Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS POR PACIENTES AMBULATORIAIS DO SETOR DE TRAUMATOLOGIA NO HOSPITAL MUNICIPAL DE QUIXADÁ (CE), DESPROVIDOS DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA Fabrício Saldanha de Aquino Luciana Macatrão Nogueira Tiago Moreira de Olinda RESUMO A atenção farmacêutica surgiu da necessidade de orientação da população após o advento da indústria farmacêutica no último século. O presente estudo objetiva avaliar o uso de medicamentos prescritos em um setor de traumatologia a pacientes ambulatoriais desprovidos de atenção farmacêutica no setor de traumatologia do Hospital Dr. Eudásio Barroso, do município de Quixadá - Ceará. Para isto, foi aplicado um questionário baseado em duas abordagens a tais pacientes, uma logo após a consulta médica e outra no final do tratamento medicamentoso, para que pudéssemos estabelecer o perfil dos mesmos e os aspectos relacionados à terapia medicamentosa. Assim, verificamos que grande parte dos usuários do serviço de traumatologia ligado ao SUS é composta de adultos jovens (26,5%), fato associado às atividades desenvolvidas por este grupo. Verificamos ainda que muitos carecem de orientação profissional com relação ao uso de medicamentos (85%), uma vez que grande parte de nossa amostra demonstrou estar propensa a interações medicamentosas (70%), reações adversas e outros problemas relacionados a medicamentos (PRM’s), já que grande parte é constituída de adeptos da polifarmácia e da automedicação. Neste trabalho, ainda foram analisados outras informações tais como número de medicamentos na prescrição, via de aquisição, adesão ao tratamento e fatores socioeconômicos. Concluímos que a atenção farmacêutica é essencial para o desenvolvimento de uma terapia medicamentosa efetiva e segura, contudo, políticas de saúde mais eficazes devem ser implementadas. Palavras-chave: Medicamentos; PRM; Atenção farmacêutica. ABSTRACT The pharmaceutical care came out from the necessity of guidance of the population after the rising of the pharmaceutical industry in the last century. The object of this study was to evaluate the prescriptions of drugs to patients that for whom were not offered pharmaceutical care in the field of traumatology at the hospital Dr. Barroso Eudásio at the city of Quixadá- Ceará. To reach so, a questionnaire was used as a tool in two different stages of clinical treatment: first the questionnaire was applied just after the medical examination, and the second just after the end of the medical treatment. These proceeds intended to establish the profile of the patients and evaluate other aspects of the therapy. It could be verified that the major part of the patients assisted at the traumatology service attached to the SUS was composed of young adults (26,5%), fact associated to their daily activities. It was also noted that many patients feel a lack of professional guidance in what concern the use of drugs (85%). A great part of the sample analyzed showed a tendency to pharmacological interactions (70%), side effects and other problems associated to the use of drugs once the majority of the patients normally use many medicines at the same time and also related the practice of self-medication. In this study were analyzed information such as quantity of prescribed drugs, acquisition pathways and socioeconomics features. As a conclusion we stressed the importance of pharmaceutical attention at the development of a safe drug therapy. To accomplish that effective healthy politics need to be carried out. Keywords: Drugs; PRD; Pharmaceutical Care. Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) 1 INTRODUÇÃO Desde os tempos mais remotos, o ser humano tem se deparado com os mais variados tipos de problemas ligados a fatores sociais, psicológicos ou naturais. Dentre esses males, podemos destacar a reação do organismo frente a agressões e outras situações capazes de provocar debilidades, com a manifestação de sinais e sintomas, tal como a dor. Assim, a utilização de medicamentos é um processo social controlado por inúmeras forças, sendo o desejo de um melhor cuidado com a saúde apenas uma delas (VANCE; MILLINGTON, 1986). Neste sentido, ao longo dos tempos, o homem vem buscando meios e instrumentos das mais variadas origens (animal, vegetal, mineral ou místico-religiosa), para por fim a tais males, como nos indicam muitos dos antigos registros históricos da China, antigo Egito, Suméria e Grécia (SCHOSTACK, 2004). Na atualidade, os medicamentos representam grande importância nos sistemas de saúde de todo o mundo, seja prevenindo, protegendo, preservando ou recuperando a saúde. No entanto, inúmeros fatores, tais como os altos custos e a elevada incidência de morbimortalidade associada ao uso de substâncias representam um dos grandes desafios à saúde pública. Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde recomenda a adoção de uma política nacional de medicamentos composta de diretrizes, entre as quais se destaca o papel da informação como meio essencial à prescrição e ao uso racional de medicamentos. Desde a década de 1940, com o advento da indústria farmacêutica e a introdução em larga escala e, de modo contínuo, de novos medicamentos, houve uma “explosão de informações” acompanhando o surgimento dos mesmos. Porém, nem sempre essas informações eram imparciais e de boa qualidade para orientar o consumo dos mesmos (VIDOTTI et al., 2003). Eraker (1984) afirma que a não adesão ao tratamento medicamentoso pode ser uma das razões pelas quais medicamentos reconhecidamente eficazes sob condições controladas resultam ineficazes quando utilizados na prática clínica habitual. Estudos realizados em diversos países indicam que 50% a 60% dos pacientes que recebem uma prescrição não cumprem o tratamento estabelecido pelo médico e muitos o interrompem quando se sentem melhores. É neste sentido que se percebe o importante papel da orientação no que diz respeito a obedecer à terapia prescrita, orientação esta muitas vezes ligada apenas a uma melhor conscientização da importância de se seguir corretamente a prescrição. Apesar da informação acerca dos medicamentos constituir condição básica para a adesão ao tratamento, não se tem prestado atenção suficiente ao seu fornecimento nas diversas situações de atendimento ao paciente, incluindo a consulta médica e a dispensação do medicamento em farmácias (SILVA et al., 2000). Assim, percebe-se que a falta de informação a respeito da doença e do tratamento, ou a não compreensão das informações recebidas dos profissionais de saúde, podem ser determinantes para a não adesão involuntária do paciente ao tratamento, conforme afirma Roizblatt et al. (1984). É neste contexto que se insere a atuação do profissional farmacêutico como orientador do uso de medicamentos, através do mais novo caminho para tal finalidade: a atenção farmacêutica. Em tal processo, o farmacêutico analisa as reais necessidades apresentadas pelo paciente relacionadas à terapia medicamentosa, detectando os problemas relacionados a medicamentos (PRM’s). Para tanto, de acordo com Furtado (2001), o farmacêutico atende diretamente, avalia e orienta em relação à farmacoterapia prescrita pelo médico. Assim, observa-se que a atenção farmacêutica está baseada no tripé médico, farmacêutico e paciente (OLIVEIRA et al., 2002). Tais atitudes têm por objetivos básicos promover, sobremaneira, saúde, segurança e eficácia (PERETTA; CICCIA, 2000). Porém, há ainda muitos obstáculos a serem superados para o estabelecimento deste programa, tais como o despreparo do profissional farmacêutico na área clínica, o sistema de comissionamento nas farmácias comunitárias e a delegação de atividades burocráticas e gerenciais ao farmacêutico, acabando por distanciá-lo do paciente carente de orientação (OLIVEIRA et al., 2005). Logo, percebe-se que a atenção farmacêutica é essencial ao tratamento medicamentoso, mas, na realidade, ainda está longe de ser implementada de forma a demonstrar sua importância para a sociedade, tal como afirma Oliveira (2005) em uma pesquisa realizada no município de Curitiba, onde 92,1% dos farmacêuticos entrevistados assumiram não possuir nenhuma atividade relacionada ao tema. Baseados nos dados apontados e na realidade visualizada dentro das farmácias comunitárias, a situação não representa um caso isolado podendo-se esperar dados mais alarmantes em regiões desprovidas de qualidade nos serviços de saúde como o interior cearense, alvo de desenvolvimento do presente estudo. É neste contexto que o presente trabalho busca investigar os efeitos do uso de medicamentos entre pacientes ambulatoriais do setor de traumatologia de um hospital, uma vez que se admite ter o trauma atingido o primeiro lugar como etiologia de morbimortalidade na população de 0 a 39 anos de idade, sendo os custos decorrentes do mesmo superior a 400 bilhões de dólares. Vale ressaltar também alguns fatores como salários não recebidos, gastos com assistência médica, custos administrativos, destruição de propriedades, perdas por incêndio, encargos trabalhistas e perdas indiretas por acidentas de trabalho, compreendendo um grave problema de saúde pública, que necessita de medidas intervencionistas de caráter imediato (BRAGA- Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) JÚNIOR et al., 2005). Pode se considerar a orientação e o acompanhamento quanto ao uso de medicamentos, através da atenção farmacêutica, um dos instrumentos utilizados para diminuir custos relacionados à assistência médica, no que concerne às diversas modalidades de problemas relacionados a medicamentos (PRM’s). Além disso, os estudos que correlacionam o uso de medicamentos entre pacientes vítimas de trauma músculo-esquelético são ainda bastante escassos. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos decorrentes do uso de medicamentos prescritos por médicos em um município do Ceará desprovido dos serviços de atenção farmacêutica a pacientes ambulatoriais atendidos no setor de traumatologia do Hospital Dr. Eudásio Barroso de Quixadá (CE). 2 MATERIAL E MÉTODOS O presente trabalho baseou-se na coleta de dados, a partir do acesso à prescrição de medicamentos de pacientes ambulatoriais do setor de traumatologia do hospital municipal de Quixadá, município localizado no Sertão Central do Ceará, com prévio encaminhamento médico de outras unidades de saúde, e após os mesmos terem preenchido o termo de consentimento. Para tanto, foi solicitada a autorização por parte da direção do hospital e do médico plantonista. Os pacientes foram convidados a participar voluntariamente da pesquisa, mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, elaborado segundo as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). Os dados foram coletados em um questionário elaborado com base nos objetivos do presente trabalho e dividido em duas partes, constituído de perguntas diretas e subjetivas, relativas ao perfil dos pacientes e à farmacoterapia prescrita, fornecendo aos pacientes orientações relativas às questões abordadas. No total, foram 110 questionários. A primeira parte do questionário (abordagem hospitalar) era preenchida logo após a saída do paciente do consultório médico, apenas para os pacientes que traziam consigo uma ou mais prescrições, quando então eram colhidos os nomes e a posologia dos medicamentos prescritos e alguns dados pessoais relevantes frente ao projeto e que facilitariam o contato com o mesmo para o preenchimento da segunda parte do questionário (abordagem domiciliar), no final ou após o término do tratamento, com o objetivo de detectar relatos de reações adversas, interações medicamentosas, via de aquisição do medicamento e outros PRM’s, bem como verificar se o usuário recebeu ou sentiu carência de alguma orientação profissional (tal como médico, farmacêutico ou outro profissional de saúde) relativo ao tratamento. Durante a abordagem domiciliar, foram fornecidas informações na tentativa de resolver possíveis dúvidas quanto ao tratamento apresentadas pelos participantes do presente trabalho. Vale ressaltar que, em virtude do hospital onde se realizou a primeira parte do trabalho atender toda a população municipal e distrital, inclusive a população de alguns dos municípios vizinhos, foi feita uma prévia seleção no intuito de que todos os participantes do estudo fossem residentes na própria cidade, a fim de facilitar o contato com os mesmos de modo pessoal em suas residências. Assim, todo o estudo foi desenvolvido no período de 03/02/2007 a 05/05/2007, sendo a primeira parte do questionário (abordagem hospitalar) realizada às quartas-feiras e aos sábados das 08 às 12 horas da manhã. A abordagem domiciliar, como já exposto, foi realizada no final ou término do tratamento. Todos os pacientes que participaram do estudo preencheram um termo de consentimento livre e esclarecido e todos os protocolos da pesquisa seguiram as diretrizes preconizadas na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que aborda o tema de pesquisa com seres humanos. O projeto foi aprovado previamente pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Católica Rainha do Sertão. 3 RESULTADOS Com relação aos dados que definem o perfil dos pacientes, verificamos que 10% dos participantes tinham entre 0-10 e 11-20 anos cada, 6,5% tinham de 21-30 anos, 26,5% entre 31-40 anos, 20% estavam na faixa dos 41-50 e 51-60 anos cada. Entre 61-70 anos eram 3,5%, valor este igual para os que tinham acima de 70 anos. Foi avaliado o grau de escolaridade dos pacientes e podemos constatar que 33,5% possuíam o ensino médio completo. Outros 33,5% não terminaram o fundamental; 26,5% possuíam o fundamental completo e 6,5% eram analfabetos. Verificamos que, de todos os participantes, 50% eram casados, 40% solteiros e 10% viúvas. De acordo com a Tabela 1, foi visto que 53,5% estavam empregados, sendo metade deste total constituída de trabalhadores informais. Os desempregados totalizaram 10%. Os aposentados eram 16,5%, enquanto 20% eram estudantes. Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) Tabela 1 - Distribuição dos pacientes (%) quanto à ocupação (n = 110) A grande maioria da amostra analisada foi representada por indivíduos do sexo feminino, 63,5%, enquanto 36,5% eram do sexo masculino. Em relação à prescrição, verificamos que a 63,5% dos pacientes foi prescrito um único medicamento e aos demais, no total de 36,5%, foi prescrito dois medicamentos (Figura 1). Do total de 110 prescrições analisadas, verificamos a prescrição de apenas 17 tipos diferentes de medicamentos, de acordo com o princípio ativo de cada formulação. Figura 1 - Prescrição A Figura 2 mostra que 70,5% dos medicamentos foram prescritos utilizando o nome comercial e 29,5% pelo nome genérico. Figura 2 - Gráfico da frequência (%) em que as prescrições foram representadas (n = 110) Na abordagem domiciliar, obtivemos os seguintes resultados: 10% não haviam ainda começado o tratamento, sendo que, deste total, 66,5% achavam o tratamento desnecessário e 33,5 % não iniciaram o tratamento por motivos econômicos (Tabela 2). Tabela 2. Distribuição da frequência (%) das condutas adotadas pelos pacientes no início do tratamento medicamentoso prescrito (n = 110). Não 10 Achou 66,5 iniciou o % desnecessário % tratamento Motivos 33,5 econômicos % Iniciou o 90 tratamento % Com relação à via de aquisição, observamos que 7,5% adquiriram a medicação via SUS; 81,5% na farmácia comunitária e 11% por outros meios, tais como familiares e vizinhos que tinham o mesmo medicamento prescrito em sua casa, como pode ser observado na Figura 3. Figura 3 - Distribuição (%) da forma de aquisição aos medicamentos (n = 110). A Tabela 3 demonstra que 23,5% assumiram não ter seguido o tratamento conforme a prescrição, sendo os principais motivos o esquecimento do horário de administração, representando 71,5% do total, seguidos de por perca do medicamento (10%) e por achar desnecessário (19,5%). Tabela 3. Distribuição quanto ao cumprimento da terapia conforme prescrição ou orientação médica pelos pacientes (n = 110). Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) Quanto ao surgimento de reações adversas, verificamos que 41% dos pacientes relataram o surgimento de uma ou mais reações, tais como sialorréia, náuseas, azia, tonturas, disritmias e diarréia (Figura 4). Outros 30% faziam uso concomitante com outros medicamentos em especial antiinflamatórios e antihipertensivos (Figura 5). Uma parcela de 18,5% dos participantes do presente trabalho relatou ter compartilhado o medicamento prescrito com outras pessoas (Figura 6). Figura 6 - Gráfico da frequência (%) quanto ao compartilhamento ou não do(s) medicamento(s) prescrito(s). (n = 110) Figura 4 - Gráfico da frequência (%) quanto ao relato de reação adversa (n= 110) Figura 5 - Gráfico da representação (%) do uso concomitante com outros medicamentos (n = 110) Com relação ao fornecimento de orientações relativa ao tratamento, 77% dos pacientes relataram ter recebido alguma informação, todas por parte de balconistas, sendo desconsiderados, visto que estes não podem ser considerados profissionais legalmente habilitados para tal finalidade de modo isolado. Todos os participantes afirmaram não ter recebido nenhuma orientação profissional além da fornecida pelo médico prescritor no ato da consulta. A grande maioria dos participantes, quando conscientizados de como seria a verdadeira orientação profissional, relataram ter sentido necessidade da mesma, totalizando 85% (Figura 7). Figura 7 - Gráfico da frequência (%) quanto ao sentimento de necessidade pelos pacientes, do atendimento profissional (n = 110) Tabela 4 - Lista de medicamentos prescritos Classe terapêutica Medicamento Antiinflamatórios/ Ibuprofeno, diclofenaco de analgésicos/ sódio, diclofenaco de imunossupressor potássio, nimesulida, paracetamol, dipirona, dexametasona, aceclofenaco, ácido acetilsalicílico, piroxicam Antibióticos Cefalexina, amoxicilina, ciprofloxacino Gastroprotetor/ Omeprazol antiulceroso 4 DISCUSSÃO Conforme se pôde observar, a maioria dos pacientes atendidos e que receberam pelo menos uma Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) prescrição contendo de um a dois medicamentos, eram adultos jovens, principalmente na faixa dos 31 aos 40 anos de idade, fato este também visualizado por Bertoldi (2005), ao analisar a prevalência e os determinantes individuais ligados a utilização de medicamentos em adultos. Porém, esse achado está em desacordo com o obtido por Braga-Júnior (2005), ao realizar estudo em uma emergência traumatológica de um dos principais hospitais de Fortaleza, onde a maioria dos pacientes atendidos, vítimas de trauma músculo-esquelético, eram adolescentes e jovens na faixa de 12 a 22 anos. No entanto, tal desacordo pode ser justificado pelo fato do presente estudo ter sido desenvolvido no setor de traumatologia de um hospital que realiza atenção à saúde em nível secundário, destinando os casos mais graves a um hospital de nível terciário. Dessa forma, o hospital restringiu-se a atender casos mais básicos de trauma músculo-esquelético, que são mais comuns em adultos jovens, visto as atividades desenvolvidas por essa parcela da população a predispõe a riscos mais elevados de trauma. Analisando o grau de escolaridade, verificamos que uma parcela expressiva de nossa amostra não concluiu o ensino fundamental, situação semelhante à encontrada por Bertoldi (2005), em que 66,6% dos indivíduos participantes de seu estudo possuíam apenas de um a quatro anos de estudo. Silva et al (2000), ao avaliarem o nível de informação a respeito de medicamentos prescritos, também evidenciaram um predomínio de pacientes com o primeiro grau incompleto. O seguinte fato, no entanto, já era de se esperar em nossa pesquisa, uma vez que o trabalho foi desenvolvido em um hospital público de uma das cidades do interior cearense composta por uma população vítima há décadas da exclusão e das desigualdades sociais. O exposto é bastante relevante em nosso estudo, uma vez que baixos níveis de escolaridade podem comprometer o sucesso do tratamento farmacoterápico. Assim, propomos a identificação destes pacientes e posterior desenvolvimento de ações educativas voltadas a tais grupos de pacientes, relacionadas à sua farmacoterapia. Metade dos participantes era casada, fato este também observado de modo semelhante por Bertoldi (2005), podendo ser correlacionado ao primeiro dado, no qual se observa a prevalência de adultos jovens. Observamos ainda que a maior parte dos pacientes do estudo eram trabalhadores, sendo metade constituída por trabalhadores que viviam na informalidade. Podemos correlacionar tal achado com os possíveis motivos para a consulta traumatológica. Muitas empresas na atualidade financiam consultas e outras ações de saúde para seus funcionários como forma de estímulo à produção e obtenção de bons resultados. Neste mesmo contexto, insere-se o grupo de desempregados desprovidos de recursos financeiros para uma consulta particular, sendo dessa forma o setor público a única forma de acesso a consultas. Com relação ao sexo, a grande maioria dos participantes eram mulheres, totalizando 63,5%. Tal achado é semelhante ao de Sans (2002), em que as mulheres apresentaram uma prevalência de 76,2%. Levando-se em consideração que as mulheres demonstram maiores cuidados com a saúde em relação aos homens, tal dado apenas justifica o exposto. No entanto, Braga-Júnior et al. (2005) identificaram um predomínio de 60,7% de homens entre os que foram atendidos na unidade de traumatologia do hospital onde se deu sua pesquisa, sendo justificado pelo fato de estes apresentarem comportamento de risco potencialmente causador de acidentes. Porém, o mesmo autor observa que há uma inversão com o aumento da idade, visto que após a menopausa começam a surgir casos como a osteoporose que acabam por levar as mulheres a compor a lista de pacientes no setor em questão. Verificamos ainda que em 63,5% dos casos foi prescrito apenas um único medicamento, tendo sido prescritos no máximo dois medicamentos em todos os casos. Estes dados estão de acordo com os estudos de Silva (2000), em que foi detectada a prescrição de uma média de 2,4 de medicamentos por pacientes com um desvio padrão de 1,4. Apesar de terem sido prescritos no máximo apenas dois medicamentos, pode-se afirmar que este número é suficiente para o surgimento de interações medicamentosas prejudiciais ao paciente, especialmente considerando-se a ocorrência da automedicação, conforme abordaremos mais adiante (SILVA; SCHENKEL; MENGUE, 2000). Conforme determina a Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a prescrição médica e odontológica se fará pela Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, pela Denominação Comum Internacional (DCI). Tal fato parece ainda não ser observado pelos profissionais prescritores, visto que de um total de 17 tipos de especialidades medicamentosas prescritas, 70,5% foram prescritas pelo nome comercial, o que demonstra a necessidade de conscientização dos profissionais que atuam no setor público no sentido de que os mesmos possam prover ou facilitar os meios para uma terapia de qualidade, eficiência, segurança e baixos custos. Notamos que parte dos pacientes não tinha iniciado o tratamento, tendo como principal motivo a própria ideia de que este seria desnecessário. A situação exposta nos desperta duas possibilidades: em primeiro lugar, podemos indagar se de fato haveria em todos estes casos a real necessidade de uma terapia medicamentosa ou se na realidade estaríamos lidando com vítimas de prescrições irracionais. E, em segundo lugar, podemos concluir a necessidade de esclarecimento por parte do prescritor a seus pacientes durante a consulta, quanto a real necessidade do tratamento, para que os mesmos Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) possam estar cientes dos malefícios advindos de não se seguir corretamente a prescrição. Analisando ainda entre os motivos do não início do tratamento, observamos que 33,5% afirmaram não ter recursos econômicos para a aquisição dos referidos medicamentos, situação esta também em desacordo com o direito a saúde conforme afirma o artigo 196, título VIII, da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988), ao afirmar que “A saúde é um direito de todos e dever do estado”. Assim, só nos resta propor uma maior intervenção do Estado na garantia do acesso da população a medicamentos, bem como uma maior conscientização da população quanto ao seu direito à saúde, situação esta visualizada pelo fato de apenas 7,5% dos pacientes ter adquirido seu medicamento pelo SUS. Observamos que entre os que adquiriram o medicamento prescrito, uma parcela de 23,5% assumiu não ter seguido o tratamento medicamentoso conforme o estabelecido, principalmente por terem se esquecido do horário de administração seguido por perca e por achar desnecessário. Tal situação apenas reforça a ideia do papel da informação prestada no ato da dispensação, tornando o paciente receoso e consciente da importância de se seguir corretamente seu tratamento. É neste sentido que Pepe e Castro (2000) afirmam que a informação prestada no ato da dispensação é tão ou mais importante que o medicamento por ele recebido, esperando-se assim bons resultados especialmente quando esta informação for repassada por um farmacêutico, visto que, de acordo com Marin (2003), os pacientes mostram-se amplamente receptivos ao aconselhamento farmacêutico. Quase metade dos participantes relatou alguma reação adversa, tais como sialorréia, azia, náuseas e diarréia. De acordo com Oberg (1999), as reações adversas afetam negativamente a qualidade de vida do paciente, influenciam na perca de confiança do paciente para com o médico, aumentam os custos e podem atrasar os tratamentos. Assim, fica evidente a necessidade de ações de farmacovigilância e farmacoepidemiologia, em especial entre os usuários de antimicrobianos e antiinflamatórios, visto que estes, de acordo com Bertoldi (2004), são frequentemente utilizados, especialmente de forma irregular por automedicação, situação esta também visualizada no presente estudo. Observamos ainda que 30% dos nossos entrevistados faziam uso do medicamento prescrito com outros medicamentos, especialmente outros antiinflamatórios e anti-hipertensivos, o que nos permite detectar a presença da polimedicação entre nossos participantes, situação esta que pode levar a até 45% de eventos adversos entre os seus adeptos, tal como afirma Medeiros (2005), ao analisar a frequência de problemas relacionados com medicamentos no serviço de urgência de um hospital regional. O uso de anti-hipertensivos nos desperta a existência de uma subpopulação de pacientes hipertensos entre os nossos participantes, fato que ressalta a necessidade do desenvolvimento do processo de atenção farmacêutica voltada a grupos especiais de pacientes, especialmente portadores de doenças crônicas. A hipertensão é a enfermidade que aparece como principal causa de óbitos no Brasil e tem na atenção farmacêutica um grande instrumento para seu controle (MALTA; ARAUJO, 2004). Verificamos também que 18,5% compartilharam pelo menos um dos medicamentos prescritos com outras pessoas, como vizinhos e familiares. Tal prática é observada de forma comum, principalmente entre desprovidos de um nível mínimo de informação, como ocorre em regiões vítimas do atraso social. No que tange ao fornecimento de orientação profissional pelo farmacêutico ou outro profissional gabaritado para o mesmo, todos os pacientes afirmaram não ter recebida nenhuma orientação que não a do médico, sendo que 85% disseram ter sentido falta de pelo menos uma orientação durante o tratamento. Tal situação é bastante relevante, visto que o próprio Código de Ética Farmacêutica (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2004), garante o direito à informação ao paciente. No entanto, como se pode observar, em nenhum dos casos houve o fornecimento de informações relativas ao tratamento medicamentoso por parte do farmacêutico responsável pelo estabelecimento dispensador dos medicamentos. Tal situação pode ser justificada pela própria ausência deste profissional nas farmácias no município de Quixadá, visto que no interior do Estado do Ceará ainda vigora a prática de apenas “assinar a farmácia” pela qual ele (farmacêutico) deveria dedicar-se em horário de seu funcionamento. Outra justificativa para a mesma situação, e que pode ser aplicada à situação vivenciada no referido município, é dada por Oliveira (2005), ao afirmar que, quando presente na farmácia, o farmacêutico é recoberto de responsabilidades burocráticas e gerenciais que acabam por anular qualquer possibilidade de desenvolver alguma atividade relacionada à atenção farmacêutica, mesmo quando apenas em grupos especiais, trazendo à tona a necessidade de se prover meios e incentivos para a realização da mesma. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A maior parte dos que utilizam o serviço público de traumatologia são adultos jovens, muitos dos quais têm baixo nível de escolaridade e, na sua maioria, são casados e do sexo feminino. A média de medicamentos prescritos neste setor é de um a dois medicamentos. Situação esta suficiente para o surgimento de interações medicamentosas e outros PRM’s, especialmente levando-se em consideração que muito destes pacientes fazem uso de outros medicamentos por conta própria. Revista Expressão Católica 2012 jan-jun; 01(1) A prescrição pela DCB ou DCI, ainda não é totalmente observada no âmbito do SUS, conforme determina a Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Tal situação demonstra de certa forma desrespeito para com os usuários do referido sistema, visto que a prescrição pela DCB ou DCI é de suma importância no favorecimento à política de medicamentos genéricos no Brasil. De fato, se observa com base na análise dos dados obtidos que há péssimas condições de conscientização por parte dos pacientes com relação ao uso de medicamentos, situação esta bastante relevante como justificativa para incentivo à implantação do processo de atenção farmacêutica em todos os âmbitos da dispensação de medicamentos. Outras justificativas para a mesma finalidade são expressas nos dados que indicam que muitos dos pacientes avaliados faziam uso concomitante com outros medicamentos e, principalmente, pelo fato de 85% destes afirmarem terem sentido necessidade, durante alguma fase de seu tratamento medicamentoso, de uma orientação profissional. Podemos concluir, então, que o farmacêutico é de extrema importância no desenvolvimento de uma terapia medicamentosa racional, segura, rápida e efetiva por ser o profissional gabaritado para identificar e orientar os pacientes sobre todos os aspectos relacionados aos medicamentos. Dessa forma, concluímos que, tanto os cursos de graduação, como as políticas de saúde pública, devem valorizar a atenção farmacêutica como forma de beneficiar boa parte da população evitando, consequentemente, PRM’s e possíveis gastos desnecessários com a resolução destes. REFERÊNCIAS ARRAIS, S.P.D.; COELHO, H.L.L; BATISTA, M.C.D.S; CARVALHO, M.L.; RIGGHI, R.E.; ARNAU, J.M. 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Abordagem hospitalar Data:___/___/___ Nome: ______________________________________________________________ Idade: ______ Grau de escolaridade: __________ Estado civil: ________________ Profissão: _______________________ Telefone: ____________________________ Medicamento(s) prescrito(s): ____________________________________________ Posologia: _________________ Período de tratamento:_______________________ Abordagem domiciliar Data: ___/___/___ Iniciou o tratamento: ( ) sim ( ) não Se não, por qual motivo: ___________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________ ____________________________ Via de aquisição: ( ) SUS ( ) Farmácia comercial ( ) outros Se outros, quais:_______________________________________________________ Seguio o tratamento conforme a prescrição e orientação médica: ( ) sim ( ) não Se não, por qual motivo: ___________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________ ____________________________ Quais os efeitos colaterais/ reações adversas percebidas durante o tratamento: ___________________________________________________________________________________________ _________________________________________________ Usou outra medicação além da prescrita: ( ) sim ( ) não Em caso afirmativo, quais: ______________________________________________________________________ Alguém mais fez uso da medicação: ( ) sim ( ) não Quem: ________________________________________________________________ Durante a aquisição do(s) medicamento(s) foi fornecida alguma orientação profissional: ( ) sim ( ) não Durante o período de tratamento, sentiu falta de uma orientação profissional: ( ) sim ( )não