Nefrologia 21 (1) 99novo.p65

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J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 30-37
Revisão/Atualização em Hipertensão Arterial: Quando investigar
hipertensão secundária
José Nery Praxedes
Serviço/Disciplina de Nefrologia, HC-FMUSP
Endereço para correspondência: José Nery Praxedes
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar nº 255, 7º andar, Sala 711-F
CEP05403-900 São Paulo SP
Tel.: (011) 853-5079 Fax (011) 883-7683
Introdução
A prevalência de hipertensão secundária na
população adulta é de aproximadamente 5 a 10%. 1, 2.
Isto significa que, se para a grande maioria dos
hipertensos os chamados primários ou essenciais, a
hipertensão arterial é um fato definitivo com o qual
terão de conviver sempre, para este pequeno
contingente de pacientes, existe a possibilidade de cura
ou reversão. Em termos individuais representa escapar
de uma perspectiva de vida de permanente controle
medicamentoso e não medicamentoso e de permanente
convivência com os riscos e as conseqüências mórbidas
da hipertensão. Em termos populacionais, levando em
conta a alta prevalência da hipertensão arterial na
população geral, estes pequenos percentuais podem
significar um contingente de 1,5 a 3 milhões de
pacientes, parte dos quais podem ser resgatados das
filas dos centros de atendimento primário e secundário
onde permaneceriam por muitos anos consumindo
medicação antihipertensiva e demandando o custo
médico e social das complicações e dos efeitos
incapacitantes da hipertensão sistêmica.
Detectar e tratar hipertensão secundária é uma das
tarefas médicas que mais requer entrosamento e
colaboração científica entre diferentes disciplinas e
serviços de uma instituição. É portanto, uma tarefa
multidisciplinar que requer a participação de clínicos
gerais, de profissionais de atendimento primário, de
especialistas clínicos e especialistas em métodos
diagnósticos, de radiologistas intervencionistas e de
cirurgiões.
A detecção precoce pode determinar o resultado, e
exige de todo médico que lida com pacientes
hipertensos buscar permanentemente indícios de
hipertensão secundária: ter em mente, indagar,
examinar, destacar e investigar, em cada paciente as
evidências mais concretas que possam sugerir um
hipertenso secundário.
Detectar hipertensão arterial sistêmica como se sabe
é tarefa relativamente fácil. Difícil é encontrar a
pequena parcela de hipertensos secundários
camuflados entre os hipertensos essenciais dos quais
não se distinguem facilmente. Quase como achar uma
agulha no palheiro. Muitos serão triados e poucos
detectados. Portanto, a triagem da hipertensão
secundária deve ser otimizada no sentido de poupar
trabalho e custos, iniciando-se com uma anamnese e
exame físico direcionados e minuciosos, seguidos de
uma avaliação diagnóstica mínima, de baixo custo, mas
que possa incorporar e ampliar a investigação dos
indícios clínicos. A partir daí serão selecionados para
investigação específica, aqueles com maior
probabilidade, escolhendo-se o teste ou os testes com
maior sensibilidade e especificidade para cada situação,
portanto com maior probabilidade de acerto. Portanto,
a detecção da hipertensão secundária vai além do
exercício clínico e passa por uma análise de decisão. 2
Dentre as várias causas de hipertensão secundária
algumas se destacam pela maior prevalência, pelo
impacto potencial de poderem ser revertidas ou curadas
ou pelo que contribuem para o entedimento dos
mecanismos e do curso natural da hipertensão arterial
em geral. Entre elas abordaremos as drogas, as doenças
renais parenquimatosas, a hipertensão renovascular,
o feocromocitoma e o hiperaldosteronismo primário.
A publicação desta seção foi possível graças à colaboração da
Searle do Brasil Ltda.
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Drogas
As doenças renais constituem causa freqüente de
hipertensão. Respondem por cerca de 2,5 a 5% das
causas de hipertensão nos adultos. 4 Podem ser
produzidas por nefropatias primárias ou associadas a
doenças sistêmicas. Infelizmente nem sempre o
tratamento da doença renal, quando existe, resulta em
reversão completa ou “cura” da hipertensão, podendo
ocorrer apenas melhora do controle pressórico. Em
algumas doenças renais como nas glomerulopatias a
hipertensão é, não apenas um dado clínico de suspeita
diagnóstica, mas também um marcador de atividade e
evolução. Particularmente nas glomerulonefrites
agudas, proliferativas, mais especificamente na
glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica a
hipertensão arterial desaparece com a evolução para a
cura e persiste nos casos que evoluem para
cronificação, marcando a atividade da doença. 5, 6
Alguns dados clínicos auxiliam na detecção das
doenças renais onde é elevada a prevalência de
hipertensão arterial (Tabela 2). A investigação
complementar deve investigar marcadores renais e
sistêmicos. Exame de urina (bioquímica e sedimento),
proteinúria quantitativa, avaliação da função renal
(creatinina sérica ou depuração da creatinina
endógena) e imagem renais (ultrassonografia, urografia
excretora, ou cintilografia renal) podem determinar a
natureza da doença renal. Eventualmente métodos
adicionais como uretrocistografia miccional, tomografia
ou biópsia renal são necessários. 5, 6
A seqüência e a combinação destes exames são
importantes para conduzir ao diagnóstico, tendo como
chaves o exame de urina e a medida da função renal
do hipertenso provável nefropata. Por exemplo
paciente proteinúrico com alterações de sedimento
principalmente hematúria com dismorfismo
eritrocitário, com função renal alterada ou não, leva à
Tabela 1
Drogas indutoras de hipertensão sistêmica
Tabela 2
Prevalência de hipertensão nas nefropatias crônicas
Muitas substâncias, medicamentos ou drogas
ilícitas, de fácil obtenção, podem desencadear
hipertensão arterial em pessoas predispostas ou
agravar um estado hipertensivo pré-existente. Entre as
mais comuns, merecem destaque os anticoncepcionais,
anti-inflamatórios não hormonais, anoréticos,
antidepressivos, psicotrópicos, imunossupressores e
drogas de rua (Tabela 1). 3
Os mecanismos são variados, existindo em comum
o fato de que o estado hipertensivo é reversível com a
suspensão podendo retornar se o uso for retomado.
Algumas destas substâncias podem desencadear
estados hipertensivos severos ou acelerados podendo
também persistir níveis residuais de hipertensão com
a sua retirada.
O diagnóstico depende de uma investigação
cuidadosa e detalhada na anamnese, lembrando que um
simples descongestionante nasal, ou uma inocente
pastilha de alcaçuz, em uso abusivo, podem determinar
um estado hipertensivo ou desencadear uma condição
de refratariedade terapêutica. Eventualmente o nível
sérico de algumas substâncias pode ser avaliado. Quando
se trata de um medicamento que não possa ser retirado,
medidas adicionais de controle pressórico devem ser
acrescentradas, e a atenção e o cuidado redobrados.
Doenças renais
Agentes químicos:
Agente terapêuticos:
Cloreto de sódio (excesso de sal), alcaçuz
(“licorice”), chumbo, cádmio, lítio, cafeína.
Hormônios: Contraceptivos, corticosteróides,
estrógenos e andrógenos
Antinflamatórios não hormonais: Todos.
Derivados do ergot: Ergotamina, ergonovina.
Antidepressivos: Inibidores da MAO, agentes
tricíclicos, etc.
Simpatomimétricos: Fenilefrina, pseudoefedrina (descongestionantes nasais).
Outros: Ciclosporina, eritoproetina, disulfiram.
Estimulantes (anfetaminas) craque, cocaína, etc.
Doença
Glomerulopatias
Glomeruloesclerose segmentar e focal
Glomerulonefrite membranoproliferativa
Nefropatia diabética
Glomerulonefrite membranosa
Glomerulonefrite proliferativa mesangial
Nefropatia da IgA
Lesões mínimas
Doença renal polcística
Nefrite intersticial urêmica
Hipertensão (%)
75-80
65-70
65-70
40-50
35-40
30
20-30
60
35
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hipótese diagnóstica de uma doença glomerular.
Sedimento normal proteinúria ausente ou discreta, não
nefrótica, e disfunção renal deve-se pensar em
nefropatia túbulo-intersticial, nefroesclerose
hipertensiva ou eventualmente uma vasculite. Nos
métodos básicos de imagens a ultrassonografia é
superior à urografia excretora pois mesmo em estágios
avançados de insuficiência renal tem condições de fazer
avaliações estruturais do rim com detalhes finos como
dimensões da córtex, sua definição e ecogenicidade,
sem a utilização de contrastes nefrotóxicos, podendo
definir a fase da doença e seu potencial de recuperação,
além de detectar cistos, cálculos, tumores e
hidronefrose com a mesma eficiência. A
uretrocistografia miccional pode diagnosticar um
refluxo vesico-ureteral. Exames adicionais sorológicos
como a pesquisa de auto-anticorpos, sorologia para
agentes infecciosos, eletroforese de proteínas séricas
ou imunoeletroforese, permitem avançar na etiologia
ou identificar doença sistêmicas com comprometimento
renal, como diabetes, LES, doenças de cadeias leves,
etc. A pesquisa de anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos (ANCA) é de grande sensibilidade no
diagnóstico das vasculites necrotizantes paucei-imunes
como a granulomatose de Wegener, doença de ChurgStrauss e na forma microscópica da poliarterite nodosa.
A dosagem do complemento sérico é importante no
diagnóstico e no seguimento de glomerulopatias
agudas e da nefrite lúpica, sendo útil para controle de
atividades e avaliação da terapêutica. Nos diabéticos,
principalmente no tipo I a dosagem da
microalbuminúria é um excelente marcador do
aparecimento da nefropatia que invariavelmente se
acompanha de hipertensão arterial. A biopsia renal é
fundamental em paciente com síndrome nefrítica com
disfunção renal importante e rins ecograficamente
normais podendo diagnosticar precocemente uma
glomerulonefrite crescêntrica que exige tratamento
rápido e agressivo para reverter a perda de função e a
hipertensão arterial.
O principal mecanismo da hipertensão nas doenças
renais está relacionado com a perda progressiva da
capacidade renal de excretar sódio, sendo portanto
volume-dependente. Entretanto, vários outros
mecanismos podem estar envolvidos. A síntese renal
de substâncias vasoativas estaria desequilibrada pela
maior produção de vasoconstrictores como reninaangiotensina e diminuição de vasodilatadores como
prostaglandinas e calicreina renais. A elevada
sensibilidade a sal e o aumento da resistência periférica
podem estar relacionados a níveis elevados do fator
digoxina-simile endógeno, inibidor da Na+-K+-ATPase,
desencadeados pela retenção volêmica. Alterações na
função endotelial podem envolver a síntese do óxido
nítrico, prejudicada pelo acúmulo de inibidores naturais
da NO sintase, eliminados normalmente pelos rins,
derivados metilados da L-arginina (dimetil e
monometil-arginina assimétrica-ADMA). Embora
controversas, existem evidências de que a endotelina
pode também ter participação, na hipertensão
secundária às nefropatias. 4, 5
Hipertensão renovascular
Hipertensão renovascular é a causa mais freqüente
de hipertensão curável e a segunda dentre as
secundárias. Sua prevalência é de 1 a 5% da população
adulta hipertensa, mas aumenta em sub-populações
específicas, como idosos, diabéticos e hipertensos
malignos ou acelerados e refratários. 7, 8
Potencialmente curável, mas de baixa prevalência
exige cuidadosa triagem para otimizar sua detecção. 8
Partindo-se de marcadores clínicos pode-se estimar a
sua probabilidade de ocorrência em um determinado
perfil de paciente e estabelecer uma seqüência de
investigação utilizando-se testes de triagem, de alta
sensibilidade e especificidade (Tabelas 3 e 4). 9, 10 A
hipertensão renovascular classicamente é produzida
por estenose de uma ou de ambas as artérias renais.
Então o mecanismo envolve principalmente dois
fatores interagindo entre si: o sistema reninaangiotensina e a volemia. Na estenose unilateral, a
presença do rim contralateral íntegro exerce um efeito
natriurético compensatório impedindo a expansão.
Portanto a hipertensão é deflagrada e mantida, pelo
menos nas fases iniciais, apenas pela hiperatividade
do sistema renina-angiotensina. Na estenose bilateral,
na estenose do rim único ou transplantado ou na
coarctação da aorta acima das artérias renais, ocorrendo
isquemia de todo o parenquima renal, inicialmente a
hipertensão é deflagrada pelo sistema reninaangiotensina, porém não havendo natriurese
compensatória ocorre expansão volêmica e a
hipertensão é mantida pela interação do sistema reninaangiotensina com o estado da volemia. Estes fatores
principais podem ser modulados por outros fatores próhipertensivos como aldosterona, digoxina-símile,
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Tabela 3
Hipertensão renovascular, indicadores clínicos de probabilidade e proposta de investigação
Grupos de pacientes
Seqüência de investigação
Baixa probabilidade (0,2%)
Hipertensão limítrofe, leve ou moderada não complicada
Não necessária
Média probabilidade (5 a 15%)
Hipertensão grave
Hipertensão refratária
Hipertensão recente em idade < 30 e > 50 anos
Presença de sopros abdominais ou lombares. Assimetria de pulsos radiais ou carotídeos
Hipertensos moderados, fumantes ou com doença vascular em outra região
Redução mal definida da função renal
Resposta pressórica exagerada aos inibidores da ECA
Renograma com captopril ou teste de
captopril com renina periférica +
Ultrassonografia com Doppler
↓
↓
Negativo
Positivo
↓
↓
Encerrar investigação
Arteriografia
Alta probabilidade (25%)
Hipertensão grave ou refratária com insuficiência renal progressiva
Hipertensão acelerada ou maligna
Elevação dos níveis de creatinina induzida por inibidores da ECA
Assimetria renal no tamanho ou na função
Arteriografia imediata ou seqüência do quadro
acima
tromboxane e endotelina ou anti-hipertensivos como
prostaciclina, fatos natriurético atrial e óxido nítrico,
resultando em uma gama variada de estados
hipertensivos, desde hipertensão severa, acelerada ou
maligna até níveis de hipertensão leve ou limítrofe. 9
Levando-se em conta os custos e os riscos da
arteriografia, que é o método padrão para se
diagnosticar as lesões das artérias renais, é na
hipertensão renovascular onde o exercício clínico e a
análise de decisão encontram sua maior aplicação para
se chegar de forma eficaz ao diagnóstico. Partindo-se
de marcadores clínicos pode-se estabelecer perfis de
baixa, média e alta probabilidade para os quais se
define a estratégia e os métodos de investigação e
triagem (Tabela 3). Além do diagnóstico, como o
tratamento invasivo da doença renovascular
(angioplastia, cirurgia e “stents”) nem sempre resulta
em sucesso total em decorrência da duração da
hipertensão e da sua repercussão renal e sistêmica,
alguns dos métodos de detecção são também eficientes
para se prever o resultado clínico do procedimento,
principalmente em relação à pressão arterial. Neste
aspecto os métodos que avaliam a ativação do sistema
renina-angiotensina como a renina estimulada com
captopril e o renograma pré e pós captopril se mostram
particularmente úteis. 8
O grau de sensibilidade e especificidade destes
métodos de triagem permitem em muitos casos,
encaminhar o paciente para a etapa final do diagnóstico
através da arteriografia, já com a decisão terapêutica e
o preparo para a angioplastia no mesmo procedimento.11 Na situação particular do rim contraído unilateral,
a decisão entre remover ou eventualmente tentar
revascularizar o rim pequeno deve levar em conta a
dosagem da renina das veias renais, a medida da
função residual do rim contraído pelo radioisótopo e
suas dimensões e condições estruturais de parênquima
pela ultrassonografia. Rins menores do que 7 cm,
hiperecogênicos, sem definição corticomedular, com
função residual inferior a 20% do total e com níveis de
atividade de renina em veia renal mais do que 50%
elevados em relação à renina periférica devem ser
Tabela 4
Características dos testes de triagem de
hipertensão renovascular
Tipo de teste
Sensibilidade
Renina periférica
57
Renina periférica estimulada
73-100
com captopril
Urografia excretora seqüenciada
74-100
Renograma radioisotópico
74
Renograma com captopril
92-94
Renina de veias renais
62-80
Ultrassonografia com Doppler
95
Angiorressonância nuclear magnética 9 2
Especificidade (%)
66
72-100
86-88
77
95-97
60-100
95-97
90
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retirados resultando em melhora do controle pressórico,
sem prejuízo na função renal.
Feocromocitoma
Os feocromocitomas são tumores formados em
órgãos que têm origem embriológica a partir de células
dos tecidos cromafim, da primitiva crista neural, e
embora predominando nas glândulas supra-renais têm
localização diversa como cadeia simpática
paraganglionar, órgão de Zuckerkandl, bexiga urinária,
coração e sistema nervoso central. Embora raros, cerca
de 0,5% dos pacientes hipertensos são de bom
prognóstico, com alto potencial de cura quando
identificados e retirados. 1, 2
São tumores secretores de catecolaminas,
principalmente noradrenalina, e em virtude das ações
hemodinâmicas e metabólicas destes hormônios, sua
apresentação clínica embora típica em muitos casos
pode ocorrer de forma tão variada que o paciente
freqüentemente procura vários médicos de diferentes
especialidades, antes que o diagnóstico seja feito. Suas
manifestações clínicas podem simular entre outras,
hipertensão essencial, infarte do miocardio
hipertiroidismo, síndrome do pânico, distúrbios
psiquiátricos, etc.. Em alguns pacientes podem estar
associados com outros tumores ou outras síndromes
neuroendócrinas como na neoplasia endócrina múltipla
(MEN tipo II), neurofibromatose e doença de von
Hippel-Lindau. Em geral é benigno de crescimento
lento, cuja “malignidade” decorre principalmente das
manifestações clínicas e dos efeitos dramáticos dos
níveis elevados das catecolaminas séricas. 13, 14
Sua apresentação clínica é característica,
principalmente quando se manifesta em crises, o que
ajuda na detecção. Entretanto é exatamente este fato
que se confunde com outras condições de
hiperatividade de sistema nervoso simpático tornando
difícil o diagnóstico diferencial. Particularmente, a
tríade constituída por cefaléia, taquicardia e sudorese,
em pacientes hipertensos tem sido relatada como de
sensibilidade diagnóstica superior a 90%. 13 Mesmo
assim ainda há uma grande superposição do quadro
clínico de casos verdadeiros com os de pseudofeocromocitoma, de maneira que suspeita-se com uma
freqüência muito maior do que se detecta e, por outro
lado, pacientes realmente portadores podem
permanecer durante muito tempo não detectados.
De qualquer maneira a triagem laboratorial é
sempre indicada a partir de uma suspeita clínica ou do
achado acidental de imagem em suprarenal de paciente
hipertenso, levando-se em conta a eficiência dos testes
de triagem (Tabela 5). 2
A etapa inicial é a demonstração da existência do
feocromocitoma pela determinação das catecolaminas
plasmáticas ou da excreção urinária de catecolaminas
livres ou seus metabólitos. É importante considerar o
custo e a disponibilidade além da eficiência do método.
Em nosso meio recomenda-se iniciar pela dosagem dos
metabólitos urinários acido vanil-mandélico (VMA) e/
ou metanefrina que são mais disponíveis e menos
onerosos e apresentam grande sensibilidade
diagnóstica principalmente a metanefrina ou o VMA
dosado por cromatografia líquida de alta performance
(HPLC). 12-14
Havendo disponibilidade podem ser dosados
também as catecolaminas livres na urina de 24 horas
que no feocromocitoma apresentam valores superiores
ao dobro do limite máximo da normalidade.
A dosagem das catecolaminas plasmáticas pode ser
usada para triagem inicial e, principalmente, para
confirmar o diagnóstico ou determinar o curso posterior
da investigação. Valores superiores a 2000 pg/ml
(epinefrina + norepinefrina) confirmam o diagnóstico.
Valores intermediários entre 1000 e 2000 pg/ml são
altamente sugestivos, e inferiores a 500 pg/ml
praticamente descartam feocromocitoma. Quando os
níveis se encontram na faixa intermediária entre 500 e
2000 pg/ml/2 deve-se proceder a um teste de supressão
com clonidina. Se os níveis plasmáticos das
catecolaminas caírem abaixo de 500 pg/ml, 2 horas após
a administração oral de 0,3 mg de clonidina, a hipótese
de feocromocitoma é bastante improvável. 12-14 Testes
provocativos (histamina, glucagon, etc.) estão
Tabela 5
Características dos testes para detecção de feocromocitomas
Tipo de teste
Metanefrina urinária
Excreção de VMA
Catecolaminas urinárias
Catecolaminas plasmáticas
MIBG
RNM
Sensibilidade (%)
Especificidade (%)
83
81
82
82
90
92
95
95
95
95
96
80
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praticamente abandonados, entretanto recentemente
o uso da metoclopramida tem sido sugerido. 15
Diagnosticada a existência do feocromocitoma a
tarefa seguinte é encontrar ou confirmar sua
localização. Convém lembrar que aproximadamente
97% dos feocromocitomas localizam-se no abdome
devendo o rastreamento concentrar-se nesta região,
sabendo-se que de 10 a 15% estão fora das suprarenais.
A tomografia computadorizada (TC) tem boa
definição diagnóstica, mesmo para tumores pequenos,
o que não ocorre com a ultrassonografia. Já a
ressonância nuclear magnética (RNM), embora com
menor definição do que a TC tem a propriedade de
produzir imagens dos feocromocitomas com
intensidade de sinal diferenciada, ou seja, quando
adquiridas em peso T 1 são imagens de pouca
intensidade (isosinal em relação ao fígado), mas
quando adquiridas em peso T2 se apresentam como
imagens muito intensas e brilhantes (hipersinal) que
se destacam em relação ao fígado e outros órgãos
abdominais, ajudando na localização de tumores extraadrenais. Outro método de grande utilidade para
localização dos feocromocitomas é a cintilografia com
a metaiodobenzilguanidina (MIBG). A benzilguanidina,
marcada com iodo radioativo (I131 ou raramente I123),
tem grande afinidade com as catecolaminas, fixandose em seus depósitos. Pode-se então realizar
mapeamentos de corpo inteiro, localizando-se não
apenas os tumores solitários, mas também os bilaterais
ou múltiplos e possíveis metastases, facilitando a
ressecção cirúrgica e a cura do paciente. 12-14
Hiperaldosteronismo primário
É um tipo de hipertensão secundária causado pela
produção excessiva de aldosterona e cuja fisiopatologia
é aquela dos modelos de hipertensão por excesso de
mineralocorticóide onde o fenômeno central é a
retenção hidrossalina levando a um estado de expansão
volêmica associado a um aumento da resistência
vascular periférica decorrente de ajustes
compensatórios ao hiperfluxo tecidual e da provável
ação de fatores natriuréticos vasoconstrictores como a
digoxina-símile, desencadeados pelo próprio estado
de expansão. É uma forma rara de hipertensão
secundária cuja incidência é inferior a 1% dos pacientes
hipertensos. Pode ser decorrente de duas causas
principais: a primeira é o adenoma de supra-renal
produtor de aldosterona, e a segunda a hiperplasia
bilateral das suprarrenais. 16-18
Embora estas duas causas determinem
manifestações clínicas semelhantes, os adenomas
cursam como níveis pressóricos mais elevados e
hipocalemias mais severas e mais sintomáticas e
apresentam menor resposta ao antagonista de
aldosterona (espironolactona).
A suspeita diagnóstica recai sobre pacientes
hipertensos com hipocalemia espontânea ou induzida
por doses proporcionalmente baixas de diuréticos,
resistentes à reposição de potássio. Freqüentemente
apresentam sintomas ou sinais da hipocalemia como
fraqueza muscular, cãibras, tetania e raramente
episódios de paralisia transitória. Preconiza-se,
portanto, como triagem diagnóstica, a dosagem do
potássio sérico em todo paciente hipertenso. 16
Naqueles com hipocalemia espontânea ou
resistente à reposição, a determinação do potássio
urinário reforça a investigação. Pacientes que, na
vigência de níveis baixos de potássio sérico
apresentarem excreções urinárias de potássio elevadas
(superior a 30 mEq/24 horas) tem alta probabilidade
de serem portadores de hiperaldosteronismo primário.
A dosagem da aldosterona e da atividade da
renina plasmática é o passo seguinte para investigar
o diagnóstico, sendo importante a reposição prévia
do potássio sérico para evitar efeitos inibitórios da
hipocalemia sobre a aldosterona plasmática. Como
existem flutuações episódicas e circadianas nos
níveis da aldosterona plasmática, a dosagem
simultânea com a renina sérica apresenta maior
sensibilidade e especificidade diagnóstica. São
esperados níveis elevados de aldosterona e
suprimidos de renina plasmática devido à expansão
volêmica. 16, 17 A relação AP/ARP (aldosterona
plasmática expressa em ng/dl dividida pela atividade
da renina plasmática expressa em ng/ml/h), tem sido
descrita como bom indicador de hiperaldo primário.
Valores superiores a 20 ou 30 são considerados
altamente sensíveis e valores superiores a 50 são
ainda mais específicos por descartarem hipertensão
essencial com renina baixa. Alguns autores propõem
a potencialização da relação AP/ARP com captopril
25 mg, 1 hora antes da coleta. 19 A inibição da enzima
conversora normalmente reduz a aldosterona e eleva
a renina invertendo os valores da relação AP/ARP.
A persistência desta em níveis elevados é um forte
indicador de hiperaldo primário. O teste de
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supressão com salina deve ser usado para confirmar
uma suspeita de hiperaldosteronismo primário
diferenciando-o da hipertensão essencial com renina
baixa. Após a infusão de 2000 ml de soro fisiológico
em 4 horas os níveis de aldosterona de hipertensos
essenciais caem abaixo de 5 ng/dl, enquanto os de
pacientes portadores de hiperaldo primário não
chegam abaixo dos 10 ng/dl. Naqueles que
apresentarem resultados intermediários entre 5 e 10
ng/dl o teste pode ser potencializado com dieta
hipersódica e mineralocorticóides (DOCA ou
Florinef).16 Para diferenciação entre os pacientes com
hiperaldo primário portadores de adenoma, daqueles
com hiperplasia bilateral recomenda-se o teste de
deambulação. Após coleta basal de cortisol e
aldosterona pela manhã o paciente é posto para
deambular de 2 a 4 horas, e então novas coletas serão
feitas. Como o teste é realizado no início da manhã,
a aldosterona sérica será modulada por dois
mecanismos opostos: a estimulação do sistema
renina-angiotensina pela postura e deambulação e
a inibição do ACTH pelo ritmo circadiano da manhã.
Os pacientes portadores de adenomas produtores
de aldosterona são resistentes à angiotensina mas
são modulados pelo ACTH observando-se então
queda nos níveis de aldosterona plasmática
enquanto os portadores de hiperplasia bilateral
respondem com pequena elevação, pois são sensíveis
à angiotensina. 16
Métodos de imagem não só ajudam a diferenciar
entre adenoma e hiperplasia como são importantes na
sua localização e planejamento cirúrgico. A TC e a RNM
das suprarrenais tem se mostrado igualmente eficiente
para detectar os adenomas produtores de aldosterona
que são tumores pequenos, de crescimento lento.
Entretanto o diagnóstico pode ser prejudicado pelas
hiperplasias macronodulares que podem simular
pequenos adenomas, ou pela presença de tumores
verdadeiros mas não secretores, detectados
casualmente (“incidentalomas”). A cintilografia da
adrenal que se baseia na sua afinidade com o colesterol
marcado com iodo ou selênio radioativos (I131 ou Se75)
pode ser usada. Particularmente, a cintilografia com o
iodo colesterol (NP59) é útil na detecção dos adenomas
podendo diferenciá-los das hiperplasias nodulares em
até 90% dos casos, desde que realizada após a supressão
com dexametasona (4 mg/dia) por 1 semana. 16, 17
Como a conduta atual é atuar nos adenomas e
conservar as hiperplasias a diferenciação entre ambos
é realmente uma etapa importante e pode culminar com
a coleta de amostras de sangue das veias suprerenais
para dosagem de aldosterona e cortisol, procedimento
que nem sempre é bem sucedido por dificuldades
anatômicas.
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