Sobre a interpretação hegeliana de Heráclito

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PROBLEMAS
FILOSÓFICOS DA
CONTEMPORANEIDADE
Sobre a interpretação hegeliana de Heráclito
Carlos Eduardo da Silva Faria - UNICENTRO
O presente trabalho consiste numa tentativa de verificação dos
pressupostos da interpretação hegeliana de áclito, nos limites de uma determinação
do sentido e do alcance da mesma. Para isso, buscar-se-á explicitar os pressupostos
mais evidentes assumidos por Hegel nas Preleções sobre Heráclito, das Preleções
sobre a História da Filosofia, como tais publicadas no volume Os PréSocráticos(Abril Cultural, 1978) da Coleção Os Pensadores, no caso, enquanto
comentário aos Fragmentos de Heráclito. Mostrar-se-á, enfim, que, embora Hegel
interprete Heráclito a partir de sua própria Filosofia, não há como não reconhecer a
filiação de Hegel a Heráclito e, portanto, a consistência de sua retomada e
desenvolvimento do Logosheraclítico. , a partir da compreensão hegeliana de que o
Absoluto só pode ser apreendido enquanto processo e da concepção heraclítica do
Logos, discutir-se-á em que media a do movimento ou do devir segundo Hegel se
aplicam a Heráclito.
De acordo com Heráclito, no sentido da interpretação hegeliana, o Logos
é não só a razão das coisas, mas o fogo que as ilumina e nos permite vê-las; por
conseguinte, ele é não apenas o "sentido" do real, mas o pensamento ele mesmo e,
mais ainda, a própria sabedoria. Isso porque, ainda segundo Heráclito, “ser sábio
consiste em saber que o pensamento governa todas as coisas por meio de todas as
coisas” (DK 40). , em Heráclito, se podem constatar duas formas de pensar: uma,
que apreende as coisas de imediato representando-as para si; e a outra, que
compreende as coisas como desdobramento do que é comum, ou seja, do Logos.
Nessa medida, conforme tal interpretação, pode-se dizer que Heráclito compreende
a natureza enquanto processo, assim como o Absoluto enquanto devir e unidade ou
unificação dos opostos. Essa razão pela qual, neste sentido, Logos ão pode se dar
senão partir da luta (pólemos) dos contrários, ou seja, apresentando-se pois como a
unidade das diferenças; unidade essa que é o devir, o movimento, como salienta
Heráclito: “o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia,
e tudo segundo a discórdia.” (DK 8).
Hegel afirma que Heráclito é o primeiro filósofo a conceber a realidade
como uma síntese de contrários e que reconhecer isto é assumir que só há conhecimento
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a partir da unidade dos opostos. Dessa forma, o Logosé visto como devir e a
realidade como processo. Dessa maneira, a filosofia de Heráclito fixa-se no
entendimento da realidade absoluta como processo mediado pelo Logos sem
pressupostos particulares (imediatos). O movimento é o princípio (arché) do Todo,
dado pela oposição de um ao outro, ou seja, pela mediação dada a partir de uma
negação determinada. E aqui encontra-se a singularidade de Heráclito: admitir o
negativo determinado como propulsor do conhecer, da verdade. Para Heráclito, há
um Logos perpassa o cosmos e manifesta-se conscientemente no homem. O homem
pode escolher entre duas vias, a saber, a imediata que se dá pelo entendimento
particular do sensível e a mediata ou conforme o Logos. isto é assim, há que se
reconhecer, então, que o Logos ó pode ser apreendido quando se pensa conforme a
unidade dos opostos ela mesma, que é o resultado da negação da oposição do ser e
do não-ser; quando, ao fim e ao cabo, em Hegel, a referida unidade poderá também
designar-se negação da negação ou negação determinada.
Todavia, as expensas de Hegel ou, antes, de sua interpretação, há também
que se levar em conta que Heráclito defende a mudança constante de todas as
coisas; sendo esta o processo infinito no qual ou mediante o qual tudo regressa ao
seu início, isto é, o conflito dos opostos que – em consequência de tal conflito – se
diluem na unidade originária. Diante desse reconhecimento, pode-se depreender
que o Logos (então concebido nos limites da concepção heraclítica) se apresenta
como o princípio cósmico (tomado como elemento primordial) e assim como, a
própria razão de ser do real; agora, se desse modo o Logos se mostraria, também,
como “a inteligência”, esse não é necessariamente o caso de Heráclito, seja por
razões históricas, das quais o próprio Hegel é bastante cônscio, seja, por razões
propriamente filosóficas. Não obstante, Hegel está correto em afirmar que, para
Heráclito, a verdade se encontra no devir (enquanto unidade do ser e do não-ser),
não no ser (pura e simplesmente) em sua oposição ao não-ser; aqui parecem
encontrar-se os pressupostos de Hegel e de Heráclito, ainda que tais pressupostos se
apresentem diversamente em cada um dos filósofos.
Isto significa que, enfim, tanto para Hegel como para Heráclito, o
pensamento humano participa e é parte do pensamento universal, com este se
identificando em certa medida. Em vista disso, caso aprenda a ver as coisas segundo
sua verdade, isto é, em seu próprio devir, os homens podem perceber como os
contrários estão em eterno conflito, numa constante mudança de um estado para
outro; assim como, ao fim e ao cabo, ambos os opostos terminam por se tornar uma e
a mesma coisa. Como síntese, união desses conceitos opostos (e intimamente
relacionados), surge o devir, nas palavras de Hegel: “O nada, como este imediato, é
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similar a si mesmo, e inversamente o mesmo que o ser. A verdade do ser tal como a do
nada, portanto, é a unidade de ambos; esta unidade é o devir.” (HEGEL, 1995). Se isto
é realmente assim, pode-se dizer, então, que mesmo em interpretando Heráclito
segundo sua própria Filosofia, Hegel permanece fiel aos pressupostos da de Heráclito
na medida em que os retoma e desenvolve nos quadros de sua Lógica especulativa,
mais especificamente, nos quadros da determinação do ser chamada ‘devir’.
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Referências
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Alexandre Costa. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.
DAMIÃO, B. O Logos heraclítico: introdução ao estudo dos fragmentos. de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.
HEGEL, F. [Preleções sobre a História da Filosofia. Heráclito – Crítica Moderna]. : éSocráticos. Fragmentos, Doxografia e Comentários.São Paulo, Abril Cultural, 1978.
_______. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830).Trad.
Paulo Meneses e José Machado. ão Paulo: Loyola, 1995.
HERÁCLITO DE ÉFESO. Fragmentos. In: Os é-Socráticos. Fragmentos,
Doxografia e Comentários.São Paulo, Abril Cultural, 1973
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