A vida e a obra de Marcus Viana, autor de algumas das mais

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A vida e a obra de Marcus Viana, autor de algumas
das mais famosas trilhas sonoras de novelas, filmes
e minisséries como Pantanal, Maysa e Olga
talento nato Num
show em Belo Horizonte,
Marcus Viana toca
violino, um dos muitos
instrumentos que domina
FOTO: JOSÉ ISRAEL ABRANTES
N
por Wilson Renato Pereira
em mesmo as varadinhas educativas nos dedos
foram capazes de melhorar
o desempenho nas aulas
de piano e aumentar o
interesse daquele aluno
pelas partituras. Após muita insistência, veio o veredicto: “Melhor parar, o menino não tem
jeito para música, não!” Mal sabia dona
Aparecida, a professora, que o garoto, então
com 10 anos, se tornaria um respeitado
compositor e multiinstrumentista. Marcus
Viana diverte-se ao lembrar a história. Mas
admite que no início tinha muita dificuldade com o formalismo das partituras e
a rigidez do ensino tradicional de música.
Um dos músicos brasileiros com o maior
número de obras em catálogo (são 1.300
músicas, 58 CDs e DVDs) e autor de algumas das mais festejadas trilhas sonoras
de TV e cinema, como a novela Pantanal, a minissérie Casa das Sete Mulheres
e o filme Olga, ele até hoje se sente muito mais à vontade com o seu quase caótico método de criação musical. São arranjos livres que começam com imagens mentais, que remetem às harmonias. Coisa de
quem cresceu ouvindo Villa-Lobos sentado no colo paterno, aprendendo o significado de cada passagem das obras do
grande maestro brasileiro e depois transformando em desenhos o que as músicas
o faziam imaginar.
A sua musicalidade ele credita em boa
parte ao pai, o maestro Sebastião Viana,
também flautista, pianista, acordeonista, responsável por fazer com que, no seu
ambiente familiar, diariamente se respirassem notas, compassos e acordes. Resultado:
os seus três filhos tornaram-se músicos. O
pai foi assistente e revisor de Villa-Lobos
e professor de nomes consagrados como
Luiz Gonzaga, antes de se mudar para Belo
Horizonte, na década de 1950, para montar a orquestra sinfônica da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), que chegou
a abastecer o meio musical do Rio e São
Paulo com alguns dos seus melhores profissionais. Marcus Viana deixou aflorar sua
herança musical e durante a adolescência
frequentou diariamente a Escola de Formação Musical da PMMG, onde aprendeu
a tocar violino. Mas por insistência do pai,
que achava que a profissão de músico não
dava futuro no Brasil, acabou estudando
direito, curso que abandonou no terceiro ano
para desespero da família. “Larguei tudo e
tornei-me artista profissional ao ser admitido na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais,
onde fiquei por sete anos”, afirma.
Aos 22 anos, depois de uma temporada
nos Estados Unidos, onde aprendeu sozinho
a tocar piano e criar suas próprias melodias,
Viana tornou-se compositor e letrista das
suas próprias obras. Enterrou de vez a futura carreira de diplomata – sonho da família. “Comecei a participar e fui premiado
coração da terra
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em quase todos os festivais de música que aconteceram
em Belo Horizonte e em diversas cidades do interior de
Minas, apresentando uma inédita combinação de MPB
com o clássico. Num deles descobri que também podia
cantar”, diz Viana. Ele lembra de um desses festivais com
especial carinho. Foi no antigo Hipódromo Serra Verde,
na capital mineira, em 1975, onde aconteceu uma apresentação dos Mutantes. O músico Sérgio Dias, guitarrista da banda paulista, ficou impressionado com sua
performance ao violino e como incentivo prometeulhe enviar dos Estados Unidos um componente eletrônico (cristal) que melhoraria, e muito, o som do seu
instrumento. Promessa cumprida. Foi também nessa época que Viana conheceu o rock progressivo do
Saecula Saeculorum e se autoconvidou para participar da criação coletiva das suas obras e das apresentações públicas. Mas o grupo sobreviveu pouco tempo,
de 1974 a 1977, mesmo tendo sido chamado a gravar
por André Midani, então todo-poderoso da multinacional Warner Music, com apoio do conhecido produtor Liminha. O insucesso foi atribuído à imaturidade
dos integrantes da banda.
Órfão da energia criativa do Saecula, vieram outras
tentativas com as bandas Conclave dos Druidas e Ícaro, que não passaram dos ensaios de garagem. Depois,
em 1979, foi a vez do Sagrado Coração da Terra, considerado a síntese do pensamento e estilo musical que
é a marca registrada de Marcus Viana até hoje: o rock
sinfônico progressivo baseado nos mistérios das galáxias, no esoterismo e na natureza. Foram várias turnês
e gravações com Milton Nascimento e outros integrantes do Clube da Esquina, como Beto Guedes, Lô Borges
e Flávio Venturini. A banda, que já naqueles tempos
– há cerca de 30 anos – falava de buracos na camada
de ozônio e da destruição do meio ambiente
Show na Praça
pelos seres humanos, sobrevivia com dificuldade. Sem gravadora, em 1984, Marcus Viana
forte tempestade que caiu naquele final de tarde de
produziu por conta própria o álbum Sagrado
verão, pouco antes da última apresentação pública de
Coração da Terra, contendo canções e sinMarcus Viana e suas bandas em 2008, em Belo Horizonte,
fonias compostas e orquestradas por ele. O
não foi suficiente para assustar os moradores da periferia
da cidade que embarcam diariamente de volta para
sucesso desse trabalho levou ao segundo disco,
casa na região da Praça da Estação, hoje um lugar de
Flecha, com repercussão nacional. A música
cultura ao ar livre montado pela prefeitura. Esta foi a
título foi o tema do personagem principal da
plateia que acompanhou, sem arredar pé, as empolgantes
novela Que Rei Sou Eu? e clipe no programa
performances da clássica Transfônica Orkestra e do rock
Fantástico,
ambos da Rede Globo. O Sagrado
progressivo sinfônico do Saecula Saeculorum. Para eles,
lançou ainda mais três CDs: Grande Espírifoi como um inesperado presente de fim de ano caído
do céu, junto com a chuva e a espiritualidade da música
to, com participação especial de Milton Nasnatalina interpretada por Naiana Papini, uma jovem
cimento, Farol da Liberdade e A Leste do Sol,
soprano descoberta por Marcus Viana. Em pé ou sentados,
Oeste da Lua.
desfrutando o vibrante espetáculo de sons e luzes, sob
chuva, mal se davam conta de quem se apresentava no
Encontro marcado
palco. Numa das principais fileiras, Walace Borges, 38
Ao participar de um programa especial sobre
anos, operário de uma fábrica de tijolos, arriscou: “É da
novela Pantanal, não é? Gosto muito. Nunca ia pensar
o álbum Flecha, em 1989, na extinta TV Manque estou aqui agora, ouvindo essas músicas de graça.
chete, Marcus Viana conheceu o diretor Jayme
Mesmo querendo, nunca tive dinheiro pra pagar isso,
Monjardim, com quem começou uma parcenão”. Normalmente suas apresentações são em casas
ria que já dura 20 anos e rendeu algumas das
de espetáculos que cobram preços proibitivos para
melhores e mais conhecidas trilhas sonoras proa maioria da população. Entre esses “excluídos”, na
duzidas no País para TV e cinema. O primeiro
definição de um dos integrantes das bandas, estava
Ana Luiza Fialho, 28 anos, sua filha de três anos, Lana
trabalho bem-sucedido da dupla foi Pantanal,
Luiza e sua mãe, Maria de Fátima, que as trouxe de
seguido das novelas Kananga do Japão e Ana
ônibus para ver Marcus Viana, que conheceu quando
Raio e Zé Trovão. Viana tem ainda participarticipava do coral e ele era violinista da Orquestra
pações em Meu Pé de Laranja Lima e Serras
Sinfônica de Minas Gerais. Passando por um novo momento
Azuis,
na TV Bandeirantes; Terra Nostra, O
em sua vida, morando sozinho numa casa no alto das
Clone
e
minisséries como Aquarela do Brasil,
montanhas próximas a Belo Horizonte, após o recente
Chiquinha Gonzaga, Casa das Sete Mulheres
final de um relacionamento de vários anos, Viana não
se considera numa fase produtiva e, por isso, resistiu o
e, mais recentemente, o especial sobre a vida
quanto pôde a conceder a entrevista. Pura modéstia.
da cantora Maysa, mãe do parceiro Monjardim, todas na Rede Globo.
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F O T O S : 1 . A r q uivo pessoal . 2 . wilson renato pereira . 3 e 4 . J O S É I S R A E L A B R A N T E S
A
No cinema, fez as trilhas de Olga, Filhas do
Vento, O Mundo em Duas Voltas, da navegadora
família Schürmann, e o documentário Entre a
Luz e a Sombra, de Luciana Burlamarqui. Seu
trabalho, porém, não se restringe às composições, letras e aos diversos instrumentos que
domina com habilidade. Por meio da produtora Sonhos e Sons, é responsável pelo maior
número de CDs e DVDs lançados por uma produtora independente em todo o mundo, com
mais de 350 títulos entre música instrumental, MPB e trilhas
sonoras, passando por canções
infantis, new age, música clássica e contemporânea, world
music e rock progressivo. Desde 1985, apresenta-se com a
Transfônica Orkestra, grupo de
música instrumental e cantada formada por ele, que funde
elementos sinfônicos às raízes
brasileiras e afro-ameríndias
1
e o acompanha na execução
das trilhas sonoras de filmes
e novelas. E promove o retorno, 30 anos depois, do rock sinfônico progressivo do Saecula Saeculorum. Marcus Viana está com vários
novos projetos. Um deles é escrever um livro sobre o poder oculto
da música. Outro é ampliar a sua
produção e torná-la mais diversificada, de forma a atingir igualmen- 2
te as elites e as camadas populares,
mas trabalhando a conexão entre os
mundos físico e espiritual, de forma
que as pessoas possam praticar sua
religiosidade através da música e
usar o poder curativo dela, contribuindo na limpeza planetária. Viana
tem consciência de que suas idéias
podem não ser bem compreendidas
hoje, mas não se preocupa muito
com isso. “Aos 55 anos, não preciso que o mundo acredite em mim.
Importa colocar em prática o meu
projeto espiritual ou, como disse
certa vez o maestro Villa-Lobos, as
músicas são cartas escritas para a
posteridade, sem esperar a respos4
ta”, conclui. l
Ao participar de um
programa na TV
Manchete, em 1989,
Marcus conheceu Jayme
Monjardim, com quem começou
uma parceria que
já dura 20 anos
Música nas veias
1. Uma das primeiras formações de
Sagrado Coração da Terra. 2. Marcus
Viana e seu pai, o maestro Sebastião
Viana. 3. Com os filhos, Olivia e
João Pedro. 4. Show da Transfônica
Orkestra na Praça da Estação, em BH
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