Influência dos Preços de Commodities sobre o Repasse Cambial A taxa de câmbio 1 e os preços internacionais das commodities2 vêm registrando movimentos inversos, sugerindo relativa compensação entre o impacto das respectivas trajetórias sobre a inflação (Gráfico 1). Nesse contexto, o boxe examina a influência dos preços das commodities sobre o repasse cambial no Brasil. Gráfico 1 – Taxa de câmbio e commodities Dez/2006 = 100 180 160 140 120 100 80 60 40 1999 2001 2003 2005 IC-Br em US$ 2007 2009 2011 2013 2015 Taxa de câmbio Fonte: BCB Gráfico 2 – Correlação – taxa de câmbio e commodities Janela móvel de 60 meses A correlação entre as cotações internacionais das commodities e das moedas de países exportadores desses produtos pode ser explicada por diversos canais: • influência dos preços das commodities sobre os termos de troca desses países, afetando o fluxo cambial; • efeitos dos termos de troca sobre essas economias tendem a alterar a atratividade dos respectivos ativos junto a investidores internacionais, impactando a moeda nacional via mudança no fluxo de capitais; • poder de mercado na oferta mundial de determinada commodity pode implicar impacto da taxa de câmbio do país exportador sobre o preço desse produto; • alterações no valor do dólar ou nos fundamentos nos mercados financeiros internacionais podem afetar, em direções opostas, os preços das commodities e as taxas de câmbio de países exportadores de commodities, reforçando a correlação negativa entre essas variáveis. 0,4 0,2 0,0 -0,2 -0,4 -0,6 -0,8 -1,0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Fonte: BCB No Brasil, notadamente a partir de 2005, os movimentos da taxa de câmbio doméstica vêm coincidindo com variações de sentido inverso nos preços internacionais das commodities, trajetória influenciada pela crescente participação das commodities na balança comercial do país. A correlação entre essas variáveis3 (Gráfico 2) recuou continuamente de 2007 a 2010, quando atingiu o patamar de -0,7, mantido até 2013. A partir desse ano, o coeficiente de correlação aumentou – mas seguiu em 1/ Taxa de câmbio entre o real e o dólar dos Estados Unidos da América (EUA). Aumento da taxa significa depreciação da moeda brasileira. 2/ Considerada a variação do Índice de Commodities – Brasil (IC-Br) em US$. 3/ Os coeficientes de correlação foram calculados entre as séries de variações das respectivas médias mensais do IC-Br medido em dólar e da taxa de câmbio brasileira. O cálculo desses coeficientes utilizou a janela móvel de sessenta meses ao longo das séries com início em janeiro de 1998 e término em fevereiro de 2015. 30 | Relatório de Inflação | Banco Central do Brasil | Março 2015 campo negativo –, evolução associada, em parte, ao esgotamento do impacto do período mais crítico da crise internacional4. Ressalte-se que embora os coeficientes de correlação identifiquem alteração na relação entre as variáveis a partir de meados de 2007, essa mudança estrutural pode ter ocorrido um pouco antes, na medida em que os coeficientes calculados para 2005 e 2006 são influenciados por variações ocorridas nos quatro anos anteriores, dificultando, portanto, a identificação da nova relação na margem. De acordo com a análise visual do Gráfico 1, a assimetria dos movimentos dos preços de commodities e da taxa de câmbio parece ter início em meados de 2005. Esse cenário favoreceu a redução do repasse de variações na taxa de câmbio para a inflação ao consumidor no Brasil, visto que pressões inflacionárias provenientes da taxa de câmbio passaram a ser compensadas, mais intensamente, por variações de sentido contrário nos preços das commodities. É importante ressaltar que pressões sobre os preços originárias de movimentos na taxa de câmbio podem ser neutralizadas, ainda, pelo impacto do efeito renda – decorrente de mudanças nos termos de troca – sobre a demanda agregada5. A aferição do repasse cambial para a inflação ao consumidor no Brasil foi realizada com o uso de Vetores Autoregressivos (VAR), estimando-se a resposta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a choques na taxa de câmbio em dois períodos distintos, de agosto de 1999 a junho de 2007 e de julho de 2007 a fevereiro de 20156. Para avaliar a relevância das commodities na evolução do repasse, os modelos foram estimados segundo duas especificações diferentes, a primeira com a taxa de câmbio e o IPCA 7, e a segunda incorporando, adicionalmente, os preços das commodities medidos pelo IC-Br em dólar. A primeira especificação não distingue, portanto, os impactos sobre o IPCA de alterações na taxa de câmbio e nos preços 4/ A utilização da janela móvel de sessenta meses implica a não utilização de dados relativos ao segundo semestre de 2008 – quando o movimento generalizado de aversão ao risco intensificou a correlação negativa entre as variáveis – a partir de janeiro de 2014. 5/ Um estudo a respeito de fatores que podem influenciar o impacto do repasse cambial encontra-se no boxe Repasse Cambial para os Preços, divulgado no Relatório de Inflação de dezembro de 2008. 6/ O início da amostra foi escolhido de forma a evitar o período anterior à introdução do sistema de metas para a inflação, enquanto a divisão da amostra utilizou como ponto de corte o início do processo de redução da correlação entre taxa de câmbio e commodities, que ocorreu em junho de 2007. 7/ Para evitar que as mudanças da estrutura de ponderação ao longo da série afetassem os resultados, optou-se por utilizar a série histórica do IPCA recalculada desde agosto de 1999, utilizando como referência os pesos da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2009. Março 2015 | Banco Central do Brasil | Relatório de Inflação | 31 de commodities; e a segunda especificação controla os impactos dos preços de commodities. Gráfico 3 – Repasse da taxa de câmbio ao IPCA Acumulado em 12 meses Modelo sem commodities Ago/1999-Jun/2007 Modelo com commodities Jul/2007-Fev/2015 Fonte: BCB A resposta da inflação ao choque na taxa de câmbio é inferior no segundo período, independente da especificação considerada, confirmando, portanto, a hipótese de redução do repasse cambial nos últimos anos (Gráfico 3). Verifica-se ainda que a redução do repasse é bem mais intensa quando o modelo não controla os efeitos de variações nos preços das commodities para a inflação (modelo sem commodities), sugerindo que os preços desses produtos, de fato, respondem por parcela importante da diminuição do repasse líquido. Vale ressaltar que esses resultados não indicam exaustão do repasse cambial, mas apenas sugerem que o mesmo, além de sofrer alguma redução, vem sendo compensado pelo comportamento dos preços das commodities. Adicionalmente, os resultados apresentados no Gráfico 3 estão em linha com a hipótese de que outros fatores também contribuíram para redução do repasse cambial no Brasil, na medida em que foi identificada redução do impacto inflacionário de um choque no câmbio mesmo no modelo que inclui preços de commodities. Em síntese, os resultados do exercício apresentado corroboram a hipótese de redução do repasse cambial para preços ao consumidor na economia brasileira desde 2007 e sugerem que os preços das commodities exerceram influência relevante nessa redução. Considerando que a depreciação cambial de dezembro a fevereiro ocorreu em ambiente de recuo nos preços internacionais das commodities8, a perspectiva é de que o impacto inflacionário associado à mudança de patamar da taxa de câmbio seja mitigado, em linha com o padrão recente de repasse cambial observado. 8/ Esse movimento pode ser ilustrado pela queda de 1,7% do IC-Br em reais entre novembro e fevereiro, período no qual a desvalorização cambial, medida pela média mensal da taxa de câmbio, alcançou 10,5%. 32 | Relatório de Inflação | Banco Central do Brasil | Março 2015