qual o seu diagnóstico? - UNIFRAN

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Investigação, 14(6):113-117, 2015
QUAL O SEU
DIAGNÓSTICO?
1
Universidade de Franca – (UNIFRAN), Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Franca, São Paulo, Brasil.
MV. Elaine C. Stupak, MV. Orlando M. Mariani, MV. MSc. Fernanda G. G. Dias,
MV. MSc. Daniel K. Honsho, MV. MSc. Dr. Leandro Z. Crivellenti, MV. Mariana R. Nascimento,
MV. Jessica C. Barros, MV. Natacha A. Alexandre
*Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP.
Email: [email protected]
PRÉVIA
Canino, macho, raça Fila Brasileiro, quatro anos de idade, castrado, com paraparesia e dor em região lombar há 15 dias e histórico anterior de obstrução uretral e abscesso testicular.
CASO CLÍNICO
Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca (UNIFRAN), um cão, com quatro anos de idade, macho, castrado, da raça Fila Brasileiro, pesando 56 Kg, com histórico de dificuldade para
deambular com membros pélvicos, sensibilidade em região lombar e perda de peso progressiva há 15 dias. Porém, há 45 dias, nesta mesma instituição, o paciente já havia sido submetido à cirurgia de uretrostomia
escrotal devido à presença de cálculo uretral e, durante a orquiectomia feita neste mesmo ato cirúrgico, foi constatado abscesso testicular. Amostras do órgão foram encaminhados para exame histopatológico,
o qual sugeriu degeneração testicular. O animal coabitava em propriedade rural, tendo contato com bovinos e outros cães e, além disso, os protocolos de vacinações e desvermifugações estavam desatualizados.
Ao exame físico observou-se paraparesia, arqueamento dorsal da coluna e sensibilidade durante palpação epaxial das vértebras lombares. No exame neurológico, durante a observação da marcha, constatou-se
ataxia proprioceptiva de membros pélvicos. O reflexo patelar estava normal, reflexo flexor presente dor superficial e profunda presentes.
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Foram solicitados exames complementares como perfil
hematológico (Tabela 1) e bioquímico renal e hepático (Tabela
2). Com base no exame neurológico foi feita radiografia da
coluna toraco-lombar (Figura 1) e exames específicos (PCR) para
agentes potecialmente causadores de alterações ósseas.
Tabela 1. Dados do eritrograma, leucograma e trombograma
de um cão atendido no Hospital Veterinário da UNIFRAN, com
histórico de dificuldade de deambulação, sensibilidade lombar
e perda de peso.
Hemácias (x106/μL)
5,6
Hematócrito (%)
34
Hemoglobina (g/dL)
11,5
VCM (fl)
60,8
HCM (pg)
14,5
CHCM (%)
33,9
Plaquetas (cél/μL) 471.000
Leucócitos (cél/μL)
14.900
Neutrófilos
0
Bastonetes (cél/μL)
Neutrófilos
Segmentados
13.410
(cél/μL)
Linfócitos (cél/μL)
596
Monócitos (cél/μL)
298
Eosinófilos (cél/μL)
596
Basófilos (cél/μL)
0
Valores de Referência
para a espécie canina**
5,5-8,5
37-55
12-18
60-67
13-17
31-36
180.000-400.000
6.000-18.000
Tabela 2. Dados referentes à avaliação bioquímica sérica
de um cão atendido no Hospital Veterinário da UNIFRAN, com
histórico de dificuldade de deambulação, sensibilidade lombar
e perda de peso.
ALT (U/L)
FA (U/L)
Albumina (g/L)
Proteína total (g/L)
Ureia (mg/dL)
Creatinina (mg/dL)
15
79
2,4
9,0
19
0,8
Valores de Referência
para a espécie canina**t
21-102
20-156
2,6-4.0
5,4-7,1
15-65
0,5-1,9
** Laboratório de patologia clínica da UNIFRAN.
0-500
3.600-13.800
720-5.400
180-1.800
120-1.800
0
Figura 1. Imagem radiográfica da coluna lombar de cão, na
projeção latero-lateral direita; observar alterações entre terceira
e quarta vértebra lombar (seta).
** Laboratório de patologia clínica da UNIFRAN.
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1. Quais alterações radiográficas
foram visualizadas na projeção
solicitada?
2. Qual o seu diagnóstico?
3. Quais são os diferenciais
que devem ser aboradados
diante das alterações
encontradas na coluna?
4. Quais exames
complementares poderiam
ser solicitados?
5. Quais são os achados clínicos
e radiográficos mais comuns?
6. Qual o tratamento?
7. Quais as considerações com a
saúde pública?
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DISCUSSÃO
1. Quais alterações radiográficas foram visualizadas
na projeção solicitada?
As alterações radiográficas encontradas na projeção laterolateral são de lise nas placas finais vertebrais e diminuição
significativa do espaço intervertebral entre a terceira e quarta
vértebra lombar.
2. Qual o seu diagnóstico?
Baseado no histórico, sinais clínicos e radiográficos
(animal de fazenda, contactantes não vacinados, abcesso
testicular e lise óssea lombar) e exame de PCR positivo para
Brucella spp, confirma-se a presença de discoespondilite
secundária a infecção por brucelose. A discoespondilite é a
inflamação do disco intervertebral e corpos vertebrais adjacentes,
caracterizada por necrose e erosão das placas de extremidade (Sura
et al., 2008). A infecção por Brucella canis é relatada na literatura
veterinária como agente causador de discoespondilite em cães
(Hollett, 2006).
3. Quais são os diferenciais que devem ser aboradados
diante das alterações encontradas na coluna?
A discoespondilite ocorre devido à infecção disseminada
por via hematógena que se origina, geralmente, em local
não vertebral como no trato urinário, endocardite valvar e
odontopatias. As bactérias se difundem por meio da placa final
cartilaginosa do corpo vertebral até contatar o disco, resultando
em lise da placa final adjacente, necrose discal e colapso
do espaço intervertebral (Fossum, 2014). As bactérias mais
frequentemente isoladas são Staphylococcus intermedius
e Staphylococcus aureus, porém outros organismos podem
ser identificados como causadores da discoespondilite como
Streptococcus sp, Brucella canis, Escherichia coli, Pasteurella
multocida, Corynebacterium, Nocardia spp e Mycobacterium
avium (Sura et al., 2008; Tipold e Stain, 2010). Além disso, é comum
a discoespondilite fúngica por Aspergillus spp, Paecilomyces
variotti, Actinomyces spp e Scedosporium apiospermum
(Hugnet et al., 2009). Outras causas de discoespondilite, como
sequelas pós-operatórias após a fenestração discal, raramente
são descritas (Fossum, 2014).
4. Quais exames complementares poderiam ser
solicitados?
O diagnóstico de discoespondilite é confirmado por
radiografia de pesquisa e a determinação do agente pode ser
conseguida por cultura de material discal, hemocultura ou
urocultura (Hollett, 2006).
A biópsia discal por aspiração percutânea é um exame
relativamente seguro e indicado para animais cuja cultura de
sangue ou urina seja inconclusivas, suspeitas de neoplasia e
nos casos em que não há resposta a antibioticoterapia (Betbeze
e Mc Laughin, 2002). Nos casos iniciais de discoespondilite, a
cintilografia óssea pode ser útil no diagnóstico, porém pode
ocorrer falsos negativos (Lorimier e Fan, 2010). A mielografia ou a
tomografia são consideradas exames obrigatórios em pacientes
que necessitam de intervenção cirúrgica, pois permitem
documentação de presença de massa extradural e determina a
técnica de descompressão necessária (Tipold e Stain, 2010).
Nos exames hematológicos, geralmente não são
evidenciadas alterações, a menos que sejam encontradas outras
anormalidades sistêmicas como prostatites e infecção do trato
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urinário (Fossum, 2014). Devido ao risco para saúde publica,
todos os animais com discoespondilite devem ser testados para
Brucella canis por meio de sorologia ou PCR (Hollett, 2006).
5. Quais são os achados clínicos e radiográficos mais
comuns?
O sinal clínico de discoespondilite mais comum é a
hiperestesia paravertebral e outros sinais clínicos incluem
inapetência, perda de peso, depressão, febre e relutância em
se movimentar (Betbeze e Mc Laughin, 2002). Nos estágios
iniciais da doença, muitos animais demonstram pouco ou
nenhum déficit neurológico, sendo as alterações mais comuns
ataxia proprioceptiva e paresia, podendo surgir paralisia aguda
em caso de colapso vertebral ou fratura vertebral patológica
(Tipold e Stain, 2010).
Os sinais radiográficos incluem lise de uma ou ambas
superfícies articulares dos corpos vertebrais atingidos, seguido
por colapso do espaço do disco intervertebral e microfraturas
(Fossum, 2014). Com a evolução do processo, os sinais de lise
continuam e ocorre proliferação óssea adjacente. Surgem
margens escleróticas e pode ser observada proliferação
óssea ventral levando a espondilose ventral associada
(Santos et al., 2006).
Em cães machos com brucelose, os sinais clínicos mais
evidentes são epididimite e prostatite, podendo ocorrer
também orquite. Com o progresso da doença, ocorre atrofia
e degeneração testicular (Hollett, 2006) condizentes com o
resultado histopatológico do paciente em questão.
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Discoespondilite
canina secundária
a brucelose: Qual
o seu diagnóstico?
6. Qual o tratamento?
A terapia depende do exame neurológico seriado e dos
exames laboratoriais. Em caso de infecção por Brucella canis
é necessário iniciar antibioticoterapia específica, associando
tetraciclina (como doxiciclina ou minociclina) a um amigolicosidio
(estreptomicina, gentamicina, amicacina) (Souza, 2015). Os
pacientes devem ser tratados até que os títulos de Brucella
sejam negativos (Megid et al., 2007).
O tratamento cirúrgico torna-se necessário quando se
detecta deterioração neurológica aguda como paralisia, sinais
de compressão medular ou instabilidade vertebral, hérnia discal,
fratura ou colapso vertebral (Fossum, 2014). As técnicas cirúrgicas
de descompressão mais utilizadas são laminectomdorsal
e hemilaminectomia e, quando há instabilidade vertebral,
podem ser utilizados parafusos ou pinos com rosca concêntrica
associado ao polimetilmetacrilato, placa bloqueada ou parafuso
pediculado no corpo vertebral (Fossum, 2014).
Canine spondylitis
secondary to
brucellosis: what is
your diagnosis?
7. Quais as considerações com a saúde pública?
A brucelose é uma zoonose e a identificação dos cães
doentes é importante, pois estes constituem fontes de infecção,
uma vez que podem eliminar o agente no ambiente pela urina,
ejaculados, secreções vaginais, fetos abortados ou pelas fezes
(Hollet, 2006). Acredita-se que pouco se tem feito para controlar
a brucelose canina de forma sistematizada no país, a não ser
em alguns canis comerciais devido aos prejuízos causados
pela doença. Assim, muitos casos de infecção por Brucella
canis não são relatados, principalmente por não ser exigida
notificação obrigatória pelo Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Megid et al., 2007).
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RESUMO
ABSTRACT
A discoespondilite é uma doença que afeta de maneira crônica os discos intervertebrais e as extremidades
adjacentes dos corpos vertebrais. Geralmente ocorre devido a uma infecção disseminada por via
hematógena e entre os agentes causais, se destaca a Brucella canis, porém outras bactérias e fungos já
foram isolados. Os sinais clínicos mais comumente observados nos animais acometidos são dor espinhal,
relutância ao movimento, deficiências neurológicas, paralisia dos membros, entre outros. O diagnóstico
deve ser baseado nos sinais clínicos, exames laboratoriais e de imagem. Diante do caráter zoonótico do
agente causal e da influência direta na qualidade de vida dos pacientes acometidos por discoespondilite,
o objetivo do presente trabalho foi relatar o caso de um cão, com quatro anos de idade, macho, raça Fila
Brasileiro, atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca com dificuldade para deambular,
perda de peso e dor em região lombar há 15 dias. O paciente tinha histórico de abcesso e degeneração
testicular e habitava ambiente rural. Os exames hematológicos estavam dentro dos parâmetros de
normalidade para a espécie e a radiografia simples de coluna toraco-lombar revelou lise nas placas finais
e diminuição significativa do espaço discal intervertebral entre a terceira e quarta vértebra lombar. O
diagnóstico de discoespondilite secundária a brucelose foi firmada pelo exame de PCR.
Discospondylitis is a disease that affects the intervertebral discs and adjacent vertebral bodies. It usually
occurs due to widespread hematogenous infection or other causative agents such as Brucella canis,
bacteria and fungi. Clinical signs most commonly observed in affected animals are spinal pain, reluctance
to move, neurological deficits, paralysis of limbs and others. The diagnosis should be based on clinical
signs, laboratory tests and imaging. The objective of this study was to report a case of a dog, four-yearold, male, Brazilian Fila, attended in Veterinary Hospital at University of Franca showing neurological
deficits, weight loss and pain in the lower back for 15 days. The patient lived countryside environment
and had a history of testicular abscess and degeneration. The blood tests were within normal range for
the species and thoracolumbar spine radiography revealed lysis in the plates and significant reduction
of disc intervertebral space between the third and fourth lumbar vertebrae. Diagnosis was confirmed as
spondylitis secondary to brucellosis after PCR exam.
Key words: Brucella canis, spondylitis, zoonosis.
Palavras-chave: Brucella canis, discoespondilite, zoonose.
REFERÊNCIAS
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