MONITORAMENTO DO FÁRMACO NIMESULIDA EM AMBIENTES AQUÁTICOS E ESTUDOS DE COMPORTAMENTO Luciane Mirandaa, Vanessa P. Carvalhob, Vanessa E. dos Anjosc, Sueli P. Quináiad a Universidade Estadual do Centro-Oeste,e-mail: [email protected]; bUniversidade Estadual do Centro-Oeste, e-mail: [email protected]; cUniversidade Estadual de Ponta Grossa, e-mail: [email protected]; dUniversidade Estadual do Centro-Oeste, e-mail: [email protected]. Palavras-chave: Contaminantes emergentes, águas naturais, fotodegradação Introdução Os fármacos de uso humano e veterinário são considerados fontes de resíduos e metabólitos excretados nos sistemas aquáticos.1,2 Devido ao aporte desses compostos e seus resíduos no ambiente (águas superficiais, solos e sedimentos) eles são considerados uma classe de moléculas potencialmente tóxicas. Esses compostos são denominados de contaminantes emergentes pois seus efeitos no ambiente ainda não são monitorados, ou pouco conhecidos. Alguns efeitos já estão sendo associados à presença dos contaminantes emergentes no ambiente, tais como, a toxicidade, desenvolvimento de resistência em bactérias patogênicas, genotoxicidade e distúrbios endócrinos.3,4 Uma das principais dificuldades de monitoramento desses contaminantes aquáticos é a sua ocorrência em baixas concentrações, que são suficientes para produzir um impacto negativo nos ecossistemas. Assim, as metodologias de análise devem ser capazes de detectar e determinar tais contaminantes na ordem de até pg L1 2,5 . Os anti-inflamatórios não-esteroidais (diclofenaco, ibuprofeno e nimesulida, etc) são fármacos de amplo consumo e, estão entre os poluentes encontrados em efluentes de estações de tratamento de esgoto e águas superficiais que são aporte de efluentes, em concentrações da ordem de µg L-1.6,7,8 Os contaminantes de interesse emergente, uma vez presentes nos sistemas aquáticos podem sofrer uma série de processos na coluna d´água, bem como nos sedimentos. Pode-se citar os processos de volatilização, procesos de sorção em material particulado e sedimentos, dissolução, sedimentação, etc.9 A solubilidade das moléculas em água é um dos fatores que influenciam a permanência dos contaminantes na coluna d´água, ou no sedimento, grupos polares (como hidroxilas e aminas) aumentam a solubilidade de compostos orgânicos em água, enquanto, outros pouco solúveis tendem a se adsorver no sedimento.10 Processos de degradação dos contaminantes em ambientes aquático podem ocorrer pela ação de agentes abióticos e bióticos, outros compostos persistem no ambiente podendo causar efeitos tóxicos aos organismos em diferentes níveis tróficos da cadeia alimentar.9,11 A luz, principalmente a radiação ultravioleta e visível, é capaz de provocar a quebra de ligações químicas e contribui significativamente para degradar algumas substâncias em corpos d´água, por processos de oxidação, hidroxilação, ciclização e desalogenação. Assim, é necessário que a luz solar penetre no ambiente aquático. No entanto, a matéria orgânica dissolvida e particulada absorve parte da radiação solar diminuindo a intensidade da luz nas camadas de água mais profundas, dificultando os processos de degradação.12 Nesse contexto, este trabalho descreve um método voltamétrico otimizado e validado para a determinação de concentrações traço de um fármaco anti-inflamatório não-esteroidal a nimesulida (NIM) (N-(4-nitro-2fenoxifenil) metanossulfonamida),13 em efluente e águas naturais, visando desta forma, o monitoramento da qualidade de ambientes aquáticos. Além disso, NIM é um anti-inflamatório de amplo consumo no Brasil e também classificado como um poluente orgânico emergente.14 O fármacio NIM é um composto pouco solúvel em água, solubiliza-se em solventes orgânicos.15 Também, um estudo de processos de fotodegradação de NIM foi realizado para verificar sua persistência no ambiente. Na literatura não foram encontrados estudos de degradação de NIM e possíveis produtos resultantes da fotodegradação em ambientes aquáticos. Carini et al.16 realizaram um trabalho com cromatrografia (HPLC/MS) para determinação quantitativa dos principais metabólitos de NIM, livres e conjugados, em amostras de urina após 96 hs da administração de uma dose de NIM em voluntários saudáveis. Neste trabalho são citados 5 metabólitos resultantes de diversas reações na molécula de NIM, que denominaram de metabóltos nominados de M1 até M5 (M1: hidroxilação resultando na hidroxinimesulida; M2: reusultado da redução no grupo NO2; M3: resultado de hidroxilação e redução da NIM; M4: composto acetilado a partir de M2; M5: um composto acetilado a partir de M3). Material e Métodos As medidas voltamétricas foram executadas em um analisador voltamétrico Metrohm 757 VA Computrace, acoplado por uma interface a um micromputador, operando com o software VA Computrace para obtenção, armazenamento e tratamento dos dados obtidos. Uma célula eletroquímica de 100 mL, com três eletrodos foi empregada para este estudo, sendo o eletrodo de trabalho o de gota pendente de mercúrioHMDE (0,30 mm2), eletrodo de platina como contra eletrodo, um eletrodo de referência Ag/AgCl (KCl 3,0 mol L-1) e sistema de purga com gás N2 (99,999 %) acoplado para remoção de O2. Solução padrão estoque de 3,09×10 5 µL-1 do antiinflamatório NIM (Pharmanostra) foi solubilizado em etanol e mantido sob refrigeração. Como eletrólito suporte utilizou-se solução de KCl 1,0 mol L-1, em pH ajustado para 7,0 com solução NaOH. A voltametria adsortiva de redissolução catódica, no modo pulso diferencial (VAdsRC-PD), foi empregada para estudos quantitativos. O eletrólito e o pH do meio foram escolhidos e utilizados nos ensaios dos parâmetros da VAdsRC-PD visando quantificar o fármaco NIM em baixas concentrações. Com os parâmetros otimizados o método foi validado pela avaliação da faixa linear, precisão e exatidão. O NIM foi quantificado em amostras de água coletadas em seis pontos do lago de Itaipu que abrange o rio Paraná, em uma área com barragens para a geração de energia (no Estado do Paraná, Brasil). Foi incluido na amostragem efluentes de uma ETE, do município de Santa Helena-PR, que abrange a região do lago. Estudos de degradação de NIM foram efetuados através da radiação UV. Recipientes retangulares de vidro, contendo 250 mL de água ultrapura fortificada com 151,13 µg L-1 de NIM foi irradiado com lâmpada UV (vapor de mercúrio) em um ambiente isento de iluminação solar. Um frasco controle, protegido da radiação com papel alumínio, também foi preparado para comparação. Alíquotas de 2,0 mL das soluções irradiadas foram coletadas em intervalos de 4, 6, 8 e 12 hs e quantificadas por voltametria. Resultados e Discussão A metodologia para a determinação de NIM em águas naturais por VAdsRC-PD foi otimizada e os parâmetros analíticos encontram-se na Tabela 1. O perfil dos voltamogramas e a resposta de corrente de pico de NIM foram os critérios utilizados na escolha desses parâmetros. Tabela 1. Parâmetros voltamétricos otimizados para a determinação do NIM em águas superficiais. Parâmetros Otimizados Parâmetros escolhidos Modo VAdsRC-PD Potencia de acumulação - 0,4 V (Eac) Tempo Acumulação (Tac) 60 s Faixa de varredura de - 0,35 a – 0,7 V potencial (E) Velocidade de Varredura 25 mV s-1 Faixa de trabalho 0,50 a 130,11 µgNIM L-1 Limite de detecção (LD) 0,3 e 0,9 µgNIM L-1 e quantificação (LQ), Uma análise de regressão linear foi aplicada aos dados da curva no nível de 95 % de confiança, na faixa de 0,50 a 50 µg L-1 de NIM. Os dados mostram que a regressão linear foi significativa (Fcalculado (9595,7) >> Ftabelado (5,63); e não há evidências de falta de ajuste do modelo linear (Ffaj calculado (0,17) < Ffaj (tabelado) (2,96)). A precisão do método foi avaliada pelas estimativas de repetitividade e precisão intermediária e os desvios padrões entre as médias das recuperações foram 8,96 e 10,25. A exatidão foi calculada pela recuperação de NIM em eletrólito puro e em amostra real, na proporção de 1,0 mL de amostra filtrada para 9,0 mL de eletrólito puro, fortificadas com 2,0 e 2,52 µg L-1, com recuperações de 111,4 e 119,8 %, respectivamente. Os resultados de exatidão e precisão foram adequados para o analito em nível de ppb. O método desenvolvido foi aplicado na quantificação de NIM em amostras aquosas coletadas em diversos pontos do lago de Itaipu. Das amostras avaliadas, quantificou-seo 1.191,5 µgNIM L-1 em efluente coletado na primeira lagoa de tratamento do esgoto e, 230,9 µgNIM L-1 na última lagoa de decantação (ETE, Santa Helena, Paraná, Brasil), após está última lagoa, o esgoto tratado é lançado nas águas do lago de Itaipu. Nas demais amostras não foi detectado NIM. Os teores de NIM detectados em amostras de efluente podem ser considerados elevados em relação aos valores relatados na literatura para águas naturais (0,05 a 30 µgNIM L1 7,8 ). No entanto, para efluentes não foram encontrados dados para comparação. Silveira et al.7 determinaram 0,05 µgNIM L-1 em amostras de água de abastecimento no Rio Grande do Sul, Brasil. Lolic et al.,17 estudaram diversos fármacos em amostras de água do mar em Portugal e determinaram teores na ordem de 0,26 a 5,24 ng L-1. Gaffney et al.,8 monitoraram os fármacos ibuprofeno, diclofenaco e nimesulida em amostras de água bruta e tratada para abastecimento, determinando concentrações abaixo de 30 ngNIM L-1. As concentrações de NIM determinadas nas amostras coletadas no Lago de Itaipu sugerem que este fármaco está chegando às estações de tratamento de esgoto, uma análise cromatográfica poderia confirmar que os altos teores encontrados referem-se apenas ao composto de interesse. Isto indica que as estações de tratamento convencionais não removem completamente compostos farmacêuticos, pois são projetadas com o objetivo de remover compostos biodegradáveis, ou parcialmente biodegradáveis.18 Como NIM é uma molécula insolúvel em água tende a ter maior interação com o sedimento, diminuindo sua concentração na coluna d´água, verificando-se a diminuição da concentração ao longo do processo de tratamento. Estudos de fotodegradação do NIM foram realizados a fim de observar a sua persistência no ambiente. Após 8 h de radiação UV a concentração de NIM na solução, diminuiu de 30,23 para 16,67 µgNIM L-1, e com 12 hs de irradiação, observou-se a completa degradação do fármaco, caracterizada pela ausência do pico voltamétrico. Também foi avaliado a influência da temperatura (ambiente e a 40º C) na degradação de NIM por um período de 6 hs. No entanto, não foi observado degradação do fármaco através da variação da temperatura no meio. Considerações Finais O presente trabalho apresenta um método otimizado e validado com respostas analíticas com precisão e exatidão satisfatórias para a quantificação de traços de NIM em águas naturais e efluente. NIM é um composto pouco solúvel em água e foi detectado em níveis elevados nas amostras de efluente da ETE. Este fato destaca a importância de monitoramento através de técnicas analíticas sensíveis e de menor custo. Através dos estudos de fotodegradação observou-se que a NIM sofreu decomposição após 12 hs de irradiação UV, enquanto que a variação de temperatura não afetou na degradação do fármaco. Agradecimentos A Fundação Araucária e Fundação Parque Tecnológico Itaipu (FA/ FPTI) pela bolsa concedida, FINEP, CNPQ e UNICENTRO pela infraestrutura. Referências bibliográficas 1. Daughton, C.; 2008. Pharmaceuticals as environmental pollutants: the ramifications for human exposure. International Encyclopedia of Public Health. Oxford: Oxford Academic Press, v. 5, pp. 66-102. 2. Loos, R.; Carvalho, R.; 2013. EU-wide monitoring survey on emerging polar organic contaminants in waste water treatment plant effluents. Water Research, v. 64, p. 75–87. 3. Kemper, N.; 2008. Veterinary antibiotics in the aquatic and terrestrial environment. Ecological Indicators, v. 8, p. 1-13. 4. Regitano, J. B.; Leal, R. M. P.; 2010. Comportamento e impacto ambiental de antibióticos usados na produção animal brasileira. 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