IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Linhas de Força Mencionamos na aula passada que o físico inglês Michael Faraday (1791-1867) introduziu o conceito de linha de força para visualizar a interação elétrica entre duas cargas. Para Faraday, as linhas de força não eram apenas um meio de visualização, mas tinham existência real. Para ele, as forças elétricas e magnéticas eram conduzidas por linhas elásticas que saiam dos corpos eletrizados ou magnetizados e se estendiam pelo espaço. Ele chamou essas linhas de linhas de força. Hoje em dia, o conceito de linha de força é usado apenas como ferramenta para visualização de campos elétricos e magnéticos. Uma linha de força é uma linha imaginária tal que a sua tangente em cada ponto forneça a direção e o sentido do campo naquele ponto. Para obter a direção do campo, basta traçar a reta tangente à linha no ponto desejado e, para obter o sentido, segue-se a orientação indicada pela linha de força. Veja a figura abaixo. 1 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 A figura abaixo mostra as linhas de força para algumas configurações de cargas elétricas. Veja também a figura 21.29 do livro-texto. É importante notar que essas figuras são apenas cortes bidimensionais (seções retas) por um plano que passa pelas cargas. Na realidade, as linhas de força são tridimensionais. 2 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 No caso das figuras (a) e (b) acima, a configuração tridimensional das linhas de força tem simetria esférica em torno da carga. No caso das figuras (c) e (d) acima, a configuração tridimensional das linhas de força é simétrica em torno do eixo que passa pelas duas cargas. Regiões do espaço onde o campo é mais intenso têm linhas de força mais próximas entre si (a densidade de linhas de força é maior). Veja, por exemplo, a região entre as duas cargas na figura (c). Regiões do espaço onde a intensidade do campo é menor têm linhas de força mais espaçadas (a densidade das linhas de força é menor). Um exemplo deste último caso é a região entre as duas cargas na figura (d). Regiões do espaço onde o campo é uniforme têm linhas de força retas e paralelas com igual espaçamento entre si. Duas linhas de força não podem se cruzar, pois em tal caso haveria duas possibilidades para a direção do campo elétrico no ponto de cruzamento e isso é impossível (o vetor campo elétrico tem um valor único em cada ponto do espaço). 3 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Dipolos Elétricos Uma distribuição de cargas muito simples, mas que tem muita importância no eletromagnetismo porque pode ser usada como modelo para várias situações de interesse é a formada por duas cargas iguais e de sinais opostos (q e −q) separadas por uma distância d. Uma distribuição de cargas deste tipo é chamada de dipolo elétrico. Vamos calcular o campo elétrico de um dipolo elétrico em um ponto P localizado sobre o seu plano bissetor (veja a figura a seguir1). 1 Algumas vezes, neste curso, vetores serão indicados em negrito ao invés de por setas acima de seus símbolos. Portanto, E1 e são notações equivalentes. 4 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Para simplificar, escolheu-se o sistema de eixos cartesianos de maneira que o eixo z coincide com o eixo do dipolo. O plano bissetor, portanto, é definido por z = 0. O campo elétrico em um ponto P sobre o eixo y a uma distância R do ponto médio entre as cargas e, portanto, à mesma distância r das cargas q e −q é dado pela soma vetorial dos campos elétricos individuais gerados pelas cargas q respectivamente de e : = + . e −q, denominados Note que as componentes de e ao longo do eixo y se anulam, de maneira que o campo resultante aponta na direção negativa do eixo z. O módulo de é dado pela soma das componentes de e ao longo do eixo z: E = E1z + E 2 z = E1 cosθ + E 2 cosθ . Como o ponto P está à mesma distância r das cargas q e −q, E1 e E2 têm valores iguais a: E1 = E 2 = 1 q 4πε 0 r 2 . Substituindo na expressão para E obtém-se: E= 1 2q cos θ . 4πε 0 r 2 5 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Da figura, temos que: d cos θ = 2= d r 2r , que substituída na expressão para E nos dá: E= 1 qd 4πε 0 r 3 . (1) Note que, embora os campos elétricos gerados pelas duas cargas individualmente variem com a distância r de maneira inversa ao seu quadrado, o campo combinado gerado pelas duas cargas varia com r de maneira inversa ao seu cubo. Isto é devido ao cancelamento parcial das cargas elétricas negativa e positiva que havíamos comentado antes (veja aula 1). A quantidade qd que aparece na equação (1) é uma grandeza que depende apenas das variáveis que caracterizam o dipolo elétrico. Um dipolo elétrico fica completamente determinado se dissermos (i) qual é o valor da carga q das duas partículas, (ii) em que posições do espaço estão as duas cargas (o que implica dizer onde está a carga negativa, por exemplo, e qual é a distância d entre as cargas). Define-se o momento de dipolo de um dipolo elétrico como o vetor que tem módulo dado por p = qd e aponta da carga negativa do dipolo para a sua carga positiva (veja a figura abaixo). 6 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Em termos do vetor momento de dipolo podemos escrever o campo elétrico no ponto P (equação 1) como: E=− 1 p 4πε 0 r 3 . (2) O sinal negativo indica que o campo elétrico aponta na direção oposta à do momento de dipolo. Uma maneira conveniente de escrever a equação (2) é em termos da distância R que separa o ponto P do centro do dipolo. Olhando novamente para a figura da página 4, vemos que: 3 2 d d 2 3 2 r = + R ⇒ r = + R . 4 4 2 2 2 Substituindo isto na fórmula para E: E= 1 p 4πε 0 d 2 ( 4 +R 2 3 ) 2 . A vantagem desta maneira de escrever o campo elétrico é que ela nos dá o valor do campo em qualquer ponto que esteja a uma 7 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 distância R do centro do dipolo sobre o seu plano bissetor (pela simetria da situação). Para pontos P suficientemente distantes do centro do dipolo em comparação com a separação d podemos fazer a aproximação R >> d, de maneira que o campo pode ser aproximado por: E= 1 p 4πε 0 R 3 . E temos novamente uma lei de decaimento com o inverso do cubo da distância. A representação vetorial desta equação é: E=− 1 p . 4πε 0 R 3 (3) Este é o campo elétrico de um dipolo elétrico em qualquer ponto do plano z = 0 a grandes distâncias R do centro do dipolo. Vamos agora calcular o campo em um ponto P ao longo do eixo z (veja a figura abaixo). 8 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 O campo produzido pela carga positiva aponta na direção positiva do eixo z e tem módulo E+ = 1 q 4πε 0 ( z − d / 2 )2 . O campo produzido pela carga negativa aponta na direção negativa do eixo z e tem módulo E− = 1 q 4πε 0 ( z + d / 2 )2 . Portanto, o campo resultante tem direção ao longo do eixo z e a sua componente ao longo desse eixo vale E = E+ − E− = q 1 1 − 4πε 0 ( z − d / 2 )2 ( z + d / 2 )2 . 9 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 É conveniente escrever esta expressão em termos da razão entre d (a separação entre as cargas) e z (a distância do ponto): E= q 1 1 q 1 1 − 2 = − 2 2 2 2 2 2 . 4πε 0 z (1 − d / 2 z ) z (1 + d / 2 z ) 4πε 0 z (1 − d / 2 z ) (1 + d / 2 z ) O resultado acima é exato. Vamos supor agora que o ponto P está a uma grande distância do centro do dipolo. Neste caso, podemos assumir que a distância d é muito menor que z: d << z, ou d/z << 1. Em casos assim, é muito comum usar a expansão em série de (1+ x)n em torno da origem (série binomial), (1 + x) n = 1 + nx + n( n − 1) n( n − 1)( n − 2) 3 x+ x +K 2! 3! (4) na aproximação para x << 1, (1 + x) n ≅ 1 + nx . (5) Com o auxílio da aproximação dada por (5) podemos escrever o termo (1 ± d/2z)2 para d/z << 1 como (1 ± d / 2 z ) −2 ≅ 1 m 2 d 2z =1m d z e obter a seguinte aproximação para o campo elétrico sobre o eixo z a grandes distâncias do centro do dipolo: E= d d q 2d qd 1 + − 1 − = = 2 2 4πε 0 z z z 4πε 0 z z 2πε 0 z 3 . q (6) 10 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Observe que podemos escrever o campo ao longo do eixo z em termos vetoriais como E= 1 p , 2πε 0 R 3 (7) onde R é a distância do centro do dipolo ao ponto sobre o eixo z. Certifique-se de que o sinal usado na equação (7) está correto. A equação (7) dá o valor do campo elétrico ao longo do eixo do dipolo a grandes distâncias do seu centro. Note que ele é muito parecido com o campo ao longo do eixo perpendicular ao eixo do dipolo que passa pelo seu centro (equação 3). Ele também é proporcional ao momento de dipolo (só que agora é paralelo a e tem o dobro do valor) e decai com a distância R de maneira cúbica. 11 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 A figura acima mostra as linhas de força de um dipolo elétrico colocado na origem e alinhado com o eixo z (observe as direções do campo elétrico nos quatro pontos indicados). O conceito de dipolo elétrico é muito útil para o entendimento das propriedades de átomos e moléculas. Um exemplo típico é o da molécula de água, H20. A molécula de água pode ser representada esquematicamente pelo desenho acima. Por causa da ligação entre os dois átomos de hidrogênio com o átomo de oxigênio, ocorre uma distribuição desigual dos seus elétrons fazendo com que o centro do eixo que une os dois átomos de hidrogênio fique com carga líquida positiva e a região central do átomo de oxigênio fique com carga líquida negativa. 12 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Para distâncias maiores do que o diâmetro da molécula, o campo elétrico gerado por ela é equivalente ao de um dipolo como o mostrado na figura. O valor do momento de dipolo da água pode ser medido experimentalmente e o seu valor é: p = 6,2 x 10-30 C.m. Usando este valor e supondo que a carga do dipolo é q = 2e, podemos estimar a separação efetiva entre as cargas positiva e negativa como: o p 6,2 x 10-30 -11 d= = ≈ 5 x 10 m = 0,5 A . q 2 x 1,6 x 10-19 A água é uma molécula polar, isto é, possui um momento de dipolo permanente. É isto que dá à água a propriedade de ser solvente de substâncias iônicas, como o sal de cozinha, por exemplo. O momento de dipolo permanente da água é consequência de a sua distribuição de cargas não possuir um centro de simetria. Existem muitas moléculas que também não possuem centro de simetria de carga e, portanto, também são polares. Por outro lado, existem moléculas que possuem um centro de simetria. Elas são chamadas de apolares. 13 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Moléculas apolares podem se comportar como dipolos elétricos na presença de campos elétricos externos. O campo elétrico desloca as cargas negativas da molécula no sentido oposto a e as cargas positivas no sentido de (veja a figura abaixo). A molécula adquire um momento de dipolo em decorrência dessa separação entre as cargas. Dizemos que a molécula foi polarizada pelo campo elétrico. O fato de que moléculas apolares podem adquirir momento de dipolo na presença de um campo elétrico externo torna importante o estudo de momentos de dipolo imersos em um campo elétrico. Vamos estudar aqui o que acontece quando um dipolo elétrico é colocado em um campo elétrico uniforme . A situação está ilustrada na figura abaixo. Observe que a força resultante é nula, mas as duas forças formam um binário e o dipolo elétrico gira no sentido anti-horário. Há um torque não nulo sobre o dipolo. 14 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Vamos calcular o torque em relação ao centro do dipolo. Tanto para a força como para a força , o braço da alavanca (distância perpendicular entre a linha de ação da força e o centro do dipolo) vale (d/2)senφ (veja a figura abaixo). O módulo do torque feito pela força é = sen = sen . 2 2 O módulo do torque feito pela força é = sen = sen . 2 2 O módulo do torque resultante é τ+ + τ-: = sen = sen . (8) 15 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 O vetor torque é perpendicular ao plano do desenho e, pela regra da mão direita, aponta para fora (saindo) do plano. Note que o torque sobre o dipolo elétrico pode ser escrito como = × . (9) Para mostrar isto, observe a figura abaixo e lembre-se da definição de produto vetorial (os vetores e estão no plano definido pelos vetores unitários ̂ e ̂). O produto vetorial do vetor pelo vetor é um vetor cujo módulo vale pEsenα = pEsen(π − φ) = pEsenφ. O produto vetorial de por pode ser calculado pelo determinante ̂ " " ̂ # # que nos dá o resultado ! ̂ $ = %− cos $ ̂ − sen 0 = sen ! . ! 0%, 0 O módulo deste vetor é o mesmo dado pela equação (8) e a sua direção e sentido são as mesmas daquele resultado (o vetor aponta para fora do plano). 16 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 Portanto, a equação (9) representa o torque sobre o momento de dipolo quando ele está imerso num campo elétrico uniforme . O trabalho feito pelo torque quando o dipolo elétrico gira por um ângulo ∆α é Δ+ = −Δ, = − sen , Δ,. O sinal negativo nesta expressão decorre do fato de que o torque sobre o momento de dipolo faz com que ele gire no sentido antihorário, ou seja, ele faz o ângulo α diminuir (veja a figura na página anterior). O trabalho feito pelo torque quando o momento de dipolo faz um giro do ângulo inicial α1 ao ângulo final α2 é dado por -0 +-. →-0 = 1 − sen , , = cos , − cos , . -. Lembrando das aulas de Física I, o trabalho é igual ao negativo da variação na energia potencial: ∆W = −∆U = U(α1) − U(α2). Comparando esta expressão com a equação acima, podemos definir a energia potencial de um dipolo elétrico num campo elétrico uniforme como 2(,) = − cos , . (10) Esta equação pode ser escrita em termos dos vetores e como 17 IBM1018 – Física Básica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 3 2 = − ∙ , (11) onde o ponto na equação acima indica o produto escalar entre os vetores e . A partir da equação (10) podemos construir o gráfico da energia potencial do dipolo imerso num campo elétrico uniforme em função do ângulo α que dá a orientação do dipolo em relação ao campo. A figura abaixo mostra esse gráfico para 0 ≤ α ≤ π. Observe que o valor mínimo de U ocorre para α = 0, isto é, quando e são paralelos. A energia potencial vale zero quando α = π/2 ( e são ortogonais) e o valor máximo de U ocorre para α = π, ou seja, quando e são antiparalelos. 18