PDF PT - Jornal Brasileiro de Pneumologia

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I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
Pneumonias adquiridas em ambiente hospitalar
R ELATORES : C ARLOS A LBERTO DE B ARROS F RANCO , J ORGE P EREIRA , B LANCARD T ORRES
INTRODUÇÃO
A pneumonia hospitalar (PH) é definida como aquela que
se instala após 48 a 72 horas de internação, não sendo
produzida por germes previamente incubados no momento
da admissão.
A pneumonia associada a ventilação mecânica (PAVM) é
aquela que se instala após 48 horas de ventilação mecânica,
excluindo os casos de pneumonias como causa da insuficiência respiratória. Ela apresenta algumas particularidades
em relação à pneumonia hospitalar sem ventilação mecânica.
As PH são atualmente a segunda ou terceira causa mais
comum de infecção hospitalar, ocorrendo em percentual em
torno de 5 a 10 casos por 100 internações. Essa incidência
aumenta 6 a 20 vezes, caso o paciente seja ventilado mecanicamente.
A presença de PH aumenta a permanência hospitalar em
7 a 9 dias, o custo da internação em 5.800 dólares por
paciente, sendo a mortalidade elevada, em torno de 16 a
37%, podendo chegar a 70% nos casos determinados por
infecção por Pseudomonas aeruginosa.
Para a condução adequada da PH é fundamental o completo conhecimento de etiologia, patogenia, manifestações
clínicas, métodos diagnósticos, medidas terapêuticas e de
prevenção. Cada um desses itens determina grande desafio
para a decisão diagnóstica e terapêutica, pois a gravidade
do quadro e alta mortalidade exigem decisões terapêuticas
rápidas. Por outro lado, a escolha de esquema antibiótico
inadequado ou sua utilização em casos de origem não infecciosa terá conseqüências graves.
E TIOLOGIA
E FATORES DE RISCO
Cerca de 60% das pneumonias nosocomiais são causadas por patógenos aeróbios gram-negativos, dentre eles Klebsiella, Enterobacter, Pseudomonas e Acinetobacter. Dos
gram-positivos, predomina o Staphylococcus aureus. Na
ausência de episódio óbvio de aspiração maciça, a incidência de germes anaeróbios responsabilizando-se por pneumonias nosocomiais não está estabelecida. A infecção polimicrobiana ocorre em até 40% dos casos. A presença de
fungos tem sido identificada em 3 a 11% dos casos. Os
germes causadores das chamadas “pneumonias atípicas”,
Legionella, Mycoplasma, Chlamydia e vírus, freqüentemente causadores de pneumonias comunitárias, têm menor imJ Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
Siglas e abreviaturas utilizadas
PH – Pneumonia hospitalar
PAVM – Pneumonia associada a ventilação mecânica
ATS – American Thoracic Society
LBA – Lavado broncoalveolar
5FC – 5-fluorcitocina
CDC – Centro de Controle e Prevenção de Doenças
GEB – Gasto energético basal
DSTD – Descontaminação seletiva do trato digestivo
NA – Narizes artificiais
HME – Heat and moisture exchangers
HMEF – Heat and moisture exchanging filters
HCH – Hygroscopic condenser humidifers
HCHF – Hygroscopic condenser humidifying filters
SARA – Síndrome da angústia expiratória aguda
VMIS – Ventilação mandatória intermediária sincronizada
VAC – Volume de ar corrente
portância epidemiológica no cenário das pneumonias nosocomiais, especialmente quando associadas a ventilação mecânica (PAVM). Em um estudo prospectivo realizado no Canadá, no qual as técnicas específicas para a identificação
desses microorganismos foram empregadas de forma sistemática em 135 casos de PAVM (incidência: 5,7:1.000), estes
estavam envolvidos em apenas 4, 1, 1 e 7 casos, respectivamente. Muito embora outros estudos demonstrem participação mais expressiva da Legionella, sua incidência depende essencialmente de fatores locais, em que é necessária a
geração de aerossóis infectantes a partir de reservatórios de
água contaminada. A etiologia viral deve ser considerada na
presença de surtos epidêmicos.
O uso prévio e indiscriminado de antibióticos está relacionado a maior incidência de infecções por Pseudomonas e
Acinetobacter, diretamente responsáveis por altas taxas de
morbimortalidade.
Em hospedeiros específicos, particularmente em estados
de imunossupressão pós-transplante, sobretudo quando expostos a áreas de reformas e demolições, têm sido registrados surtos, usualmente fatais, de pneumonias por fungos,
especialmente Aspergillus e Histoplasma.
Em portadores de HIV com grave disfunção do sistema
imunológico (CD 4 < 200/mm 3 ), admite-se a possibilidade
de transmissão nosocomial do Pneumocystis carinii, embora a infecção endógena seja predominante.
O Consenso da American Thoracic Society – ATS – (Am
J Respir Crit Care Med 1995;153:1711-1725), procurando estabelecer diretrizes para o tratamento empírico de pneu-
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I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
monias nosocomiais em hospedeiros imunocompetentes,
definiu três grupos de pacientes, alocados conforme o nível
de gravidade, a presença de fatores de risco específico e o
momento do diagnóstico em relação à admissão.
Grupo I – Na ausência de fatores de risco específico e
com quadro de grau leve a moderado iniciado em qualquer
etapa da permanência hospitalar; ou ainda, na presença de
critérios de gravidade, mas identificadas antes do 5º dia de
admissão, são habitualmente determinadas por bactérias
gram-negativas habituais da microbiota entérica (E. coli,
Klebsiella sp, Proteus sp, Serratia marcescens, Enterobacter sp), além de Hemophilus influenzae. Menos freqüentemente, Staphylococcus aureus oxacilina-sensível e
Streptococcus pneumoniae.
Grupo II – Na presença de fatores de risco específicos,
pneumonias de grau leve a moderado identificadas em qualquer período de internamento costumam ser causadas, além
da microbiota entérica, por germes anaeróbios (laparotomia recente ou episódio evidente de aspiração), Staphylococcus aureus (coma, traumatismo craniencefálico, diabetes melito, insuficiência renal crônica), Legionella (corticosteróides em altas doses), Pseudomonas aeruginosa (permanência prolongada em UTI, uso de corticosteróides e antibióticos, subversão estrutural dos pulmões).
Grupo III – Pacientes acometidos por pneumonias graves, ainda que na ausência de fatores de risco específico,
mas diagnosticadas após o 5º dia de internamento, ou, em
sua presença, independente do momento em que foi identificada, além dos patógenos da microbiota intestinal, costumam ser infectados por Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter e Staphylococcus aureus oxacilina-resistente.
E TIOPATOGENIA
No indivíduo hígido, a microbiota nativa da orofaringe
mantém-se estável desde o nascimento, passando por períodos eventuais de colonização transitória por germes potencialmente patogênicos, habitualmente destituída de significado clínico. Ao ocorrer a inoculação da orofaringe, de
forma intencional ou espontânea, tais bactérias são rapidamente removidas e dificilmente conseguem estabelecer-se.
A colonização da orofaringe por germes gram-negativos pode
estar presente em 6% dos indivíduos saudáveis, aumentando sua freqüência para 35 e 73%, nos moderada e gravemente enfermos, respectivamente. Essa colonização depende essencialmente do estado de higidez do indivíduo e da
presença de fatores que subvertem a microbiota nativa, tais
como o uso de antibióticos e corticóides, nos portadores de
enfermidades crônicas (diabetes, alcoolismo, DPOC, uremia)
e naqueles sob uso de vias aéreas artificiais. Neles, um fato
comum é a perda da função protetora exercida por mecanismos naturais, especialmente pela fibronectina, proteína
que permite a aderência de bacterias da microbiota nativa e
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impede a instalação de patógenos primariamente patogênicos. Na dependência do tamanho do inóculo e da virulência
das bactérias, a quebra dos mecanismos de proteção das
vias aéreas propicia sua migração para o parênquima pulmonar, resultando em pneumonia.
Pequenos inóculos de 0,001mL, contendo até 10 7 ufc/
mL, são suficientes para determinar o surgimento de pneumonias. Enquanto as enterobactérias se instalam nas vias
aéreas superiores a partir do trato digestivo, a Pseudomonas coloniza primariamente a luz traqueal.
Tais achados são corroborados pelo risco aumentado de
colonização do trato respiratório naqueles que apresentam
maior número de germes no estômago, particularmente
quando submetidos a procedimentos que elevam o pH do
suco gástrico, utilizados na profilaxia de hemorragias digestivas. A redução da motilidade gastrintestinal e a utilização
de alimentação enteral, especialmente se o produto estiver
contaminado, são fatores agravantes.
No paciente intubado, tais microorganismos têm acesso
aos pulmões de diversas formas: a) por migração retrógrada
de germes presentes na luz gastrintestinal, processo facilitado pela presença de sondas enterais e nasogástricas, e pelo
decúbito supino; b) pelo deslocamento acidental de germes
para as vias aéreas distais, determinado pelo uso de sondas
de sucção; c) através da inoculação acidental maciça do condensado contaminado, formado nos circuitos de ventilação
mecânica, onde as bactérias ficam protegidas da ação de
antibióticos e dos mecanismos de defesa do hospedeiro,
multiplicando-se livre e aceleradamente, tendo como fonte
primária os germes do próprio paciente; d) pela inalação de
aerossóis contaminados, originados em nebulizadores acoplados aos circuitos; e) através de espaços criados entre a
cânula e a parede da traquéia, quando o produto acumulado
ao redor do tubo (secreção infraglótica) pode desalojar-se
em direção às porções periféricas das vias aéreas, ainda que
o balonete esteja inflado; f) por via hemática.
F ATORES
PREDISPONENTES
Diversos fatores responsabilizam-se por maior suscetibilidade às pneumonias nosocomiais, incluindo idade avançada, pneumopatias crônicas, imunossupressão, cirurgia, uso
de determinadas drogas, instalação de cânulas traqueais ou
sondas para suporte nutricional, além de alguns tipos de
equipamentos de terapia respiratória.
Cirurgia: O pós-operatório implica maior risco de pneumonia, ocorrendo em cerca de 17% dos casos, segundo algumas séries. Diversos fatores contribuem para sua instalação, particularmente, hipoalbuminemia e escore elevado da
classificação do status orgânico pré-anestésico da American Society of Anesthesiologists (Am J Med 1987;70:67780). Tabagismo, permanência hospitalar pré-operatória superior a 7 dias, procedimentos cirúrgicos extensos e/ou proJ Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
longados (> 4 horas), especialmente toracotomias e laparotomias envolvendo o abdome superior, constituem outros
elementos de maior risco. Todavia, não está determinado
ainda o papel da cirurgia como fator independente frente a
outras variáveis, tais como intubação e uso de antibióticos.
Medicamentos: A antibioticoprofilaxia utilizada de forma
errônea e a antibioticoterapia para infecções primárias em
regime hospitalar estão associadas a maior risco de pneumonia, resultando em maior impacto na morbimortalidade,
por selecionar germes multirresistentes, especialmente Pseudomonas e Acinetobacter.
O emprego excessivo de sedativos e de bloqueadores neuromusculares propicia a retenção de secreções e favorece a
aspiração.
O uso de drogas para a profilaxia de hemorragia digestiva em pacientes críticos é discutido em outra seção.
Aspiração de secreções: Cerca de 45% dos indivíduos
hígidos costumam aspirar pequena quantidade de secreções
durante o sono, que logo é eliminada sob ação dos mecanismos de defesa das vias aéreas. Indivíduos acometidos por
problemas neuromusculares ou nos excessivamente sedados, com distúrbios da deglutição ou dismotilidade do aparelho digestivo, aspiram com maior freqüência e intensidade e têm dificuldade para remover as secreções. A presença
de distensão abdominal e a instalação de sondas nasogástricas e cânulas traqueais podem induzir a aspiração. O posicionamento indevido do paciente no leito favorece o refluxo
e induz a aspiração.
A colonização gástrica, da orofaringe e da traquéia: O
estômago é normalmente estéril devido às propriedades
bactericidas do ácido clorídrico, que previne a colonização e
multiplicação de bactérias ingeridas. Em pacientes críticos,
o pH intragástrico está freqüentemente alterado, por conta
de idade avançada, redução da perfusão do estômago relacionada a distúrbios hemodinâmicos, alimentação enteral e
uso de determinadas drogas. Diversos estudos têm demonstrado, através de correlação linear, o aumento acelerado do
número de bactérias no suco gástrico, proporcional à elevação do pH. Com o pH mantido abaixo de 3,5, raras bactérias são encontradas. Todavia, quando maior ou igual a 4, a
concentração de bactérias sofre multiplicação progressiva
chegando a 103, podendo atingir 108 ufc/mL.
Diversos estudos demonstram aumento da incidência de
pneumonias em indivíduos em uso de antiácidos e antagonistas-H2 para a profilaxia de hemorragias digestivas. Com
essa finalidade, tem sido recomendado o uso de sucralfato,
por suas atividades cito e sitioprotetora, sem elevar o pH de
forma substancial. Além disso, ficou demonstrada sua atividade antibacteriana intrínseca contra germes comumente
causadores de pneumonias (S. aureus, K. pneumonia, E.
coli). Entretanto, através de metanálise (Chest 1991;100:713) demonstrou-se que a profilaxia de hemorragias digestivas com drogas que elevam o pH do suco gástrico não auJ Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
menta a incidência de pneumonias. No mesmo estudo, constatou-se que o sucralfato é capaz de reduzir sua incidência.
O tema permanece objeto de controvérsia. A dificuldade de
interpretação desses estudos resulta de problemas metodológicos. Considerando-se suas propriedades farmacológicas,
deve-se evitar o uso de sucralfato através de sondas posicionadas em situação pós-pilórica, o que impediria sua atuação
sitioprotetora da mucosa gástrica.
Quando as seguintes drogas são ministradas concomitantemente ao sucralfato, observa-se redução substancial da
absorção e biodisponibilidade: ciprofloxacina, teofilina, hidantoinatos, digoxina e amitriptilina.
A colonização da orofaringe e da traquéia foi demonstrada em diversos estudos. Enquanto as Enterobacteriaceae
são identificadas na hipofaringe e no reto, antes que possam ser cultivadas na luz traqueal, as Pseudomonas são
encontradas primariamente na traquéia desses pacientes não
precedida pela colonização da orofaringe. Ao contrário,
portanto, do comportamento das bactérias entéricas, com
as Pseudomonas, a colonização traqueal é o evento primário.
Sondas, alimentação enteral e o posicionamento do paciente: Quase todos os pacientes sob ventilação mecânica
têm sondas inseridas para manejo de secreções gástricas e
intestinais, para prevenir distensão e fornecer o suporte nutricional. Sua presença promove estagnação de secreções e
maior colonização da orofaringe, além de aumento do refluxo e risco de aspiração. Por outro lado, a permanência demasiada de sondas e cânulas introduzidas por via nasal é o
principal fator responsável pelas sinusites nosocomiais,
freqüentemente de pouca expressão clínica, mas capazes
de originar sepse, especialmente em diabéticos e usuários
de corticosteróides.
Grande parte dos pacientes em ventilação mecânica revela-se primariamente desnutrida, agravando-se o estado pela
habitual oferta nutricional inadequada, insuficiente para atender à demanda metabólica. Portadores de DPOC , quando
desnutridos, sofrem episódios mais freqüentes de infecção e
agudização, tornando-se candidatos à assistência ventilatória.
O suporte nutricional enteral é benéfico aos indivíduos
mecanicamente ventilados, podendo, entretanto, favorecer
a colonização gástrica e da orofaringe, além de permitir o
refluxo, resultando em aspiração e pneumonia.
Além da elevação do pH gástrico – determinada pelo alimento de pH entre 6,4 e 7,0 que propicia a proliferação de
bactérias no estômago – se ministrado em grande volume,
especialmente quando em bolus, implica maior risco de distensão abdominal, aspiração e pneumonia. Além disso, como
costuma ocorrer em 40% dos casos, a extremidade distal da
sonda pode deslocar-se acidentalmente para o esôfago, por
vezes, com desastrosas conseqüências. Finalmente, a manipulação do alimento a ser ministrado por sonda pode resul-
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I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
tar em contaminação. Como demonstrado através de culturas seqüenciais, as mesmas bactérias presentes no recipiente que contém o alimento poderão ser identificadas no estômago e, mais tarde, na orofaringe e traquéia.
A despeito dos riscos inerentes a essa alternativa de suporte nutricional, a infusão contínua de alimentos mantém
a motilidade gastrintestinal e a integridade da mucosa, minimizando a estase e a translocação bacteriana.
Os episódios de aspiração são mais freqüentes quando o
paciente é posicionado em decúbito supino, como demonstrado através da introdução de radioisótopos no estômago,
quantificados horas mais tarde nas secreções brônquicas,
acumulados de forma mais expressiva em indivíduos restritos ao leito em decúbito supino, que naqueles mantidos com
o tórax elevado.
Cânula endotraqueal: A instalação de cânulas traqueais
representa importante transgressão às mais elementares
barreiras de proteção do aparelho respiratório, representando, por si só, o principal fator de risco para a instalação
de pneumonias em terapia intensiva. Além da injúria causada pelo trauma à mucosa das vias aéreas, que determina
redução do transporte mucociliar e maior aderência de bactérias, sua presença promove maior produção e acúmulo de
secreções, favorecendo a aspiração. A incidência de pneumonias nosocomiais é 6 a 20 vezes maior em indivíduos
mecanicamente ventilados, cujo aumento é proporcional ao
tempo de permanência da cânula traqueal, crescendo à razão de 1% ao dia.
Equipamentos de terapia respiratória: Durante a ventilação mecânica, o gás inspirado pelos circuitos deve ser condicionado às condições ideais de umidade, pureza e temperatura. Os dispositivos utilizados para prover umidificação
durante a ventilação mecânica devem ser capazes de reproduzir o condicionamento fisiológico no ponto de entrada
das vias aéreas.
Segundo o American National Standards Institute, um
umidificador deve ser capaz de gerar pelo menos 30mg de
água/L de gás, à temperatura de 30 C, durante a ventilação
mecânica.
Quando propelido para o aparelho respiratório, a partir
do umidificador que contém água aquecida, o gás sofre um
processo de resfriamento, gerando um condensado que tende a acumular-se rapidamente nas porções pendentes do
circuitos. Muito embora não produza aerossóis – e o líquido
do umidificador seja primariamente estéril e mantido a temperatura elevada, o que limita a proliferação bacteriana – o
condensado sofre contaminação pelas bactérias que primariamente colonizaram o aparelho respiratório do indivíduo.
Distante da atuação de antibióticos e protegidas dos mecanismos de defesa do organismo, permanecem aí abrigadas
e proliferam.
Acidentalmente, durante a manipulação do paciente ou
dos circuitos de ventilação, o condensado contaminado pode
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ser despejado nas vias aéreas, determinando aspiração maciça.
O uso de condensadores (discutidos em outra seção) prescinde de umidificação artificial e dispensa a substituição
freqüente dos circuitos, resultando em economia e segurança.
Além da cânula traqueal, os equipamentos de terapia respiratória representam uma fonte potencial geradora de pneumonias.
Nebulizadores utilizados para ministrar fármacos geram
pequenas partículas (< 4µm) que chegam a bronquíolos e
alvéolos. Diversos estudos registraram, no passado, surtos
hospitalares de pneumonias por gram-negativos atribuídos
ao uso de nebulizadores contaminados. Com o controle rigoroso de desinfecção desses dispositivos para nebulização,
houve redução significativa desses eventos.
A recomendação para substituição dos circuitos a cada
24-48 horas tornou-se desnecessária, especialmente em
pacientes utilizando os condensadores (discutidos em outra
seção).
QUADRO
CLÍNICO
1) Situações clínicas típicas
a) Início 48-72 horas após a internação;
b) Queixas clínicas: dor torácica, tosse com expectoração purulenta ou sanguinolenta e febre acompanhada de
sintomas como astenia e anorexia. Dispnéia, associada a
sinais de insuficiência respiratória aguda, denota maior gravidade, na dependência do tipo de agente etiológico, extensão do processo, condições prévias do parênquima pulmonar e resposta do hospedeiro à agressão. A hemoptise maciça não é ocorrência freqüente, mas pode surgir dependendo de necrose do tecido pulmonar com envolvimento da
circulação brônquica ou quando já existe predisposição anatômica ou sistêmica ao sangramento;
c) Exame físico: é possível encontrar sinais de acometimento pulmonar localizado ou mesmo bilateral com preferência pelas bases. Quando ocorre derrame pleural importante os sinais físicos se modificam, dando lugar a uma síndrome pleural predominante. Importância do exame físico
geral: é indispensável e em muitas ocasiões direciona o diagnóstico etiológico. Em casos de pneumonias pelos vírus do
herpes simples e varicela-zoster, as alterações cutâneas e de
mucosa são características e sugerem o diagnóstico.
2) Situações clínicas particulares
a) Idoso hospitalizado: a piora progressiva de seu estado
de saúde pode representar a pneumonia. Sintomas como
anorexia, confusão mental ou piora súbita de uma comorbidade aparecem com freqüência sinalizando para o diagnóstico. Nesse particular, a febre pode estar ausente e a tosse é
comumente débil.
J Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
b) Paciente portador de doença pulmonar obstrutiva crônica: é infectado freqüentemente por germes específicos,
apresentando quadro em que predomina piora do grau da
dificuldade respiratória, da tosse e mudança na quantidade
e qualidade do escarro. Devido às alterações de vias aéreas
inferiores e parênquima pulmonar, os aspectos radiológicos
diferem do habitual, com tendência a não ter um padrão de
enchimento alveolar, em focos bem definidos.
c) Doentes imunocomprometidos: quando internados em
hospitais têm maior suscetibilidade de infectar-se com germes tidos como típicos da flora hospitalar ou oportunistas.
Geralmente quando infectados, o grau e extensão da doença são mais avançados, com tendência a progredir rapidamente. Seu reconhecimento e início da terapêutica devem
ser os mais precoces possíveis, com risco de êxito letal na
ausência dessas medidas salvadoras. A caracterização das
alterações das defesas contra as infeções pulmonares, incluindo as do sistema imunológico, aproxima as possibilidades do diagnóstico etiológico, facilitando as correlações das
manifestações clínicas e radiológicas. Cada defeito corresponde a um perfil de suscetibilidade próprio, podendo-se
prever seu respectivo agente causal.
d) Uso prévio de antibióticos: esse fator é um dos mais
importantes que determinam mudanças na apresentação clínica das pneumonias, tornando o diagnóstico pelos aspectos clínicos um verdadeiro desafio. Outro problema com o
uso de drogas é a possibilidade de causar efeitos tóxicos ao
pulmão. As reações pulmonares a diversos medicamentos
utilizados, muitas vezes no tratamento da doença de base
do paciente internado, também podem levar a quadros de
pneumonite confundindo-se com as infecções.
e) Pneumonias associadas a ventilação mecânica (PAVM):
o diagnóstico clínico das pneumonias associadas a ventilação mecânica tem dificuldades ainda maiores. O diagnóstico diferencial é bastante complexo, envolvendo múltiplas
possibilidades, inclusive concomitantes. A gravidade da doença que exigiu intubação e ventilação mecânica, freqüente
acometimento pulmonar subjacente, associado às dificuldades de um diagnóstico rápido, cria um dilema médico de ter
ou não que administrar antibióticos na presença de evidências de lesão pulmonar aguda.
3) Fatores de risco
a) Pacientes com idade superior a 45 anos, DPOC, uso de
corticosteróides e/ou imunodepressores, estados de imunodepressão, presença de choque, queimados, cirurgia abdominal superior ou torácica, entre outros;
b) Tempo de incubação ou ventilação mecânica é outro
guia que nos informa da possibilidade de explicar se o aumento das secreções purulentas, novas alterações radiológicas acompanhadas ou não de um quadro febril, são realmente devidos ao fator infeccioso. Quanto mais prolongado
o tempo de ventilação, maiores são as chances de o pacienJ Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
te vir a apresentar pneumonia. Pacientes intubados com menos de 24 horas têm incidência de 15 a 20 vezes menor do
que aqueles com tempo superior a 30 dias;
c) Qualidade do tratamento intensivo: outro aspecto que
chama a atenção para o risco de pneumonia é a qualidade
de atendimento dispensado aos pacientes quando ventilados artificialmente. Sabemos que serviços que não primam
pela profilaxia das infecções e não dispõem de padrão técnico elevado convivem com índices de infecção bem mais
elevados.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de certeza da pneumonia hospitalar (PH) e
a escolha do esquema antibioticoterápico correto idealmente deveriam ser feitos através da identificação etiológica, por
cultura e antibiograma. As dificuldades na coleta de materiais que possam assegurar que a bactéria identificada é o
agente causal da pneumonia, a necessidade de técnicas especializadas para coleta e culturas desse material, a necessidade do início o mais precocemente possível do tratamento,
fazem que o diagnóstico e tratamento da PH sejam realizados sem confirmação bacteriológica, pelo menos nas primeiras 48 a 72 horas.
Para diminuir o empirismo e permitir que a escolha do
esquema antibiótico tenha grande possibilidade de dar cobertura aos agentes etiológicos mais prováveis, é fundamental
que critérios clínico-radiológico-epidemiológicos sejam interpretados cuidadosamente antes da seleção do esquema a
ser utilizado. Com esse objetivo, o diagnóstico da PH será
dividido em diagnóstico clínico-radiológico-epidemiológico
e diagnóstico bacteriológico.
D IAGNÓSTICO
CLÍNICO - RADIOLÓGICO - EPIDEMIOLÓGICO
É feito através da análise de 5 fatores:
1 ) Presença de critérios compatíveis com pneumonia hospitalar
O quadro clínico é geralmente atípico. A presença de febre, dor torácica e dispnéia pode ser relacionada às doenças
de base, não sendo assim valorizada. Pacientes idosos podem ter, como única manifestação da pneumonia, distúrbio
de comportamento. Pacientes muito debilitados ou em uso
de drogas imunossupressoras podem não apresentar febre,
nem secreção purulenta mesmo na presença de pneumonias graves.
Em linhas gerais, a suspeita da presença de PH é feita
pela presença dos seguintes achados: febre, secreção brônquica purulenta, leucocitose e infiltrado pulmonar de aparecimento recente e progressivo. As características desse infiltrado radiológico são de pouco ou nenhum auxilio no diagnóstico etiológico das PH. Vale ainda lembrar que nos pacientes graves, especialmente nos submetidos a ventilação
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I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
mecânica, muitas outras doenças podem apresentar as mesmas manifestações clínico-radiológicas, mimetizando a presença de PH. Diante de tal fato, é fundamental para o diagnóstico clínico-radiológico de PH que sejam pesquisadas e
afastadas essas outras enfermidades.
As principais doenças a serem afastadas são:
1.1) Outras causas de condensação pulmonar: edema
pulmonar, embolia pulmonar, broncoaspiração, atelectasia,
fase fibroproliferativa da SARA, etc.
1.2) Outras causas de secreção traqueobrônquica purulenta: a permanência de via aérea artificial associada a microaspiração freqüente em pacientes graves e torporosos
torna as vias aéreas rapidamente colonizadas por bactérias,
podendo induzir a produção de secreção purulenta sem doença parenquimatosa.
1.3) Outras causas de febre: no paciente grave, especialmente se submetido a ventilação mecânica. Várias são as
causas de febre sem ser PH. Dentre elas citamos a sinusite
aguda, infecção em acessos venosos, infecção urinária, no
local de cirurgia, na pele e em outros sítios. Podem existir
causas não infecciosas, como febre medicamentosa, por
transfusão de sangue, por tromboflebite, pancreatite, absorção de hematomas, fase fibropoliferativa da SARA, etc.
Outros fatores que devem ser avaliados são gravidade do
quadro, tempo de internação no momento de aparecimento da PH e presença de comorbidade.
Uma vez confirmada a presença de pneumonia pelos critérios acima mencionados, devemos avaliar a gravidade da
pneumonia, o tempo de internação e a presença de comorbidades. Através da análise desses fatores pode ter-se idéia
das possíveis etiologias e definir o melhor esquema antibiótico.
2 ) Gravidade da pneumonia
Pode-se dividi-la em leve a moderada e grave.
Os critérios para considerar a pneumonia como grave são:
• Necessidade de tratamento em UTI;
• Necessidade de FIO2 acima de 35% para manter SatO2
acima de 90%;
• Necessidade de ventilação mecânica;
• Acometimento radiológico multilobar ou com escavação;
• Sinais de acometimento sistêmico: choque, necessidade de vasopressores, débito urinário baixo (< 20ml/h), insuficiência renal necessitando de diálise.
3 ) Tempo de internação
Considera-se a PH de aparecimento precoce quando ocorre
antes de 5 dias de internação e tardia, quando após esse
período.
4 ) Presença de comorbidade
Significa a presença de outra doença previamente à pneumonia.
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Através da associação desses quatro fatores podem-se dividir as PH em grupos distintos quanto às prováveis etiologias e, baseado nisso, definir a escolha de diferentes antibióticos.
Grupo I – Formas leves a moderadas, sem comorbidades, iniciadas em qualquer período da internação ou formas
que preencham os critérios de pneumonia grave, mesmo de
instalação precoce. As etiologias mais comuns são os gramnegativos da microbiota entérica (E.coli, Klebisiela sp., Proteus sp., Serratia marcencens, Enterobacter sp.), além da
microbiota habitual das vias aéreas superiores (Hemophilus
influenzae, Staphylococcus aureus oxacilina-sensível e
Streptococcus pneumoniae).
Grupo II – Qualquer forma clínica de PH, em termos de
gravidade, com qualquer tempo de início, mas que apresente associadamente um determinado fator de risco. Nesses
casos existirá alta probabilidade de determinada etiologia,
dependendo da comorbidade. As principais comorbidades
são:
• Cirurgia abdominal recente ou suspeita de broncoaspiração: associação com anaeróbios;
• Coma, traumatismo craniencefálico, diabetes melito,
insuficiência renal: associação com Staphylococcus aureus;
• Uso de corticosteróides em altas doses: associação com
Legionella;
• Permanência em UTI, ventilação mecânica, uso prévio
de múltiplos esquemas antibióticos, doenças broncopulmonares crônicas, uso crônico de esteróide, associação com
Pseudomonas aeruginosa.
Grupo III – Corresponde às pneumonias graves, baseadas nos critérios previamente citados. Nesse grupo devem
ser consideradas no diagnóstico bactérias altamente patogênicas e resistentes a antibióticos como: Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter sp., Staphilococcus aureus oxacilina-resistentes (MRSA) .
5 ) Conhecimento das bactérias mais freqüentes
no local de internação do paciente
No diagnóstico etiológico de probabilidade, além dos fatores previamente citados, é fundamental que o médico disponha de levantamentos feitos na unidade em que o paciente está internado sobre as bactérias mais freqüentemente
causadoras de infecções e sua sensibilidade aos antibióticos.
Tais informações permitirão que sejam feitas adaptações às
probabilidades etiológicas citadas em cada grupo, dependendo da flora hospitalar habitualmente presente naquela
unidade em que o paciente está internado.
DIAGNÓSTICO
BACTERIOLÓGICO
Como já foi comentado, a identificação do agente etiológico e o respectivo antibiograma constituem o método ideal
para o diagnóstico da PH, devendo ser tentado sempre que
existam condições locais para tal. O método empregado
J Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
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poderá ser mais sofisticado, dependendo dos recursos disponíveis na unidade hospitalar. Os principais métodos disponíveis são:
1) Hemoculturas: devem ser feitas no numero mínimo
de três, com intervalos variáveis entre elas. Geralmente são
colhidas com intervalos de 30min a 1 hora devido à premência em iniciar um esquema antibiótico. Vale lembrar
que uma hemocultura positiva não é absolutamente específica para a etiologia da PH. No paciente hospitalar, especialmente no grave, com cirurgia abdominal, politraumatizado,
com múltiplas sondas ou acessos venosos múltiplos, essas
são causas de bacteremias não relacionadas à pneumonia.
2) Punção de líquido pleural: deverá ser feita no caso de
derrame pleural volumoso, especialmente se a radiologia ou
ultra-som sugerir líquido de alta densidade ou com debris
em seu interior. A identificação de bactéria nesse sítio é
especifica como agente etiológico da pneumonia.
3) Coleta de material broncopulmonar:
3.1) Aspirado traqueal: a cultura simples do aspirado traqueal tem baixa especificidade, visto que as vias aéreas de
pacientes com vias aéreas artificiais são geralmente intensamente colonizadas por várias bactérias. Tal fato também
ocorre nos portadores de broncopneumopatias crônicas,
como bronquite crônica, bronquiectasias e fibrose cística.
Normalmente, o germe causador da pneumonia está contido entre os identificados na cultura desse material. O problema é que habitualmente são identificadas várias outras
bactérias além da causadora da pneumonia, dificultando diferenciar o germe patogênico do colonizador.
Tem importância nos pacientes com suspeita de infecção, sem uso de antibióticos, nos quais o gram do material
e a cultura forem negativos. Nesses casos, provavelmente a
causa do quadro clínico-radiológico suspeito não é pneumonia. Algumas técnicas são utilizadas para melhorar a especificidade do método, como a cultura quantitativa, considerando como potencialmente patogênicas as bactérias com
concentração superior a 105.
3.2) Escovado broncopulmonar protegido: essa técnica,
descrita por Wimbley em 1970, utiliza um cateter de dupla
luz com a extremidade distal protegida por capa de polietilenoglicol. Essa proteção é expulsa no momento da coleta
do material no interior de brônquio segmentar. Dessa forma, evita-se o contato da escova com secreções de vias aéreas centrais freqüentemente colonizadas.
Mesmo com esses cuidados, existe contaminação e é necessário que o material colhido seja submetido a cultura quantitativa ou semiquantitativa, para diferenciar bactérias infectantes das colonizadoras. São consideradas bactérias provavelmente infectantes aquelas que em culturas quantitativas
aparecem em concentrações iguais ou superiores a 103.
Seguindo essa metodologia, a sensibilidade do método
tem variado de 64 a 100% (média de 82%) e a especificidade, de 69 a 100% (média de 92%). Possivelmente seja o
J Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
método com maior especificidade, embora, em vista da pequena amostra colhida (0,001ml), perca em sensibilidade
para métodos que colhem material de uma área pulmonar
mais ampla, como é o caso do lavado broncoalveolar.
3.3) Lavado broncoalveolar (LBA): pode ser feito por via
endoscópica ou às cegas. De qualquer forma, a técnica manda encunhar a extremidade distal do broncoscópio ou da
sonda, no caso de coleta às cegas, e injeção de alíquotas de
salina em volumes que variam de 20ml (denominado de
minibal) até 120ml. Através dessa técnica consegue-se recolher material de 1 milhão de alvéolos, 10 vezes mais do
que o escovado protegido. As vantagens desse método sobre o escovado protegido são a coleta de área mais extensa,
aumentando a sensibilidade e permitindo o estudo para outros patógenos, como micobactérias, fungos, vírus, Legionella e Chlamydia. Permite ainda o estudo de outras substâncias, como: marcadores de inflamação, células neoplásicas, estudo da imunidade local, etc.
A sensibilidade do método é alta, chegando a 100%, parecendo ser superior ao escovado protegido, sendo a especificidade inferior (em torno de 82%).
Recentemente, Meduri descreveu o lavado broncoalveolar protegido, com sensibilidade entre 82 e 85% e especificidade entre 83 e 86%.
É provável que a combinação do escovado protegido com
o lavado broncoalveolar permita atingir as melhores sensibilidade e especificidade. Os dois métodos exigem algum grau
de sofisticação do hospital.
4) Punção aspirativa transtorácica: é feita com agulha fina
no local onde se identifica a condensação. Tem alta especificidade, pois a bactéria identificada é geralmente a causadora da pneumonia. Tem como desvantagem complicações como a hemoptise e o pneumotórax, de alto risco no
paciente grave, especialmente se submetido a ventilação mecânica. O uso de uma agulha ultrafina, descrito por Zavala,
teoricamente diminui o número de complicações.
5) Biópsia pulmonar: em casos graves, nos quais as medidas terapêuticas fundamentadas em critérios clínico-radiológicos e na análise dos resultados bacteriológicos não surtirem efeito, havendo progressiva deterioração clínica e radiológica, especialmente se existirem dúvidas quanto à etiologia infecciosa do infiltrado pulmonar, a biópsia pulmonar
cirúrgica poderá ser necessária.
Vale lembrar que, em muitos casos, a biópsia pulmonar
pode mudar completamente a terapêutica e, conseqüentemente, o curso da doença, como, por exemplo, se a causa
do infiltrado pulmonar for a fase fibroproliferativa da SARA.
Nesses casos, a terapêutica com esteróides pode melhorar
o prognóstico do caso. A morbimortalidade da biópsia pulmonar, em mãos experientes, varia de 4 a 19%, podendo
ser realizada na própria UTI.
6) Exames sorológicos: são utilizados principalmente para
o diagnóstico de pneumonia por Legionella, vírus e Chla-
79
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
mydia. Como sua interpretação depende do aumento do
título, em exames pareados com intervalo entre as duas amostras de quatro semanas, perde importância para a decisão
terapêutica, tendo somente valor epidemiológico, confirmando a suspeita diagnóstica, a posteriori.
C ONCLUSÕES
E SUGESTÕES
O diagnóstico de pneumonia hospitalar deve basear-se
em critérios clínico-radiológicos, tendo-se o cuidado de afastar
as múltiplas outras causas presentes em pacientes graves,
que mimetizam as manifestações clínicas e radiológicas presentes na PH.
Deve-se fazer o possível para realizar a coleta de material
para estudo bacteriológico que permita identificar o provável agente etiológico da PH e conhecer sua sensibilidade aos
diversos antibióticos. O tipo de coleta de material traqueobrônquico dependerá da estrutura clínica e laboratorial do
hospital, sendo os mais específicos a coleta através do escovado protegido e lavado broncoalveolar, com cultura do tipo
quantitativa ou semiquantitativa.
Na impossibilidade das coletas anteriormente descritas, a
simples coleta de aspirado traqueal, com cultura quantitativa ou não, deve ser feita, inclusive para levantamento epidemiológico dos germes mais prevalentes nas diversas unidades do hospital.
Na impossibilidade de coleta de materiais para culturas
ou enquanto se aguardam os resultados bacteriológicos dos
materiais colhidos, devemos analisar os critérios clínicos, radiológicos e epidemiológicos para escolha do melhor esquema antibioterápico empírico. Para essa decisão os principais fatores são: a classificação da pneumonia em leve a
moderada ou grave, instalação da pneumonia antes ou após
cinco dias de internação e a presença de comorbidades. Levando-se em conta esses fatores, podem-se dividir as PH em
três grupos com diferentes etiologias bacterianas e que, conseqüentemente, serão tratadas com esquemas terapêuticos
distintos.
Não havendo método diagnóstico definitivo para o diagnóstico etiológico das PH, seu diagnóstico deve sempre ser
feito através da análise conjunta dos achados clínicos, radiológicos e bacteriológicos, no contexto da situação epidemiológica da unidade hospitalar em que o paciente está internado (ver abaixo).
4) Diagnóstico diferencial
Tromboembolismo pulmonar, contusão pulmonar, aspiração de suco gástrico, edema cardiogênico: estas e outras
condições simulam o quadro infeccioso. Assim, padrões clínicos como secreção purulenta, febre, leucocitose e infiltrado pulmonar nas radiografias de tórax não são suficientes
para indicar infecção pulmonar. Com mais ênfase nessas
condições, o diagnóstico microbiológico é importante e, em
muitas situações, o único capaz de definir com segurança o
80
diagnóstico; síndrome da angústia respiratória do adulto
(SARA): outra condição que pode ser conseqüência da pneumonia ou assemelhar-se aos sintomas e sinais do processo
infeccioso. A falta de ar progressiva, hipoxemia arterial refratária, complacência pulmonar diminuída, infiltração alveolar difusa bilateral às radiografias de tórax, na ausência
de insuficiência cardíaca congestiva, caracterizam a síndrome. Tanto é difícil dizer que a doença da resposta inflamatória sistêmica se desenvolveu a partir de um foco infeccioso,
como detectar a infecção pulmonar após a instalação da
síndrome.
T R ATA M E N TO
Antibioticoterapia precoce apropriada reduz a morbimortalidade. Entretanto, a escolha empírica dos antibióticos sem
que sejam seguidos rigorosamente os critérios recomendados para essa conduta vem-se tornando um preocupante
problema. Antibióticos antes eficientes, quando empregados indiscriminadamente tornam-se rapidamente obsoletos.
Outro fator é a mudança de comportamento de algumas
cepas patógenas, como na produção de enzimas que neutralizam as ações dos antibióticos e a emergente participação de novos microorganismos nosocomiais, que se somam
às anteriores, aumentando ainda mais as dificuldades no
tratamento.
1 ) Tratamento das pneumonias hospitalares em
pacientes não ventilados mecanicamente
a) Associação de antibióticos: o emprego da antibioticoterapia empírica inicial logo após a colheita do material para
identificação microbiológica continua apontando para as
cefalosporinas de terceira geração associadas com aminoglicosídeo, todos por via parental. O aminoglicosídeo, em
pacientes idosos ou com risco de insuficiência renal aguda,
poderá ser substituído pelo aztreonam. A associação do betalactâmico com o aminoglicosídeo ou aztreonam amplia o
espectro bacteriano pelo sinergismo e previne a emergência de resistência aos antibióticos;
b) Opções terapêuticas: como alternativa, o imipenem/
cilastatina tem cobertura para praticamente todas as bactérias hospitalares, sendo bastante eficiente em infecções por
bacilos gram-negativos entéricos, P. aeruginosa, Acinetobacter spp, S. aureus oxacilina-sensível e anaeróbios. As
quinolonas, que têm espectro semelhante ao das cefalosporinas de terceira geração, são uma boa opção, tendo uma
vantagem adicional de atuar contra a Legionella. As novas
cefalosporinas de quarta geração e ticarcilinas, de amplo
espectro, já disponíveis no Brasil, ficam na retaguarda, para
ser usadas quando os padrões de sensibilidade das bactérias
multirresistentes apontarem para essa direção. A esse respeito, podemos dizer que usar o mais novo tão rapidamente
quanto possível não resolve a questão das graves infecções
hospitalares; às vezes, pelo contrário, pressionam o fenôJ Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
meno de resistência, que pode ocorrer tão rapidamente quanto foi a pressa em utilizá-lo;
c) Monoterapia: com o advento de potentes agentes antibacterianos de amplo espectro e altamente bactericidas, a
necessidade da combinação pode não ser a melhor escolha.
A vantagem custo/efetividade da monoterapia é melhor
concedida em pacientes com formas clínicas de pneumonias mais brandas, no paciente não neutropênico e sem ventilação artificial prolongada. A presença de fator imunodepressor faz com que a terapia combinada seja mais segura,
eficiente e, portanto, mais recomendada.
2) Tratamento das pneumonias associadas a ventilação mecânica
No paciente com pneumonia associada a ventilação mecânica o esquema de antibióticos necessita ser mais agressivo, tendo em vista a maior gravidade do quadro. A associação de antibióticos é quase uma regra, especialmente nas
situações de ventilação mecânica prolongada e, devido à
alta prevalência nesse tipo de infecção de bactérias multirresistentes, como Pseudomonas, Acinetobacter, Citrobacter
e enterobactérias, os antibióticos prescritos terão obrigatoriamente de cobrir essa microflora altamente resistente. Dependendo de dados epidemiológicos locais, uma cefalosporina de terceira geração com atividade anti-Pseudomonas
associado a um aminoglicosídeo ou aztreonam pode ser uma
boa escolha para o tratamento empírico inicial.
Outros antibióticos de largo espectro, como o imipenem,
quinolonas, ticarcilinas e cefalosporinas de quarta geração,
deverão estar disponíveis e ser usados, dependendo dos estudos de protocolos de tratamento realizados criteriosamente.
3) Formas específicas de tratamento
a) S. aureus: se o estudo do gram das secreções pulmonares mostrar predominância de cocos gram-positivos, ao
invés dos gram-negativos habituais, especialmente quando
os aspectos das lesões pulmonares forem de múltiplos pequenos abscessos ou pneumatoceles associada a grandes
coleções pleurais purulentas, a possibilidade de Staphylococcus aureus aumenta consideravelmente. Nesse caso, a
vancomicina por via intravenosa deve ser associada. O teicoplanin é uma opção terapêutica, especialmente quando
existe história de antecedentes de hipersensibilidade e, em
casos mais raros, de resistência ao cloridrato de vancomicina;
b) Legionella: a respeito da Legionella, a eritromicina
intravenosa é a escolha e, em sua impossibilidade, a claritromicina. A rifamicina deverá ser adicionada ao esquema,
dependendo da gravidade do quadro apresentado;
c) Anaeróbios: na suspeita de pneumonia aspirativa bacteriana que ocorre freqüentemente em alcoolistas ou em
pacientes com predisposição a aspiração, um desses agentes, como clindamicina, penicilina G ou metronidazol, deve
ser prescrito, associado a antibióticos contra bactérias gramnegativas, prevalentes nas infeções hospitalares. Devido à
J Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
presença de resistência à penicilina apresentada por alguns
anaeróbios, principalmente Bacteroides fragilis e melaninogenicus, a preferência recai para a clindamicina, que ainda tem uma vantagem adicional ao metronidazol, por possuir alta atividade contra estreptococos aeróbios e microaerófilos;
d) Fungos: os agentes fúngicos como causa de pneumonias são sempre uma possibilidade em pacientes imunocomprometidos com grave neutropenia, disfunção neutrofílica,
transplantados de medula óssea e portadores de doenças
hematológicas malignas, como leucemias e linfomas. O Aspergilus fumigatus é o mais comum agente de infecção
pulmonar invasiva e é bastante sensível ao emprego da anfotericina B associada ou não ao 5-fluorcitocina (5FC). Derivados imidazólicos e triazólicos, como o cetoconazol, fluconazol e itraconazol, devem ser tentados, desde que haja intolerância ou resistência à anfotericina ou ainda quando a
infecção não ameaçar a sobrevivência. São drogas de fácil
manipulação e poucos efeitos adversos quando comparadas
com a anfotericina.
Outra forma de pneumonia fúngica no paciente imunocomprometido é determinado pela Candida albicans. Seu
tratamento é basicamente o mesmo, empregando a anfotericina B como droga de primeira escolha. O fluconazol intravenoso é uma opção e tem mostrado resultado preliminares bastante satisfatórios no tratamento da infecção profunda por Candida no paciente não neutropênico;
e) Vírus: Citomegalovírus – a infecção pulmonar em
transplantado ou com SIDA é tratada com ganciclovir intravenoso. O ganciclovir é um quimioterápico antiviral da classe dos antimetabólitos que tem a meia-vida plasmática de 4
horas, podendo chegar a 9 horas em caso de disfunção renal. Dos efeitos adversos, os mais comuns e também mais
importantes são neutropenia e trombocitopenia;
f) Outros vírus: outros vírus também são causa de infecção pulmonar grave, especialmente nos pacientes fortemente
imunocomprometidos. O vírus do herpes simples e varicelazoster tem excelente sensibilidade ao aciclovir, tendo a via
intravenosa como a preferencial. Como efeitos colaterais, é
capaz de produzir flebite ou inflamação no local da injeção,
falência renal aguda, alterações encefalopáticas, hipotensão
e trombocitose. Casos de pneumonias difusas causadas pelos vírus da influenzae com graves repercussões funcionais,
estando ou não os pacientes imunocomprometidos, devem
ser combatidos com o emprego das adamantanaminas:
amantadina e rimantadina. A ribavarina por via inalatória é
uma opção terapêutica quando se trata do vírus sincicial respiratório, que muitas vezes atinge gravemente os pulmões
de recém-nascidos ou crianças pequenas;
g) P. carinii: em centros de transplantados que não utilizam profilaxia, chega a ter taxa de 3 a 15%; tem como
terapêutica de preferência sulfametoxazol-trimetoprim por
tempo não inferior a 21 dias.
81
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
4) Tratamento antibiótico empírico
Uma vez preenchidos os critérios clínico-radiológicos de
PH, torna-se imperativo iniciar de imediato o esquema antibiótico enquanto se aguardam os resultados das culturas colhidas. Após esses resultados o esquema antibiótico empírico inicial poderá sofrer adaptações.
A antibioticoterapia a ser iniciada, embora empírica, deve
utilizar critérios que aumentem significativamente as possibilidades de acerto. Os critérios já foram descritos durante o
diagnóstico clínico e radiológico e são: 1) a forma da apresentação clínica da pneumonia leve a moderada ou grave;
2) o início da pneumonia antes ou após 5 dias de internação; e 3) a presença ou não de comorbidades. Com base
nesses três aspectos, as PH podem ser divididas em três grupos com diferentes probabilidades de agentes etiológicos e,
portanto, diferentes propostas de antibióticos.
Grupo I – Pacientes com formas leves a moderadas, com
aparecimento em qualquer período de internação, sem comorbidade, ou pneumonia grave de aparecimento antes de
5 dias de internação.
Etiologias mais comuns: Gram-negativos da microbiota
entérica (E. coli, Klebsiela sp, Proteus sp, Serratia marcences, Enterobacter sp.), além de Hemophilus influenzae e, menos freqüentemente, Staphylococcus aureus oxacilina-sensível e Streptococcus pneumoniae.
Antibióticos recomendados: Cefalosporinas de segunda
ou de terceira geração sem atividade anti-Pseudomonas ou
betalactâmico associado a um inibidor da betalactamase.
Grupo II – Pacientes com as mesmas características do
grupo I, porém que apresentam comorbidade. Nesses casos
associam-se ao esquema antibiótico previamente descrito
outros antibióticos, que dependerão da comorbidade presente.
As principais comorbidades são:
Comorbidade
Bactérias envolvidas
Antibióticos
Cirurgia abdominal
suspeita de
broncoaspiração
Anaeróbios
Clindamicina,
betalactâmico +
inibidor de
betalactamase
Coma, TCE,
diabetes melito,
insuficiência renal
Staphylococcus
oxacilina-resistente
Vancomicina
Prolongada
permanência em
UTI, uso prévio de
antibióticos ou
esteróide em altas
doses, defeitos
estruturais
broncopulmonares,
ventilação mecânica
Pseudomonas
aeruginosa
Usar os mesmos
antibióticos dos
casos de pneumonia
grave
82
Grupo III – Pneumonia grave iniciada após o 5º dia de
internação.
Etiologias mais prováveis
Antibióticos
Pseudomonas aeruginosa,
Acinetobacter sp
Aminoglicosídeo ou ciprofloxacina
+
cefotazidime ou cefoperazona ou
imipenem ou aztreonam ou penicilina
anti-Pseudomonas
+
vancomicina
Na suspeita de MRSA
5 ) Tratamento geral
O combate às alterações pulmonares e sistêmicas ocasionadas pelo processo infeccioso é realizado concomitantemente ao esquema antibiótico escolhido. As condições gerais do paciente precisam ser prontamente restabelecidas,
aumentando seu potencial de resposta local e imunológica
ao processo infeccioso. A insuficiência respiratória aguda é
um fator complicador dos mais importantes e tem na síndrome da angústia respiratória do adulto o mais alto grau de
complexidade e gravidade, necessitando de terapia igualmente complexa e agressiva para tentar restabelecer a normalidade. Os fatores locais e gerais que influenciam a evolução e manutenção do processo infeccioso precisam igualmente ser resolvidos. Fenômenos obstrutivos podem ter importância no desencadeamento da infecção. O emprego da
fibrobroncoscopia em muitas ocasiões pode ajudar tanto no
diagnóstico, estabelecendo a causa, como no tratamento,
em produzir a desobstrução quando provocado por tampões
de rolhas de secreção, em casos de abscessos ou atelectasias.
Em relação à nutrição, podemos dizer que a desnutrição
é um fator de agravo às defesas do hospedeiro, estando
freqüentemente associado a má resposta ao tratamento. O
cuidado com a nutrição deve ser tão imediato como a necessidade de utilizar os antibióticos.
6 ) Duração do tratamento
É difícil de determinar, não existindo estudos a respeito
desta questão. A presença de comorbidades e/ou bacteremia, a gravidade da doença e evolução clínica devem ser
levadas em consideração. Em geral, pneumonias hospitalares poderiam ser tratadas por 10 a 14 dias. Em pacientes
mais graves, infectados por germes multirresistentes e especialmente imunocomprometidos, o tempo poderá estender-se por mais de duas semanas. Outra necessidade de prolongar o tratamento é quando se está diante de uma infecção com germes predominantemente intracelulares. Esses
casos podem requerer até mais de 21 dias de tratamento.
7) Avaliação de resposta ao tratamento
Uma vez iniciado o tratamento empírico, é necessário o
acompanhamento de paciente quanto à resposta a ele, no
J Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
sentido de sua manutenção, modificações ou ajustes. Os critérios de resposta podem ser clínicos, radiológicos ou bacteriológicos.
Critérios clínicos: a diminuição da febre, da purulência
da secreção traqueobrônquica, da leucocitose, a melhora na
oxigenação e a resolução da falência de órgãos são os objetivos clínicos a ser atingidos. Esses achados não costumam
acontecer antes de 72 horas de tratamento e, portanto, nenhuma mudança no regime antibiótico deve ser feita antes
disso, a menos que haja grave deterioração clínica ou os
resultados bacteriológicos dos materiais previamente colhidos apontem nesse sentido.
Critérios radiológicos: a radiologia tem valor limitado nesse sentido nos primeiros dias de tratamento. A piora radiológica é comum nos primeiros dias de tratamento, mesmo
nos casos de boa evolução. A piora radiológica nos primeiros dias de tratamento não deve ser valorizada se o paciente
está melhorando clinicamente. Devem ser valorizados como
possível piora durante o tratamento a progressão da condensação para um padrão multilobar, o aparecimento de
cavidade e de derrame pleural.
Critérios bacteriológicos: as coletas bacteriológicas de
secreção brônquica demonstrando a diminuição progressiva
da concentração bacteriana ou mesmo a ausência de crescimento de bactérias à cultura são critérios de eficácia do esquema antibiótico.
8) Causas de ausência de resposta aos antibióticos
Caso o paciente não melhore seguindo os critérios citados ou piore no curso da antibioticoterapia, as principais
possibilidades para esse fato são:
1) Causas não infeciosas estão determinando as alterações pulmonares. Dentre as causas não infecciosas citamos:
tromboembolismo pulmonar, contusão pulmonar, ICC, fase
fibroproliferativa da SARA, etc.
2) Fatores ligados ao paciente, tais como: idade superior
a 60 anos, uso prévio de antibióticos, infiltrado pulmonar
bilateral, presença de doença pulmonar crônica, diminuição
de imunidade, especialmente nos dias de hoje de AIDS.
3) Características da bactéria infectante: infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa têm curso mais arrastado do ponto de vista clínico-radiológico. A bactéria pode ser
resistente ao esquema antibiótico em uso.
P ROFILAXIA
DE INFECÇÃO
Indivíduos internados em unidades de terapia intensiva
estão particularmente vulneráveis à aquisição de infecções
graves, considerando-se a quebra de barreiras orgânicas
motivada pela conduta intervencionista, a suscetibilidade
individual e a exposição a patógenos multirresistentes. Conquanto não se disponha, de momento, de mecanismos eficazes para promover a prevenção das PAVM em larga escala,
J Pneumol 24(2) – mar-abr de 1998
considerando-se as características dessas infecções, muitas
vezes originadas de fontes endógenas, a prática sistemática
das medidas abaixo resulta em redução de sua incidência,
diminuindo as taxas de morbimortalidade.
Medidas gerais para controle de infecções nosocomiais
O projeto SENIC , estudo amplo e complexo promovido
pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) ,
conduzido no período de 1974 a 1983, com o objetivo de
analisar a eficácia das medidas de controle de infecções nosocomiais, demonstrou redução da incidência de pneumonias em pacientes clínicos e cirúrgicos, em 13 e 27%, respectivamente.
Nos hospitais em que os programas de controle não foram implementados (grupo-controle) a taxa global de infecções elevou-se 18%, registrando-se queda de 32% nas instituições que destinaram um médico e uma enfermeira para
250 leitos hospitalares, com o intuito de implantar e acompanhar tais programas.
A criação de equipes multiprofissionais comprometidas
com o processo de educação continuada, sistematizadas com
finalidades específicas, de planejar, normatizar, desenvolver,
divulgar resultados e fiscalizar os programas de controle de
infecções nosocomiais, resulta em indiscutível impacto econômico (redução de custo) e de aprimoramento do padrão
de qualidade assistencial. Como parte dessas ações, as equipes devem definir as estratégias para utilização de agentes
antimicrobianos, avaliar e divulgar periodicamente os resultados dos estudos bacteriológicos que permitam a observação das características da microbiota e o perfil de sensibilidade dos germes naquela instituição.
Técnicas de isolamento e de barreiras de proteção, assim
como práticas que facilitem a aderência às medidas de controle de infecção, devem ser estimuladas. Deve-se enfatizar
a importância da lavagem das mãos, qualitativa e quantitativamente, antes e após cada contato com pacientes e/ou
dispositivos a eles conectados, conforme as recomendações
preconizadas pelo CDC , de Atlanta.
Em casos selecionados de indivíduos que sofram admissão hospitalar em caráter eletivo, recomenda-se a administração de vacinas antiinfluenza e antipneumocócica. Em cirurgia eletiva, a abstenção prévia do tabagismo por, pelo
menos, duas semanas, tem sido recomendada. Nesses casos, a fisioterapia iniciada no pré-operatório e o controle
adequado da dor resultam em redução da incidência das
pneumonias.
Finalmente, é imprescindível o controle adequado da(s)
doença(s) subjacente(s).
Suporte nutricional
A desnutrição compromete o aparelho respiratório de diversas formas: interfere no comando ventilatório, na atividade muscular e nos mecanismos de defesa imunológica. A
83
I Consenso Brasileiro sobre Pneumonias
maioria dos pacientes em insuficiência respiratória apresenta-se, primariamente, desnutrida. Paralelamente, uma parcela significativa dos indivíduos mecanicamente ventilados
agrava seu estado carencial, devido ao maior consumo energético e de ofertas calóricas habitualmente insuficientes.
Portadores de DPOC em fase de agudização recebem, em
média, 390 calorias aquém das necessidades metabólicas
diárias.
A abordagem mais freqüente para cálculo das necessidades calóricas diárias utiliza a equação de Harris-Benedict,
derivada de estimativas do gasto energético basal (GEB) de
indivíduos normais:
GEB (homens): 66,5 + 13,8 (peso em kg) + 5,0 (altura em
cm) – 6,8 (idade em anos)
GEB (mulheres): 655,1 + 9,6 (peso em kg) + 1,8 (altura
em cm) – 4,7 (idade em anos)
O resultado obtido é multiplicado por um “fator de estresse” ou sofre aumentos em valores percentuais, estimados
individualmente, conforme a situação clínica. Dentre os fatores que aumentam a atividade metabólica estão incluídos:
febre, nível de atividade física e presença de agitação, extensão da injúria ao organismo, presença de sepse e grau de
atividade simpática. Em indivíduos mecanicamente ventilados, desde que, na ausência de sepse, deve-se acrescentar
50% ao resultado do cálculo do GEB. Assim, a maioria dos
indivíduos em insuficiência respiratória aguda requer um
aporte diário de 1.500 a 2.500 calorias. Indivíduos criticamente enfermos e em estado hipercatabólico necessitam de
oferta protéica referente a 1 a 2g/kg de peso/dia (aproximadamente 80 a 150g/dia), representando cerca de 20%
do total de oferta calórica diária.
A disponibilidade de mobilização de outras fontes energéticas, provenientes de lipídios e, principalmente, de hidratos de carbono, preserva os estoques de proteínas.
Para a maioria dos indivíduos mecanicamente ventilados,
um aporte contendo 20% de proteínas, 50 a 60% de carboidratos e 20 a 30% de lipídios é suficiente.
A oferta excessiva de hidratos de carbono, especialmente
em estados de hipercapnia, deve ser evitada, por resultar
em aumento do quociente respiratório, fruto de maior produção de CO2. A oferta calórica que atenda às necessidades
metabólicas é medida eficaz na profilaxia e combate às infecções respiratórias, por restaurar a atividade imunológica
e a força muscular, acelerando o processo de desmame.
Hemorragias digestivas, alimentação enteral, pH e
colonização
Embora haja controvérsias a respeito do uso de drogas
que determinam a elevação do pH do estômago, utilizadas
na profilaxia de hemorragias digestivas, por aumentar a concentração de bactérias no suco gástrico, com o potencial de
determinar maior índice de colonização das vias aéreas, aumentando a incidência de pneumonias, o sucralfate, além
84
de suas propriedades bacteriostáticas, exerce atuação local
por mecanismo de citoproteção, sem alterar o pH de forma
significativa. Tem a vantagem de determinar igual proteção
contra as lesões agudas da mucosa, sem o inconveniente de
propiciar maior colonização. É provável que o efeito antibacteriano do sucralfate possa explicar, pelo menos em parte, tais resultados. Considerando-se, no entanto, as propriedades farmacológicas, seu emprego através de sondas posicionadas em situação pós-pilórica não permite os benefícios desejados. A utilização simultânea de digoxina, teofilina, fenitoína, tetraciclina ou de quinolônicos pode reduzir a
biodisponibilidade.
Indivíduos em uso de alimentação por sonda enteral com
volume superior a 1.000mL/dia, considerando-se o pH elevado dessas soluções, não necessitam de medidas adicionais para profilaxia de hemorragias digestivas. Além disso,
o sucralfate requer meio ácido para exercer atuação plena.
Soluções acidentalmente contaminadas podem aumentar o
risco de pneumonias. A interrupção da infusão do alimento,
por 6 a 8 horas no período noturno, pode reduzir a colonização do estômago, por permitir o retorno do pH ao nível
basal.
A mucosa intestinal quando preservada funciona como
importante barreira de proteção à colonização bacteriana.
Em contraste com a nutrição parenteral, a infusão de alimentos na luz intestinal mantém sua atividade normal, minimizando a migração transparietal de germes.
O papel dos antibióticos
O uso indiscriminado de antibióticos promove a seleção
de cepas multirresistentes, especialmente de Pseudomonas
e Acinetobacter, com profundo impacto na morbimortalidade. Seu emprego judicioso é de fundamental importância.
A antibioticoprofilaxia por via intratraqueal é prática desaconselhável para esses pacientes, desde as observações
de Feeley et al., em 1975, que documentaram a seleção de
patógenos multirresistentes induzida por esse procedimento.
A descontaminação seletiva do trato digestivo (DSTD) consiste na aplicação tópica de antimicrobianos não-absorvíveis
(associação de aminoglicosídeo, polimixina e anfotericina)
no tubo digestivo (solução) e na orofaringe (pasta), a cada 6
horas, durante todo o período de permanência do tubo traqueal, associados ao emprego de fármacos com ação sistêmica (cefotaxima, quinolônicos ou trimetoprim/sulfametoxazol) nos primeiros dias de intubação. Esta proposta visa
modular a colonização do trato digestivo e da orofaringe,
preservando, na medida do possível, a microbiota nativa.
A despeito da ampla heterogeneidade metodológica que
envolve os diversos estudos, pode-se concluir que a prática
de DSTD, apesar de reduzir a colonização de germes gramnegativos no tubo digestivo e vias respiratórias, aumenta o
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custo, não diminui o período de permanência hospitalar e
não constitui medida de impacto na redução da mortalidade.
Além disso, os estudos demonstram resultados contraditórios em relação à eventual redução na incidência de PAVM
e à possível seleção de patógenos multirresistentes. Até que
se reproduzam resultados mais favoráveis, a prática rotineira de DSTD é desaconselhável.
Fisioterapia respiratória e sistemas de oscilação no leito
Diversos estudos demonstram que a fisioterapia respiratória representa importante recurso à prevenção de pneumonias e de atelectasias, contribuindo para a redução da
permanência hospitalar. Deve ser instituída a partir da admissão, devendo ser realizada diariamente, inclusive no período noturno. Em casos cirúrgicos, deve ser iniciada no
pré-operatório.
Mais recentemente, têm sido utilizados leitos que permitem a oscilação automática e mudanças de decúbito programadas, com o objetivo de coibir o acúmulo de secreções,
facilitando sua remoção. Alguns estudos estão em andamento
procurando convalidar o custo/efetividade dessa modalidade de profilaxia.
O posicionamento do paciente
O posicionamento do paciente com o tórax elevado (pelo
menos a 30 ) durante sua permanência no leito, especialmente quando em uso de sondas enterais ou nasogástricas,
constitui medida eficaz e sem ônus, na redução da incidência de pneumonias.
Cuidados específicos com dispositivos de terapia
respiratória
Os dispositivos utilizados em terapia respiratória representam importante fonte de infecção e devem ser tratados
de forma apropriada.
Os nebulizadores em linha para administração de fármacos devem ser substituídos a cada uso. Opcionalmente, o
emprego de broncodilatadores e, mais remotamente, de corticosteróides, através de dosificadores (metered dose inhalers), acoplados aos circuitos através de conexões específicas, pode promover igual benefício, reduzindo o risco de
infecção.
Os tubos e conexões do sistema de ventilação mecânica
devem ser substituídos a intervalos superiores a 48 horas,
especialmente quando acoplados a condensadores (“narizes
artificiais”), que dispensam a umidificação artificial. Essa
medida tem impacto econômico e operacional, além de reduzir o risco de desalojar, acidentalmente, o condensado
contaminado para as vias aéreas.
Recomenda-se não transferir equipamentos de inaloterapia ou de suporte ventilatório, de um paciente para outro,
sem a prévia desinfecção.
Sucção de secreções
Paciente em uso de vias aéreas artificiais para ventilação
mecânica tem maior propensão ao acúmulo de secreções –
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havendo maior produção, estagnação, aspiração e dificuldade de remoção espontânea – tornando imperativa a sucção através de sondas.
A sucção traumatiza a mucosa das vias aéreas, diminui a
depuração mucociliar e provoca hiperemia, edema, úlceras
e hemorragias. Sua realização com técnica apropriada minimiza tal ocorrência. Não deve ser realizada obedecendo a
periodicidade preestabelecida, mas apenas quando identificado o acúmulo de secreções. Recomenda-se a utilização de
sondas maleáveis contendo orifícios laterais.
A fibrobroncoscopia está indicada quando o acúmulo de
secreções interferir com a ventilação e/ou com as trocas
gasosas, ou na presença de atelectasia não resolúvel por
procedimentos fisioterápicos.
As sondas nasogástricas e enterais não devem permanecer por período excessivo.
Sempre que necessário, deve-se remover toda e qualquer
secreção retida na orofaringe.
É comum a colonização de bacterias, que passam a revestir as paredes internas de cânulas traqueais (em 84% das 25
cânulas examinadas através de microscopia eletrônica por
Sottile et al.), permanecendo protegidas da ação de antimicrobianos e dos mecanismos de defesa do organismo. Invariavelmente, parte desse material contaminado é deslocado
para a traquéia e brônquios às manobras de sucção.
Atenção especial deve ser dada à secreção infraglótica,
que se acumula no lume traqueal em torno da cânula, na
porção compreendida entre a região subglótica e o balonete
(cuff). Ainda que o balonete esteja corretamente inflado, não
impede a migração de pequena quantidade dessas secreções para porções distais das vias aéreas. Eventualmente,
estando o balonete insuficientemente inflado, ou durante
manobras de extubação, toda a secreção acumulada poderá
ser maciçamente aspirada. O advento de cânulas equipadas
com balonetes de alto volume/baixa pressão fez reduzir sua
incidência de 56 para 20%. Cânulas com dispositivos que
permitam a sucção dessas secreções sem a necessidade de
extubação têm sido usadas em alguns centros.
É comum a ocorrência de dessaturação durante o procedimento de sucção das secreções, determinada pela interrupção temporária da ventilação mecânica e pelas manobras de sucção. Os sistemas fechados oferecem a vantagem
de manter o paciente conectado ao respirador durante todo
o período de sucção. Estes devem ser substituídos a cada 24
horas. Embora haja alguns questionamentos quanto à presumível vantagem do sistema fechado em relação ao procedimento tradicional, sobretudo pela ausência de estudos que
demonstrem redução da incidência de pneumonias, nos indivíduos que rapidamente se tornam instáveis quando desconectados do aparelho, a utilização do sistema fechado é
prática corrente.
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Técnica adequada de sucção de secreções das vias
aéreas (sistema tradicional)
Pré-oxigenar o paciente com FIO2 de 100% por alguns
minutos.
Utilizar cateter flexível (preferentemente de 17Fr) com
técnica estéril.
Inserir o cateter até encontrar resistência.
Iniciar e manter a sucção apenas durante a remoção do
cateter.
Não prolongar cada manobra por mais de 15 segundos.
Repetir apenas quando estritamente necessário.
Evitar o uso de pressão de sucção excessiva. Limite máximo para adultos: 120 a 150mmHg (para crianças: 100 a
120mmHg).
Reoxigenar o paciente até estabilizar-se.
Narizes artificiais
Ao contrário do processo artificial gerado por umidificadores, os narizes artificiais (NA) umidificam o ar inspirado de
forma passiva.
Embora originariamente projetados para curtos períodos
de uso, tem havido grande aplicabilidade em indivíduos sob
regime de ventilação mecânica prolongada. Nessas circunstâncias, devem ser substituídos diariamente, aconselhandose verificação sistemática do nível de hidratação das vias
aéreas.
A resistência ao fluxo através dos NA requer um gradiente
de pressão de 1 a 4cmH2O, que costuma aumentar após 24
horas de uso. Embora não constitua problema para a maioria dos pacientes, em alguns indivíduos pode contribuir para
aumento significativo de resistência ao fluxo aéreo.
Não devem ser utilizados conjuntamente com umidificadores ou com nebulizadores, sob risco de aumento da resistência.
Há diversos tipos de NA: HME (heat and moisture exchangers), HMEF (heat and moisture exchanging filters), HCH
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(hygroscopic condenser humidifiers), HCHF (hygroscopic
condenser humidifying filters).
O mais simples e menos eficaz é o HME. Utiliza camadas
de alumínio que têm a propriedade de realizar mudanças
bruscas de temperatura. O condensado é formado na fase
expiratória, permanecendo retido entre essas lâminas até
que possa aquecer e umidificar o ar na próxima inspiração.
O HMEF foi inicialmente projetado para atuar como filtro
de bactérias. Utiliza material hidrofóbico (repele a água),
mantendo as condições de temperatura e umidade no segmento mais próximo do paciente.
O tipo HCH utiliza um dispositivo com propriedades higroscópicas, permitindo trocas eficientes de calor e umidade. O dispositivo é confeccionado com polipropileno, ou
com papel tratado com cloreto de lítio ou de cloreto de cálcio.
O HCHF é manufaturado com rolos de papel higroscopicamente tratado, constituindo-se, ainda, em filtro às bactérias do ar inspirado.
Contra-indicações ao uso de narizes artificiais
Secreção copiosa nas vias aéreas. Provoca tampões e atelectasia.
Volume corrente reduzido (< 0,15L). Risco de hipercapnia.
Volume corrente elevado (> 1,0L) ultrapassa a capacidade de umidificação.
VMIS baixa. Aumenta o trabalho respiratório.
VAC expirado < 70% do VAC inspirado. Esses parâmetros
devem ser mantidos constantes para bom funcionamento.
Hipotermia (< 32 C).
Durante a administração de fármacos por nebulizadores
em linha.
Apesar do interesse crescente na utilização desses dispositivos, não se conseguiu ainda demonstrar o presumível impacto na redução da morbimortalidade de pacientes sob ventilação mecânica.
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