Filosofia do esporte, ética e Educação Física, fair play

Filosofia do esporte, ética e Educação Física, fair play
ANDRÉ CODEA, HERON BERESFORD, LAMARTINE DACOSTA
E
ALBERTO REPPOLD
Philosophy of sport, ethics and physical education, fair play
Sports philosophy refers internationally to the conceptual analysis
and to the questioning of sports practices and areas related to
them (games, physical exercises, dance, physical education,
biosciences, etc), examining major themes on ethics, epistemology,
metaphysics, theory of values and aesthetics, involving the use of
the body as either physical or institutional activity. Sports philosophy
not only deals with insights of various fields of philosophy, but
above all it generates comprehensive interpretations of sports in
themselves (ICSSPE, Vade Mecum, 2000). For the appreciation of
this branch of knowledge and reflection in its development in Brazil,
this chapter initially describes the tradition of ethics associated
with the practice of physical exercises, which arrived with Jesuit
priests in 1549. This influence lasted for 200 years in the national
educational system. At the end of the 18 th century, physical
education, still rudimentary in Brazil, started to be understood as
belonging to the hygienist medical area, but it kept its tradition
linked to morals values, tendency that survived until the end of the
19th century. The very first book on physical education and sports
related to philosophy was published in Brazil in 1941. The concepts
presented in that work were close to the ones used and
internationally followed today. Few and occasional Brazilian
initiatives in sports philosophy began to appear in the 1940s. This
situation was only altered in the late 1990s, when the academic
production in this area became varied and regular. The sports
philosophy themes that prevailed in Brazil between the 1940 and
2000 were: ethics in physical education and meaning of sports in
Ancient Greece (1940s); philosophical principles of sports (1970s);
epistemology (1980s); body culture, aesthetics, principles, moral
development, ethics, fair play and values (1990s); and ethics,
epistemology and philosophy of science (2000s). In 2003, the II
Seminário de Ética em Educação Física (2nd Seminar on Ethics in
Physical Education) took place in Foz de Iguaçu-PR, southern Brazil,
with more than 100 participants and 21 papers presented.
Definições e origens A filosofia do esporte refere-se à analise
conceptual e à interrogação das práticas esportivas e áreas a elas
relacionadas (jogos, exercícios físicos, dança, Educação Física,
biociências etc), examinando-se temas substantivos de ética,
epistemologia, metafísica, axiologia e estética, envolvendo o uso
do corpo como atividade humana ou institucional. A filosofia do
esporte não somente lida com insights de vários campos da filosofia,
mas sobretudo gera interpretações compreensivas do esporte em
si mesmo. Do ponto de vista de método de investigação, a filosofia
do esporte é aparentada com a história como também se orienta
por argumentação, interrogação e diálogo de modo sistemático,
quer por meio de análise – ou crítica -, ou síntese, isto é, de forma
especulativa. A questão mais geral encontrada neste ramo da
filosofia, concerne à natureza e aos propósitos do esporte e áreas
congêneres (McNamee, 2004; ICSSPE Vade Mecum, 2000). As
raízes da filosofia do esporte se confundem com a própria origem
da filosofia desde que Platão em sua obra seminal “A República”
identificou a ginástica e a música (as artes em geral) como bases
da educação. No Brasil, como nos demais países de cultura
ocidental, o ponto de partida para estudos filosóficos envolvendo
atividades físicas apoiou-se na Antiga Grécia e na Educação Física,
sendo Inezil Penna Marinho (RJ) o pioneiro neste ramo de
conhecimento em livro de 1941. Embora, a filosofia da Educação
Física e do esporte tenha tido no Brasil poucas adesões entre
acadêmicos, houve tendências dominantes desde Penna Marinho a
saber: ética na Educação Física e sentido do esporte na Grécia
Antiga (década de 1940); fundamentos filosóficos do esporte
(década de 1970); filosofia da Educação Física stricto sensu e
epistemologia (década de 1980); cultura corporal, estética,
fundamentos, desenvolvimento moral, ética - incluíndo fair play e valores (década de 1990); e ética e epistemologia (década de
2000). Hoje, é plausível considerar o tema da ética como o fio
condutor da filosofia do esporte no Brasil. A ética, por sua vez,
pode ser definida como a ciência da moral. É justamente através de
algum princípio ético (como o princípio ético do dever, de Kant) que
se pode avaliar se o agir ou o comportamento de algum indivíduo
ou de um determinado grupo social deve ser considerado como
moral. A Moral é aquilo que uma determinada sociedade aceita
como sendo certo, ou justo, num determinado espaço de tempo,
acerca da conduta ou do comportamento social de seus integrantes.
Esta expressão possui termos correlatos. O Fair Play — que não
possui tradução exata para o português, sendo comumente referido
como “jogo limpo” (também são usadas as expressões correto,
honesto, legal) ou “espírito esportivo” — corresponde a um preceito
normativo genérico de bom comportamento individual e coletivo, e
respeito às regras das competições esportivas. No Brasil a primeira
referência sobre a Ética e a Moral associadas à prática de exercícios
físicos surgiu com a chegada dos Jesuítas, em 1549. Como
referencial básico, a Ratio Atque Instituto Studiorum, que em 1599
sofreu alterações passando a chamar-se Ratio Atque Instituto
Studiorum Societatis Jesu, foi o pressuposto basilar da educação
jesuíta, cuja existência perdurou aproximadamente por 200 anos.
A moral da Ratio consistia na idéia da construção de um Homem
bom a partir da harmonização de três postulados básicos: a
natureza, o hábito e a razão, que por sua vez contemplavam três
momentos da educação moral: a educação física, a educação do
caráter e a educação intelectual. No caso da educação física, esta
era executada à tarde, após os outros momentos, com a finalidade
de liberar a tensão gerada por tal educação.
1787 Publicação do “Tratado de Educação Física e Moral dos
Meninos de ambos os sexos traduzidos do Francês em linguagem
Portuguesa pelo Bacharel Luiz Carlos Moniz Barreto” que, embora
uma publicação portuguesa, foi divulgado no Brasil por sua situação
colonial. Possuía cinco de seus sete capítulos dedicados à Educação
Física e moral dos meninos, do nascimento aos 20 anos. A partir
deste marco, houve várias obras similares de produção portuguesa
e brasileira criando uma Educação Física rudimentar e calcada em
nexos de comportamento moral e de preceitos higienistas (ver
“Positivismo na Educação Física e Esporte” neste Atlas), que
sobreviveu até o final do século XIX.
Décadas de 1970 Este período foi em princípio fundacionista
como se verifica pelo exame do livro “Fundamentos Filosóficos da
Educação Física”, de Mauro S. Teixeira, de São Paulo-SP. Contudo,
o impacto da obra foi mínimo por carência de interlocutores. Mas
Inezil Penna Marinho ainda permanecia ligado aos temas
filosóficos, voltando-se também para o fundacionismo como se
pode verificar com a publicação em 1971 de “Hedonismo (A
Filosofia do Prazer) – De Platão e Aristóteles e Freud e Marcuse
– Os Desportos como Fonte de Prazer”. No exterior, em 1972, foi
fundada a Philosophic Society for the Study of Sport-PSSS, que
hoje se denomina International Association for the Philosophy of
Sport-IAPS, e que desde 1974 serve de base ao Journal of
Philosophy of Sport (ver site Human Kinetics) e promove um
encontro annual (IAPS Annual Meetings).
1790 Publicação do “Tratado da Educação Física dos Meninos
para uso da Nação Portuguesa publicado por ordem da Academia
Rural das Ciências de Lisboa”, pelo Dr. Francisco de Melo Franco,
brasileiro e agregado à Universidade de Coimbra, em Portugal. Da
mesma forma que a publicação de 1787, o estudo chegou ao Brasil,
e continha doze capítulos, sendo o capítulo X dedicado ao exercício,
e os capítulos VI e VII dedicados à educação moral. Estava criada a
tradição e no ano seguinte, também em Portugal, publicou-se
“Tratado de Educação Física dos Meninos para uso da Nação
Portuguesa por ordem da Academia Real das Ciências por Francisco
José de Almeida”
Século XIX Em 1819, surge em Portugal e no Brasil uma nova
publicação do Dr. Francisco de Melo Franco, “Elementos de Higiene
ou Ditames Teoréticos e Práticos para conservar a saúde e prolongar
a vida”, que apesar de ser um trabalho sobre higiene, possuía um
capítulo dedicado à influência do físico sobre o moral, e outro,
dedicado à influência do moral sobre o físico. Em 1829, imprimese no Brasil, na cidade de Recife-PE “Tratado de Educação Física
– Moral dos Meninos”, de autoria de Joaquim Jeronymo Serpa,
dentro da tradição da educação moral e dos exercícios higienistas.
Esta obra é possivelmente a primeira produção em Educação Física
impressa no Brasil (ver capítulo “Editoras de livros de esporte,
Educação Física e lazer” neste Atlas). De qualquer modo, a tradição
da postura moral em exercícios físicos estendeu-se no país ao
âmbito da medicina tendo lugar a várias teses de médicos em
busca de títulos doutorais sobre este tema. Em conjunto estas
obras demarcam um período voltado para o aperfeiçoamento moral,
contudo mais doutrinário do que filosófico, em face a que se
apoiavam em nexos positivistas e de ordem jesuíta.
Década de 1940 Após um período de pouco avanço na área,
desde o início do século, são retomadas as publicações acerca do
tema da ética na tradição primeva da Educação Física brasileira,
por iniciativa de Inezil Penna Marinho, então professor da antiga
Escola Nacional de Educação Física e Desportos-ENEFD, situada
na cidade do Rio de Janeiro (hoje Escola de Educaçao Física da
UFRJ). A obra de destaque desta fase foi o primeiro código de
ética relacionado à Educação Física: “Obrigação dos professores
de educação física nos estabelecimentos de ensino secundário”,
publicada em 1941. No ano seguinte publicou-se “A influência da
Educação Física na formação e correção do caráter”, conciliando
Penna Marinho – também formado em Direito além de Educação
Física - com a tradição. Mas o mesmo autor inaugurou o debate
filosófico de esporte em 1945, ao publicar “Os clássicos e a educação
física”, em que revivia o momento grego antigo buscando-lhe os
fundamentos da prática.
Década de 1980 Em 1983, publicação do Código de Ética do
Educador Físico-Desportivo-Recreativo, por Jacinto Targa (1983),
com base referenciada pelo autor como produção da Academia
Olímpica Internacional, Grécia, emitida em Antiga Olímpia, no ano
de 1975. Além do apelo à tradição, Inezil Penna Marinho consolida
explicitamente a área com a obra “Introdução ao estudo da filosofia
da educação física e dos desportos” (Editora Horizonte, Brasília,
1984). Esta década foi também marcada pela influência de Manuel
Sérgio, português, formado em filosofia em seu país, que se fixou
no Brasil, atuando como professor na Escola de Educação Física da
Universidade de Campinas-UNICAMP. Em sua nova função Manuel
Sérgio, levantou o debate da epistemologia a qual seria em sua
opinião o horizonte de interrogação da Educação Física, inclusive
modificando seu status ao considerá-la ‘Ciência da Motricidade
Humana’ (Manuel Sérgio, 1988, p.18). Manuel Sérgio teve intensa
participação acadêmica no Brasil – incluindo publicações várias – e
estendendo o debate até o início da década seguinte, o que afinal
favoreceu o crescimento de atenções sobre as temáticas filosóficas
das atividades físicas. Em 1989, a Secretaria de Educação Física e
Desportos do Ministério de Educação-SEED, órgão do MEC, publica
“Valores Humanos, Corpo e Prevenção”, livro coletivo no tema dos
exercícios físicos para a saúde com a participação de seis autores
médicos e dois doutores em filosofia: Lamartine DaCosta (RJ) e
Silvino Santin (RS). Os autores de especialização filosófica
definiram na introdução e em suas contribuições ao livro, as
interrogações da atividade física em geral dentro da moldura
axiológica humana, reforçando assim indiretamente o papel da
filosofia do esporte como disciplina de fundamentos para as demais
relacionadas às atividades físicas no ambiente acadêmico brasileiro.
Década de 1990 Neste período a filosofia do esporte produzida
no Brasil alcança finalmente regularidade e delimitação de
abordagens, saindo do casuísmo e oscilações, em que pese o
reduzido número de especialistas e protagonistas diversos. Os temas
dominantes da época foram cultura corporal, estética, fundamentos,
desenvolvimento moral, ética, fair play e valores. O destaque do
período foi Silvino Santin da Universidade Federal de Santa MariaUFSM, da cidade do mesmo nome no RS. Santin fez seu doutorado
em filosofia na Universidade de Paris IV, Sorbonne (1971-1974), e
voltando ao Brasil, escreveu oito livros nos temas da corporeidade,
ética, estética, filosofia da ciência e axiologia abordando questões
da Educação Física e lazer, ao longo da década de 1990 e embora
não fosse formado em Educação Física. Além desta produção, Santin
fez-se presente como convidado em diversos congressos e outros
DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S
DO ESPORTE NO BRASIL.
RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006
18. 89
eventos acadêmicos de Educação Física, constituindo um efetivo
vetor da popularização da filosofia do esporte no Brasil, sem que
usasse tal expressão mas adotando posturas bem próximas as
definições atuais do Vade Mecum-2000 do International Council of
Sport Sciences and Physical Education-ICSSPE, expostas no início
do presente capítulo. Em meados da década Santin transferiu-se
para o mestrado em Educação Física da UFRGS, onde se aposentou
mas deu continuidade ao seu envolvimento com a filosofia do
esporte. Nesta meados da década, Antônio Roberto Rocha Santos
(PE) recebe o título de Doutor em Ciências do Desporto pela
Universidade do Porto, Portugal, defendendo tese sobre o fair play
e a ética no esporte.
1993 - 1994 Publicação do artigo ‘Avaliação do desenvolvimento
moral de adolescentes em relação a dilemas morais da vida diária
e da prática esportiva’, por José Luis Lopes Vieira (Revista da
Educação Física da Universidade Estadual de Maringá, v. 4, n. 1, p.
34, 1993). Este trabalho sinalizou o aparecimento de pesquisas em
ética nos esportes por estudantes de mestrado e doutorado, bem
com por professores da graduação em suas contribuições para
congressos, descentralizando o saber ainda concentrado em poucos
expoentes. No ano seguinte, Eduardo Montenegro, na Universidade
Gama Filho do RJ, defendeu sua dissertação de mestrado relativa
a uma pesquisa de campo sob a denominação “Educação Física e o
desenvolvimento moral do indivíduo numa perspectiva
Kohlberguiana”. Também em 1994, Maria da Graça Lisboa e Rosane
Maria Batista Pereira, professoras da graduação em Educação
Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ, publicam
o livro “Filosofia da Educação Física” (Edições EST, Porto Alegre),
reforçando assim a área de fundamentos das atividades físicas.
1994 Lançamento do livro ‘A ética e a moral social através do
esporte’, de Heron Beresford, pela Editora Sprint (RJ), que
representou um passo à frente na literatura sobre o tema no Brasil
pois era produto não só do fazer acadêmico, como em Santin, mas
também representava uma linha de pesquisa em operação regular
e de formação de outros pesquisadores, em duas universidades do
RJ – UERJ (graduação) e Universidade Castelo Branco-UCB
(mestrado). Beresford era e permanece professor de Educação
Física com doutoramento em filosofia.
1996 Retomada do debate epistemológico da Educação Física por
meio de um número especial da revista ‘Motus Corporis’ da UGF,
Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Educação Física, reunindo os doutores Go Tani (USP), Mauro Betti (UNESP) e Hugo Lovisolo
(UGF). Nesta fase, a preocupação situou-se mais em questionamentos
do estatuto da Educação Física como ciência autônoma, em oposição
aos posicionamentos de Manuel Sérgio. A conseqüência principal
desta disputa acadêmica foi a da criação de linhas de pesquisa em
epistemologia da Educação Física na Universidade Estadual de SPUNESP, em Piracicaba-SP, e na UGF, no RJ.
1997 Lançamento do texto de Pedro Ângelo Pagani, ‘A prescrição
dos exercícios físicos e do Esporte no Brasil (1850-1920): cuidados
com o corpo, Educação Física e formação moral’ (In Ferreira Neto,
Amarílio (org). Pesquisa histórica em Educação Física 2. Vitória,
Ed. da UFES, 1997). Esta contribuição constituiu uma revisão
histórica da moral do esporte no Brasil, criando bases para as
interpretações que se sucederam, incluindo este capítulo. Neste
ano realizou-se a primeira edição do Fórum Olímpico no RJ,
promovido pela UGF com 40 participantes e 13 trabalhos
apresentados (coordenação de Lamartine DaCosta). Este evento –
18.90
DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S
DO ESPORTE NO BRASIL.
originalmente liderado pela Academia Olímpica Brasileira–AOB,
órgão do COB - desde então tem incluído trabalhos sobre ética e
fair play, tornando-se um dos sustentáculos da filosofia do esporte
no país. Neste ano, Hugo Lovisolo, doutor em Antropologia Social,
da UGF, publica pela Editora Sprint do RJ, ‘Estética, Esporte e
educação Física’, ampliando a compreensão da filosofia do esporte
por uma de suas principais vertentes de estudo.
Guiraldell
1999 Defesa de Dissertação de Mestrado ‘Fair Play, que Fair
Play?! Doutrina, ou exercício da moral?’, por Fernando Antônio dos
Santos Portela, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
Física da Universidade Gama Filho, sendo orientador o Prof. Dr.
Lamartine DaCosta. A este estudo se sucedeu o Grupo de Pesquisas
sobre Estudos Olímpicos, no modelo CAPES-CNPq, o qual passou
a incluir de modo regular estudos éticos e de fair play. O Grupo de
Pesquisas da UGF em temas olímpicos incorporou a experiência de
vínculos com a Academia Olímpica Internacional, na Grécia, onde
Lamartine DaCosta atuava desde 1992 como conferencista e
orientador de alunos de pós graduação (ver capítulo ‘Estudos
Olímpicos’ neste Atlas). Neste particular, a filosofia do esporte em
versão brasileira ganhou mais um ponto de apoio, traduzido por
intercâmbio com o exterior.
2000 Neste ano, Alberto Reppold (RS) defende sua tese de
doutorado na Universidade de Leeds, Inglaterra, na área de filosofia
do esporte e em abordagem epistemológica, sob denominação de
“In Search of academic identity: physical education, sport science
and the field of human movement studies”. Reppold era egresso da
Academia Olímpica Internacional, Grécia, e como tal por meio de
intercâmbio foi admitido em Leeds e tendo como orientador um
dos nomes de destaque internacional em ética do esporte, Jim
Parry (ver ‘Fontes’ abaixo). Neste ano, realiza-se o I Seminário de
Ética Profissional no RJ, na UCB, promovido pelo Conselho Federal
de Educação Física-CONFEF (criado em 1998 pela Lei 9696) que a
partir daí passou a protagonizar o desenvolvimento da ética do
esporte no país. Durante o evento, três doutores especializados em
ética e também formados em Educação Física – Lamartine DaCosta
(UGF), Antônio Roberto Rocha Santos (UFPE) e Heron Beresford
(UCB) – produziram a primeira versão do código de ética
profissional em Educação Física a ser adotado pelo CONFEF.
2000 Publicação do Código de Ética da Educação Física pelo
Conselho Federal de Educação Física-CONFEF, por meio da
Resolução n° 25/2000.
2001 Realização do XII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte,
com o tema Sociedade, Ciência e Ética: Desafios para a Educação
Física, realizado em Caxambú-MG, em outubro deste ano (ver
capitulo correspondente ao CBCE neste Atlas).
2002 Realização do Fórum Olímpico 2002, com vários temas
dedicados ao esporte olímpico, e em especial o tema Filosofia e
Olimpismo, Ética Profissional, Violência, Doping e Fair Play nos
Esportes, realizado no Rio de Janeiro-RJ, em julho deste ano. Este
evento gerou seis livros, à época editados em CD-ROM.
2003 Realização em Foz do Iguaçu-PR (janeiro), do II Seminário
de Ética Profissional em Educação Física, com cerca de cem
participantes e 21 contribuições apresentadas.
Situação Atual A filosofia do esporte no Brasil possui tradições
próprias e tem tido poucas relações com exterior em seu
RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006
desenvolvimento. Contudo, em 2004, foi publicado o livro “Ética
Profissional em Educação Física”, pela Editora Shape do RJ,
contendo as contribuições do Seminário do ano anterior de Foz de
Iguaçu-PR (299 páginas). Estes trabalhos possivelmente refletem
hoje direções de pesquisas e a ordem de grandeza da filosofia do
esporte no Brasil, uma vez que o evento citado reuniu cerca de 100
pessoas, incluindo nomes tradicionais – Santin, Beresford, DaCosta,
Rocha Santos, Reppold – e os participantes dos dois grupos de
pesquisa mais produtivos do país em ética em esporte e fair play
(UCB/UERJ de Beresford e UGF de DaCosta). Neste conjunto
incluem-se também novos doutores formados no exterior e outros
especialistas de adesão recente aos temas filosóficos de vieses
esportivos no país. Nestas condições, há possibilidades de que esta
temática filosófica já tenha uma massa crítica que lhe dê autosustentação e incentive maiores relações com outros países além
do que foi feito até o momento via Academia Olímpica InternacionalGrécia. Na graduação de Educação Física, por exemplo, a ética
como disciplina colocou-se em 14º. lugar entre outras 82 oferecidas
pelas faculdades da área em levantamento de 1997 (amostra de
25% do total de faculdades do país), segundo informa DaCosta
(1999). Neste inventário cabe ainda relevar a área de epistemologia
cuja sustentação tem sido sinalizada com o funcionamento regular
desde 2000 do Grupo de Trabalho Temático (GTT) do Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte-CBCE, com a elaboração de
“...estudos dos pressupostos teórico-filosóficos presentes nos
diferentes projetos de delimitação da Educação Física como um
possível campo acadêmico/científico”. Tal iniciativa somada aos já
mencionados Grupos de Pesquisa e disciplinas envolvendo a
epistemologia das atividades físicas em universidades brasileiras,
sugere uma vertente adicional em crescimento e se sobrepondo
aos estudos éticos da tradição.
Fontes McNamee, M. J. Philosophy of sport. Journal Nurs
Philosophy, vol. 5, no. 2, 2004, pp. 182 – 183; Osterhoudt, R. G.,
Simon, B. & Volkwein, K., Philosophy of Sport. In ICSSPE Vade
Mecum – Directory of Sport Science, ICSSPE, Berlin, 2000, pp.107
– 121; McNamee, M. J. & Parry, S.J., Ethics & Sport, Routledge,
London, 2002; Sérgio, M. Para uma Epistemologia da Motricidade
Humana, Compêndium, Lisboa, 1988; SEED – MEC, Valores
Humanso, Corpo e Prevenção, Quintas, G. (ed), 1989; Santin, S.
Educação Física, Ética, Estética e Saúde. Edições EST, Porto Alegre,
1995; DaCosta, L.P. Olympic Studies, Editora UGF, 2002; Beresford,
H. A Ética e a Moral Social através do Esporte. Rio de Janeiro:
Sprint, 1994; Coletânea de textos em estudos olímpicos, Editores
Marcio Turini & Lamartine DaCosta. Rio de Janeiro, Editora Gama
Filho, 2002: Constantino, Márcio Turini. A prática do Fair Play no
contexto da culturalidade: Análise de atividades de Fair Play em
olimpíada escolar como reforço do desenvolvimento do espírito
esportivo, Rubio, K. et al. A Areté e o Fair Play na organização do
Movimento Olímpico Contemporâneo, Belém, C. M., Valores do Fair
Play nas aulas de Educação Física e na prática esportiva dos alunos
das Escolas Agrotécnicas Federais; Marinho, I. P. História da Educação
Física no Brasil. São Paulo, Cia. Brasil, 1979; Marinho, I. P. Obrigação
dos professores de educação física nos estabelecimentos de ensino
secundário. Boletim de Educação Física, Rio de Janeiro.v.1, n.1,
p.85-90, jun. 1941; Targa, J. Código de Ética do Educador FísicoDesportivo-Recreativo. Educação Física e Desportos, n. 4, p. 43, set
1983; www.epistemologiaeducacaofisica.hpg.ig.com.br/; DaCosta,
L.P. Formação Profissional em Ed. Fis. no Brasil. Editora Furbe,
Blumenau, 1999.
A philosophical approach to Olympism
LAMARTINE DACOSTA
In “Olympic Studies”, 2002
Amateur Athletic Foundation of Los Angeles (www.aafla.org/search/search.htm)
Writing of the philosophical foundation of modern Olympism in
1935, Pierre de Coubertin notes that “célébrer les Jeux
Olympiques, c’est se reclamer de l’histoire” (1). Our times are
clearly very different. All those sport academics who claim for
more precise definitions of Olympism, surely have good grounds
for doing so. But, only a few of them have been making use of
adequate historical accounts in order to support their arguments.
There are some attempts to move beyond this epistemological
challenge. Hans Lenk aimed to relate Olympism to a social
philosophy. Nobert Mueller takes another view since this
philosophy should be educational. Jim Parry in turn proposes a
philosophical anthropology. Lamartine DaCosta forwards a
“process philosophy” in the sense of an ongoing development
of Coubertin’s traditional conception of “philosophy of life”
embodied by the Olympic Charter. But are we right in
understanding Olympism in an ought-to-be framework? Aren’t
we simply applying intersecting viewpoints from different
disciplines of knowledge to construct Olympism? Yet at this
point it may rightly be retorted that the way in which we all
have stated the problem is misleading. Perhaps most of the
efforts to define Olympism have been unhistorical in their
nature, that is, in observing its qualities in practical
circunstances. And to solve an epistemological problem,
historical standpoints are still one the best preferred option
among philosophers. After all, history is often considered the
locus classicus of epistemology. Following my former suggestion
that Olympism is mostly a composition of narratives on Olympic
ethos created and celebrated by its adherents, let us in the
light of such assumption search the subject-matter of the actual
Olympic past. Doing so, we aim to disclose core meanings of
Olympism in the overall historical process of the Olympic idea
development. To begin, it is convenient to proceed to another
presupposition that experiences of Olympism involve
characteristically tensions originated by oppositions when
shifting from a social or cultural situation to another.
This initial hypothesis has as an argumentative ally the narrative
of Socrates’ judgement that lies in the foundational thinking of
western thought, including Olympism as far as Coubertin had
reshaped the Olympic idea from ancient Greek culture. Thus
far, in the famous judgment against Socrates in 399 B.C. a
reference was made to Olympic athletes that is still thoughtprovoking to contemporary observers. As Plato describes in his
Apologia, Socrates appealed to his judges for the same treatment
meted out by tradition to Olympic Games heroes, if fraternity
in the polis was the point at issue rather than public accusations.
The verdict has remained an important issue in moral discussions
ever since. Socrates was condemned to death for alleged
corruption of youth, despite a life dedicated to making his fellow
citizens good and wise. In fact, the philosopher and forefather
of ethics suggested his own condemnation for the sake of the
Athenian city-state, giving no alternative to the judges, who
had to obey the law when the accusations were acknowledge
as truthful. It was equally clear that the institution which
provided justice should be preserved even when doing wrong.
This Socratic decision remains, for skeptics, an instance of ethical
relativism, an ambivalence expressed and defined in an
Aristotelian epigram: “Fire burns both in Hellas and in Persia;
but men’s ideas of right and wrong vary from place do place”. It
is no coincidence that Olympic athletes were referred to by
Socrates when he called for recognition of his efforts to improve
the citizens’ social and political relations. In fact, by the 5th
century BC the Olympic Games were a gathering of poets,
musicians and sophists as well as athletes, all of them competing in
public performances. This peculiar spirit of competition was in
contradiction with the ideal of Socrates, in his search for the truth,
as he proposes an exchange of arguments without winners or losers,
in exact opposition to the sophist teaching. This contradiction
explains the skepticism and relativism with which Socrates was
interpreted by Protagoras and Gorgias, eminent sophists of Ancient
Greece.
By contrast, the far-reaching repercussions of Socratic conduct on
western philosophy are due primarily to the fact that justice and
fairness are more easily recognized by their opposites. Socrates
played on this in order to sacrifice himself as a moral lesson to the
polis. This historical hint has, eventually, been followed up by modern
institutions which encourage ethical attitudes, including the Olympic
Movement of our time. As a result, Olympism is primarily bound up
in paradoxical choices, namely how to curb corruption in sports
competition and management and preserve sports organizations –
usually the source or agents of misconduct – while pursuing purely
educational and pedagogical goals (the so-called Kalos Kagathos).
For their part, sports leaders today raise objections and questions
about unfairness in athletic behavior, without necessarily putting
forward any answers. The emphasis on the educational purposes of
Olympism can thus be seen as a source of the contradiction which
exists within sport, namely the attempt to keep institutions alive
while pointing our their mistakes and defects. But if Socrates’
ethical philosophy is fully taken for granted otherwise, his dramatic
moral attitudes imply a real impossibility of finding answers. Among
philosophers this situation has then been called aporia, the Greek
word of puzzlement, meaning the cognitive perplexity posed by
statements in opposition. This natural outcome eventually brought
out by interrogations seems furthermore to be at the heart of the
practical problems of present-days top sport. Coubertin himself
became “aporetic” when he began to criticize the misconduct of
sports practice shortly before his death in 1937.
In this instance, the ethical questioning of Olympism should not
be about choices, as usually stated, but about how to reconcile
opposing attitudes. In other words, the supposed opposition will
become real if Olympism decides to treat its difficulties in the
context of a crisis, a choice similar to that of Socrates at his
judgment. Conversely, however, assuming that sports conflicts
are a natural risk, the Olympic Movement will be dealing with
aporias, implying a constant exchange of arguments and solutions,
as the early Socratic basic thinking suggested for those seeking a
virtuous life in the polis. On the basis of these facts and
speculations, it is possible to contend that sport, in seeking aretê
(excellence), is naturally aporetic. Paraphrasing Alasdair
MacIntyre when he discusses excellence, sport involves rules as
well as achievements so far we cannot reach the latter without
accepting the former. Although this interplay justifies competition
- de justus est disputandum -, individual’s achievements in sport
usually put aside external authority. In short, according to
MacIntyre, this apparent contradiction has to be understood
historically because “the sequences of development find their
point and purpose in a progress towards and beyond a variety of
types and modes of excellence”(2).
Then, skeptics of former times as well as many sports scientists
and philosophers of the present day apart, historical experience
should be ahead of knowledge production, favoring an attitude
which perceives sport in terms of its contradictions. Indeed, alongside
proposals for education, self-realization and cooperation based on
modern Olympic ideals unresolved conflicts have emerged
persistently over the years since the first Olympiad of modern
times in 1896. Experience is therefore likely to reveal that
Olympic ethics lags behind the ongoing process of cultural,
economic and political change in many societies. Of course,
spectacle, professionalism, nationalism and sectarianism are
factors which have played a historical role in the weakening of
the humanistic values of sport, but when facts are compared
with updated interpretations of Olympism, an element of
incompatibility still remains. On the other hand, the reactions
of sports institutions and leaders have been characteristically
reductionist and contingent, expressing the inside view of sport.
For this ethicist, a dependable ethics for top sport should be
related to contextual factors so as to fit in with the plurality of
values on which today’s sports practice is based. In short, the
gap in sports ethics is primarily due to the mistaken isolation of
top sports organizations - with the inclusion of IOC – from the
external social environment. This solipsism is often criticized
by philosophers because it represents an attempt to avoid
refutations, a rationale of many religions and movements
supported by ethical codes or principles. Such isolation was
envisaged by Coubertin, as reported by Juergen Moltmann in a
past IOA session, where he defined Olympism as a modern
religion (religio athletae is an expression commonly found in
the writings of Pierre de Coubertin but in the sense of conscious
and full dedication to sport) (3). Now, if Olympism is to be seen
in the context of broad cultural relations its radical reliance on
ethical principles simply does not make sense, given the socalled “moral crisis” of nowadays which levels down all social
conventions in any country or region. This argument is in itself
sufficient to confirm the applicability of the notion of aporia as
a prima facie interpretation of top sport in general and of the
Olympic Movement in particular, alongside their historical and
philosophical foundational approaches.
Moreover, a comparison of sports with culture can shed light on
the aporetic meaning of sport both on the competition ground
and in its management. As continually emphasized by analysts
of current trends, the fragmentation of social relations, the
prevalence of individualism and commercial attitudes, the
increasing domination of the mass media and even the
breakdown of values have given rise to insurmountable conflicts
in cultural production of many kinds. Much of this new trend
generates questions without answers, both in sports and in
various other spheres of culture. Again, rather than simply
arguing “for” or “against” supposed distortions of sport, debates
concerning the development of Olympism should take the
reconciliation of opposites as an introductory step, adopting an
aporetic line of reasoning. This choice is valid either in
addressing social or cultural interrogations of present times.
For that, the old Greek philosophy is still helpful since the
Aristotelian tradition attempted to solve aporias by introducing
them initially into a higher totality as a means of reducing their
problematic content.
References (1) Coubertin, P., Les assises philosophiques de
l’ Olympism moderne. Le Sport Suisse, 7 août 1935, p.1. In
Mueller, N. (ed), Pierre de Coubertin - Textes Choisis, Tome II,
Weidemann, Zurich, 1986, p. 439; (2) MacIntyre, A., After Virtue.
University of Notre Dame Press, 1984, 189 – 190 (3) Moltmann,
J., Olympism and Religion. International Olympic Academy,
20th Session Report, Ancient Olympia, 1980, pp. 81- 88.
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DO ESPORTE NO BRASIL.
RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006
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