2 J/cm²). Foram realizados 40 pontos diários em toda cavidade oral, sendo 12 em mucosa jugal (bilateral), 6 em borda lateral de língua (bilateral), 6 em ventre lingual, 6 em assoalho de boca, 1 ponto em cada comissura labial e 8 pontos em lábios (superior e inferior). Associando a laserterapia a um rigoroso controle da higiene oral, no último ciclo de quimioterapia, após 8 dias da infusão do quimioterá- pico a paciente apresentava mucosite oral grau 0 (Figura 6). As lesões de MO surgiram 10 dias após a infusão, não ultrapassando o grau II de acordo com a escala da OMS (Figuras 7 e 8). A LBI proporcionou analgesia e acelerou o processo de reparação das feridas de MO e diminuiu a sua severidade quando utilizada preventivamente, confirmando resultados de outros estudos2,10,14. A atuação do cirurgião dentista durante o tratamento antineoplásico pode diminuir a morbidade e mortalidade relacionadas às complicações orais15, através de terapêuticas adjuvantes, orientações e estabelecendo um controle de higiene frequente e intenso, o que contribuirá para diminuir os índices de MO e outras alterações14. CONCLUSÃO O cirurgião dentista apresenta um papel importante no diagnóstico das manifestações bucais e no controle dos sintomas das complicações orais advindas da quimioterapia, onde a laserterapia se mostrou benéfica no tratamento e no controle da mucosite oral, promovendo uma melhor qualidade de vida ao paciente. www.gutierreodonto.com.br > 33