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Discurso da Abertura do Ano Lectivo proferido pelo Magnífico Reitor
da Universidade Pública de Cabo Verde
na cerimónia da Abertura do Ano Académico da Uni-CV
Exmo Senhor Primeiro-Ministro,
Minhas senhoras e meus senhores,
Há quase três anos, o Governo que V. Excia dirige entendeu que já era hora de criar a
Universidade de Cabo Verde. E criou-a, atribuindo-lhe a precípua missão de vir a ser,
pelo ensino, investigação e extensão de nível superior, um dos motores do
desenvolvimento deste país. Subjacente a este acto legislativo, encontrava-se o
diagnóstico, a meu ver lúcido, de que, na nova fase do percurso nacional, a formação
superior não podia continuar assentar básica e maioritariamente na atribuição de bolsas
de estudo para o exterior, mecanismo pelo qual nós mesmos havíamos sido formados.
Do mesmo modo que estava subjacente ao estabelecimento da Uni-CV a identificação
da necessidade de que a criação e a transferência do conhecimento aplicável a Cabo
Verde – instrumento fundamental à superação do subdesenvolvimento – não poderia
seguir sendo, como acontecia desde a independência, obra quase exclusiva de avulsos
consultores estrangeiros, inscritos em programas de assistência técnica internacional.
Tornava-se, pois, urgente, para o Governo, constituir uma base nacional de provisão de
conhecimentos necessários à transformação de Cabo Verde. Além disso, pelo facto de
as instituições nacionais de ensino superior existentes, à data da criação da Universidade
Pública, apenas formarem em níveis e áreas relativamente subalternos, uma vez que na
maior parte dos casos concediam somente bacharelatos e tinham, na formação de
professores, a sua aposta maior, há quase três anos entendeu o Governo que V. Excia
dirige que se aproveitassem os activos que tais instituições representavam, não para as
consolidar, mas para se preparar uma nova largada.
Tudo isso, senhor Primeiro-Ministro, para dizer que houve consciência aguda de que o
novo ciclo histórico demandava novas soluções. Ou de que, naquele momento, o povo
das ilhas queria um novo ensino superior para o povo das ilhas, para me inspirar num
inspirado poeta desta urbe. Um Ensino Superior à altura da construção de um novo
Cabo Verde, participante activo do movimento da construção de uma “outra terra na
nossa terra”, que é como Amilcar Cabral - que é quem vale sempre a pena invocar,
quando queremos sintonizar-nos com as grandes causas destas ilhas – designava a sua
utopia/projecto. Várias são as inovações reclamadas pelo espírito dos novos tempos. Por
exemplo, no Cabo Verde do século XXI, a formação superior não pode contentar-se,
como antes, em formar apenas elites restritas e de feição dominantemente burocráticas.
Ela precisa, sim, é de gerar um nível crítico de profissionais altamente qualificados em
todos os sectores de actividade considerados vitais. A raridade que, ontem, constituía
uma parte significativa do valor dos títulos universitários, tem, hoje, de ceder lugar à
pertinência social dos mesmos, enquanto resposta efectiva às necessidades da sociedade.
Portanto, a questão não é meramente a de formar cá o que antes se fazia fora do país,
mas a de se redefinirem finalidades. Da mesma forma que a exigência da inserção
dinâmica, proclamada pelas lideranças políticas, a de Transformação de Cabo Verde,
como V. Excia vem reclamando, implica que a mobilização, a adaptação e também a
criação do conhecimento aplicável ao desenvolvimento do país se faça em novas bases.
A centralidade que tal conhecimento ocupa no novo projecto de sociedade significa que
nenhuma vantagem natural – seja ela a posição geoestratégica do nosso território ou o
seu clima propenso ao turismo de praia – poderá por si só ser suficiente para assegurar
um processo duradouro, estável, inclusivo e multidimensional de Desenvolvimento.
Para o conseguirmos verdadeiramente, temos que almejar alcançar uma Economia que
tem no Conhecimento e na Inovação o seu trunfo competitivo, uma Democracia assente
na cidadania formada e informada e uma identidade cultural que se renova, pela
pesquisa antropológica, no seu movimento de consolidação, aprofundamento e
afirmação internacional. Todos estes ideários colocam a Universidade Pública no centro
dos desafios, põem a nossa instituição no cruzamento dos caminhos que dão acesso ao
futuro.
Senhor Primeiro-Ministro,
Minhas senhoras e meus senhores,
Foi tendo estes desígnios como referenciais, como enquadramento estratégico, digamos
assim, que a Uni-CV vem, há quase três anos, definindo o seu percurso. Tenho para
mim que o momento nevrálgico nestes desafios é menos o da definição das metas e
mais o da implementação de acções. Para falar como se fosse um mindelense, diria que
neste filme o mais perigoso para o sport é o momento da acção. É ali que ele pode
morrer ou se salvar em definitivo. (Afinal de contas, a universidade é um filme de acção)
Sendo a relevância é um dos valores –guia deste projecto, por isso nós não pudemos
escapar a uma questão radical que é a de saber quais são os saberes que mais potenciam
o desenvolvimento e qual o peso dos mesmos na oferta formativa da nossa universidade?
Um projecto desta natureza implica opções, nem sempre fáceis, mas enfrentemo-las. No
nosso entender e levando em atenção os documentos definidores da Vontade Colectiva
como a Constituição da República, as Grandes Opções do Plano, os Planos de
Desenvolvimento, etc, a Universidade deve centralizar, na sua oferta formativa, a área
das Ciências Básicas, Tecnologias e Engenharias. Este re-centramento, ao ser
assumindo, ou melhor ao ser plenamente assumido, implicou consequências várias. Foi
por esta razão, por exemplo, que, mal começámos, tivemos por força das nossas opções
e em parceria com várias universidades nossas “compagnos de route”, de investir em
cursos de pós-graduação e hoje, olhando para trás, podemos dizer, com orgulho, que
temos em andamento cursos mestrado em matemática para engenharias, em sistemas
electrónicos, em sistemas de informação geográfica, em ordenamento do território,
ciências do mar, em energia, engenharia mecânica, isso nos dois departamentos, um na
Praia, e outro, onde nos encontramos, que desenvolvem formação nesta área do saber.
Realço que tais pós-graduações são de crucial importância, pois permitem-nos lançar
linhas
de
investigação
estruturantes
da
identidade
científico-pedagógica
da
Universidade de Cabo Verde e encontrarmos os nichos de especialização e da
construção de excelência no domínio das ciências do mar, geo-ciências, ordenamento do
território, agronomia e ambiente, energia, mecânica, informática, para só falar destes
saberes. Os mestrados que tiveram lugar, apesar de importantes e de serem marcantes
no nosso percurso, não são senão um primeiro estágio de criação de capacidades
docentes. Gizámos já a etapa seguinte um plano para o doutoramento do nosso pessoal.
De resto, embora numa área diversa daquela que este Departamento alberga, apraz-me
anunciar que, nesta semana, a Uni-CV apresenta formalmente o seu primeiro programa
doutoral.
Se é certo que na área de ciência e tecnologia, preocupa-nos a formação avançada, como
meio de capacitação docente e investigativa, mas também enquanto forma de responder
às necessidades de especialização da nossa economia, nem por isso nos descurámos das
formações profissionalizantes, mais viradas para a inserção profissional imediata e bemsucedida de engenheiros de execução. Foi por esta razão, senhor Primeiro-Ministro que
desenvolvemos os CESPs no domínio de gestão de obras, topografia e desenho assistido
por computador, manutenção de equipamentos e bio-diagnóstico. No transcurso deste
ano, iremos alargar este leque inicial, adicionando-o os cursos de agro-negócios, microirrigação, gestão de redes informáticas, etc. Mas para assegurarmos esta cadeia
integrada de formações na área das Ciências exactas, engenharias e tecnologias, que vai
da pós-graduação aos cesps, passando pelas licenciaturas, cuja implementação acelerará
os processos de desenvolvimento e permitirá também recentrar a nossa cultura
intelectual que tem uma tradição histórica de viés literária e humanística, é preciso
enfrentar a questão de base: o nível de entrada, na universidade, dos alunos em matéria
de domínio crítico da matemática e saberes conexos. As provas de acesso até agora
realizadas revelam dados preocupantes e, perante isso, alguns aconselharam-nos a abolilas pura e simplesmente. Seria uma típica defesa de avestruz. Ao invés, preferimos
investir na melhoria da articulação entre a Uni-CV e o Ensino Secundário, criando uma
pró-reitoria para o efeito e instituir, na Universidade, um ciclo de reforço de
competências básicas. Assim, senhor Primeiro-Ministro, acolhemos em Setembro
último, a II Bienal de Aprendizagem da Matemática, numa coligação de universidades
portuguesas, brasileiras e africanas.
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Deputados,
Minhas senhoras e meus senhores,
Não se vá pensar das minhas palavras que a Uni-CV, ao procurar recentrar a nossa
cultura intelectual, pondo acento na ciência e tecnologia, está a subalternizar ou a
descurar as ciências sociais, as ciências da saúde, as ciências económicas e de gestão.
Nada mais falso. Os avanços têm sido rápidos e auspiciosos nesta matéria. De resto, a
Universidade, a verdadeira, quando não é um título utilizado com fins meramente de
marketing, é um espaço de integração da diversidade de saberes. Por isso, temos
superado uma concepção dicotómica, segregada e apartada dos saberes, introduzindo,
em sede do nosso programa de desenvolvimento curricular, saberes e atitudes
transversais. As línguas, as tic, empreendedorismo, a atitude criativa e investigativa sãono no nosso projecto. Como disse anteriormente, não se trata de formar, como ontem,
elites burocráticas, limitadas no horizonte nacional, ciosos ou demasiado ciosos da
raridade dos seus títulos, da qual retiravam parte do prestígio social. Todos os anos, por
força de acordos celebrados com instituições estrangeiras, os nossos estudantes,
seleccionados em função do seu mérito, passam um trimestre ou um semestre nos
Estados Unidos ou no Brasil a fim de fazer imersão em laboratórios e em ambientes
científicos mais dinâmicos. Se tudo correr bem, em breve, estaremos no programa
Erasmus Mundus. Queremos proporcionar aos nossos alunos uma vivência cosmopolita
e multicultural e convencê-los de que a investigação científica é uma prática e não um
discurso repetido e de segunda mão, porque a única verdade do nosso tempo é a busca
da verdade. Amanhã, Quinta-feira, abriremos as portas do nosso 1º Congresso de
Iniciação Científica. Será esse estudante, formado no ideário das novas práticas
académicas, o homem novo da utopia da amanhã de 5 de Julho? Será que os netos dos
flagelados do Vento Leste serão cidadãos de um Cabo Verde em marcha acelerada para
a realização as suas ambições, serão eles cidadãos activos de um mundo globalizado que
se reconstrói? A grande ambição de Amilcar Cabral era que, quando finalmente libertos
do colonialismo e suas sequelas, pudéssemos participar livre e plenamente no projecto
da Humanidade, marcar com o print da nossa especificidade cultural, com o brilho da
nossa inteligência enquanto povo, o conserto policromado dos homens .
Estas nossas ambições educativas, mesmo que ambiciosas, perdõem-me o pleonasmo,
vão-se cumprindo dor a dor, como dizia um outro poeta daqui, mas igualmente graças a
múltiplos apoios e engajamentos. Um exemplo eloquente do que acabo de dizer, que
traduz a dimensão da aposta que o governo da República faz na Universidade Pública, é
o belo edifício que ele põe, aqui e agora, à disposição da Uni-CV neste campus da
Ribeira de Julião. Saberemos honrar este investimento e esta confiança.
Permita que, em nome da comunidade académica da Uni-CV, agradeça a si e ao
Governo tudo o que tem feito pela materialização do projecto da nossa universidade.
Seja-me permitido igualmente agradecer a confiança que em nós depositaram os
estudantes que estão a entrar pela primeira vez. A eles e aos demais estudantes bem
como aos professores dirijo mantenhas académicas, desejando um bom ano lectivo a
todos. E mais não digo!
Muito Obrigado
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