Prevenção do câncer de ovário

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ginecologia
Prevenção do
câncer de ovário
O
CÂNCER DE OVÁRIO É O MAIS LETAL DE TODAS
AS NEOPLASIAS MALIGNAS GINECOLÓGICAS. MENOS DE UM TERÇO DAS MULHERES ACOMETIDAS
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sobrevive cinco anos após o diagnóstico. A prevenção do câncer de ovário constitui um dos
grandes desafios da medicina, e por muito tempo
todas as tentativas foram no sentido de identificar
a lesão precoce nos ovários e extirpá-la. Entretanto,
essas estratégias, na sua quase totalidade, resultaram em grandes fracassos.
No estudo denominado “Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening
Trial”, uma população de 78.216 mulheres foi rastreada para câncer de ovário. No grupo de estudo,
39.105 mulheres fizeram dosagem do CA 125,
anual, por seis anos, e ultrassonografia transvaginal
anual por quatro anos. No grupo controle, 39.111
mulheres fizeram exames rotineiros usuais. O
seguimento máximo foi de 13 anos.
A Tabela 1 demonstra a incidência de câncer de
ovário e de morte nos dois grupos.
É interessante notar que, além de não ter impacto na redução da mortalidade por câncer de
Jesus Paula Carvalho
* Professor livre-docente de ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; coordenador
do Serviço de Ginecologia Oncológica
do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo (ICESP)
Contato: [email protected]
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dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012 Onco&
ovário, no grupo de rastreamento houve 3.285
falso-positivos, que por sua vez resultaram em
1.080 cirurgias desnecessárias e 163 complicações1.
Para prevenir um tipo de câncer é necessário
saber como ele se origina, quais os fatores de risco,
quais as lesões precursoras e como ele se desenvolve a partir dessas lesões.
Em todos os demais tipos de câncer ginecológico, os fatores de risco, as lesões precursoras
e até mesmos alguns agentes etiológicos são bem
conhecidos.
Nos ovários, entretanto, até muito recentemente
o único fator de risco conhecido era a quantidade
de ovulação. Quanto maior o número de ovulações
apresentava a mulher, maior era o risco de câncer
de ovário (teoria de Fathalla)2.
Isso motivou a única medida preventiva do
câncer de ovário até pouco tempo atrás: a
diminuição no número de ovulações, com o uso de
anovulatórios, ou seja, as pílulas anticoncepcionais.
De fato, o uso de anovulatórios orais por mais de
cinco anos é capaz de reduzir o risco de câncer de
ovário em até 50%3.
Tabela 1: Desfecho de uma população submetida a um programa de
rastreamento para câncer de ovário, comparada com uma população controle
Controle
Estudo
No de mulheres
39.111
39.105
Casos de câncer
176
(4,7/10.000)
212
(5,7/10.000)
Mortes
100
118
Falso- positivos
3.285
Cirurgias
1.080
Complicações
163 (15%)
Mortes por
outras causas
2.914
2.924
Conclusões: O rastreamento não diminuiu a mortalidade por câncer de ovário.
Exames falso-positivos resultaram em complicações
Além do uso de anovulatórios orais, outra medida preventiva recomendada era a salpingo-ooforectomia profilática nas pacientes com
reconhecido risco familiar para câncer de ovário.
São consideradas pacientes de risco para câncer de ovário as mulheres portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, cuja chance
de desenvolver câncer de ovário ao longo da vida pode chegar a mais
de 50%. Por esse motivo, a recomendação é que sejam retirados os
ovários e as tubas uterinas quando elas tiverem idades entre 35 e 40
anos4. Evidentemente, as consequências hormonais e reprodutivas
dessa conduta não são desprezíveis.
A partir dos anos 2000 alguns fatos relevantes mostraram que as
estratégias de prevenção e diagnóstico precoce do câncer do ovário
pareciam estar equivocadas5-8.
Estudando peças operatórias de pacientes submetidas a salpingoooforectomias profiláticas, diferentes autores observaram o mesmo
fenômeno: a lesão precursora do carcinoma invasivo do ovário não se
encontrava no ovário, mas sim nas tubas uterinas, mais exatamente na
porção terminal das fímbrias9. Esse fato motivou o início de estudos
sistemáticos das fímbrias, e os achados reforçaram ainda mais essas
primeiras impressões.
O câncer mais frequente no ovário é o carcinoma seroso, com aproximadamente 80% dos casos. O carcinoma seroso inicia-se na porção
terminal das fímbrias, onde pode ser encontrado com frequência na sua
forma pré-invasiva ou intraepitelial (neoplasia intraepitelial tubárica).
As tubas uterinas têm um tropismo pela ferida ovulatória no
ovário. No momento da ovulação, as tubas uterinas movimentam-se e
colocam suas fímbrias em íntimo contato com a ferida ovulatória, com
a finalidade de fazer a captação do óvulo. Nesse momento, células neoplásicas, ou com grande potencial neoplásico, presentes nas extre-
midades das fímbrias são implantadas no ovário e a neoplasia maligna
que ali se origina se desenvolve de forma rápida, fazendo pensar que
o ovário é o sítio primário10,11.
Isso explica por que a ovulação constante é fator de risco para
câncer de ovário. Existem fortes evidências de que os únicos tumores
realmente originados nos ovários sejam os tumores das células germinativas. Os tumores epiteliais (carcinomas) na sua grande maioria
são tumores originados em outros sítios e implantados precocemente
nos ovários. Esse fato constitui uma mudança radical de paradigma e
deve provocar uma revisão de todas as estratégias de prevenção e diagnóstico precoce do que convencionamos chamar de câncer de
ovário, quando o mais correto seria chamá-lo de “câncer no ovário”.
Todos esses estudos e achados são ainda muito recentes e as consequências naturais desses fatos novos são muitas:
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a) a ooforectomia profilática deixa de fazer sentido e deve ser substituída pela salpingectomia profilática, com consequências muito
menos danosas para o bem-estar da mulher;
b) os programas de rastreamento e diagnóstico precoce focados
nos ovários estarão sempre fadados ao insucesso, pois quando a
doença chega ao ovário ela já é uma doença secundária;
c) são necessárias novas estratégias no sentido de estudar as lesões
precursoras nas tubas uterinas;
d) devem ser identificados os fatores de risco para a transformação
neoplásica das fímbrias uterinas.
Tudo isso está apenas começando. O que se pode concluir, entretanto, é que os conceitos referentes à carcinogênese ovariana estão passando por uma mudança radical de paradigmas.
Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012
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