LUXAÇÃO LATERAL CONGÊNITA DA PATELA

Propaganda
1
LUXAÇÃO LATERAL CONGÊNITA DA PATELA - RELATO DE CASO
Luiz Henrique Gil BOLFER1 , Letícia FANUCCHI1 , Raphael Verdum NUNES1,
Marcelo MEYER1 , Amanda SOTELO1, Ricardo MAIA 2.
1 INTRODUÇÃO
A luxação patelar é um deslocamento intermitente ou permanente da patela desde o
sulco troclear (HULSE, 2003). A articulação da soldra (joelho) compreende
articulações femorotibial, femoropatelar e tibiofibular proximal, sendo que no cão,
inclui também as articulações entre o fêmur e os sesamóides pares nas origens do
gastrocnê mio, bem como entre a tíbia e o sesamóide no tendão poplíteo. Ainda no
cão, todas essas articulações compartilham uma cavidade sinovial comum. Quatro
ligamentos unem o fêmur aos ossos da perna, o ligamento colateral medial,
ligamento colateral lateral, ligamento cruzado cranial e o correspondente caudal. A
articulação femoropatelar é formada entre a tróclea femoral e a patela. Ligamentos
femoropatelares colaterais seguem entre as cartilagens do fêmur. Distalmente, a
patela une-se a tuberosidade tibial por um único ligamento patelar que possui
inserção no quadríceps femoral. Apesar de sua complexidade, o joelho funciona
como uma articulação do tipo dobradiça, com movimento livre em flexão e extensão.
A
estabilidade
articular
depende
de
todos
estes
fatores
acima
citados,
principalmente dos ligamentos cruzados. A ruptura de um desses ligamentos permite
à tíbia deslizar-se para frente ou para trás num movimento conhecido como
movimento de gaveta cranial ou caudal. Existem grupos musculares extensores e
flexores atuando no joelho. O quadríceps femoral é o principal grupo de músculos
extensores formando a massa muscular cranial ao fêmur (DYCE, 1997). Três dos
quatro músculos desse grupo – vasto lateral, medial e intermédio – se originam no
fêmur proximal, enquanto que o quarto – reto femoral – se origina no ílio. Todos eles
convergem para formar o tendão do quadríceps (ARNOCZKY, 1996). A inserção
destes músculos se dá na tuberosidade tibial após passagem pela patela (DYCE,
1997) prendendo-se primariamente à porção proximal da patela, atravessando sua
superfície cranial para se unir ao ligamento patelar. Quando o grupo de músculos do
quadríceps se contrai, a força resultante puxa a patela, o ligamento patelar e a
tuberosidade tibial, causando a extensão da soldra (ARNOCZKY, 1996). A função
principal da patela é aumentar a ação de alavanca mecânica aplicada pelo músculo
quadríceps femoral (OLMSTEAD, 1996). As alterações posicionais no fêmur
2
proximal que se relacionam diretamente à luxação lateral da patela são a coxa valga
e o aumento da anteversão do colo femoral. A coxa valga força a porção distal do
fêmur em direção à linha média, alterando o alinhamento da tróclea femoral. O
deslocamento medial da porção distal do fêmur poderá resultar em torção contrária
da tíbia. A tensão normal de sustentação do peso é alterada pelas mudanças na
angulação do joelho. O côndilo femoral medial tende a desenvolver-se em ângulo e
velocidade normais, enquanto que o côndilo lateral é impedido, causando displasia
condilar. Esta displasia fa z com que a crista trocantérica fique mais baixa arrasando
o sulco troclear. O resultado final é a redução da limitação estrutural da patela. Se a
patela sofre luxação durante o crescimento e desenvolvimento do cão, como é o
caso das luxações congênitas, o sulco ficará raso porque não há pressão exercida
por ela sobre a superfície craniana do sulco intercondilar. Se a contração do músculo
quadríceps atua sobre a tuberosidade tibial, cada contração muscular irá gerar uma
tensão rotacional persistente aplicada a tíbia no caso de uma luxação patelar. A
rotação tibial provoca alterações nas estruturas cartilagíneas e ligamentares da
articulação do joelho além de conferir também alterações musculares (OLMSTEAD,
1996). Os distúrbios da articulação do joelho são causas freqüentes de claudicação
do membro pélvico. A instabilidade femoropatelar pode variar desde a luxação
completa e irredutível da patela, com claudicação grave, até instabilidade incipiente
sem sinais clínicos associados. A luxação patelar pode ser intermitente , lateral ou
medial, traumática ou evolutiva. Em cães, é mais comum a luxação medial, 75 à
80% dos casos segundo PIERMATTEI, 1999. Pode acometer cães de ambos os
sexos e de qualquer idade. É muito comum que os animais afetados sejam
apresentados para avaliação de claudicação intermitente. O proprietário pode relatar
que o animal, algumas vezes, mantém a perna em posição flexionada por um ou
dois passos (HULSE, 2003). Existem poucas referências de luxações patelares
laterais na literatura veterinária. Menos de 24% são laterais. A literatura humana
contém muitos artigos acerca da luxação patelar lateral por esta ser a direção mais
comum de deslocamento da patela em humanos (OLMSTEAD, 1996). A luxação
lateral pode ocorrer em cães de raças de grande porte associada à displasia
coxofemoral pois esta afecção causa deformidades que podem levar a rotação
interna do fêmur, com torção lateral e deformidade valga da porção distal do fêmur
que desloca o mecanismo do quadríceps e a patela lateralmente (PIERMATTE I,
1999; ARNOCZKY, 1996) e em raças de pequeno porte ela é comumente congênita
3
(VASSEUR, 1998). Em algumas circunstâncias, o fator iniciante da luxação patelar
lateral de origem congênita é a hipoplasia do vasto medial. Filogeneticamente, o
vasto medial é o último músculo do grupo quadríceps a se desenvolver. A
importância deste músculo é o de contrabalançar a ação do vasto lateral podendo
levar ao deslocamento lateral da patela (OLMSTEAD, 1996). O tratamento para este
tipo de afecção pode se basear no sistema de graduação de Putnam desde 1968
que classifica a luxação patelar, seja ela lateral ou medial em 4 graus associadas à
severidade da lesão (ARNOCZKY, 1996). A luxação de grau I não apresenta sinais
clínicos, geralmente é um achado durante o exame clínico (ARNOCZKY, 1996).
Deve-se pesar muito antes de submeter este paciente à cirurgia. Alguns autores
preferem não operar estes pacientes até que fiquem clinicamente sintomáticos para
a patologia (VASSEUR, 1998). A luxação de grau II é acompanhada de claudicação
momentânea e indolor. Pode estar presente leve deformidade óssea podendo
ocorrer rotação da tíbia e adução do tarso. Nestes pacientes é recomendável a
cirurgia pois são pacientes mais susceptíveis a desenvolverem alterações
degenerativas na articulação (OLMSTEAD, 1996). Na luxação de grau III, a patela
está permanentemente luxada, mas pode ser manualmente reduzida, as
deformidades ósseas presentes são mais importantes como 30 a 60 graus de
rotação da tíbia. Por último, a luxação de grau IV é a mais grave sendo permanente
e irredutível. Esta luxação causa rotação importante da tíbia (60 a 90 graus) e as
deformidades ósseas são graves e devem ser reparadas cirurgicamente (VASSEUR,
1998). Pacientes com luxação lateral da patela geralmente apresentam postura
agachada e ambulação desajeitada (VASSEUR, 1998) Neonatos e filhotes mais
velhos freqüentemente exibem sinas clínicos de erguimento anormal do membro
pélvico a partir do momento em que começam a andar, representam os graus 3 e 4.
Pacientes jovens e adultos com luxações de grau 2 e 3, geralmente possuem
caminhar anormal ou intermitentemente anormal durante toda a vida, mas são
apresentados quando os sinais pioram. Pacientes mais velhos com luxação de grau
1 ou 2 podem exibir sinais súbitos de claudicação por causa de maior colapso de
tecidos moles (tal como devido a ruptura de ligamentos cruzados) como resultado de
traumatismo ou piora da dor da afecção articular degenerativa (PIERMATTEI,
1999).O exame ortopédico bem realizado auxilia na detecção da luxação patelar e
na classificação do tipo de luxação (PIERMATTEI, 1999), podendo descartar a
possibilidade de ruptura de ligamentos cruzados (VASSEUR, 1998). O paciente é
4
observado durante o caminhar para que seja avaliadas sua conformação e
locomoção geral. Inicialmente avalia-se a articulação do joelho com o paciente em
estação para facilitar a comparação com a articulação contralateral, e também para
que se avalie a influência da contração muscular do quadríceps (VASSEUR, 1998).
A melhor posição para realizar os movimentos de inspeção da articulação do joelho
é o decúbito lateral. Em cães de raça de pequeno porte ou em membros gravemente
afetados, a patela é melhor localizada iniciando-se a palpação na tuberosidade tibial
e manuseando-se proximalmente ao longo do ligamento patelar. O membro deve ser
rotacionado
interna/externamente
enquanto
tenta -se
empurrar
a
patela
medialmente/lateralmente. As observações que devem ser incluídas durante um
exame ortopédico são: instabilidade articular, presença de crepitação, grau de
rotação da tuberosidade tibial, rotação do membro ou angulação, incapacidade de
redução da patela, localização da patela na tróclea, incapacidade de extensão
normal do membro e presença de movimentos de gaveta (PIERMATTEI, 1999). É
importante sempre examinar a integridade dos ligamentos cruzados no mesmo
exame, no entanto este exame geralmente causa muita dor e pode ser necessário
realizar com o paciente sob sedação. O movimento de gaveta é o deslizamento da
tíbia em relação ao fêmur. Normalmente não há movimento de gaveta cranial ou
caudal nos pacientes adultos. Alguns filhotes podem apresentar movimentos até os
12 meses de idade devido a frouxidão normal da articulação (PIERMATTEI, 1999).
As radiografias auxiliam na determinação da extensão da deformidade óssea e das
alterações articulares degenerativas (VASSEUR, 1998). Nas luxações de grau 3 e 4,
as radiografias padrão craniocaudais e mediais laterais mostram de modo
consistente o deslocamento lateral da patela. Nas luxações de grau 1 ou 2, a patela
pode estar dentro do sulco troclear no momento da radiografia ou lateralmente
deslocada (HULSE, 2003). Visto que as luxações patelares variam grandemente
com o grau do processo patológico presente e com o potencial para seqüelas
degenerativas, é importante a individualização do tratamento para cada paciente. O
tratamento da luxação lateral da patela pode ser conservador ou cirúrgico. A escolha
do método de tratamento depende da idade do paciente, história clínica e achados
físicos. Não é indicada a cirurgia em pacientes idosos, que não claudicam e recebem
o diagnóstico de luxação de patela como achado de exame clínico (HULSE, 2003).
As luxações de grau 1 podem não necessitar de cirurgia ou se for optado pela
cirurgia não será preciso realizar algumas técnicas que são necessárias nas
5
cirurgias de luxações de grau 3 e 4. Pacientes de porte grande são tratados
cirurgicamente para que se evite degenerações ósseas mais severas. As zonas de
incerteza quanto a decisão terapêutica são os pacientes grau 2 ou 3 com
claudicação ocasional (VASSEUR, 1998). As técnicas aplicáveis na estabilização
das luxações patelares podem ser divididas em duas classes: reconstrução do tecido
mole e reconstrução do tecido ósseo. A reconstrução do tecido mole pode ser
realizada com a técnica de superposição do retináculo lateral, superposição da
fáscia lata, suturas anti-rotacionais dos ligamentos patelar e tibial e liberação do
quadríceps. Estas técnicas de tecido mole são definitivas em luxações de grau 1 ou
2 mas podem ser utilizadas em conjunto com técnicas de reconstrução óssea como
a trocleoplastia e a transposição do tubérculo tibial (PIERMATTEI, 1999). As
técnicas cirúrgicas utilizadas em pacientes com luxação lateral da patela podem ser
a união de técnicas de tecido mole e ósseo. Geralmente se faz liberação de
restrições laterais para neutralizar forças laterais que atuam sobre a patela
associado a trocleoplastia e transposição da tuberosidade tibial (HULSE, 2003).
2 RELATO DO CASO
Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade Tuiuti do Paraná um paciente
da espécie canina, fêmea da raça Poodle com 1 ano e 3 meses de idade. O paciente
foi levado pelo proprietário devido ao fato deste não conseguir apoiar-se
adequadamente com os dois membros posteriores, adotando uma posição
agachada impossibilitando uma deambulação normal. Durante a anamnese o
proprietário afirma que este problema existe desde que o paciente nasceu e que ele
nunca conseguiu esticar o membro. Ao exame clínico geral todos os parâmetros
vitais estavam normais, vacinação e desverminação em dia. Ao avaliar-se os
membros posteriores notou-se que existia uma impossibilidade de extensão do
membro com severa atrofia muscular do vasto lateral, não haviam lesões superficiais
nos membros devido aos cuidados que o proprietário tinha com o paciente, a patelas
encontravam-se luxadas e incapacitadas de serem reduzidas. Diante do fato foi
realizado um exame ortopédico mais preciso a fim de se verificar a estabilidade da
articulação que neste caso não mostrou acometimento dos ligamentos cruzados
durante os movimentos de gaveta e os ligamentos colaterais estavam estáveis. Após
o exame da patela notou-se que tanto à esquerda quanto à direita estavam luxadas
6
lateralmente sem a mínima condição de serem reduzidas, caracterizando uma
luxação patelar de grau IV. Foi solicitado radiografia dos membros posteriores para
avaliar o grau de alterações ósseas degenerativas. O diagnóstico conclusivo foi de
luxação lateral congênita da patela e o paciente foi encaminhado para cirurgia.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com o paciente devidamente anestesiado a região foi preparada assepticamente e a
incisão realizada craniolateralmente 1cm acima da tróclea estendendo-se até o
tubérculo tibial seguida da divulsão do tecido adjacente a cápsula articular. A
artrotomia foi procedida para visualização e correção das degenerações ósseas
ocorridas na tróclea, examinação mais precisa de ligamentos cruzados e de
meniscos . Com a tróclea exteriorizada foi procedida a trocleoplastia com recorte em
cunha para aumento da estabilidade patelofemoral. O recorte em cunha é realizado
com uso de osteótomo iniciando nas cristas trocleares . O osso subcondral é
removido cerca de 2 a 3 mm mediante o uso de uma cureta . A cunha praticada na
tróclea é então alisada com uso de um esmeril . Após a trocleoplastia foi tentada a
redução da patela mas sem êxito a menos que fizéssemos uma incisão de
relaxamento muscular extensa devido ao grau de atrofia do grupamento muscular,
manobra essa que permitiu a redução da patela. Devido à presença de rotação
lateral da tíbia com desvio lateral do tubérculo tibial e conseqüentemente luxação
lateral da patela, foi realizada a transposição do tubérculo tibial e fixação em seu
novo lugar com o uso de parafuso ortopédico. O músculo tibial cranial é elevado da
superfície lateral da parte proximal da tíbia e um osteótomo é posicionado para
remoção do local de inserção do tendão patelar. O tubérculo é seccionado com uso
de osteótomo preservando as inserções distais de tecido mole . O tubérculo é então
fixada em sua nova posição com o uso de um parafuso ortopédico . A posição da
tuberosidade tibial é determinada individualmente, caso a caso. A síntese da cápsula
articular foi realizada com fio de polipropileno 3-0 com pontos simples interrompidos .
O subcutâneo foi suturado com fio de poligalactina 910 com ponto contínuo simples
e a pele foi suturada com fio de polipropileno 3-0 com pontos simples interrompidos.
Oi prescrito para administração pelo propietário Rimadyl 2,2mg/kg/BID durante 14
dias e cefale xina 30mg/kg/BID durante 7 dias.
7
4 CONCLUSÕES
Os distúrbios da articulação do joelho são causas freqüentes de claudicação do
membro pélvico. Pacientes com luxação lateral da patela geralmente apresentam
postura agachada e ambulação desajeitada. As técnicas cirúrgicas utilizadas em
pacientes com luxação lateral da patela podem ser a união de técnicas de tecido
mole e ósseo. Geralmente se faz liberação de restrições laterais para neutralizar
forças laterais que atuam sobre a patela associado a trocleoplastia e transposição
da tuberosidade tibial.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARNOCZKY, S.P. Reparo cirúrgico das luxações e fraturas patelares. In: BOJRAB,
M.J., BIRCHARD, S.S., TOMLINSON, J.L. Técnicas atuais em cirurgia de
pequenos animais. 3 ed, Roca, São Paulo, SP, 1996, pg. 670.
DYCE, K.M., SACK, W.O., WENSING, C.J.G. O membro posterior dos carnívoros.
In: DYCE, K.M., SACK, W.O., WENSING, C.J.G. Tratado de anatomia veterinária.
2 ed, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, RJ, 1997, pg. 367.
HULSE, D.A, JOHNSON, A.L. Luxação patelar lateral. In: FOSSUM, T.W. Cirurgia
de pequenos animais. Roca, São Paulo, SP, 2003, pg. 1086
OLMSTEAD, M.L. Luxação lateral da patela. In: BOJRAB, M.J., SMEAK, D.D.,
BLOOMBERG, M.S. Mecanismos da moléstia na cirurgia dos pequenos
animais. Manole, São Paulo, SP, 1996, pg.949.
VASSEUR. Articulação do joelho. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de
pequenos animais. 2ed. vol 1, Manole, São Paulo, Sp, pg. 2149.
PIERMATTEI, D.L, FLO, G.L. A articulação femoro-tíbio-patelar (joelho). In:
PIERMATTEI, D.L, FLO, G.L. Ortopedia e tratamento das fraturas dos pequenos
animais. 3 ed. Manole, São Paulo, SP, 1999, pg. 480.
Download