Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 A crítica de Carnap aos enunciados da Metafísica Anselmo Carvalho de Oliveira* Resumo: Rudolf Carnap mantém uma posição de severa crítica à filosofia tradicional e à metafísica. A aparência de verdade dos enunciados da metafísica é causada porque a linguagem comum não é definida em adequação às exigências lógicas e a fins exclusivamente científicos, mas é usada para expressar atitudes de emoção em relação ao mundo. Carnap, através de rigorosa analise dos enunciados das ciências naturais em contraste com enunciados metafísicos, procura formular critérios válidos para revelar os problemas lógicos da linguagem e criar critérios para a viabilidade lógica dos discursos científicos. Palavras-chave: Positivismo lógico, Rudolf Carnap, metafísica, análise lógica, filosofia da linguagem. Abstract: Rudolf Carnap maintains a position of severe criticism to the traditional philosophy and the metaphysics. The appearance of truth of the statements of the metaphysics is caused because the common language is not defined exclusively in adaptation to the logical demands and ends scientific, but it is used to express emotion attitudes in relation to the world. Carnap, through rigorous analyzes of the statements of the natural science in contrast with metaphysical statements, it tries to formulate valid criteria to reveal the logical problems of the language and to create criteria for the viability logic of the scientific speeches. Key words: Logical positivism, Rudolf Carnap, metaphysics, logical analysis, philosophy of the language. * Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e pós-graduando pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). 29 Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 1. Introdução O positivismo lógico foi um movimento filosófico cuja maior atividade ocorreu entre os anos 1920-1940. Os adeptos dessa corrente reuniram-se ao redor da figura de Moritz Schilick, catedrático da Universidade de Viena, onde o grupo passou a ministrar seus seminários. Esse grupo é conhecido também pelo nome de “Círculo de Viena”. Carnap foi um dos mais influentes e instigantes membros do “Círculo de Viena”. Sua posição em relação à metafísica era de extrema rejeição e sua crítica a esse tipo de filosofia influenciou muitos pensadores durante o século XX. A crítica carnapiana à metafísica foi formulada a partir de uma análise lógica dos enunciados daquela disciplina. Sua formulação de critérios capazes de distinguir entre filosofia tradicional e ciência procura encontrar um meio conceitual seguro para validar a ciência. Esses critérios reduziam a filosofia tradicional a um conjunto de “seqüências assignificativas de sinais”, descaracterizando a metafísica como um domínio real de conhecimento. Mas a assignificatividade da metafísica não é, certamente, do mesmo modo da assignificatividade de uma seqüência desordenada de sinais. Ela possui uma aparência de correção lingüística, pois a linguagem abre a possibilidade de ser aplicada a usos não científicos, mas que, nem sempre, são nitidamente distintos dos seus usos científicos, e isto é necessário explicar. O objetivo do trabalho consiste na introduçăo à análise da crítica dos positivistas lógicos, sobretudo, Rudolf Carnap, à linguagem da metafísica e a partir dessa crítica, aos critérios estabelecidos para que os enunciados das ciências possuam significatividade. 2. Carnap e o positivismo lógico O objetivo do positivismo lógico como movimento filosófico era tradicional: a definição do conhecimento através da formulação dos critérios para a sua identificação e a sua separação de outros sistemas de idéias não cognoscitivos. Por outro lado, o método que eles usavam para alcançar esse objetivo era inovador dentro da história da filosofia: a análise lógica da linguagem presumivelmente a depositária desse tipo de conhecimento (Pasquinelli, 1983, p. 12). Qualquer afirmação que pretenda ser portadora de conhecimento há de ser uma afirmação sobre a realidade, segundo os positivistas, ela deve dizer como é a realidade interna ou externa ao próprio indivíduo. Essa afirmação transforma-se em um enunciado, ou seja, em uma entidade lingüística indicativa de como são os fatos. Por conseqüência, delimitar o conhecimento converte-se antes de tudo na tarefa de caracterizar a linguagem enunciativa, aquela que fala sobre a realidade, que permite fazer afirmações sobre ela: o problema epistemológico resolve-se em um problema lógicolingüístico. Mas as regras gramaticais não seriam suficientes para fazerem uma precisa distinção entre as expressões que constituem proposições científicas e afirmações sem nenhuma relevância para o conhecimento. Seria, portanto, preciso completar a gramática acrescentando-lhe um novo conjunto de regras lógicas, capazes, com rigor, de determinar os limites do conjunto de proposições cientificamente relevantes (Santos, 1980, p. VII). Os positivistas lógicos necessitavam de uma teoria lingüística que especificasse em que consistia a significatividade da oração enunciativa e que lhes fornecia os instrumentos analíticos necessários para distingui-la de outras entidades lingüísticas. Essa teoria foi proporcionada, em grande medida, por Wittgenstein no Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 Tratactus Logico-Philosophicus (1921). Nessa obra encontram-se as teses básicas sobre a significatividade, que os membros do Círculo, a seu modo, aplicaram para a solução do problema epistemológico. As teses básicas que compartilharam com Wittgenstein ressumem-se a estas: a) os enunciados lógicos e matemáticos são tautologias, isto é, são independentes do significado das expressões que os compõem. Esses são determinados por sua estrutura sintática particular. b) A formulação do “princípio da verificabilidade”, isto é, o significado de um enunciado se reduz aos dados empíricos cuja ocorrência determina a veracidade do enunciado. Em termos lingüísticos uma proposição factual será significativa se for possível reduzi-la a uma combinação de proposições que exprimam fatos da experiência imediata. En primera, las proposiciones que son verdaderas exclusivamente por virtud de su forma (“tautologías” de acuerdo de Wittgenstein y que corresponden aproximadamente a “los juicios analíticos” de Kant); éstas no dicen nada acerca de la realidad. Las fórmulas de la lógica y de la matemática pertenecen a esta clase. Por sí propias no son enunciados empíricos pero sirven para la transformación de tales enunciados empíricos. En segundo término existen las formas inversas de tales proposiciones (“contradicciones”). Éstas son contradictorias y, por consiguiente, falsas por virtud de su forma. Para todas las demás proposiciones la decisión sobre su verdad o falsedad reside en las proposiciones protocolares, por lo que son “proposiciones empíricas” (verdaderas o falsas) y pertenecen al dominio de la ciencia empírica. Cualquier proposición que se descara construir y que no encajara en ninguna de estas clases devendría automáticamente en sinsentido. Ya que la metafísica no desea establecer proposiciones analíticas ni caer en el dominio de la ciencia empírica, se ve compelida bien al empleo de palabras para las que no ha sido especificado ningún criterio de aplicación, y que resultan por consiguiente asignificativas, o bien a combinar palabras significativas de un modo tal que no obtiene ni proposiciones analítica (o, en su caso, contradictorias) ni proposiciones empíricas. En ambos casos lo que inevitablemente se produce son pseudoproposiciones (Carnap, 1965, p. 82-83). Essas teses gerais converteram-se no núcleo das teorias semânticas que os positivistas sustentavam e na justificação posterior de sua crítica à metafísica tradicional. 3. Crítica de Carnap à metafísica A crítica de Carnap ao pensamento metafísico está no artigo “Überwindung der metaphysik durch logische analyse der sprache” de 19321, no qual busca resolver o problema da demarcação entre linguagem significativa e linguagem assignificativa. Ao abordar a questão busca critérios que permitam distinguir o significativo do assignificativo. Para isso não basta se ater aos critérios lingüísticos formais, que levam muitos enunciados a parecerem significativos sem sê-lo à luz de uma análise semântica mais profunda. A teoria lógico-lingüística deve ser de tal natureza que nos permita distinguir entre as proposições, isto é, os enunciados com significado e as pseudoproposições, isto é, entidades lingüísticas aparentemente enunciativas, mas sem sentido. Segundo Carnap, a língua consta essencialmente de léxico e sintaxe, isto é, de um conjunto de palavras que tem significado e de um conjunto de regras para combiná-las adequadamente. Para que uma entidade lingüística enunciativa tenha 1 “Überwindung der metaphysik durch logische analyse der sprache”, Erkenntnis, Leipzing, Band 2 Heft 4 (1932), p. 219-241. 31 Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 significado depende de dois fatores: das palavras utilizadas e das regras aplicadas para sua combinação. São igualmente esses dois fatores os que causam a assignificatividade e as pseudoproposições: não se empregam termos significativos ou não se combinam corretamente esses termos na oração. Em que consiste o significado de uma palavra? Segundo Carnap uma palavra designa um conceito. Mas o que não é tão simples é averiguar quando um conceito designa uma palavra. Para Carnap, essa investigação deve partir da fixação da sintaxe da palavra, que se determina a partir de enunciados simples em que aparece. Por exemplo, o termo “pedra” pode aparecer em formas enunciativas elementares como “x é uma pedra”. Se chamarmos p a esse tipo de proposição, o significado do termo “pedra” é-nos indicado no significado global de p. Captar esse significado global equivale, segundo a tese que Carnap atribuiu a Wittgenstein, saber as condições em que p é verdadeiro ou falso. As condições de verificabilidade de uma proposição elementar como p, muitas vezes, não são tão simples como no caso exposto. O conceito utilizado pode ser mais complexo que o de pedra. Nesse caso, a atribuição de significado ao conceito requer o conhecimento de sua definição em termos de outros conceitos mais simples. É a soma desses conceitos simples que proporciona o significado do conceito mais complexo e sua conexão com a realidade. O conceito complexo é derivado da conjunção das proposições elementares que incluem os conceitos simples que figuram em sua definição. Segundo as teses de Carnap, qualquer conceito significativo ou não, contrasta diretamente com a realidade se for suficientemente simples; ou indiretamente se for decomposto em conceitos mais simples: De esta manera cada palabra del lenguaje se retrotrae a otras y, finalmente, a las palabras que aparecen en las llamadas ‘proposiciones de observación’ o ‘proposiciones protocolares’. A través de este retrotraimento es como adquiere su significado una palabra (1965, p.69) Assim, pois, o que dá significado aos termos de uma língua é sua conexão, direta ou mediante definição, com a experiência. Os termos não susceptíveis dessa conexão resultam sem significados do mesmo modo que as pseudoproposições das quais fazem parte, posto que não se ajustam a critérios de aplicação. Os problemas semânticos da definição do significado passam, então, para um plano epistemológico em que o significado de uma palavra consiste em suas relações intralingüísticas com outros termos ou enunciados, mediante sua relação com a realidade extralingüística, relação que só a teoria do conhecimento e a lógica podem especificar. Essa relação em termos gerais é de designação. Alguns positivistas mantiveram a idéia de que as proposições protocolares expressam conteúdos psicológicos elementares que são diretamente equivalentes às qualidades primárias apresentadas pela realidade (qualidades da percepção). Outros mantiveram que as proposições elementares são enunciados de um tipo de linguagem homogeneizada diretamente referente a qualidades ou objetos físicos, a linguagem fisicalista. Mas, em qualquer das interpretações, não foi considerado o problema estritamente semântico, porém epistemológico: a intervenção da lógica e da sintaxe se traduz no processo de redução das proposições complexas em proposições protocolares, mas não na conexão dessas com a realidade extralingüística. Além das razões lexicais existem outros tipos de razões que podem fazer uma proposição vazia de significado. Trata-se das razões sintáticas que consistem na 32 Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 utilização inadequada das regras de combinação dos termos. A esse respeito, Carnap e os positivistas distinguiram entre a sintaxe gramatical e a sintaxe lógica de uma língua. A primeira é insuficiente para dar conta das pseudoproposições, por seu caráter puramente estrutural. Na sintaxe gramatical, certas orações, se bem que sem sentidos, são gramaticais, porque seguem esquemas formais corretos. Por exemplo, “César é um número primo” é uma oração que sendo assignificativa, atem-se as estruturas gramaticais do sujeito/predicado. A sintaxe gramatical só leva em conta o caráter estrutural das expressões que se combinam, estabelecendo que certas configurações são gramaticais e outras não o são. Por outro lado, a sintaxe lógica vai além, segundo Carnap. Estabelecendo quais combinações das categorias são admissíveis e quais não o são: El hecho de que los lenguajes cotidianos permitan la formación de secuencias verbales carentes de sentido sin violar las reglas de la gramática indica que la sintaxis gramatical resulta insuficiente desde un punto de vista lógico. Si la sintaxis gramatical tuviera una exacta correspondencia con la sintaxis lógica no podrían formase pseudoproposiciones. Si la sintaxis gramatical no solamente estableciera diferencias en el orden categorial de las palabras, tales como sustantivos, adjetivos, verbos, conjunciones, etc., sino que hiciera dentro de cada una de estas categorías las diferencias posteriores que son lógicamente indispensables, no podrían constituirse pseudoproposiciones (Carnap, 1965, p. 74). O que Carnap propunha era que a sintaxe lógica incorporasse as regras de compatibilidade semântica omitidas na sintaxe gramatical. Assim, a origem da assignificatividade de enunciados metafísicos típicos se explicaria através dos erros categoriais que continha. Carnap analisou particularmente enunciados da obra de Heidegger, “Que é metafísica?”, mostrando que em tais enunciados se emprega, por exemplo, o termo “nada” de forma substantivada e que dele deriva o neologismo sem significado “nadear” e que de ambas as transgressões categoriais se seguem combinações assignificativas, como estas: “a angústia revela o Nada” ou “o Nada nadea”. Não somente enunciados desse tipo são carentes de sentido, conclui Carnap, mas que toda a metafísica está desprovida de sentido. Os enunciados dessa disciplina ou exploram os erros categoriais ou se baseiam na utilização de termos assignificativos, que não estão em relação designativa com a realidade. Segundo Carnap (1965, p. 73): El metafísico nos dice que no pueden especificarse condiciones empíricas de verdad; si a ello, con ellas, sabremos entonces que no se trata en ese caso sino de una mera alusión a imágenes y sentimientos asociados a las mismas, lo que sin embargo no les otorga significado. Las pretendidas proposiciones de la metafísica que contienen estas palabras no tienen sentido, no declaran nada, son meras pseudoproposiciones. A falta de relação designativa com a realidade empírica é o que acontece com os termos usados nas ciências normativas, com seus usos de “bom”, “belo” e outros predicados valorativos. Esses predicados estão em relação com a realidade através de um processo de definição reducionista (como aquele que equipara “bom” a “útil” ou “belo” a “agradável”), ou são enunciados descritivos e, portanto, não estão nessa relação e não possuem sentido. Carnap e outros positivistas estabeleceram um conjunto de critérios para a significatividade dos enunciados que incluía duas condições básicas: a) a conexão com a realidade dos termos empregados através da verificação dos enunciados protocolares a que foram 33 Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 reduzidos; e b) a adequada construção lógica, que impediria combinações categoriais erradas. Essa postulação de critérios não constitui uma teoria semântica em sentido estrito, pois estava a princípio, limitada à linguagem enunciativa. Dentro dessa modalidade lingüística, os critérios propostos pretendiam discriminar os enunciados significativos (com significado cognitivo) dos enunciados assignificativos (enunciados sem sentido ou com significado puramente emotivo). Entre aqueles, os positivistas destacaram fundamentalmente os enunciados científicos, em sua dupla classe de enunciados analíticos (lógico e matemático), verdadeiros ou falsos, em virtude de seu contraste com a realidade. Entre os enunciados assignificativos, Carnap indicou em particular os enunciados da metafísica e entre os enunciados portadores de significado emotivo: os da ética e da estética. 4. Verificabilidade e confirmabilidade Se deixarmos de lado os enunciados da lógica e da matemática é evidente que o núcleo da doutrina semântica dos primeiros positivistas estava centrado nos enunciados das ciências naturais. O princípio de verificabilidade havia sido muito útil para se efetivar a crítica da linguagem metafísica, mas esse era um objetivo secundário. O principal objetivo dos positivistas era o de fundamentar o conhecimento científico, buscando mostrar que esse conhecimento expressava-se em uma linguagem significativa, que tinha uma conexão mais ou menos direta com a realidade. Essa conexão deve descrever este princípio: o significado de um enunciado consiste no método seguido para a sua verificação, em sua redução aos enunciados protocolares dos quais é deduzido e da confrontação desses enunciados com a realidade. Os dois problemas centrais da teoria do conhecimento são a questão do significado e a questão da verificação [...] Num certo sentido, existe somente uma resposta às duas questões. Se soubéssemos o que deveria acontecer para que uma sentença dada seja verificada como verdadeira, então conheceríamos qual é seu significado [...] Desta forma o significado de uma sentença é, num certo sentido, idêntico ao modo pelo qual determinamos sua verdade ou falsidade; e uma sentença tem significado somente se tal determinação é possível (Carnap, 1980b, p. 171). Mas os positivistas se deram conta, e dentre eles Carnap, de que o princípio de verificabilidade, entendido como critério de significatividade, era demasiado estreito para o campo da linguagem das ciências naturais. Visto que não era estreitamente lingüístico, mas lógico, esse princípio era muito rigoroso e relegava à sem sentido grande parte dos enunciados científicos. Seria preciso, então, para se ajustar aos objetivos do movimento desenvolver esforços em duas direções: a) compreender melhor a estrutura da linguagem das teorias científicas, pois a idéia que se tinha dela era simplista; e b) redefinir o rigor do princípio de verificabilidade sem renunciar a sua virtualidade como critério de demarcação entre o que é ciência e o que não é ciência. Dessas duas tarefas, a principal para o desenvolvimento posterior da filosofia da linguagem foi o segundo, pois implicou em uma modificação das teses semânticas sobre o significado da linguagem enunciativa. Nessa direção, Carnap, no artigo “Testabilidade e Significado” (19361937)2, buscou substituir o conceito de verificabilidade pelo conceito de “comprobabilidade” ou “confirmabilidade”. Nesse conceito não se 2 Testability and Meaning. Philosophy of Science, 3, 1936, p. 420-468 e 4, 1937, p. 1-40. Reimpresso parcialmente em H. Feigel e M. Brodbeck (eds.). Readings in the Philosophy of Science. New York: Appleton-Century-Crofts, 1953. 34 Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 exigia que o conhecimento do significado de um enunciado requeresse o conhecimento da forma em que o enunciado se contrastava com a experiência através das proposições protocolares. Bastava que o enunciado tivesse um conteúdo de fatos tal, que o fizesse semelhante à experiência através de recursos lógicos específicos, como sua relação com uma linguagem particular3. Esse “conteúdo fático” definia-se nessa linguagem artificial de tal modo que, para qualquer enunciado, se podia averiguar se possuía significado ou não. Parece-me que se deve construir e formular a questão acerca do critério de significado de uma maneira diferente daquela como foi comumente feita. Em primeiro lugar devemos notar que este problema concerne à estrutura da linguagem. (Em minha opinião isto é verdadeiro para todas as questões filosóficas, mas transcende nossa presente discussão.) logo, uma formulação clara da questão envolve referência a uma certa linguagem; as formulações usuais não contêm essa referência e portanto são incompletas e não pode dar-lhe resposta. Uma vez feita essa referência devemos antes de mais nada distinguir entre dois tipos fundamentais de questões acerca da significatividade; ao primeiro tipo pertencem as questões que se referem a uma linguagem-sistema historicamente dada, ao segundo, aquelas que se referem a uma linguagem-sistema que ainda deve ser construída. Estes dois tipos de questão possuem um caráter inteiramente diferente. Uma questão do primeiro tipo é uma questão teórica; ela pergunta: qual é o estado real dos problemas? E a resposta é verdadeira 3 Segundo Carnap para formular uma “pretendida” linguagem L, é necessário usar uma linguagem (L´) já existente: “para formular as regras de uma pretendida linguagem L, é necessário usar uma linguagem L’ que seja já disponível. L’ deve ser aceita pelo menos praticamente e não precisa ser formulada explicitamente como uma linguagemsistema, isto é, através da formulação de regras.” (Carnap, 1980b, p. 199). ou falsa. A segunda questão é prática; ela pergunta: como procederemos? A resposta não é uma asserção mas uma proposta ou decisão (Carnap, 1980b, p.198). O princípio de verificabilidade foi transformado em um princípio de “traducibilidade” em uma “linguagem empirista”, como se chamou essa linguagem artificial: um enunciado teria significado se fosse traduzível em uma linguagem lógica em que os primeiros termos fossem observações. Nessa linguagem empirista, as propriedades primitivas observadas podiam se definir em termos das propriedades físicas dos objetos e se trataria de uma linguagem fisicalista, ou se podia expressar em termos das propriedades das percepções dos objetos físicos e constituíram, então, em uma linguagem fenomenal. A partir da obra lógica de Carnap difundiuse a idéia de que a construção de uma linguagem lógica podia ser útil para resolver problemas semânticos das línguas naturais. As linguagens lógicas construídas podiam operar como modelos cujos termos poderiam captar melhor as características gramaticais e semânticas das línguas naturais. A “traducibilidade” de um enunciado em uma linguagem lógica já não seria garantia de sua significatividade cognitiva, mas somente um critério de gramaticalidade ou interpretabilidade semântica. 5. Conclusão Os positivistas lógicos do “Círculo de Viena” e, particularmente, Rudolf Carnap, consideravam as proposições significativas em duas classes: a) as proposições formais ou tautológicas da lógica e da matemática, que precisavam ser esclarecidas e b) as “proposições fáticas” que precisavam ser verificadas empiricamente. Essas duas classes supunham-se conter todas as proposições significativas possíveis. Se uma proposição não expressava nada que fosse formalmente verdadeiro ou falso, ou 35 Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 se a proposição contivesse algo que não fosse passível de se verificar empiricamente, adotava-se que ela não constituía uma proposição em absoluto. Segundo Ayer: CARNAP, Rudolf. La Superación de la Metafísica Mediante el Análisis Lógico del Lenguaje. In: AYER, A. J. (org.). El Positivismo Lógico. Trad. L. Aldama, U. Frisch, C. N. Molina, F. M. Torner y R. Ruiz Harrel. México: Fondo de Cultura Económica, 1965. p. 66-87. Se afirmaba que muchos discursos filosóficos caían dentro de esta categoría: las discusiones sobre lo absoluto o sobre entidades trascendentes o acerca del destino del hombre; se dijo que esos enunciados eran metafísicas, y se sacó la conclusión de que si la filosofía había de constituir una rama auténtica del conocimiento, debía emanciparse de la metafísica (1965, p. 16) ______. Pseudoproblemas na Filosofia. In: Mariconda, P. R. (org.) Moritz Schilick e Rudolf Carnap. Coletânea de Textos. Trad. L. J. Baraúna e P. R. Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980a. p. 143-169. (Coleção Os Pensadores). O método dos positivistas lógicos para criticar a metafísica constitui um passo original na história dos ataques a essa disciplina, pois seguindo as afirmações de Wittgenstein no Tractatus LogicoPhilosophicus4, a impossibilidade da metafísica não se radicava no que se pode conhecer, mas na natureza do que se pode dizer. ______. Testabilidade e Significado. In: Mariconda, P. R. (org.) Moritz Schilick e Rudolf Carnap. Coletânea de Textos. Trad. L. J. Baraúna e P. R. Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980b. p. 171-213. (Coleção Os Pensadores). PASQUINELLI, Alberto. Carnap e o Positivismo Lógico. Trad. Armindo José Rodrigues. Lisboa – São Paulo: Edições 70 – Martins Fontes, 1983. SANTOS. Luis H. Vida e Obra. In: Mariconda, P. R. (org.) Moritz Schilick e Rudolf Carnap. Coletânea de Textos. Trad. L. J. Baraúna e P. R. Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. VIXXII. (Coleção Os Pensadores). Mas os membros do “Círculo de Viena” não afirmavam, como Hume, que se deveria destruir todas as obras metafísicas, mas que elas possuíam um mérito poético e, inclusive, expressavam uma atitude interessante diante da vida (Ayer, 1965, p. 16). Esses enunciados não eram cognoscitivos e, portanto, não poderiam ser considerados ciência, como pretendiam. Referências AYER, A. J. Introducción del Compilador. In: AYER, A. J. (org.). El Positivismo Lógico. Trad. L. Aldama, U. Frisch, C. N. Molina, F. M. Torner y R. Ruiz Harrel. México: Fondo de Cultura Económica, 1965. p. 9-34. 4 “Uma doutrina wttgensteiniana posterior que se revela influente é aquela segundo a qual asserções filosóficas, sobretudo no âmbito da metafísica tradicional são pseudoproposições vazias de conteúdo cognoscitivo”. Carnap, Intellectual Autobiography, apud, Pasquinelli, 1983, p.40. 36