Tratamento do Endometrioma Ovariano

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ATUALIZAÇÃO
Tratamento do Endometrioma Ovariano:
Opções, Resultados e Conseqüências
Treatment of Ovarian Endometriomas: Options, Results and
Consequences
Antônio Chambô Filho
Márcia Elias Viana Melhem
Fabiani Lecco Loureiro
Silvia Rosi Duarte
Andréa Negreli Brasil
Sarah Martins Bourguignon Almeida
Residência médica em Ginecologia e Obstetrícia da Santa Casa de Misericórdia de Vitória
Resumo
O endometrioma é uma forma de apresentação localizada da endometriose, afetando principalmente os ovários. O diagnóstico é sugerido pela
história clínica da paciente e por estudos ultrasonográficos. O risco de malignização é baixo. As
opções de tratamento incluem conduta expectante,
terapia medicamentosa ou cirúrgica. O tratamento
tem como objetivo o alívio da dismenorréia, da
dor pélvica e/ou restabelecimento da fertilidade.
O tratamento medicamentoso é geralmente feito
usando o GnRH. As técnicas cirúrgicas mais usadas são a cistectomia e a vaporização. A excisão
dos endometriomas ovarianos está associada a
uma redução significante da reserva ovariana. A
recorrência é mais freqüente nas técnicas que conservam a pseudocápsula. O endometrioma influi
negativamente nos resultados da FIV, porém não
de maneira significante.
PALAVRAS-CHAVE: Endometrioma. Fertilidade.
FIV.
Introdução
A endometriose é uma doença inflamatória benigna do aparelho genital feminino que se
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caracteriza pela presença de tecido endometrial
ectópico, podendo se manifestar de maneira difusa
em implantes pélvicos e de maneira localizada.
Conceitua-se endometrioma a forma de manifestação localizada da endometriose.
A primeira descrição de endometrioma ocorreu em 1899, quando Russel narrou uma lesão que
envolvia o ovário direito e causava aderência entre
este órgão e a face posterior do ligamento largo, em
uma mulher menopausada. A análise microscópica
mostrou áreas com tecido semelhante ao da mucosa uterina (Lopez et al., 2000).
Estima-se que em 70% dos casos o endometrioma afeta os ovários, causando distorção
anatômica nos órgãos reprodutivos e levando à
infertilidade (Pellicer & Ballesteros, 1995).
Etiologia
A etiologia do endometrioma é tão controversa quanto a da própria endometriose, e são
aventadas diferentes origens. Uma das teorias propostas é a invaginação de um foco de endometriose
existente na periferia do ovário. Outra hipótese
admite a deposição de sangue menstrual na superfície do ovário, e a invaginação deste material
seria dependente de seu envolvimento por aderências teciduais. Uma terceira hipótese relaciona
a origem do endometrioma com o envolvimento
secundário do processo endometriótico em cistos
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Tratamento do Endometrioma Ovariano: Opções, Resultados e Conseqüências
ovarianos funcionais. A teoria da metaplasia celômica justifica a origem dos endometriomas através
da metaplasia de tecido ovariano, em regiões de
invaginação deste epitélio, em tecido endometrial
(Pellicer & Ballesteros, 1995; Scurry et al., 2001 e
Lopez et al., 2000).
O diagnóstico definitivo é feito pelo estudo
histológico do material obtido através de cirurgia,
preferencialmente por via laparoscópica (Lopez
et al., 2000).
Risco de Malignização
Classificação
Os endometriomas apresentam uma grande
diversidade de apresentações tornando necessário
classificá-las. Geralmente são classificados em Tipo
I e Tipo II (Pellicer & Ballesteros, 1995).
• Tipo I – Endometrioma primário ou verdadeiro.
A origem é a mesma da endometriose peritoneal. São pequenos, em geral menores que 2
cm, de difícil extirpação e em 50% dos casos se
associam a aderências teciduais.
• Tipo II – Endometrioma secundário. É constituído por focos endometrióticos em cistos funcionais, luteínicos ou foliculares. São maiores e
de histologia diversa.
Apresentação Clínica
O endometrioma pode ser suspeitado quando a paciente apresenta quadro clínico de dor
pélvica crônica, dismenorréia e/ou infertilidade,
e no exame físico pode-se constatar a presença de
massa pélvica.
Diagnóstico
O diagnóstico do endometrioma pode ser
sugerido pela história clínica da paciente e pela
ultra-sonografia. A ultra-sonografia pélvica endovaginal geralmente mostra a imagem de um
cisto simples, com paredes regulares e finas, de
conteúdo anecóico podendo conter debris em seu
interior. É aconselhável submeter a paciente à
reavaliação depois de achado ecográfico sugestivo
de endometrioma, devido à dificuldade de diferenciação com cistos funcionais. Recomenda-se
o uso de contraceptivo oral por três meses e, após
isso, realizar novo estudo ecográfico. Persistindo a
imagem, torna-se mais provável o diagnóstico de
endometrioma (Lopez et al., 2000).
A ressonância magnética aparece como alternativa recomendada na suspeita de endometriose
grave (Estágios III e IV). (Dubuisson, 2003).
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O risco de malignização foi estudado revisando 147 resultados histopatológicos de endometriomas. Em 18 casos (12,2%) houve achados citológicos
de atipias, e entre estes foi identificado 1 caso (5,6%)
de câncer de ovário não suspeitado antes da cirurgia. Isto sugere que 0,7% dos endometriomas sofre
transformação maligna (Nishida et al., 2000).
Tratamento dos Endometriomas Ovarianos
As opções de tratamento incluem conduta expectante e terapêutica, sendo esta medicamentosa
ou cirúrgica, dependendo da clínica e severidade
da doença.
A terapêutica cirúrgica é geralmente a mais
aceita, principalmente nos endometriomas maiores
que 3 cm, devido à má resposta e ao alto índice
de recidiva que estes apresentam ao tratamento
medicamentoso.
As drogas usadas no tratamento medicamentoso são aquelas capazes de bloquear a função ovariana,
podendo levar a um hipoestrogenismo severo.
O tratamento dos endometriomas tem como
objetivo o alívio da dismenorréia, da dor pélvica e,
freqüentemente, seu objetivo é o restabelecimento
da fertilidade. Muitos trabalhos avaliam o êxito de
uma técnica terapêutica baseando-se nos resultados da fertilização in vitro (FIV) realizada após o
término do tratamento.
Tratamento Medicamentoso
O uso de drogas no tratamento dos endometriomas pode facilitar a técnica cirúrgica, ao
reduzir a vascularização pélvica, o tamanho do
cisto e a resposta inflamatória pós-operatória
(Lopez et al., 2000).
Aqueles que defendem o tratamento usando
Análogos de Hormônio Regulador das Gonadotrofinas (GnRH) alegam que sua utilização é útil para
reduzir o tamanho do cisto e tornar a cirurgia mais
simples e menos traumática. Este, no entanto, é
um ponto controverso.
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Tratamento do Endometrioma Ovariano: Opções, Resultados e Conseqüências
A utilização dos análogos do GnRH mostrou
diminuição significativa dos marcadores presentes
nas portadoras de endometriomas ovarianos. Os marcadores avaliados foram a interleucina 6 e a enzima
leucocitária inibidora da expressão do RNA mensageiro (Suzumori et al., 2001 e Iwabe et al., 2003).
Apesar destes resultados positivos, o tratamento com análogos do GnRH é alvo de críticas.
Alguns autores acreditam que a facilidade da cirurgia depende principalmente do tipo histológico e
da infiltração capsular pela endometriose e não do
uso prévio da medicação (Lopez et al., 2000).
Muitas vezes, a droga não atinge o foco endometriótico devido à fibrose local ou pela programação genética própria das células endometrióticas.
Estas células têm menos receptores hormonais ou
esses são inativos biologicamente. Além disso, seu
uso retarda o processo de fertilidade por levar a um
quadro de hipoestrogenismo (Lopez et al., 2000).
Técnicas Cirúrgicas
As técnicas mais freqüentemente utilizadas
são a cistectomia laparoscópica ou laparotômica e
a vaporização por laparoscopia.
O tempo para obter gravidez e a taxa de recorrência dos endometriomas não mostrou diferença
significativa nas pacientes submetidas à cistectomia ou à vaporização após 36 meses (Hemmings et
al., 1998), embora em outro estudo essa diferença,
no que se refere à recorrência, foi considerada
significativa (Dubuisson, 2003).
Em um estudo com 32 mulheres com endometriomas foi avaliada a eficácia da escleroterapia
com tetraciclina a 5%. O endometrioma é aspirado,
lava-se a sua cavidade com solução salina e instíla-se
de 5 a 10 mL de solução de tetraciclina a 5% dentro
da loja. Esta solução é então aspirada. Todo o procedimento é guiado por ultra-sonografia transvaginal.
Das 32 mulheres submetidas a esta técnica, 24 mostraram regressão completa, duas necessitaram de
repetir o procedimento e em apenas uma não houve
resposta. O follow-up foi de seis semanas. Os autores concluíram que esta é uma alternativa simples,
efetiva e segura para o tratamento do endometrioma
ovariano (Fisch & Sher, 2004).
Reserva Ovariana e Cirurgia para Endometrioma
A cirurgia pode afetar a reserva ovariana.
É encontrada uma resposta diminuída no ovário
operado em relação ao normal após estimulação
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ovariana, com menor número de folículos dominantes e de oócitos retirados no pico de estradiol
(Ho et al., 2002).
A pseudocápsula do endometrioma é formada
por tecido ovariano, por isso a cistectomia retira o
tecido ovariano invaginado. No entanto, deve-se
considerar que este tecido sofreu alterações e já não
é morfologicamente igual ao tecido ovariano normal,
perdendo muitas de suas propriedades funcionais
(Muzii et al., 2002 e Somigliana et al., 2003).
Os estudos com dopplerfluxometria transvaginal mostraram que há redução dos índices de
pulsatilidade e resistência das artérias ovarianas
após cirurgia laparoscópica para endometriomas
(La Torre et al., 1998).
Os estudos mostram que o risco teórico de
lesar o córtex ovariano pode ser eliminado pela
técnica de vaporização. Os resultados da FIV após
vaporização do endometrioma foram similares
àqueles obtidos com o uso da FIV nos casos de
infertilidade por causa desconhecida ou por fator
tubário (Wyns & Donnez et al., 2001).
Recorrência
As técnicas cirúrgicas que conservam a cápsula,
tais como a vaporização, estão associadas a um grande
aumento de recorrência. (Dubuisson, 2003).
A recidiva parece estar associada à presença
de focos de endometriose extra-císticos profundos no
ovário e que não foram visualizados durante a cirurgia (Lopez et al., 2000) e ao estágio da doença. Os casos
mais avançados recidivam com mais freqüência.
Endometrioma e FIV
Os estudos mais antigos defendiam que a
presença do endometrioma não afetava o pico de
estradiol, a maturação folicular, o número de oócitos,
o número de embriões transferidos e a taxa de gravidez (Isaacs et al., 1997). Trabalhos mais recentes
mostram que o endometrioma influi negativamente
nesses parâmetros, porém esta influência negativa
não altera significativamente os resultados da FIV
(Suganuma et al., 2002 e Pabuccu et al., 2004).
Nas pacientes assintomáticas, proceder direto à estimulação ovariana pode reduzir o tempo
para gestação, custos e hipotéticas complicações da
cirurgia; já nas sintomáticas, a retirada cirúrgica do
endometrioma não prejudica os resultados da FIV,
permanecendo boa reserva ovariana independente
da técnica adotada (Garcia-Velasco et al., 2004).
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Tratamento do Endometrioma Ovariano: Opções, Resultados e Conseqüências
Considerações Finais
Apesar de sua identificação desde 1899, o endometrioma ainda representa um desafio quando
nos referimos ao seu tratamento.
Admite-se que sua presença não influencia os resultados da infertilidade tratada com
FIV e que permanece boa reserva ovariana
após qualquer tipo de cirurgia adotada quando
esse tratamento se faz necessário, mas é essa
necessidade que ainda é ponto de debate. Estudos preliminares mostram a possibilidade de
procedermos diretamente a FIV, principalmente
nas mulheres assintomáticas. Mais estudos são
necessários para garantir a conveniência desta
conduta, assim como ainda não é possível apontar
a melhor técnica de tratamento do endometrioma
até o presente momento, devido à existência de
diferentes técnicas utilizadas e pelo pequeno
número de estudos comparativos e conclusivos
sobre o assunto.
Abstract
Endometriomas represent a localizated form
of endometriosis, that affects mainly the ovaries.
The diagnosis is suspected with the clinical history
and ultrasonografic studies. The risk of maligant
transformation is low. The treatment options include a expectant follow up, the use of drugs or surgical
treatment. The treatment has as objective the relief
of pelvic pain and/or maintenance of the fertility.
The drug of choice is usually GnRH. The surgical
techniques more widely used are the cystectomy
and the vaporization. Excision of endometriotic
ovarian cysts is associated with a significant reduction in ovarian reserve. There is a increased in
the endometrioma recurrence associated with the
techniques that preserve the pseudocapsula. Ovarian endometriomas adversely affect FIV sucess,
but not in a significantly way.
KEYWORDS: Endometriomas. Fertility. FIV.
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DE ATUAÇÃO NAS ÁREAS DE:
ENDOSCOPIA GINECOLÓGICA
(Laparoscopia e Histeroscopia)
ULTRA-SONOGRAFIA em ginecologia e obstetrícia
URODINÂMICA E URETROCISTOSCOPIA
em ginecologia
MAMOGRAFIA em ginecologia
SEXOLOGIA
em ginecologia e obstetrícia
MEDICINA FETAL
INSCRIÇÕES 04/09/2006 a 03/10/2006
NA ASSOCIAÇÃO DE GINECOLOGIA E
OBSTETRíCIA DO SEU ESTADO
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